retomada
Podcast analisa os desafios da retomada econômica no Brasil
Valdir Oliveira, superintendente do Sebrae no DF, explica que sem equilíbrio político economia está fadada à estagnação
João Rodrigues, da equipe da FAP
A economia brasileira segue em ritmo lento e frágil de recuperação. O Produto Interno Bruto (PIB) – que é o conjunto de bens e serviços produzidos pelo país – caiu 0,1% no 2º trimestre de 2021, na comparação com os três meses anteriores, conforme divulgado nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados mostram que a economia no Brasil perdeu fôlego. A inflação elevada, a ameaça de apagão e a crise hídrica preocupam toda a sociedade.
O podcast desta semana da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) recebe o superintendente do Sebrae no DF, Valdir Oliveira. Ele fala sobre as dificuldades da retomada econômica em meio à crise política, fiscal e institucional, da queda na distribuição de renda e da importância da participação dos médios e pequenos empresários para o Brasil voltar a crescer.
Ouça o podcast!
O episódio conta com áudios do Jornal Nacional, da TV Globo, e do canal no Youtube Morning Light Music.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.
DW Brasil: Sem vacinação não haverá retomada no Brasil, dizem economistas
Economistas veem cenário "medíocre" para 2021, e boa gestão da crise sanitária é tida como fundamental para recuperar empregos e renda.
Larissa Linder, DW Brasil
O ano de 2020 representará, senão a pior, uma das piores quedas do Produto Interno Bruto (PIB) da história do país. O Ministério da Economia prevê queda de 4,5%. Já a Fundação Getulio Vargas (FGV) estima um recuo de 4,7%, o que faria com que o PIB per capita retrocedesse ao nível de 2009. Encerra-se assim, dizem especialistas, uma década perdida, com desempenho ainda inferior ao dos anos 1980. É com essa herança e com a bagagem da pandemia que começa 2021.
O ambiente econômico congrega, além da crise na saúde, o fim do auxílio emergencial, desemprego recorde, agravamento da situação fiscal e inflação. "É um cenário medíocre, resta saber quão medíocre vai ser em 2021”, diz a consultora econômica Zeina Latif. A previsão do governo é de alta de 3,2% no PIB em 2021. Na última sondagem do mercado feita pelo Banco Central, divulgada na segunda-feira, 28/12, a expectativa era de alta de 3,49%.
A DW Brasil conversou com economistas para entender o que se pode esperar para o ano que se aproxima. Entre os fatores apontados, um ponto em comum: a importância da vacinação em massa para a recuperação da economia. Por enquanto, contudo, nenhuma vacina foi aprovada pela Anvisa, e a previsão do Ministério da Saúde é de começar a imunização em fevereiro. Mas mesmo isso ainda é uma incerteza.
Sem vacinação, sem recuperação
Da vacinação dependerá, em boa medida, a melhora do mercado de trabalho e, portanto, da renda, duas variáveis essenciais em um contexto no qual 67 milhões de brasileiros deixarão de contar com o auxílio emergencial, o que, por sua vez, afetará o consumo.
"Eu acho hoje a vacina a variável fundamental, porque o setor de serviços depende de interação social, e é intensivo em mão de obra”, afirma a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos.
A pandemia e as medidas de quarentena impactaram principalmente o setor de serviços, que responde por quase dois terços do PIB e dos empregos. O volume de serviços avançou 6,3% no terceiro trimestre ante o período anterior, mas ainda segue longe do nível pré-pandemia. No segundo trimestre, o tombo havia sido de 9,3%.
A vacinação também teria um efeito de redução de incertezas, importante para impulsionar os investimentos, já afetados pelo contexto macroeconômico. Para Latif, além da volatilidade cambial, o que tira o sono de quem está no setor produtivo é a crise na saúde.
"O sujeito é um produtor de móveis, aumentou a demanda agora, e ele contratou mais gente, mas ele vai muito além disso? Provavelmente não. Ele está dirigindo na neblina”, exemplifica a consultora. "A gente fica numa armadilha: porque não cuidamos da saúde, a economia sofre mais, aí vêm as demandas por socorro, que deterioram o cenário fiscal”.
A coordenadora do departamento de Economia do Insper, Juliana Inhasz, acredita que a vacina é "muito importante”, mesmo com as inúmeras aglomerações e o desrespeito às medidas de quarentena. "A gente sabe que tem uma parte importante (da economia) subutilizada”, diz. Mas ela pondera que a vacina não resolve todos os problemas: "A pandemia veio para agravar uma situação (econômica) que já não era confortável”.
Fim do auxílio e desemprego mais alto
A situação não confortável é, em parte, o cenário de três PIBs fracos nos últimos anos, incapazes de repor o que o país havia perdido na recessão 2014-2016. Esses crescimentos, ainda que fracos, vieram impulsionados pelo consumo, não pelo investimento.
Foi também o consumo o responsável pelo avanço recorde do PIB no terceiro trimestre, de 7,7% em comparação com os três meses imediatamente anteriores, possível em grande medida graças ao auxílio emergencial. Era um crescimento esperado diante do gasto do governo: a expectativa do Ministério da Economia é que tenham sido injetados R$ 322 bilhões em benefícios, cerca de dez vezes o valor do Bolsa Família.
Mas o auxílio chegou ao fim em dezembro, o que deve afetar a capacidade de crescimento do país pelo consumo. Segundo pesquisa Datafolha publicada em 21 de dezembro, 36% dos que recebiam o auxílio dependiam exclusivamente dessa renda.
A equação fica mais complicada com o fator desemprego. Quem ficar sem o auxílio e for em busca de geração de renda, encontrará um mercado de trabalho deteriorado. O nível de desocupação atingiu 14,6% no trimestre encerrado em setembro, segundo o IBGE, recorde na série histórica, que começa em 2012. São 14,1 milhões de desempregados, 1,6 milhão a mais que no mesmo período de 2019.
A previsão, segundo Matos, é que a taxa de desemprego fique entre 16% e 17% no ano que vem, novo recorde. A desocupação deve subir antes de retroceder, já que uma parcela da população que era beneficiada pelo auxílio volta a buscar trabalho e entra para a estatística.
Na estimativa da economista da FGV, se todos que fazem parte da força de trabalho estivessem procurando emprego, a taxa de desocupação seria de 25% hoje. "A expectativa de encontrar emprego no futuro está mais difícil. Se encontrar, é com um salário mais baixo. E com a inflação corroendo o poder de compra”, afirma Matos.
Inflação deve persistir
No ano em que os brasileiros se assustaram com os preços dos alimentos, o IPCA-15, uma prévia da inflação, fechou em alta de 4,23%, o maior avanço desde 2016. E foi justamente o grupo alimentação e bebidas - o que mais afeta os mais pobres - que mais pesou, com alta de 14,36%, a maior em 18 anos. O preço do arroz, o vilão da vez, avançou mais de 72%.
Em 2021, a expectativa é de uma participação menor dos alimentos na composição da inflação, embora ainda deva haver pressão sobre os preços desses produtos, de acordo com o economista Andre Braz, do grupo que acompanha o Índice de Preços ao Consumidor, da FGV.
Por outro lado, deve pesar mais a inflação dos serviços e dos preços administrados, como transportes públicos. Alguns reajustes foram adiados diante da pandemia, como os planos de saúde, mas passam a pesar no bolso novamente. As medianas das expectativas para o aumento dos preços administrados em 2020 e 2021 atingiram, respectivamente, 2,33% e 4,27%, segundo a última sondagem do Banco Central.
Endividamento maior e ajuste fiscal
Além de inflação e desemprego, 2021 herda um endividamento maior. A dívida bruta do governo geral saiu de 75,8% do PIB em 2019 para uma estimativa de 94,4% ao final de 2020, conforme relatório do Tesouro Nacional.
O impacto fiscal das medidas de enfrentamento da pandemia no resultado primário é estimado em R$ 620,5 bilhões, segundo a Secretaria da Fazenda. Essa despesa mais vultosa do governo federal em 2020 foi possível por conta do estado de calamidade que se instalou diante da pandemia, e que permitiu quebrar a regra do teto de gastos.
Diante da vulnerabilidade de parte da população e das empresas, além da necessidade de incentivar o consumo, as medidas de estímulo são tidas como acertadas por grande parte dos economistas, e fizeram parte do receituário de muitos países. Mas seguir com os estímulos e quebrando regras como a do teto de gastos em 2021 está longe de ser uma unanimidade.
Enquanto alguns economistas acreditam que é preciso romper com medidas mais severas de ajuste fiscal diante do contexto de desemprego e redução de renda, outros acham que isso seria uma ameaça à própria recuperação econômica, dianto do aumento do risco de insolvência do governo.
"Gastar sem ter de onde tirar pode ser uma saída política, mas pode ser muito ruim para economia. A gente tem uma fragilidade porque tem déficit há muitos anos”, avalia Matos. "É importante distribuir renda, mas concentrar todo mês R$ 600 sem saber quanto tempo ia durar a pandemia… a gente achou que iam ser cem metros, mas foi uma maratona, e nosso cobertor é curto”, diz a economista.
O caminho para o ajuste fiscal passa por Brasília e demanda articulação política. Entre as medidas mais discutidas está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, de 2019, que cria mecanismos de controle de despesas para União, Estados e municípios. A apresentação do parecer do relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), prevista para dezembro, no entanto, acabou adiada para 2021 por falta de consenso, segundo o próprio parlamentar. Também ficaram para o ano que vem reformas como a administrativa e a tributária.
O Estado de S. Paulo: Indústria voltou ao patamar de antes da pandemia, mostra CNI
Produção total do setor em setembro superou em 1,1% o registrado em fevereiro deste ano, mês que antecedeu a chegada da covid; apesar do resultado, recuperação é desigual entre os segmentos
Eduardo Rodrigues, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Após uma queda vertiginosa na produção nos primeiros meses da pandemia de covid-19, a indústria brasileira conseguiu voltar ao nível pré-crise já em setembro, mas essa recuperação atinge de maneira desigual todos os segmentos do setor. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra ainda que, apesar de já retornarem à atividade do começo do ano, muitas fábricas ainda está estão aquém dos volumes produzidos em 2019.
A recuperação na indústria tem sido bastante heterogênea. Ainda assim, a produção total do setor em setembro superou em 1,1% o registrado em fevereiro deste ano, último mês antes do novo coronavírus desembarcar no País. Com as medidas de isolamento social adotadas para conter o contágio da doença, em abril a produção chegou a ficar 31,3% abaixo do verificado dois meses antes.
Da mesma forma que a produção, o faturamento total da indústria – que chegou a ficar 24,6% abaixo do nível pré-crise - em setembro superou em 6,1% o patamar registrado em fevereiro. Os dois indicadores, porém, seguem abaixo da média de 2019. No acumulado dos nove primeiros meses de 2020, a faturamento tem um recuo 1,7% e se aproxima de igualar o desempenho do mesmo período do ano passado. Já a produção industrial ainda acumula uma queda de 8,2% na mesma comparação.
“Nossa expectativa é que a atividade industrial continue crescendo no quarto trimestre. O faturamento real da indústria certamente registrará um desempenho positivo na comparação do acumulado em 2020 com o de 2019. A produção, no entanto, fechará no vermelho”, avaliou o gerente-executivo de Economia da CNI, Renato da Fonseca.
Essa diferença entre faturamento e produção se deve à estratégia das empresas em interromperem a produção e reduzirem os estoques durante o auge da pandemia, já que a forte queda nas vendas em março e abril causou bastante incerteza sobre quando o consumo iria retornar. Com a retomada forte da demanda, no entanto, esses mesmos estoques baixos estão causando problemas na cadeia de produção.
“Com capacidades de resposta diferentes, as empresas industriais passaram a ter dificuldade de acesso a insumos e matérias-primas e de atender a demanda de seus clientes. Não fosse a dificuldade em se obter insumos e matérias-primas, o crescimento da produção industrial seria ainda maior”, destacou a CNI no documento.
O detalhamento dos dados da indústria mostra ainda que alguns setores seguem sofrendo com os efeitos da pandemia, enquanto outros parecem já ter deixado a crise para trás. As indústrias de alimentos e itens de higiene pessoal, por exemplo, já apresentam um desempenho positivo tanto na comparação com fevereiro como no acumulado no ano.
Outros segmentos de bens de consumos duráveis, como veículos automotores e vestuário ainda não conseguiram recuperar o patamar do início do ano. No acumulado do ano em comparação com 2019, eles apresentam queda de 36% e 31,6%, respectivamente.
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Mesmo com retomada do crescimento, classes D e E terão mais 1 milhão de famílias em 2025, diz estudo
Sem alívio para os mais pobres
Estica, aperta e corta se tomaram palavras de ordem para lidar com o desemprego e a alta de preços na casa de Glória de Oliveira Brito e Anderson Ornelas, ambos de 42 anos. Depois que Anderson perdeu o cargo de gerente num areal, no início do ano, a renda da família foi reduzida a um terço, para R$ 1.300. A rotina sofreu mudanças drásticas: TV a cabo é coisa do passado, assim como as idas ao shopping e a lanchonetes com as três crianças — Maria Fernanda, de um ano e 7 meses, Daniel, de 6 anos, e Gabriela, de 10 —, que abandonaram as aulas de judô e balé. As viagens habituais para Belo Horizonte e para a Região dos Lagos já não fazem parte dos planos. E até os livros escolares dos filhos mais velhos de Glória só puderam ser comprados no meio do ano.
Nos últimos anos, desde que a economia mergulhou na recessão, o cotidiano das famílias de baixa renda se tornou mais austero. E tudo indica que o cenário vai demorar a mudar. Estudo da Tendências Consultoria Integrada mostra que, até 2025, haverá expansão da pobreza mesmo com a perspectiva de retomada da economia. As famílias das classes D e E — com renda mensal de até R$ 2.166 — continuarão a crescer e chegarão a 41 milhões. A comparação das projeções para este ano e o de 2025 indica que as classes D e E devem ganhar mais um milhão de famílias. Diversos fatores contribuem para a projeção, como a migração de famílias da classe C que não conseguem manter o padrão de vida conquistado, e o surgimento de novas famílias, que se formam em condições piores.
A deterioração do cenário impressiona, especialmente à luz das conquistas da década passada. Entre 2006 e 2012, quando o Produto Interno Bruto (PIB) crescia, em média, 4% ao ano, 3,3 milhões de pessoas ascenderam das classes D e E para a C, que abrange lares com renda entre R$ 2.166 e R$ 5.223, de acordo com o critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Com a recessão e a alta da inflação, os ganhos desse período se perderam de 2014 a 2016, período em que as classes D e E tiveram aumento de 3,5 milhões de famílias. Com base no estudo, nem mesmo uma década será capaz de aliviar integralmente os efeitos da recessão. O aumento na base da pirâmide deve ocorrer em ritmo mais moderado, mas, ainda assim, somente de 2019 a 2025, período para o qual se prevê expansão da economia, serão mais 438 mil lares.
— Quando você conduz mal a política econômica, deixa a inflação subir, as mais prejudicadas são as famílias de menor renda. Aliado a isso, se deixou que os gastos públicos subissem muito. A combinação de BNDES inchado, isenções de impostos e incentivos a setores não beneficiou os mais pobres. A economia mais fechada e com viés estatizante impediu maior concorrência e oferta de preços menores. Isso privilegia alguns poucos e prejudica a maioria — avalia Adriano Pitoli, economista, autor do levantamento e diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências.
MODELO FRÁGIL DE MOBILIDADE SOCIAL
O problema nos próximos anos, segundo Pitoli, é que a “fórmula mágica” que permitiu a ascensão dos mais pobres entre 2006 e 2012 — com expansão do consumo das famílias no dobro da velocidade do PIB e ampla criação de vagas para mão de obra menos qualificada em comércio e serviços — não deve se repetir. Especialistas destacam também outros componentes que impulsionaram a mobilidade social na década passada, como a política de valorização do salário mínimo, que acumulou crescimento real de 72,31% entre 2003 e 2014, o crédito facilitado, a inflação controlada e a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho.
— Há muita coisa errada para consertar na economia. O mercado vai continuar muito fraco. As empresas vão demorar a voltar a contratar. Daqui por diante não tem mágica. As famílias vão ter de se acostumar a viver com menos por mais tempo — resume Pitoli. Com o quadro adverso na economia nos últimos anos, o nível de endividamento das famílias saltou de 18% da renda em 2005 para 30% no ano passado. Para especialistas, a rápida deterioração evidencia a vulnerabilidade do último quadro de expansão.
— Chama a atenção a intensidade do movimento. Ele sugere uma fragilidade da mobilidade social promovida anteriormente. É claro que é bom ter geladeira, carro, televisor e viagem de avião, mas não torna permanente a capacidade de a pessoa se sustentar, dar educação e saúde de qualidade aos filhos — avalia Gesner Oliveira, economista, professor da FGV e pesquisador na área de infraestrutura social.
Para as famílias que sentem no dia a dia o retrocesso na qualidade de vida, o jeito é se adaptar ou escolher criteriosamente quais gastos preservar. Glória e Anderson, que estão desempregados, tiveram de abrir mão do conforto de viver numa casa de dois andares, em Bangu. Eles alugaram o térreo a uma outra família. Junto com o aluguel de outro imóvel, herdado por Glória, esta se tornou a renda familiar no momento. Além de jogo de cintura, a mudança exigiu que eles transferissem a cozinha para o terraço e instalassem uma escada caracol para garantir o acesso direto ao segundo andar. Segundo Glória, a prioridade é preservar a qualidade da alimentação dos filhos.
— Eles têm de ter na mesa aquilo ao que já estão acostumados. A gente deixa de comprar roupa, estica dali, mas não corta alimentação. Os meses que meu marido trabalhou na Ceasa foram ótimos. Ele podia trazer para casa o que não era vendido. Chegava com “tonelada” de inhame, melancia, brócolis e couve-flor — conta Glória, em referência a um bico de três meses que o marido fez transportando alimentos.
PERDA DE BEM-ESTAR
Para Miguel Foguel, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nas áreas de mercado de trabalho e desigualdade, a perda de bem-estar é um dos efeitos mais duros sobre as famílias, principalmente porque pode respingar na educação:
— Não é de se estranhar que crianças deixem de ir à escola para trabalhar ou que jovens adiem a entrada na faculdade pela mesma razão.
Apesar do prognóstico negativo para os próximos anos, Carlos Antonio Costa Ribeiro, sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, avalia que a perda – de bem-estar é longe de ser irreversível. Ele aponta duas razões: a chamada mobilidade intergeracional, que mede se os filhos vivem em condições melhores que os pais, tem mostrado resultados positivos, e o ritmo menor de crescimento da população: — As pessoas estão tendo menos filhos. O Brasil tem taxa de reposição menor do que dois, está em 1,8 filho por família. Se a população diminui, e o sistema educacional continua se expandindo, isso significa menos gente entrando na economia ao longo do tempo, com maior escolaridade.
Oliveira condiciona a sustentabilidade da ascensão de classe à melhoria do que chama de infraestrutura social: educação, saúde, saneamento básico e segurança:
— Precisamos de foco na eficiência e na qualidade da infraestrutura social para obter resultados melhores do que as projeções. Caso a família perca o plano de saúde e a possibilidade de manter o filho em escola particular, poderia encontrar bons hospitais públicos. Um grande investimento nessas áreas pode fazer a diferença e criar ascensão social mais lenta. Com isso, não ocorreriam grandes movimentos de consumo ou euforia, mas a construção de uma nação mais igualitária.
Enquanto a realidade se mostra menos acolhedora, as pessoas se adaptam como podem: topam ganhar menos, fazem trabalhos temporários, dirigem Uber ou trabalham por conta própria, lista Foguel: — Elas aceitam para se defender, mas acabam contribuindo para piorar a renda.
Glória está desempregada há três anos. Reclama que o mercado é cruel com quem tem mais de 40 anos e três filhos. Desde então, a técnica em TI só conseguiu um trabalho temporário de três meses, durante os Jogos Olímpicos. Comemorou como se fosse promoção:
— Trabalho desde os 15 anos. É muito difícil ser só dona de casa. Cansa. Mexe com o emocional. Resolvi aceitar essa oportunidade e invertemos os papéis. Foi ótimo. O Anderson cuida das crianças melhor do que eu. É muito rígido com os horários: elas dormiam cedo, só faziam as refeições na mesa, e, antes do meio-dia, o almoço estava pronto.
Glória cansou de procurar emprego. Investiu R$ 400 em equipamentos e montou um salão de beleza em casa, que deve abrir esta semana. Anderson vai usar a experiência na direção para trabalhar como motorista do Uber. Esperam, assim, aumentar a renda da família em, pelo menos, R$ 1.000.
Por: Daiane Costa – O Globo
Fonte: pps.org.br