República
Sérgio C. Buarque: Quais são os meios?
Todos querem e prometem enfrentar a pobreza, distribuir renda, aumentar o emprego, melhorar a saúde e a educação e enfrentar a violência. Mas quais são os instrumentos e mecanismos adequados e efetivos para alcançar estes objetivos?
Passado o reveillon e a confraternização dos brasileiros, o ano começa já olhando para o momento crucial da história política do Brasil, as eleições de outubro, quando serão escolhidos os futuros governantes do país. Os potenciais candidatos devem, a partir de agora, acelerar os movimentos e as articulações na busca do poder da República. Embora seja muito cedo para especular sobre as chances eleitorais, o quadro de desestruturação social e moral do Brasil cria um campo fértil para os discursos e as propostas populistas e messiánicas. Ao longo do ano, os brasileiros vão ser bombardeados com promessas e retóricas de um país mais justo, sem pobreza e desigualdade, muita saúde, educação e segurança. Quase todos falam a mesma coisa em relação aos fins, sendo Jair Bolsonaro a única voz destoante com sua ideologia autoritária.
Se existe convergência em relação aos objetivos finais do Brasil, o que permite distinguir entre os candidatos e suas ousadas, e quase sempre inviáveis, promessas? São os meios que fazem a diferença. Segundo Isaiah Berlin, “quando existe acordo sobre os fins, os únicos problemas que restam são os referidos aos meios, e estes problemas são técnicos e não políticos” (da versão em espanhol)[1]. Sendo assim, a discussão deveria concentrar-se em torno dos meios mais adequados e eficazes para alcançar os objetivos que, supostamente, são semelhantes. No debate político, entretanto, as divergências em torno dos meios contaminam qualquer análise técnica porque, em última instância, existe uma enorme distância entre o efetivo compromisso com os fins e a sua manipulação com o propósito de conquista do poder.
Desta forma, a escolha do futuro presidente da República (e dos outros cargos) deve ser feita com base na análise dos meios prometidos e considerados nas suas propostas, na definição do que deve (e que pode ser) feito para, de forma eficaz e viável, transformar a realidade com a redução das desigualdades sociais e o equilíbrio das oportunidades sociais. Todos querem e prometem enfrentar a pobreza, distribuir renda, aumentar o emprego, melhorar a saúde e a educação e enfrentar a violência. Mas quais são os instrumentos e mecanismos adequados e efetivos para alcançar estes objetivos? Todos passam pelo Estado e pelas ações e políticas públicas, tudo depende, antes de tudo, de meios (legais, regulatórios e financeiros) das instituições públicas que podem promover as mudanças que levam ao desenvolvimento. E este Estado, convenhamos, está falido, fragilizado e fragmentado. Por isso, qualquer candidato a presidente que não apresente propostas consistentes e relevantes que reestruturem o Estado brasileiro, recuperando a capacidade de investimentos e de gastos públicos, estará enganando os brasileiros.
[1] Dos conceptos de libertad y otros escritos – Alianza Editorial – Madrid – 2008
*Sérgio C. Buarque é economista
Merval Pereira: O Exército e a legalidade
O Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, divulgará uma nota oficial em que, sem criticar diretamente o general Hamilton Martins Mourão, definirá que o Exército não pode ser fator de instabilidade no país. Ao contrário, seu papel é o de buscar a estabilidade, baseado na legitimidade de suas ações dentro da legalidade.
O general Mourão, que defendeu a intervenção militar caso as crises por que o país passa não sejam resolvidas pelos poderes constitucionais — Legislativo, Executivo e Judiciário —, não será admoestado publicamente, mas será convocado para uma conversa com o general Villas Bôas, o único que pode falar em nome do Alto Comando. Essa decisão foi necessária depois que o próprio Comandante do Exército, em entrevista a Pedro Bial, classificou Mourão de “uma figura fantástica, um grande soldado, um gaúchão”, parecendo concordar com as suas ideias.
A impressão que passou para a opinião pública foi a de que jogava em conjunto com o general Mourão, deixando o ministro da Defesa, Raul Jungman (PPS), isolado na busca de uma demonstração de que a quebra de hierarquia não seria tolerada.
A nota oficial do general Villas Bôas colocará o Exército na defesa da democracia e esclarecerá que não existe possibilidade de uma intervenção militar fora das normas constitucionais, isto é, somente se convocado por um dos três poderes nos casos especificados na lei.
É esse exatamente o teor da nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ligada ao Ministério Público Federal, que ressalta que “não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das Forças Armadas, em situação externa ou interna, independentemente de sua gravidade. (...) As Forças Armadas são integral e plenamente subordinadas ao poder civil e (…) seu emprego depende sempre de decisão do presidente da República”, acrescenta a procuradoria.
Tem razões estratégicas a decisão de não punir novamente o general Mourão, que no governo Dilma foi punido com a transferência do Comando Militar do Sul para a Secretaria da Fazenda do Ministério do Exército, onde está até hoje, por ter feito declarações contra o governo e permitido uma manifestação a favor do torturador Brilhante Ustra. O general Mourão, hoje considerado a maior liderança no Alto Comando após Villas Bôas, iniciou sua carreira como oficial de inteligência do SNI, está a seis meses de ir para a reserva e é candidato à presidência do Clube Militar, o que denota sua intenção de permanecer em função proeminente que lhe permita manter sua atuação política.
Seu pronunciamento de agora encontra pela frente um governo frágil e atolado em denúncias, escândalos diários alcançando praticamente, e em graus variáveis, todas as instituições. No mesmo momento, as Forças Armadas se encontram com problemas de baixos salários, com pesados cortes em projetos a elas caros, como o programa nuclear. Embora este seja um problema comum à maior parte das instituições do país, nesse contexto, punir Mourão, que denuncia a desordem rasgando a disciplina, seria transformá-lo em herói, amplificando extraordinariamente a crise com adesão ampla da reserva e de parte de militares mesmo na ativa, agravando pesadamente a enorme crise que se desenrola nos bastidores durante esse período todo.
O Ministro da Defesa, Raul Jungman, manteve-se em silêncio, mas em permanente contato com o general Villas Bôas, articulando todos os passos e sempre com a preocupação de dar uma satisfação à sociedade, de não permitir que o imenso potencial de crise se tornasse crise real, resguardando a liderança do Comandante do Exército e a coesão do Alto Comando.
Todas essas explicações, dadas em conversas informais e pedidos de não identificação de fonte, demonstram a verdadeira gravidade da crise que estamos vivendo nos bastidores das Forças Armadas, um retrocesso institucional agravado pela crise política e econômica que o país atravessa.
O combate à corrupção destampou uma realidade repugnante que domina os poderes da República, ao mesmo tempo em que revela que, embora funcionem aos trancos e barrancos, as instituições não têm remédios eficazes para curar os males que se entranharam no organismo da democracia brasileira. Ou têm soluções lentas para a urgência pedida pela realidade em frangalhos.
A tal ponto que uma candidatura como a de Jair Bolsonaro tem tido uma receptividade inimaginável e palavras como as de Mourão parecem, a alguns setores, trazer soluções, quando na verdade trazem mais crises. Especialmente se não são repelidas. A impossibilidade de punir o general mostra que, com o agravamento da crise e o crescente envolvimento de seus principais nomes, inclusive o do próprio presidente Temer, o governo está esgotando sua legitimidade para mediar confrontos.
Denis Lerrer Rosenfield: Parlamentarismo e importação de ideias
A aprovação de reformas, passa por negociações que nada têm de republicanas, embora sejam de interesse nacional
Volta e meia, imerso em crises, o país vê-se confrontado com propostas de reforma política, voltadas para a implementação do parlamentarismo no país. É como se, em um passe de mágica, todos os problemas fossem suscetíveis de um equacionamento simples, baseado em uma mera troca de sistema de governo. O problema, porém, reside em que as instituições parlamentaristas muito bem funcionam no nível dos princípios ou em seus países de origem. Nada disto, porém, corresponde ao seu funcionamento quando transplantadas a outros países de tradições e histórias distintas.
A questão, muito bem analisada na obra de Oliveira Vianna, consiste na refração das ideias e no deslocamento das instituições. Teria sentido simplesmente importar um sistema de governo? Seria ele “importável”? As ideias ganham, neste processo, outro significado a despeito de guardarem a aparência de sua significação anterior. Os “importadores” podem ter, inclusive, a melhor intenção, mas seus efeitos podem também não corresponder ao que foi projetado.
Operando em outro contexto institucional, conforme outra história, produzem consequências que não ocorreriam em seus países de origem. A depender do modo de utilização das ideias, elas podem vir a produzir grandes deslocamentos políticos. Como pode uma ideia constitucional vingar em países de tradição totalmente diferente? De que valem comparações, se essas não levarem em conta o contexto histórico de implementação destas ideias?
Há uma certa tendência na política brasileira de opção por grandes transformações, em vez de mudanças graduais que observariam os vários contextos particulares de sua concretização. O parlamentarismo pressupõe partidos políticos organizados, com doutrinas próprias, que disputem a opinião pública segundo as suas concepções. Procuram conhecê-la e persuadi-la do bem fundado de seus projetos.
Não são meros agregados de pessoas e interesses, mas deveriam possuir um propósito válido para toda a coletividade. Ora, observamos na cena política brasileira um forte componente fisiológico e, mesmo, de corrupção que faz com que a representação política seja falseada, ou seja, submetida a trocas dos mais diferentes tipos para que propostas coletivas sejam aprovadas.
A aprovação de reformas, por exemplo, passa por negociações que nada têm de republicanas, embora sejam de interesse nacional. Imagine-se, em um sistema parlamentarista, o não atendimento deste tipo de demanda. Ele não repercutiria somente na não aprovação de um projeto, mas produziria um voto de desconfiança, podendo levar à queda do Gabinete. Dado o caráter inorgânico dos partidos políticos brasileiros, poderíamos ter vários primeiros-ministros no transcurso do ano.
De nada adiantam grandes ideias, se elas não vierem acompanhadas de medidas básicas, que seriam de muito valia para um melhor regime republicano. Pense-se que um novo governante deveria, por sua vez, substituir os milhares de cargos comissionados, criando uma total balbúrdia na administração pública. Necessita o país de tal número de cargos?
É evidente que a inexistência de cláusula de barreira para a criação de partidos políticos é um poderoso estimulo à fragmentação partidária, tornando difícil qualquer organização. A observação histórica mostra que, em sistemas de governo presidencialistas ou parlamentaristas, poucos partidos fortes são de natureza a produzir a estabilidade governamental.
Tampouco são favorecidas as instituições se esta pletora de partidos for organizada sob a forma de eleições proporcionais se, dependendo da aliança, o voto em um partido redundar na escolha de outro. A proibição de coligações partidárias seria um poderoso instrumento de depuração do sistema político, produzindo um mínimo de organicidade. Haveria uma coincidência entre a representação política e a partidária.
Agora, na contramão de qualquer depuração, estamos vendo nascer propostas de financiamento público de eleições estimadas em mais de R$ 5 bilhões. Em um país em séria crise econômica, não deixa de ser um escárnio. Tome-se o caso da França. As perdas dos socialistas e republicanos, por suas derrotas legislativas, são estimadas em torno de poucas dezenas de milhões de reais, já feita a conversão. O partido de Macron ganhou em torno de 80 milhões. Os patamares são, comparativamente, para nós, muito baixos. No Brasil, fala-se de bilhões de reais como se fosse apenas o necessário, da mesma forma que a nossa corrupção é de país rico, sempre calculada em bilhões.
Partidos deveriam ser financiados, enquanto entidades privadas, por seus membros e simpatizantes. Deveriam fazer um esforço de coleta, o que é, para pessoas físicas, permitido pela nova legislação. Considerando que não há nenhuma organicidade partidária, parte-se agora, vista a proibição da contribuição empresarial, para o financiamento público, que, de público, só possui o nome, pois é originário de impostos de contribuições. Tirar-se-ia do orçamento da Saúde, da Educação ou da Habitação, por exemplo, para o financiamento dos partidos.
Hoje, sabe-se, graças à Lava-Jato, que os recursos de empresas eram só aparentemente privados, sendo resultado da corrupção e do desvio de recursos públicos. Graças a este esquema político perverso, os espetáculos políticos midiáticos puderem acontecer. A opinião pública, despreparada, comprou a mensagem que lhe foi oferecida. A política tornou-se assunto de marqueteiros, mercadores de imagens, pagos a preço de ouro.
Oliveira Vianna, em seu célebre livro, “O ocaso do Império”, assinalava que, no Segundo Reinado, os partidos tinham se tornado “simples agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do ´poder”. Ou ainda, “os programas que ostentavam eram, na verdade, simples rótulos, sem outra significação que a de rótulos”. Parece que está falando dos dias de hoje. Como pode vingar um sistema representativo sem partidos dignos deste nome?
* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Marco Aurélio Nogueira: O País possível
Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, as eleições de pouco servirão
Conforme o roteiro estabelecido, em outubro de 2018 será eleito um novo presidente, recomposto o Congresso Nacional e alterada a chefia dos governos estaduais. Há uma expectativa de que, então, se iniciará a superação da crise que hoje ameaça derreter a República. Será isso mesmo?
Olhemos para Brasília. Deputados dedicam-se a encontrar brechas para se reeleger. Querem escapar da Justiça e do repúdio dos eleitores e estão dispostos a pagar o preço necessário para conseguir isso. Inventam dispositivos para que candidatos não possam ser presos e para que os partidos sejam regiamente financiados. Não ligam se os remendos que idealizam ferem a dignidade republicana e andam de costas para o que pensam os cidadãos. Acreditam que ao fim e ao cabo conseguirão mais uma vez iludi-los.
Os candidatos presidenciais até agora anunciados, por sua vez, expressam os descaminhos que temos trilhado. São corresponsáveis pelo nível a que chegamos. Não trazem qualquer esboço de novidade, nem sequer na retórica. De Lula a Bolsonaro, passando por Ciro Gomes, Alckmin e Doria, temos mais do mesmo, uma política que insiste em não se renovar.
Falam uma língua que compreendemos, mas que nada diz. O País que nos apresentam é uma ficção que estaria ao alcance das mãos de quem tem “vontade política”.
Lula enche a boca ao falar do seu “projeto político”, mas não o apresenta a não ser como desejo incontido de voltar ao poder, nele acampar para fugir de Moro e fazer as mesmas coisas de sempre. Ciro segue caminho quase idêntico, impulsionado pela boca gulosa, pronta para lacerar os adversários, mas carrega no peito aquela faixa surrada do nacionalismo populista que tanto estrago já causou. Bolsonaro é um caso singular, tamanhas são as aberrações que nele se incrustam: oferece um roteiro teratológico, a meio caminho entre o militarismo autoritário, a ditadura política e o ódio contra minorias, tudo devidamente temperado pela grosseria e pelo horror à política, à democracia, à representação. Já os postulantes tucanos não se preocupam em ir além de um antipetismo visceral, na vã expectativa de que isso mobilize o eleitorado.
Enquanto esses candidatos preparam suas campanhas, a sociedade segue para o precipício. Expõe ao mundo suas vísceras envenenadas, suas chagas históricas, que vão da desigualdade abismal à violência cotidiana, da corrupção pública aos assassinatos por balas perdidas, do despreparo das forças policiais à insanidade das facções criminosas. São índios e ambientalistas dizimados, 50 mil jovens assassinados por ano, crimes aos montes, cidades inseguras, um desencanto que corrói a alma do cidadão, encurralado por processos que não consegue controlar.
Ficamos olhando para as urnas de 2018, como se delas pudesse sair, por encanto, um País pronto e acabado.
Eleições diretas não deveriam ser desperdiçadas. Não podem ser vividas como um episódio a mais de nossa série preferida. Precisam ser preparadas para que representem um avanço. Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, porém, elas de pouco servirão, não trarão nenhuma visão de futuro, nenhum entusiasmo cívico. Serão arranca-rabos entre candidatos conhecidos, com estratégias de marketing e campanhas negativas que já vimos para onde nos podem levar.
O nosso é um macroproblema. Não são somente os políticos ou os partidos, tomados em conjunto ou isoladamente. É o sistema todo que apodreceu, corroído pela desqualificação dos quadros e pela corrupção, que corre nas veias aos borbotões. Faltam honestidade e caráter, mas falta também uma visão estruturada sobre o que fazer. É falsa a ideia de que sabemos quais são as prioridades nacionais e que caminhos nos permitirão alcançá-las. Há um déficit brutal de consenso. O legado dos ciclos políticos mais recentes, desse ponto de vista, é trágico.
Não precisamos de mais disputas por cargos, verbas e recursos de poder. Ainda dá tempo de se chegar a um plano que defina prioridades, reformas, estratégias de desenvolvimento e projete a sério um sistema de educação, de saúde, de habitação, de infraestrutura, de ciência e tecnologia. O que houver de energia e discernimento nos partidos, na sociedade civil, nos movimentos sociais precisaria convergir para um ponto mínimo de unidade, a partir do qual possam ser forjadas ideias consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril. Ideias que atualizem o País ao mundo, promovam sua interação ativa com a nova sociedade que emerge.
Sem isso, tanto faz saber em quem vamos votar em 2018.
Presidentes são pessoas. Podem pouco. O segredo está nas articulações que os patrocinam e sustentam; está no pacto que podem coordenar, na “teoria social” em que se apoiarem. Mais importantes do que eles são o programa de ação que se dispuserem a cumprir, os representantes parlamentares que com eles governarem, as ideias que os orientarão.
Em vez de ficarmos perdendo tempo para ver se Lula será ou não candidato, se o PSDB virá com Alckmin ou Doria, se Bolsonaro conseguirá encarnar finalmente o Lord Voldemort que carrega no bolso, se a súcia parlamentar será finalmente afastada, o certo seria trabalharmos para projetar o País que queremos. Que não será o País da esquerda, do centro ou da direita que estão aí, porque essas posições nem sequer honram o nome que buscam carregar, ao menos até agora. Na melhor das hipóteses, será um País possível, melhor que o atual.
Ainda dá tempo. Arquivemos o maximalismo que transfere a um presidente “mágico” o poder de reformular tudo. Pensemos no passo a passo, a ser lapidado pela política com um “p” maior, que faça os representantes pensarem mais no coletivo que em seus próprios interesses. Valorizemos a política, não só para termos eleições mais limpas e frutuosas, mas para que nos encontremos com o País em que queremos viver.
*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Alon Feuerwerker: Com a estabilidade na instabilidade, um caminho para a travessia até 2018
A chancela, pela Polícia Federal, da licitude das provas contra o presidente da República será para este uma derrota e tanto. Aliás é intrigante que o Planalto deposite seguidamente as fichas em explicações que, sabe ele bem, cairão mais adiante. Não deixa de indicar certa falta de alternativas. E vem aí a denúncia -ou denúncias- da Procuradoria Geral da República, para revolver ainda mais o mar tempestuoso que balança o navio.
Mas é recomendável manter cautela sobre o efeito político imediato. A cada revés do governo, quando a poeira baixa, nota-se a ainda integridade, no essencial, da aliança que o sustenta. O núcleo dela: 1) o chamado centrão e a maioria da centro-direita; 2) o pedaço da imprensa que, afastado o PT, trocou a ética como valor universal pela ética da responsabilidade; e 3) o empresariado do agora ou nunca para as reformas.
Sem contar que o #ForaTemer da esquerda refluiu quando se tornou mais possível. Permanece a retórica, útil para animar plateias tão enraivecidas quanto desavisadas. E só. O PT e a esquerda não querem derrubar o governo. Preferem que ele apodreça, na esperança de a infecção contaminar as opções do centro para a direita em 2018. E o PT, por motivos óbvios, não apoia o Todo Poder à Lava-Jato.
Já o PSDB continua à espera do fato novo. Por definição, é o que ainda não aconteceu. Quando acontece, vira fato velho e dá lugar às preocupações com a governabilidade. Na atualização tucana do paradoxo de Zenon, Aquiles jamais alcançará a tartaruga. Sabe-se que qualquer Aquiles venceria um quelônio na vida real. Mas criações mentais, como a do fato novo, servem para ter uma história quando é preciso contar alguma.
A relativa rigidez da correlação de forças vem garantindo a estabilidade na instabilidade, e pode levar o barco temerista a ancorar no porto em 2018. Muito avariado, mas à superfície. Há ainda a peculiaridade de o ancoradouro não estar tão distante assim, somado ao fato de o exército adversário, a esquerda, ter escolhido o desfecho Dunquerque em vez do Stalingrado. É um risco, pois o resultado daquela guerra é conhecido.
Qual é a variável fora de controle? A possibilidade de um novo petardo afundar definitivamente a embarcação. Mas aí o bloco governista muito provavelmente se reagruparia em torno do presidente da Câmara dos Deputados, com o apoio tácito de uma parte da oposição. Bastaria para tanto que o novo presidente fosse um pouco para o centro. Por exemplo, ajustando as reformas para torná-las menos intragáveis aos atingidos.
É algo que está também ao alcance deste governo, se houver necessidade. Em caso, por exemplo, de um repentino e inesperado desembarque tucano. Na reforma trabalhista, pode garantir fontes de financiamento aos sindicatos e centrais. Aliás, é o que já está sendo negociado. E também pode lipoaspirar a reforma da previdência para permitir algum alívio, mesmo parcial. Não faltará apoio empresarial para esse ajuste no ajuste.
Em resumo, apesar do imenso desgaste de imagem e dos gravíssimos problemas jurídicos, o governo Temer ainda tem margem de manobra.
Voto nulo em 2018?
Discretamente, começa-se a debater no PT o que fazer se uma decisão judicial impedir, pela Lei da Ficha Limpa ou outro meio, a candidatura de Lula. Há a hipótese, natural, de um nome petista indicado pelo ex-presidente. Há a hipótese de o PT apoiar alguém de fora, surgido de uma articulação à esquerda. E há a hipótese de boicotar a eleição presidencial. Uma variante do voto nulo dos anos 60 e início dos 70 do século passado.
São todas escolhas complexas. Um nome novo petista precisaria ser construído ao longo do processo eleitoral. Seria um desafio. Alguém à esquerda teria a vantagem da novidade e de não carregar o passivo da Lava-Jato, mas afrontaria a tática clássica de Lula, de buscar o centro. E o boicote eleitoral seria um peso sobre os ombros dos candidatos do partido aos demais cargos em disputa, com efeitos difíceis de prever.
E há ainda a variável da luta pela hegemonia no campo dito progressista. Como se sabe, políticos até admitem perder eleições, mas não convivem bem com o risco de perder a liderança da própria tribo. Pois a liderança da tribo é o requisito para se manterem vivos para a próxima disputa do poder. Líderes aceitam melhor a derrota do que uma sombra dentro de casa.
Até a semana que vem, ou antes.
* Alon Feuerwerker, analista político FSB Comunicação
Fonte: http://www.alon.jor.br/
Luiz Sérgio Henriques: Começar de novo
Refazer os cacos requer o emprego da arte da competição e da cooperação
Eis o ponto a que chegamos: todos constatamos, atônitos, as agonias que se acumulam, as hipóteses de saída que surgem e se desfazem como bolhas de sabão, os políticos que de uma hora para outra abandonam a ação parlamentar e passam a integrar tramas judiciárias cujo fim não parece próximo. No tumulto dos dias, a impressão que se firma é a de um enredo mambembe em que os personagens procuram, em vão, uma direção e um sentido para o que fazem. Ou, então, como na imagem conhecida, a sensação é de que os fatos caminham por si sós, assumindo aos trancos e barrancos um protagonismo além da capacidade dos atores, cujos movimentos se esgotam na busca da sobrevivência pura e simples.
No centro de tudo, um sistema partidário que já não se mantém em pé. Desequilibrado desde o início, esse sistema combinava partidos extremamente convencionais e um só com características semelhantes àqueles ditos “de massas”. Entre os primeiros, o partido da resistência democrática – o MDB e, a partir de 1979, o PMDB – aos poucos, e progressivamente, veio a perder a bandeira da “esperança e mudança” sob a qual se tornara uma escola de política, na qual, entre outros fatos admiráveis, uma parcela da esquerda teve contato com os valores do liberalismo, observando sua eficácia na luta contra o regime autoritário e sua relevância permanente em qualquer contexto futuro. A Constituição de 1988, que ainda nos traça o único roteiro possível, terá sido o legado essencial daquela antiga expressão do centro democrático, cujo esfacelamento está muito longe de ser o menor de nossos males.
O partido da social-democracia, nascido de uma “questão moral” – que, aliás, nada tem que ver com o bordão do “moralismo udenista” e, ao contrário, pode constituir-se num elemento positivo para uma moderna força de centro-esquerda –, viveu um paradoxo singular. Condensação de grupos intelectuais significativos, tanto na política quanto na economia, terá refletido pouco ou nada sobre as exigências inerentes ao prestigioso nome de batismo. Acreditou que a autoridade do núcleo dirigente inicial, com Covas, Montoro e Fernando Henrique, somada ao nome social-democrata, dispensaria a obra de autoconstrução e atualização programática constante, oferecendo-se assim à sociedade como um partido nacional, capaz de dar respostas aos problemas de toda a Nação em conjunturas distintas, incluídas as que acaso exigissem reformas liberalizantes.
Esse partido se descuidou, sintomaticamente, de estabelecer conexões flexíveis, mas resistentes, com a sociedade ao redor. Não precisava ser um partido de massas no sentido tradicional do termo, com ideologia definida, enraizamento “de classe” e um sistema de organizações colaterais à maneira de correias de transmissão. Não obstante, a necessidade de vasos comunicantes com o mundo social e de elaboração de novos grupos dirigentes permanecia constante mesmo para os partidos de estrutura mais leve. E a pesada armadura ideológica de tantos partidos de massas poderia ter cedido lugar ao rigor programático e à ação minimamente orgânica segundo a tradição social-democrata.
Nada disso aconteceu: não se atendeu àquela necessidade de comunicação nem se forjaram programas. E, em plano correlato, pouquíssimo foi feito para a projeção externa do partido criado em 1988. Afora a relação com a “terceira via” da década de 1990, seja qual for o juízo que a essa via se dê, nossa social-democracia restou acanhada e provinciana. Os ventos eram globais, as correntes de pensamento ignoravam fronteiras, os problemas adquiriam dimensão mundial – e continuamos sem nada saber de agregações importantes no universo social-democrata, como a Internacional Socialista. Uma inapetência que mostraria todo o seu limite quando, ainda há pouco, enviesadamente se lançaram mundo afora sinais de golpe ou regime de exceção em nosso País, sem que as forças responsáveis pelo impeachment respondessem à altura.
Um esteio do sistema partidário – e, por extensão, da democracia – poderia perfeitamente ter sido o PT. Único partido de massas, ou quase isso, teve nas mãos a possibilidade de liderar a consolidação de uma moderna democracia de partidos, levantando em cada caso ideias relevantes para a solução de problemas espinhosos da vida política após 1988: o financiamento da atividade político-eleitoral, por exemplo, tema que, varrido para debaixo dos tapetes da República, retornaria como força natural destruidora. Ser o partido-guia em tal contexto significaria exercer uma ação hegemônica, palavra que, tomada como capacidade de direção, exclui comportar-se como elefante em loja de louças, cooptando aliados em funções subordinadas na pilhagem do Estado e inaugurando práticas inéditas, como as reveladas no mensalão e no petrolão.
Não está claro como reconstruir minimamente os partidos no curto período que nos separa das eleições de 2018. Sabemos que o que nos trouxe até aqui não é ponte que nos conduza ao futuro. O PMDB já não parece ter quadros ou ser portador de ideias-força para sustentar um governo de reformas. A classe política que o viu nascer e lhe insuflou alma não existe mais. O antagonismo entre PSDB e PT, que nas quatro últimas eleições presidenciais favoreceu amplamente este último, mas assinalou afinal o fracasso histórico do petismo, não poderá mais ser a principal linha de clivagem do sistema partidário, a não ser que nossa sociedade se aniquile nas malhas da repetição neurótica.
Sabemos, sobretudo, que o presente cenário de terra arrasada é o mais favorável para aventuras extremadas. Refazer os cacos e ordenar razoavelmente a arena pública requer o emprego da arte da competição e da cooperação, da qual nos temos dissociado. Arte a ser exercida sob o império da Carta de 1988, longe dos fundamentalismos de mercado ou das utopias autoritárias do esquerdismo.
* Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta. É um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci. Site: www.gramsci.org
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,comecar-de-novo,70001846380
Luiz Werneck Vianna: O Terceiro Gigante e nós
Presença mais robusta do Judiciário na política pode levar a um temível governo de juízes
Nada de novo sob o sol, de há muito se sabia, pela experiência de outros países e pela bibliografia que se dedicou ao estudo dos seus casos, ser explosiva a combinação da ação de juízes com a da mídia, bem diagnosticada ainda em 1996 por Antoine Garapon, magistrado e pesquisador francês, no marcante Le Gardien des Promesses (Paris, Odile Jacob; há tradução). Hoje vivenciamos uma situação radicalizada dessa relação, talvez sem paralelo noutros casos nacionais, personagens involuntários de uma dramaturgia de autoria indefinida e que mantém como insondáveis os rumos do enredo que se vai tecendo ao sabor das circunstâncias.
Aqui e ali se deixam entrever algumas motivações que surgem como efeitos colaterais das ações desses dois atores que dominam a cena, quer as personalíssimas, como a de aventureiros com olhos fitos na próxima sucessão presidencial, quer as que se presumem de largo alcance, como o da convocação de uma Assembleia Constituinte a fim de remodelar a vida institucional diante do que seria um alegado anacronismo da Carta de 88. Dessa forma, com mão de gato, há quem procure extrair vantagens em meio às ruínas do que nos sobra da vida republicana. No caso, vale a pergunta: juízes e procuradores – especialmente estes – podem se voltar contra uma Constituição que lhes concedeu papel de centralidade na política e na vida social?
Os magistrados estão presentes em lugar estratégico na cena pública desde o Império, quando, sob a inspiração do visconde do Uruguai, ministro da Justiça e respeitado especialista em Direito Administrativo, com base num diagnóstico sobre a natureza fragmentada e insolidária da nossa sociedade se formulou a política de levar aos sertões as luzes que informariam a política do Estado, processo estudado por Ivo Coser no seu trabalho sobre a obra daquele estadista (Visconde do Uruguai, Belo Horizonte, UFMG, 2008).
O Estado teria braços curtos e seria por meio da ação de juízes nomeados à sua discrição para as Províncias que deveria cumprir a missão pedagógica de incorporar à obra civilizatória o atraso incivil reinante na sociedade. José Murilo de Carvalho, em A Construção da Ordem (Rio de Janeiro, Campus, 1980), demonstrou com lastro empírico como a magistratura se comportou como um dos principais construtores do jovem Estado-nação, ator decisivo, para o bem e para o mal, na obra da unidade nacional.
Marcas de origem, ensinou Tocqueville, nunca se esquecem. E assim, embora a República tenha investido a corporação militar do papel de protagonismo antes desempenhado pelos juízes, a corporação desses profissionais, particularmente a partir da Revolução de 1930, foi deslocada para o exercício de papéis centrais no processo da modernização econômica e social do País. Com efeito, foi confiada a um ramo novo do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho, a tarefa estratégica de harmonizar os conflitos próprios à ordem urbano-industrial, então em franca expansão. Não se pode contar a História moderna do País sem ele. Estão aí a monumentalidade de suas sedes e a poderosa rede com que recobre o mundo do trabalho.
A Carta de 88, se importou em descontinuidades significativas quanto às tradições herdadas da nossa modernização autoritária, não só preservou, em suas linhas gerais, a jurisdição do Judiciário Trabalhista sobre o mundo do trabalho, como ampliou em larga medida a capacidade de influência das instituições judiciais sobre a vida política e social. No caso, não podem ficar sem citação o controle constitucional das leis e a criação do Ministério Público como agência autônoma do Estado e investida do papel de defesa dos direitos dos cidadãos. Ao longo do tempo, as categorias profissionais originárias desse campo – juízes, procuradores e defensores públicos – erigiram uma forte vida associativa, exercendo influência até mesmo na socialização dos seus quadros.
A judicialização da política e de aspectos relevantes da vida social, como os das relações afetivas, agigantou a presença do Poder Judiciário na cena republicana, ao passo que a natureza benfazeja de muitas de suas decisões legitimou junto à opinião pública o crescente ativismo judicial. Ao lado disso, um Poder Legislativo cada vez mais atado ao Executivo pelo sistema do presidencialismo de coalizão que se praticava em meio a uma profusão de legendas partidárias, boa parte delas sem vínculos com a vida social, perdia substância e se deixou enredar na malha burocrática do aparelho estatal e em suas práticas, inclusive nas viciosas. Reduzidos aos papéis de despachantes e de administradores de nichos de interesses, nossos parlamentares, salvo exceções, perderam capacidade de vocalizar os sentimentos e expectativas de uma sociedade em mudanças.
A operação Lava Jato, no fundo uma também benfazeja intervenção judicial sobre o sistema político, com forte sustentação na mídia e em setores da opinião pública, tem pela frente, nessas condições, um terreno macio que garante sua continuidade e seu aprofundamento. Mas ela e o Poder Judiciário em geral, por definição, não têm o condão de produzir uma alternativa ao que ora removem – seus quadros dirigentes são estrangeiros na política e se exprimem em idioma próprio.
Nesse denso nevoeiro em que estamos imersos, ao menos já se pode divisar na linha do horizonte uma ainda mais robusta presença do chamado Terceiro Poder na vida republicana, com muitos dos seus quadros, ativos e inativos, migrando para a cena política aberta, que, se não encontrar obstáculos no que nos resta em nossas organizações políticas, pode levar-nos a um temível governo de juízes.
Que a Lava Jato faça o que lhe cumpre. O que cabe a nós, da sociedade civil, é soerguer a política e suas instituições a serviço de uma sociedade animosa como a nossa.
*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-terceiro-gigante-e-nos,70001766354
A moral é o cerne da Pátria
"A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública."
Ulysses Guimarães
Respeitar a lei e a Fapesp
Ainda que seja grave, a atual crise econômica não é motivo razoável para desmantelar uma instituição de tamanha relevância pública
Em tempos de crise econômica, com a correspondente diminuição das receitas públicas, é imperioso que o governo – nas esferas federal, estadual e municipal – reduza suas despesas. Longe de representar uma opção ideológica, o equilíbrio fiscal é uma necessidade de todo administrador público responsável. Esse corte de gastos, porém, deve ser feito de forma criteriosa, respeitando, em primeiro lugar, a legislação vigente. Tais condições, porém, não foram observadas pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) ao excluir do orçamento estadual de 2017 importantes receitas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O projeto de lei orçamentária para 2017 encaminhado à Alesp pelo Poder Executivo previa um repasse de R$ 1,116 bilhão do Tesouro do Estado para a Fapesp. Pouco antes da votação, no entanto, lideranças partidárias – entre elas a do PSDB, partido do governo, que detém ampla maioria no Legislativo estadual – apresentaram uma emenda para retirar R$ 120 milhões da agência de pesquisa, redirecionando esse valor para “projetos de modernização” dos Institutos de Pesquisa do Estado – um conjunto de 19 instituições, que inclui os Institutos de Botânica, Pesca, Geológico, Florestal, Agronômico de Campinas, Butantan, Pasteur e Adolfo Lutz, entre outros.
Com isso, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2017 – publicada no Diário Oficial do Poder Legislativo no dia 22 de dezembro e sancionada pelo governador Geraldo Alckmin uma semana depois – estabeleceu que seja destinado à Fapesp o valor de R$ 996 milhões. O montante, no entanto, é inferior ao que, por força da Constituição estadual de 1989, a agência tem direito.
O art. 271 da Carta Magna estadual é claro: “O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fapesp, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico”. Segundo cálculo da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), o montante previsto pela LOA de 2017 corresponde apenas a 0,89% da receita tributária estadual.
Além de ilegal, a emenda aprovada pela Alesp, com o patrocínio do Palácio dos Bandeirantes, é um tremendo equívoco administrativo. A despeito de tantos casos de ineficiência no setor público, a Fapesp cumpre eficientemente sua missão institucional de promover a pesquisa. Desde o início de seu funcionamento, em 1962, a agência dá inequívoca contribuição ao desenvolvimento científico no Estado e no País.
Ainda que seja grave, a atual crise econômica não é motivo razoável para desmantelar uma instituição de tamanha relevância pública. Além do mais, ela cumpre uma antiga aspiração da população paulista. Basta ver, por exemplo, que a Constituição estadual de 1947, antes mesmo da criação da Fapesp, já previa destinar parte das receitas tributárias a uma agência de amparo à pesquisa.
É de admirar, portanto, que o governador Geraldo Alckmin, com inequívocas intenções presidenciais, tenha consentido com essa medida de restrição orçamentária à Fapesp. Além de alimentar resistências a seu nome, corre o risco de ver relacionado seu estilo de governar a uma visão estreita e de curto prazo, incompatível com as competências requeridas para o exercício do mais alto cargo da República.
A promoção da ciência e da pesquisa exige não pequenos investimentos e quase nunca traz dividendos políticos imediatos. Seus efeitos são lentos, em ritmo diverso daqueles próprios da agenda eleitoral. Tal fato, porém, não pode levar a uma política de desvalorização da pesquisa – como se ela fosse dispensável ou, ao menos, não prioritária –, por meio da redução injustificada de recursos a ela destinados. Ao contrário, a verdadeira relevância social da pesquisa científica está muitas vezes relacionada a essa aparente lentidão e a esse passar oculto aos olhos do grande público. Só assim, despreocupada dos interesses imediatos do governo, a ciência tem condições de produzir resultados isentos e duradouros.
Fonte: opiniao.estadao.com.br
#ProgramaDiferente debate a República, a Democracia e a Reforma Política
Antecipando os 127 anos da Proclamação da República, neste 15 de novembro, o #ProgramaDiferente trata da redemocratização do país e debate a necessidade de uma ampla reforma política e eleitoral. O Brasil vive um momento crucial. Há uma conjunção de crises: econômica, política, social, ética e institucional. Até aqui prevaleceu a democracia. Precisamos preservar as nossas conquistas desde o fim da ditadura militar e valorizar o Estado de Direito. Assista.
Desde a sequência de abertura, que mistura Rolando Boldrin declamando "O Analfabeto Político", de Bertolt Brecht, com imagens históricas das campanhas pelas Diretas e seus líderes mais emblemáticos, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, os ideais democráticos e os princípios republicanos dão o tom do programa.
Sobre a crise dos partidos e as mudanças que devem ser implantadas para o aprimoramento da democracia representativa, ouvimos Fernando Henrique Cardoso, Marina Silva, Roberto Freire e Helio Bicudo, que fala principalmente sobre os erros cometidos pelo PT. Como contraponto, em manifestações que parecem fora de sintonia com o pensamento da maioria da sociedade brasileira, aparecem Lula, Jaques Wagner, Pablo Capilé, José Roberto Batochio e Samuel Pinheiro Guimarães.
A discussão é incrementada com trechos de "A Reforma Política e o Futuro da Democracia", importante estudo realizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo, a FecomercioSP, e depoimentos de Milton Lahuerta, Maria Aparecida de Aquino, Ives Gandra, Christian Lohbauer, Luiz Flavio Gomes, Marco Aurélio Mello, Gaudêncio Torquato, Roberto Romano, Boris Fausto e Janaína Pascoal. Que o feriado do Dia da República nos inspire à reflexão...
Marco Aurélio Nogueira: Os podres da República e a sorte de Moro
*Marco Aurélio Nogueira
Bastou a prisão de Eduardo Cunha para que as nuvens ficassem mais carregadas e os dilemas da República se agigantassem.
Já se sabia de tudo, mas a prisão trouxe à tona uma trajetória que chama atenção pela longevidade, pela desfaçatez e pelo tamanho das ilicitudes. Cunha tem peso próprio, não é um qualquer quando se trata de exploração das brechas existentes na legalidade e na cultura político-administrativa do Estado brasileiro. É um profissional. As acusações contra ele abrangem um leque impressionante de fraudes, negócios escusos, abusos e irregularidades. Vêm lá de trás, mais ou menos do final dos anos 1980. Como foi possível sobreviver durante tanto tempo e seguir uma carreira ascendente que poderia tê-lo levado à Presidência da República? O sistema assistiu impassível à performance, que teria continuado se não houvesse a Lava Jato.
No mínimo por isso, o juiz Sergio Moro merece aplausos. Ele está a desnudar os podres de nossa vida estatal, valendo-se de uma obstinação que o tem ajudado a resistir a intempéries mil, ainda que o levando em certos momentos ao limite da temperança e da moderação.
As vozes mais sensatas e certeiras da República afirmam que a pressão sobre Moro aumentará terrivelmente. A prisão de Cunha fará um tsunami desabar sobre o juiz, impulsionado tanto pelos ventos que sopram do lado dos que não desejam o prosseguimento da Lava Jato, quanto pelos vagalhões produzidos por aqueles que não gostam do estilo de Moro e o veem como autoritário. No governo Temer, no Congresso e na oposição, quem tem o rabo preso está suando frio. A lógica das coisas aponta na direção deles. Decaído o chefe, é de esperar que o restante dos dominós caia também, ou seja ao menos ameaçado. Sobretudo se Cunha der com a língua nos dentes, contar o que sabe, com quem tramou, por que o fez, quanto ganhou e quanto distribuiu. Nitroglicerina pura, que será por ele usada com inteligência estratégica e instinto de sobrevivência, atributos que não lhe faltam.
No day after da prisão, não faltou quem fizesse a ilação apressada: Cunha derrubará Temer ou lhe roubará as bases de apoio a ponto de levar seu governo à asfixia. Setores da direita e sebastianistas de esquerda deram-se as mãos, desavergonhadamente, para atacar as detenções preventivas decretadas por Moro. Alegaram que elas ferem o Estado de Direito, que a prisão de Cunha não passaria de pretexto para prender Lula, que a Lava Jato teria criado a imagem da “corrupção sistêmica” só para justificar o arbítrio da república de Curitiba e “criminalizar o PT”. Cunha seria mais uma vítima desse procedimento judicial que fere a justiça, abusa da autoridade e desrespeita direitos.
Moro respondeu quase de imediato. Em palestra feita em Curitiba para desembargadores e juízes do Paraná, reiterou que a “aplicação vigorosa da lei” é o único meio de conter casos de “corrupção sistêmica”. As detenções cautelares seriam indispensáveis, até para deixar estabelecido que “processos não podem ser um faz de conta”. E explicou: “Jamais e em qualquer momento se defendeu qualquer solução extravagante da lei na decretação das prisões preventivas”. Seria preciso manter viva a “fé das pessoas para que a democracia funcione”, ou seja, impedir que se perca a “fé maior, de que a lei vale para todos”.
Evidenciou-se assim que o juiz sabe que a pressão sobre ele continuará a crescer. A coisa toda, no fundo, pode ser vista de forma mais simples.
Quando gente de direita e de esquerda se une para atacar um juiz, é porque há algo de muito errado no xadrez político. A causa, no mínimo, torna-se suspeita de antemão, especialmente quando estruturada para proteger pessoas que estão a ser investigadas há tempo, com provas que se superpõem e se acumulam.
Um juiz tende a ter atrás de si todo o sistema da Justiça: outros juízes, promotores, procuradores, tribunais, leis, jurisprudências, ritos consagrados, policiais federais. Moro não é, evidentemente, uma unanimidade entre seus pares e há muito conflito entre os órgãos e os aparatos de investigação e penalização. Mas, de algum modo, atacar hoje um juiz como ele pode significar um ataque ao conjunto do sistema.
Afinal, tudo parece indicar que a “corrupção sistêmica” está aí e atingiu níveis graves, que precisam ser contidos não só por uma questão de justiça, mas também por uma questão operacional: o sistema enfartará se não for “purificado” e esvaziado de trambiques e sujeira. Se é assim, em maior ou menor grau, Moro tem razão quando fala que “a condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça”. Não haveria por que propor alguma espécie de “solução autoritária”, mas é preciso que se tenha vontade para que os processos cheguem a bom termo.
Ações judiciais na esfera política são acompanhadas com interesse pela sociedade, especialmente numa época de informações intensivas e protagonismo das opiniões. O cidadão assiste àquilo como parte de uma “limpeza” que ele gostaria de ver realizada. Muitas vezes joga o bebê fora junto com a água do banho: condena todos os políticos sem se esforçar para perceber que há diferenças entre eles, raciocina com o fígado e bate em todos como se fossem farinha do mesmo saco.
Se uma sociedade rejeita a corrupção sistêmica, o enriquecimento ilícito e os políticos “sujos”, com seus empresários a tiracolo, então não será o ataque a um juiz que vai convencê-la do contrário. Tal ataque, porém, se bem-sucedido, poderá fazer com que ela não se mobilize.
Até prova em contrário, se a sociedade assim quiser e souber se manifestar, Moro seguirá em frente, contra o sistema político que deseja seu silêncio, contra o governo e a oposição, contra o histrionismo da direita e as lágrimas de crocodilo da esquerda.
*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Fonte: opiniao.estadao.com.br