renda cidadã
Míriam Leitão: Erros fiscais criam armadilha
Por Alvaro Gribel (interino)
Muitos economistas têm minimizado a alta da inflação, mas para economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, esse é um problema que precisará ser monitorado com atenção daqui para frente. Mesquita estima que o IPCA continuará acelerando nos próximos meses, até 4,5% em maio do ano que vem, para só então começar a cair. O problema é que muita coisa pode dar errado até lá, especialmente na política fiscal. Uma nova disparada do dólar pode deixar o Banco Central pressionado para aumentar os juros em plena recuperação. “O ambiente se tornou mais delicado para a inflação do que era há alguns meses”, explicou.
A inflação vem subindo mesmo na recessão e, por mais que se diga que ela está concentrada nos alimentos, não é boa notícia. O governo sairá desta crise muito endividado, e isso tem provocado aumento na cotação do dólar. Mesmo que o repasse de preços para muitos produtos seja menor, pela ociosidade da economia, isso pode acabar batendo mais fortemente nos índices.
— Podemos ter depreciação sobre depreciação (do real) e aí, mesmo com ociosidade, tudo fica mais intenso. Se o dólar for para R$ 6 no final do ano, o BC pode ter que iniciar o movimento de alta dos juros no início de 2021 para atingir a meta de 3,75% em dezembro. Por ora, as expectativas de inflação continuam “ancoradas”. Mas tudo vai depender do fiscal — explicou.
Esse é mais um ingrediente na discussão do Renda Cidadã. O governo não sabe de onde cortar para viabilizar o programa e qualquer medida que aumente o déficit no ano que vem será mal recebida pelo mercado, com reflexo no câmbio. Acionar o orçamento de guerra para driblar o teto de gastos teria o mesmo efeito negativo, porque vai significar aumento de despesa, de qualquer forma. Mesquita acha que o Banco Central não hesitaria em elevar a Selic, em caso de piora das expectativas.
Sobre o ritmo da recuperação, o Itaú estima que o PIB deste ano cairá 4,5%, para crescer apenas 3,5% no ano que vem. Ele explica que três pontos dessa alta em 2021 já estão assegurados pelo chamado “carregamento estatístico”. Ou seja, o crescimento, de fato, será pequeno.
— Na prática, se a economia não crescer nada no ano que vem ela já garante um crescimento de 3% na média, por efeito estatístico. Então a alta de verdade será pequena, parecida com a que a gente já vinha tendo antes da pandemia — afirmou.
O país ainda está longe de uma recuperação plena na economia. E agora ganhou um complicador a mais, o risco de aumento da inflação e da taxa básica de juros.
Endividamento em alta
A dívida das famílias com o setor financeiro bateu recorde em julho. Segundo dados do Banco Central, ela chegou a 47,45% da renda anual, o maior percentual desde 2005, quando começou a série histórica. Parte da alta no mês foi provocada pelo financiamento imobiliário, que subiu de 27,27% para 27,63%. Durante a pandemia, muitos bancos adiaram o pagamento das prestações, que foram incorporadas ao saldo devedor. Essa tendência de alta do endividamento total, no entanto, já vem desde dezembro de 2017. Assim como o governo federal, as famílias estão com mais dívidas a pagar.
PIB e pandemia
A consultoria Oxford Economics tem cortado as projeções para o PIB mundial do ano que vem. Há uma combinação de fatores: aumento de casos de Covid, fim dos estímulos fiscais e crescimento mais forte no final deste ano, o que aumenta a base de comparação. “Nos últimos meses ficou claro que as medidas de isolamento continuarão necessárias, especialmente em países que não fazem testes e rastreamentos de forma efetiva.” Fica o alerta.
Adriana Fernandes: Renda Cidadã x Renda Brasil
Quem acredita que vai dar tempo para erguer um novo programa social até o fim de novembro?
Para tudo! O presidente Jair Bolsonaro decretou que até as eleições “não se fala mais nisso daí”. O isso daí são as medidas que precisarão ser tomadas para solucionar um problema que está estampado numa reportagem do Estadão desta semana: o fim do auxílio emergencial deve devolver 15 milhões de brasileiros à pobreza no próximo ano. A previsão foi feita pela FGV Social em levantamento coordenado pelo economista Marcelo Neri, que constata: é cristalino que isso vai acontecer.
Para “varrer o PT do Nordeste”, na expressão de um auxiliar do governo, o presidente e aliados promoveram a prorrogação do auxílio emergencial até dezembro. Mas agora é hora dos aliados ganharem a eleição.
Todos contam com a falta de tempo para a solução do problema para empurrá-lo para 2021 quando o cenário político poderá ser outro com um rearranjo de forças. Quando a eleição acabar (o segundo turno está marcado para o dia 29 de novembro), quem acredita que até lá vai dar tempo para erguer o novo programa social? No Palácio do Planalto, espertamente, já se fala em mudanças por meio de dois programas: Renda Cidadã e Renda Brasil.
É por isso que não há confusão de nomes quando o ministro Paulo Guedes prefere usar Renda Brasil ao se referir ao programa social. Muitos viram no uso do nome mais antigo falha ou esquecimento do ministro. Foi proposital.
O Renda Brasil é o programa que a sua equipe trabalha e que estaria tecnicamente pronto, só faltando a coragem dos políticos para fazê-lo. Uma reformulação de 27 programas já existentes. Ao longo da semana, o ministro repetiu esse ponto várias vezes como quem diz: prestem atenção! Não foi confusão.
O Renda Cidadã pode se transformar na ponte até o Renda Brasil. Um Bolsa Família melhorado até que o Renda Brasil chegue mais adiante. Esse, sim, o programa-plataforma para reeleição de Bolsonaro.
Com o impasse do que cortar e a pressão do mercado para manter o teto, essa estratégia pode dar um pouco mais de fôlego para a equipe econômica conseguir apoio às medidas de corte de despesas e, assim, colocar o programa social dentro dos limites do teto.
Diante da urgência que o momento exige com a proximidade do fim do auxílio, porém, ganha força no Congresso a proposta de deixar os recursos extras do novo programa social (além dos R$ 35 bilhões já previstos no Orçamento de 2021) fora do teto de gastos. Uma exceção temporária até que o Congresso aprove medidas de ajuste mais duras e que não têm tempo de avançar até o fim do ano. Para mostrar compromisso com austeridade fiscal mesmo com essa flexibilização do teto de gastos, os recursos do programa fora do teto seriam compensados com aumento da carga tributária, corte de renúncias fiscais ou outras medidas que melhorem a arrecadação.
Funcionaria com um benefício variável temporário para superação da crise com um valor próximo aos R$ 300 dessa terceira e última rodada do auxílio. A vantagem para quem defende a ideia é que essa despesa adicional poderia fugir do conceito de despesa de caráter continuado e permanente, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, exigindo um nível de redução para fins de compensação orçamentária menor.
Esse tipo de saída vai na direção proposta pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em artigo publicado pelo Estadão, FHC sugere que o governo poderia mexer na regra fiscal para, ao mesmo tempo, abrir espaço orçamentário para o gasto e não provocar uma reação muito negativa do mercado. Uma saída organizado desse tipo para o impasse atual ainda encontra resistência dos defensores puristas do teto de gastos no mercado, governo e Congresso, entre eles Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Maia e Guedes se alinharam na defesa do teto de gastos sem mudanças, que ajudou a diminuir o nervosismo, mas não tirou do radar as incertezas fiscais, que estão colocando o País à beira de uma crise da dívida na sequência da provocada pela pandemia da covid-19.
Políticos e até mesmo economistas experientes do mercado já viram que esse caminho está cada vez mais próximo. A dúvida é saber qual imposto vai subir ou isenção acabar. Se Maia começar a aceitar, vai ser a senha para a mudança. Quando novembro chegar e a eleição acabar, a pressa de dar uma solução deve levar à essa mudança de rota.
Míriam Leitão: Governo dá voltas e não sai do lugar
Por Alvaro Gribel (interino)
O governo adiou mais uma vez o anúncio do Renda Cidadã. Segundo o relator Márcio Bittar, ficará para a semana que vem, mas há quem diga que Bolsonaro prefere decidir somente após as eleições municipais, no final de novembro. Sem dar uma solução para o financiamento do novo Bolsa Família, o clima continuará de volatilidade no mercado, com pressão sobre o câmbio e aumento dos juros da dívida. Nem o encontro de Paulo Guedes com Rodrigo Maia animou o mercado. A bolsa abriu em ligeira alta mas, nas palavras de um investidor, “ninguém acredita mais em historinhas”. É preciso colocar os números na planilha e provar que não haverá estouro do teto de gastos.
Quem participou do jantar com Guedes e Maia na noite de segunda-feira disse que o clima no encontro foi de franqueza e de que “não havia tempo a perder” na agenda de reformas. Mas faltou combinar com o presidente Bolsonaro, que está mais preocupado com as eleições e não quer correr o risco de perder apoio ao cortar benefícios de outros programas sociais. Por ora, o auxílio emergencial é suficiente para garantir sua popularidade, especialmente no Nordeste, até o dia da votação, e na visão de Bolsonaro a crise fiscal pode esperar.
No Congresso, as eleições para as presidências da Câmara e do Senado já afetam a agenda. Ontem, o centrão — com a ajuda da oposição —conseguiu obstruir a pauta. Os deputados Rodrigo Maia e Arthur Lira brigam pelo comando da Comissão Mista de Orçamento (CMO), no que está sendo visto como uma disputa prévia da sucessão na Câmara que ocorrerá em fevereiro.
O fim do auxílio emergencial pode provocar uma disparada do desemprego na virada do ano e afetar duramente o consumo, que tem sustentado a economia. Assim como o mercado, empresários aguardam pela decisão do novo programa social para calibrar os planos de contrações e os investimentos. Sem conseguir tomar decisões e arbitrar conflitos, o governo vai empurrando os problemas com a barriga. Como sabem os liberais, um dia a conta sempre chega.
Voz sem comando
Na entrevista coletiva após a reunião com Maia, Paulo Guedes voltou a falar por três vezes em Renda Brasil, o nome proibido por Bolsonaro. Vale lembrar o que disse o presidente no dia 15 de setembro: “Está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continua com o Bolsa Família e ponto final”.
Dois tipos de desculpas
Também chamou atenção na entrevista a forma como Maia e Guedes pediram desculpas um ao outro. Enquanto o presidente da Câmara olhou nos olhos de Guedes e lamentou ter sido “indelicado e grosseiro”, o ministro colocou tudo na condicional. “Caso eu tenha ofendido o presidente Rodrigo Maia, ou qualquer político, inadvertidamente, eu peço desculpas também, não há problemas”, disse Guedes, quando Maia já tinha deixado o local.
Tiro no pé
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, acha que Bolsonaro pode dar um tiro no pé ao deixar para depois das eleições a decisão sobre o novo programa social. Ele entende que isso pode ser visto como estelionato eleitoral se houver cortes em outros programas para financiar o Renda Cidadã. “A oposição pode colar a imagem nele de que fez mudança em política social só depois da eleição. Foi assim no plano cruzado em 1986, quando os governadores do PMDB ganharam, e o cruzado começou a desmontar em seguida. Pegou muito mal e foi o início do processo de desmonte do partido”, lembrou. Sérgio também acha que o calendário ficará apertado em dezembro, pressionado pelas férias legislativas, em janeiro, a votação do Orçamento, e a proximidade das eleições para a presidência das duas Casas. “Pode ser que acabe tendo votação para postergar a decisão sobre o auxílio. Entra o ano que vem recebendo auxílio e depois tem decisão mais permanente sobre o Renda Cidadã”, afirmou.
Trump derruba as bolsas
O risco Trump voltou a derrubar as bolsas. Após fala do presidente americano contra o pacote de estímulo do partido democrata, os principais índices mundiais foram ao vermelho e o dólar subiu. Os investidores que começaram o dia enxergando um céu de brigadeiro, após a saída do presidente do hospital, viram a volatilidade disparar depois do tuíte do candidato republicano.
Claudia Safatle: Deixa como está para ver como é que fica
Discussão sobre novo programa social do governo Bolsonaro deve ficar para depois das eleições municipais
Depois da grande confusão patrocinada pelo governo e pelas lideranças políticas em torno do financiamento do programa de renda básica por uma limitação do pagamento de precatórios, a ideia que ocorre à equipe econômica, agora, é: “Vamos deixar como está pra ver como é que fica,” sintetizou uma fonte qualificada.
Isso porque o presidente Jair Bolsonaro está focado nas eleições e tem como um objetivo político superar o prestígio do ex-presidente Lula no Nordeste. Passadas as eleições, volta-se a discutir como financiar o Renda Cidadã ou Renda Brasil, que o governo quer criar para ter sua marca, advogam assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na quarta-feira, Guedes jogou um balde de água fria na pretensão de financiar o programa social com dinheiro economizado com o não pagamento de precatórios. A proposta de dar um calote nos credores do Estado foi anunciada em entrevista coletiva no Palácio da Alvorada na segunda-feira e soou mais como um “gigantesco bode na sala” do que uma real alternativa para o novo programa de renda. A reação do mercado foi péssima e o pai da ideia desapareceu.
Se depender da área econômica, agora, nenhuma decisão será tomada no calor da campanha eleitoral. Resolvida essa questão política, a expectativa predominante é de Guedes ainda tentar voltar à proposição original do Renda Brasil, que seria criado com a fusão de 27 programas sociais dispersos (abono salarial, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, entre outros).
Isso, porém, não reúne uma massa de recursos suficientes para financiar as 14 milhões de famílias que já recebem o Bolsa Família e mais umas 20 milhões de pessoas colhidas entre os mais de 60 milhões de brasileiros que estão recebendo o auxílio emergencial. A ideia seria de garantir uma renda de cerca de R$ 300 por mês.
Aliás, debate-se um programa social que, a rigor, ninguém conhece e nunca viu uma folha da sua concepção. O ministro da Economia diz que o programa do Renda Brasil, ou Renda Cidadã, está nas mãos de Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania. Não se tem informações básicas sobre qual o publico-alvo do novo programa, quantas pessoas deverão ser beneficiadas por uma renda mínima e quanto isso custará ao Tesouro.
A proposta de Guedes é reforçar a verba para o Renda Brasil com mais cerca de R$ 40 bilhões. Dinheiro que seria tirado da classe média que declara Imposto de Renda e se beneficia de deduções de gastos com saúde e educação, que devem ser abolidas. Quanto à tributação dos ricos e muito ricos, Guedes acena apenas com o Imposto sobre Transações Digitais.
“Esse é um programa conceitualmente íntegro”, costuma dizer o ministro, referindo-se à concepção de financiamento da renda básica. O problema é que Bolsonaro não aceitou a ideia de fusão de quase três dezenas de programas sociais para bancar o Renda Brasil sob o argumento que isso significaria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
O ministro da Economia, porém, acredita que poderá voltar à carga e persuadir o presidente a apoiá-lo em mais essa empreitada. Afinal, se ele já não é mais o “posto Ipiranga”, está confiante de que ainda detém uns 80% a 85% de apoio de Bolsonaro.
Da profusão de ideias anunciadas e retiradas de cena sobrou um pente-fino que o governo pretende fazer na crescente conta dos precatórios. Pelo ministro da Economia, ele paga os valores menores e vai administrando, na boca do caixa, os débitos de maior valor. Como se trata de dívida transitada em julgado, não cabe mais recurso a não ser quitá-la.
O relator da PEC do Pacto Federativo, senador Marcio Bittar (MDB-AC), abrigou no seu substitutivo a limitação dos pagamentos de precatórios a 2% da receita corrente líquida anual. Cifra equivalente a R$ 16,1 bilhões para quitar uma conta de precatórios de praticamente R$ 55 bilhões no próximo ano.
Na reta final da preparação do substitutivo, o senador tirou da PEC os “3D”, defendidos pela área econômica, na proposta de Orçamento: desindexar, desvincular e desobrigar. Ou seja, descarimbar as receitas para devolver ao Congresso a função de decidir sobre a destinação do dinheiro público e dar ao Executivo margem de manobra para gerir o Orçamento da União.
Ideia tão cara ao ministro da Economia, os “3D” teriam como objetivo eliminar correções automáticas de valores e “vícios corporativos” que reservam para grupos específicos parcelas do Orçamento.
Com a desindexação seria possível reforçar o caixa da União e não comprometer o teto de gasto.
Sem os “3D” e com a criação do Imposto sobre Transações Digitais suspensa, o programa econômico de Guedes fica ferido de morte.
O ministro, porém, acredita que o relator da PEC 186 e do Orçamento para 2021 está com duas versões de substitutivo. Em uma delas não constam a desindexação, desvinculação e desobrigação do Orçamento. Mas haveria uma outra em que ele manteve os “3D”. Assim, Guedes ainda vê uma chance de a proposta vingar.
O bate-cabeça do governo na questão fiscal tem um alto preço que deve ser visto e compreendido pelo presidente da República. A taxa Selic (juros básicos da economia), que hoje está em 2% ao ano, o nível mais baixo da série histórica, está sob elevado risco de ter que ser aumentada. Os juros futuros subiram substancialmente e estão, hoje, na casa dos 9% ao ano para o primeiro biênio do próximo governo.
Esse é o preço da incerteza e da insegurança do mercado com relação aos rumos da política fiscal do governo pós-pandemia. Com um rombo de mais quase R$ 1 trilhão nas contas do setor público e uma dívida que cresce aceleradamente e que baterá na casa dos 100% do PIB possivelmente ainda neste ano, não cabe ao governo adicionar mais tensão e volatilidade nos mercados de juros, câmbio e ações.
Cabe ao governo, isto sim, encontrar uma boa explicação para o caso de vir a romper o teto do gasto ou simplesmente cumpri-lo, que é o que se espera de uma administração séria e responsável.
Míriam Leitão: Recados, indiretas e novos improvisos
Por Alvaro Gribel (interino)
Se a palavra do ministro Paulo Guedes ainda vale pelo governo, o programa Renda Cidadã voltou à casa zero. O ministro da Economia mudou sua agenda em cima da hora ontem à tarde para participar da divulgação dos dados do Caged, mas sobre o mercado de trabalho pouco falou e terceirizou para a área técnica. Ele aproveitou o espaço para disparar recados a aliados e ao próprio presidente Bolsonaro e ainda alimentou bate-boca com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Disse que havia rumores de que Maia interditara as privatizações após acordo com partidos de esquerda e que o novo programa social não pode ser financiado por “puxadinhos”.
Guedes se recusou a chamar o programa pelo nome Renda Cidadã e por três vezes falou em Renda Brasil, que havia sido proibido por Bolsonaro. Ao dizer que ele precisa ser a unificação de 27 projetos sociais, o ministro voltou à ideia inicial para o seu financiamento, que na visão do presidente significa tirar do pobre para dar ao paupérrimo. No mercado financeiro, a interpretação foi de que o ministro elevou o tom para demonstrar que não vai compactuar com pedaladas e contabilidade criativa. Para muitos investidores, a fala foi bem recebida, e houve quem entendesse que se o governo seguir por esse caminho Guedes deixará o cargo.
O ministro reconheceu que houve estudo sobre os gastos com precatórios, mas porque, segundo ele, esse tipo de despesa tem crescido muito nos últimos anos. Afirmou que em momento algum o governo “deixará de honrar” seus compromissos, muito menos uma dívida que já transitou em julgado. Em outras palavras, disse que a medida seria um calote, rebatendo o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), que chamou de “hipócritas” todos os que pensavam dessa forma.
Em seguida, Rodrigo Maia disse que Guedes está desequilibrado. No dia anterior, ele próprio acusara o ministro de interditar o andamento da reforma tributária. Sobre as privatizações, os fatos parecem estar a favor do deputado, já que o veto maior ao programa vem do próprio presidente Bolsonaro, que desde a campanha eleitoral excluiu as maiores estatais da lista de empresas vendáveis.
Ao fim e ao cabo, o novo programa social não tem nome, fonte de custeio, e o governo continua como sempre esteve: perdido em suas brigas internas.
O valor do auxílio
O gráfico mostra o impacto da crise sobre os rendimentos do trabalho. Pelos dados divulgados ontem pelo IBGE, e compilados pelo Iedi, houve uma queda de 13,3% em julho, sobre o mesmo mês do ano passado. “Tomados os rendimentos efetivamente recebidos, que refletem melhor o choque provocado pela pandemia, a massa de R$ 185,6 bilhões é a menor da série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012”, disse o Iedi. Esse dado exclui o que foi pago pelo governo no auxílio emergencial, e reforça a importância do benefício para garantir o consumo de muitas famílias.
Dois lados do emprego
Os economistas Bruno Ottoni e Tiago Barreira, do Ibre/FGV, juntaram três séries de desemprego e concluíram que a taxa de desocupação do país em julho foi a maior desde 1992, ou seja, em quase 30 anos. A Pnad Contínua, como se sabe, começou em 2012, mas os economistas adaptaram os dados à Pnad Anual e também à PME, que possuem séries mais antigas. “É uma constatação preocupante, e a tendência ainda é o desemprego aumentar nos próximos meses, porque muita gente que perdeu trabalho ainda não voltou a procurar”, disse Ottoni. No mercado formal, houve criação de quase 250 mil vagas em agosto, segundo o Caged. O governo comemorou e, na visão de Ottoni, o Programa de Manutenção do Emprego ajudou de fato a evitar um quadro pior. “Ainda assim, estamos com uma perda de mais de 800 mil vagas de carteira assinada desde o início da crise”, lembrou.
Celso Ming: Bolsonaro quer marcar gol de mão
O programa Renda Cidadã, pretendido pelo governo Bolsonaro, é calote, é pedalada, é contabilidade criativa
Todos os qualificativos sobre o passa-pernas pretendido pelo governo Bolsonaro para criar a Renda Cidadã já foram mencionados pela imprensa: é calote, é pedalada, é contabilidade criativa.
A Renda Cidadã é o nome fantasia com que o governo Bolsonaro batizou o projeto de ampliação do Bolsa Família, que assume características de renda mínima ou de Imposto de Renda negativo.
Antes de seguir adiante, convém deixar claro que um programa social desse tipo não é apenas uma reivindicação das esquerdas ou dos populistas da hora. É uma necessidade de mercado ou do próprio sistema capitalista. Como o contrato de trabalho tal como o conhecemos está a caminho da extinção ou da irrelevância, é preciso cuidar da renda e, portanto, do mercado de consumo e da sobrevivência das próprias empresas. Nesse sentido, importa menos se sua criação tenha um viés eleitoreiro, como de fato tem. Ela passou a ser uma necessidade tanto social como econômica.
O problema é que o governo quer validar gol de mão e, como Maradona, argumenta que é da mão de Deus. Para obter a verba necessária para a Renda Cidadã, avisou que vai pegar recursos do Fundeb (destinados à Educação) e do pagamento dos precatórios. Ou seja, para o governo, haverá menos recursos para o Fundeb e o pagamento dos precatórios ficará para depois, sabe-se lá quando.
Os vícios estão claros. O Fundeb é constituído de recursos que não entram no cálculo do teto das despesas. O que o governo está dizendo é que não há nada de errado em inchar o Fundeb e, depois, transferir os recursos para cobertura de outras despesas. No caso do calote dos precatórios, ficaria validado o procedimento de adiar indefinidamente o pagamento de uma dívida, passada e julgada, seja de precatórios (em geral, consequência de desapropriações), seja outra qualquer.
Há algumas semanas, o mesmo programa social levava o nome de Renda Brasil. Mas Bolsonaro enterrou a proposta quando foi informado de que os recursos sairiam de outros programas sociais, como do próprio Bolsa Família e do seguro-defeso (ajuda aos pescadores na suspensão da pesca). A justificativa do presidente: “Não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Nesta quarta-feira, o ministro Paulo Guedes negou que tenha intenção de usar verbas destinadas ao pagamento de precatórios para o Renda Cidadã. Mas é apenas outra declaração. Não se entende que o guardião do Tesouro esteja disposto a defender gols de mão.
O presidente Bolsonaro ainda vem com o discurso de que, se não for assim, não se faz nada. Como passou a pedir àqueles que repudiam a volta da CPMF, pede agora que os críticos apresentem solução melhor.
Ora, presidente, todos sabemos qual é hoje o tamanho do Estado. Sabemos também que, além de privilégios como o da estabilidade no emprego, os funcionários públicos usufruem dos melhores salários do País e, além disso, boa parte conta com adicionais, com benefícios extras, com aposentadoria e mordomias com que os trabalhadores do setor privado não contam. E há os subsídios, as isenções tributárias e a ideia de congelar as aposentadorias para as categorias mais beneficiadas…
Só no handebol vale gol de mão.
Míriam Leitão: Renda cidadã e o senador sem noção
Por Alvaro Gribel (interino)
Míriam Leitão está de férias
Desde que apresentou o programa Renda Cidadã, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) tem defendido a proposta como um cidadão sem noção. Em inúmeras conversas e entrevistas nos dois últimos dias, Bittar tem deixado de cabelo em pé seus interlocutores, sejam eles jornalistas, economistas ou investidores do mercado financeiro. Sem nenhum constrangimento, é capaz de afirmar na mesma frase que “atraso no pagamento de dívida não é calote”, para depois acusar de “hipócritas” aqueles que entendem o contrário. Quanto mais Bittar fala, menor parece a chance de aprovação do novo programa de renda mínima.
“O governo brasileiro está renegociando sua dívida”, justifica. Em qualquer lugar do mundo, o nome disso é calote, especialmente quando é feito de forma unilateral, sem negociação. No caso dos precatórios, o governo atrasará o pagamento mesmo após decisão judicial. Mas Bittar não se deixa abalar e complementa: “Você vai pagar praticamente um terço do que deve e dizer ao credor: O mundo entrou em uma crise e nós não saímos dela ainda, vamos ter que equacionar.” A fala contraria não apenas os bons costumes econômicos, como demonstra que a recuperação não é tão rápida quanto diz o governo, já que o Renda Cidadã só entraria em vigor no ano que vem.
Bittar disparou indiretas ao aliado Paulo Guedes. Disse que “o mercado não é Deus” e que em uma reunião com o governo fez questão de dizer “a um ministro” que se os investidores fossem tão inteligentes não teriam apoiado governos de esquerda no Brasil. Ainda assim, dividiu o ônus do projeto com a equipe econômica. “Não apresentaria uma proposta que não estivesse chancelada pela equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro, através do ministro Paulo Guedes.”
Bittar já havia chamado atenção no ano passado quando apresentou um Projeto de Lei ao lado do senador Flavio Bolsonaro para acabar com a Reserva Legal. Se fosse aprovado, as propriedades rurais ficariam liberadas para o desmatamento de vegetação nativa. O PL não foi adiante, mas não antes de os senadores afirmarem que “o aquecimento global era discurso apocalíptico para barrar o progresso” e que os EUA eram mais ricos que o Brasil porque derrubaram suas florestas a favor da agricultura.
Ontem, irritado com uma pergunta da jornalista na Globonews, Bittar a chamou de “querida”, para depois confundir Nelson Rodrigues com Nelson Gonçalves e afirmar que “a vida é como ela é”. Queria dizer que o governo enfrentaria resistências caso tentasse cortar gastos para financiar o programa, e que por isso buscou outro caminho. Como todo sem noção, não percebeu que confessava naquele momento o truque da contabilidade criativa.
Brasil fica para trás
Enquanto a bolsa brasileira está em último lugar na comparação com outras seis economias emergentes (veja ao lado), com perdas de 42% em dólar este ano, o principal índice da Coreia do Sul tem valorização de 4,85%. Curiosamente, o país asiático foi dos que melhor controlou a pandemia, com testes em massa, rastreamentos e isolamento social. No Brasil o governo deixou o vírus correr solto, ao mesmo tempo em que abriu a torneira dos gastos. O resultado foi desvalorização da moeda e queda da bolsa, que em reais também não voltou ao nível pré-pandemia.
Locador X locatário
O Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) já fez as contas para o reajuste dos aluguéis tendo como referência o IGP-M. O índice calculado pela FGV disparou 17,94% nos 12 meses até agosto e pode dar dor de cabeça aos inquilinos. Mas para o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, não faz sentido usar esse indicador, que tem forte influência do dólar e está fora da realidade: “O mercado está do lado do inquilino. Fora locais específicos, não é hora de ficar com imóvel vazio”, afirmou.