Religião

Fim da fila da vacina para quem tentar escolher o fabricante

O sommelier de vacina é um egoísta, um baita ignorante

Mariliz Pereira Jorge / Folha de S. Paulo

A Prefeitura de São Paulo, a exemplo do que já tinha feito a de Belo Horizonte, decidiu que vai para o fim da fila quem tentar escolher o fabricante do imunizante contra Covid-19. Aos críticos dos sommeliers a medida parece justa. Quem muito escolhe fica sem nada.

Com mais de 550 mil mortes, parece suicídio recusar qualquer que seja a oferta. Então, que se lasquem. Eu mesma pensei assim, num primeiro momento. Mas não é uma questão de revanche contra quem brinca com a própria sorte numa pandemia.

A medida não parece tão simples de ser cumprida. Aos profissionais de saúde, que já têm a enorme responsabilidade do corpo a corpo com a população, caberia fiscalizar e punir os dribladores. Num país onde a frase favorita é "você sabe com quem está falando?", dá para imaginar de que lado a corda roeria.
Parece também muito fácil chegar a um posto de saúde qualquer e, antes de entrar na fila, obter a informação sobre qual imunizante está sendo aplicado e dar marcha à ré, sem ser enquadrado nem receber uma advertência por escrito. Fazer de conta que o sommelier vai ficar de castigo faz barulho nas redes sociais, ganha espaço na impressa, mas resolve pouco o que de fato importa: ter vacinas, várias, para todos.

Importante dizer que o sommelier de vacina é um egoísta. E um baita ignorante. Sabemos que os imunizantes disponíveis têm performances distintas, mas os aprovados funcionam dentro de um plano nacional que inclui diferentes laboratórios.

Mais vale a maior parte da população vacinada com um imunizante que tem 50% de eficácia do que nem metade imunizada com um mais eficaz, como acontece nos Estados Unidos. O país já enfrenta uma nova pandemia, a dos não vacinados, e vê o número de casos e de internações disparar entre os negacionistas, que representam mais de 95% das mortes pela Covid-19 em alguns estados. Então, pior do que tomar qualquer uma, é não tomar nenhuma.


A batalha das variantes da pandemia da Covid-19

Resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta

Hélio Schwaetsman / Folha de S. Paulo

variante delta vai provocar uma terceira onda de Covid-19 no Brasil? Não sabemos, mas essa é uma possibilidade para a qual precisamos estar muito atentos.

Lidamos aqui com um experimento biológico inédito, que consiste em lançar a nova variante num ambiente em que a cepa dominante é a gama. É Darwin quem dá as cartas. Se a delta apresentar uma vantagem competitiva sobre a gama, então a variante que fez sua primeira aparição na Índia deverá se espalhar com rapidez entre nós, com grandes chances de provocar um novo round de contaminações. A delta já mostrou que é capaz de vencer a alfa e a beta.

Há, é claro, outros fatores a considerar. O mais importante é a quantidade de pessoas que ainda são suscetíveis à infecção por Covid-19. Mesmo que a delta seja muito mais contagiosa do que a gama, a devastação que ela pode causar ficará limitada se a grande maioria da população já estiver imunizada, por vacinas, por ter se recuperado da doença ou por uma combinação dos dois.

E aqui, de novo, a delta preocupa. O Brasil já vacinou 62% da população adulta com a primeira dose, mas apenas 24% estão com o esquema completo. Estudos sugerem que a imunização parcial, que já assegura uma proteção razoável contra as variantes tradicionais, não funciona tão bem contra a delta. Mesmo países que estavam bem mais adiantados na imunização (e com um gap menor entre primeira e segunda doses), como Israel, Reino Unido e EUA, experimentaram repiques quando a nova variante se espalhou.

Nesse contexto, resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta. Não é obviamente o caso de promover lockdowns preventivos, mas prefeitos e governadores deveriam redobrar a cautela antes de relaxar restrições que ainda estão em vigor. É politicamente muito mais custoso ter de recuar em alguma liberação do que prosseguir com cuidado na reabertura. As próximas semanas nos trarão as respostas.


PP escancara a porta para Bolsonaro, mas sob certas condições

Tudo é uma questão de confiança

Blog do Noblat / Metrópoles

Entende o novo chefe da Casa Civil da presidência da República, o senador Ciro Nogueira (PI), que se filiar ou não ao Progressista (PP) é uma decisão que cabe unicamente a Jair Bolsonaro. A porta do partido está escancarada para que ele entre. Será bem recebido.

É só uma questão de Bolsonaro confiar menos ou mais nas chances de se reeleger por um partido de médio porte. O PP ganharia com isso porque certamente aumentaria suas bancadas nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado.

O PSL era um partido nanico até que Bolsonaro o escolhesse para ser candidato a presidente da República. Hoje, mesmo tendo sido abandonado por ele, é dono da segunda maior bancada de deputados na Câmara. Deverá reeleger parte dela.

Mas que Bolsonaro não conte com as facilidades que o PSL lhe ofereceu à época, as mesmas que o PTB e outras siglas lhe oferecem hoje. O PP tem muitos donos e interesses diversos nas regiões do país. Nada disso poderá ser desconsiderado.

O que o Centrão prepara para servir ao general Augusto Heleno

Nada como um dia depois do outro

A sabedoria política ensina que a vingança é um prato que se come frio. Os líderes do Centrão nunca engoliram a ofensa que lhes fez o general Augusto Heleno, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República.

Quando Bolsonaro lançou-se candidato em 2018, criticou o Centrão chamando-o de nata do pior que existia no Brasil, e disse que jamais se juntaria a ele. Foi no Centrão que Bolsonaro nasceu para a política. Sua reconversão ao Centrão basta para perdoá-lo.

Mas, o general, não. Segue em dívida desde que aproveitou um evento da campanha de Bolsonaro e cantou: “Se gritar pega Centrão não fica um, meu irmão”. A vingança está programada e será servida se Bolsonaro se filiar a um dos partidos do Centrão.

Nesse caso, o general será convidado a filiar-se também. E, se quiser, poderá até disputar um mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ou pelo Estado que preferir.


Está uma farra danada

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão

Zeina Latif, O Globo

É amplamente reconhecido que a excessiva fragmentação partidária constrange a governabilidade do presidente, pois dificulta a conquista de apoio majoritário no Legislativo. Como aponta Carlos Pereira, a saída encontrada pelos constituintes para conciliar multipartidarismo e presidencialismo foi delegar mais poderes ao Executivo.

 Permitiu-se assim coalizões pós-eleitorais, ao que Sérgio Abranches denominou “presidencialismo de coalizão”. Trata-se de dividir recursos políticos com aliados, como cargos e recursos, em troca de apoio. Não é uma exclusividade brasileira, mas talvez aqui a dependência seja maior.

As reformas eleitorais dos últimos anos começam a surtir efeito, mas há um longo caminho adiante. As cláusulas de desempenho e a proibição de coligações eleitorais para cargos legislativos têm levado à redução do número de partidos. Em 2018, atingiu-se o pico de 30 partidos no Congresso; atualmente são 24 — cifra muito distante dos 12 em 1986.

Os cientistas políticos ensinam que o presidencialismo de coalizão é inevitável; não é uma escolha do presidente. O que varia é sua qualidade: se está associado a um projeto de governo estruturado; o quanto um presidente cede a pressões, a depender de sua força e habilidade política; e seu desenho — por exemplo, ao ceder mais cargos, respeitando o peso legislativo de cada partido aliado, despende-se menos recursos.

Sendo inevitável, era uma questão de tempo Bolsonaro abandonar o discurso da “nova política”. No primeiro ano de governo, com capital político elevado, foi possível driblar a realidade, contando ainda com um Congresso reformista.

Em 2020, porém, assistimos à sua aproximação com o centrão; não por compreender a essência do presidencialismo de coalizão, mas porque precisou ceder, frente à desidratação precoce de sua popularidade.

Do outro lado do balcão, Bolsonaro encontra agora aliados com, aparentemente, menor apetite por ministérios (setoriais e sociais) de um governo mal articulado e com chances limitadas de reeleição. A principal moeda de troca é outra: dinheiro na mão, para beneficiar currais eleitorais e elevar as chances nas urnas em 2022. É o caso das emendas parlamentares.

A novela começou no governo Dilma, que tinha a fama de não honrar acordos políticos. Em 2015, uma Emenda Constitucional (EC) fixou valor para emendas individuais (1,2% da receita corrente líquida prevista no Projeto de Lei Orçamentária). Com Bolsonaro, mais desconfianças.

Em 2019, uma EC definiu que os recursos devem ser transferidos diretamente aos estados e municípios, sem controle da União, e outra tornou obrigatórias as emendas de bancada (equivalem a 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior).

A baixa confiança nos presidentes levou, provavelmente, os congressistas a blindarem seus recursos. O resultado foi o aumento da rigidez orçamentária e a redução dos instrumentos de negociação do presidencialismo de coalizão, já que essas emendas estão garantidas.

Assim, foram necessárias novas concessões. Foi criada a emenda do relator para o orçamento de 2020 — mantida para 2021. Não é impositiva, mas consome valor expressivo (R$20 bilhões em 2020).

No total, as emendas parlamentares alcançaram R$35 bilhões em 2020. Seria importante reduzi-las, mas não se resolveria o problema. Os parlamentares buscariam outros caminhos para obter recursos políticos. Se aperta aqui, escapa ali. Exemplos recentes disso são a proposta de fundo eleitoral inflado, a reforma tributária populista que o Congresso quer chamar de sua e o novo Bolsa Família mal desenhado.

Isso sem falar do que já foi aprovado, como os jabutis no projeto de capitalização da Eletrobras. O Orçamento de 2022 promete dor de cabeça.

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão. Não se trata de prover governabilidade em benefício de uma agenda de governo estruturada, mas sim de um casamento de conveniência em que o presidente-refém sobrevive e o grupo maximiza seus ganhos.

A fraqueza de Bolsonaro aumenta o poder de barganha do Centrão, mas o impeachment não o interessa, pois demandaria a repactuação de acordos com alguém desconhecido.

Bolsonaro fere o espírito de um bom presidencialismo de coalizão. Em um cenário de renovação política, caberá ao próximo presidente acabar com essa farra.


Brigar com vice é mau negócio. O Brasil não precisa de mais esse rolo

Elio Gaspari /O Globo

Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.

Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.

Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50 anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral, enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não dá sorte.

Mourão foi escolhido às pressas (o preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura. Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.

Mourão está acima da média da equipe de Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.

O pior que pode acontecer a um país com mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker (vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.

É sabido que o presidente e seu vice afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.


'Posto Ipiranga' de Bolsonaro, Paulo Guedes virou apêndice

Vera Magalhães, O Globo

Pouco importa que Paulo Guedes encontre justificativas para qualquer disparate que saia da cabeça de Jair Bolsonaro. Ou que regateie quanto aceita perder de aparato de seu ministério não para gerar empregos no país, mas para empregar Onyx Lorenzoni.

Esses sinais externos de esvaziamento são apenas isso, sintomas. O cerne do momento vivido pelo ministro da Economia — não de hoje, mas há tempos — é que a sua política, aquela reformista, liberal, privatizante, vendida na campanha e até hoje enunciada em entrevistas cada vez mais desprovidas de capacidade de convencer mesmo os dispostos a acreditar, morreu na bacia das almas do pragmatismo político.

Bolsonaro nem tenta mais disfarçar: disse que a Casa Civil é o ministério mais importante do governo. E ele está sendo dado numa bandeja de prata ao partido que é o expoente mais poderoso do antes excomungado Centrão.

Para isso, Bolsonaro não hesitou em despachar o general Ramos e em arrancar mais um naco do poder e da imagem pública do seu antes “Posto Ipiranga”.

Guedes deve saber, em algum recôndito de sua consciência ainda não capturado pelo bolsonarismo que a tudo corrompe, que seu papel hoje no arranjo para manter o presidente vivo é acessório, quando não francamente indesejável.

Bolsonaro precisará dar um cavalo de pau na política fiscal para pagar um Bolsa Família que pretende rebatizar e com que espera recuperar a corrosão de intenções de voto que sofre em praticamente todo o Brasil, mas sobretudo nas camadas mais pobres e na Região Nordeste, a mais dependente dos programas de transferência de renda, perenes ou emergenciais.

Nessa hora, o papel de Guedes será o do Grilo Falante no desenho do Pinóquio: o chato que fica advertindo que não vale a pena se desviar do caminho da escola, que o boneco de madeira deve ser bonzinho e não mentir nem matar aulas.

Bolsonaro já está totalmente entregue à tutela de Nogueira e companhia, a quem já deu tanto poder que, quando e se resolver se impor, não terá como fazê-lo.

Com o ministro da Economia, o presidente aprendeu que pode sempre apertar o torniquete, porque ele aceita. Percebem? Enquanto Ciro, Arthur Lira e outros do antes rechaçado establishment político dão as cartas e jogam de mão, a Guedes e até mesmo aos militares sobra o bagaço da laranja.

E fazer cara de paisagem e fingir que acreditam que cada redução de suas prerrogativas e de sua margem de atuação interna se deve a novas diretrizes administrativas, como se algum dia a era bolsonarista tivesse sido um governo — com metas, planejamento, norte —, e não, desde sempre, um projeto de acomodação familiar, empulhação ideológica e aparelhamento do Estado até não sobrar praticamente nada intocado.

As tarefas de um Guedes subalternizado em relação ao Centrão serão pagar a conta do Bolsa Família, se possível encontrar uma mágica para conter a inflação de itens básicos, como combustíveis, gás e conta de luz, e fazer vista grossa a um possível jogo de cena no “veta, não veta” ao fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões.

Tudo isso dentro de um Orçamento já capturado pelo mesmo Centrão, que administra uma gorda fatia por meio das emendas do relator — outra excrescência que Guedes topou metabolizar porque o chefe assim decidiu.

É claro que o ministro usará qualquer soluço positivo da economia, ou o avanço de agendas pontuais de sua pasta no Congresso, para construir para si e para o público a história de que vai tudo bem, conforme o previsto, e de que há liberalismo depois do arco-íris ou de uma cada vez mais cara e custosa reeleição do capitão.

Mas episódios como a reacomodação ministerial deste julho conturbado mostram que o ministro que seria o coração e o cérebro do governo agora foi reduzido a um apêndice. E que aceita o papel, ainda com um sorriso amarelo no rosto.


O pacto com o Centrão

Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. O PP é o antigo PDS, originário da Arena, partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, na manhã de ontem, depois de duas horas e meia de conversa, a indicação do senador Ciro Nogueira (PI), presidente doPP, para o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. Entre suas tarefas, estão a coordenação dos principais programas do governo, a participação nas decisões sobre remanejamento de verbas do Orçamento, a construção de alianças regionais e a articulação com o Congresso Nacional, na qual terá dois objetivos prioritárias: domar a CPI da Covid no Senado, em que os governistas estão em minoria, e articular a aprovação do voto impresso na Câmara. São duas missões quase impossíveis, a esta altura do campeonato.

O repertório de mudanças bem-sucedidas no Palácio do Planalto, em momentos de apuros, não é pequeno. Entretanto, também houve fracassos. Um deles ocorreu no governo Collor, quando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, assumiu a recém-criada Secretaria de Governo. Collor tentara manter seu governo afastado do jogo político-partidário e, por meio de medidas provisórias, viabilizar seu programa. Entretanto, no início de 1992, o recrudescimento da inflação, o crescimento do desemprego e as denúncias envolvendo membros do governo levaram-no a buscar uma base parlamentar que lhe assegurasse apoio.

Havia duas hipóteses: ceder alguns postos ao PSDB, que fracassou; ou trazer para o governo o PDS (atual PP), o PTB e o PL, a solução adotada. Entretanto, Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou a existência de vasto esquema de corrupção no interior do governo, que teria sido montado por Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro de sua campanha presidencial. Em consequência, uma CPI no Congresso começou a investigar o governo. Na ocasião, Bornhausen afirmou: “As CPIs nunca deram em nada”. No final de agosto, porém, aconselhou Collor a renunciar ao mandato. O resto da história todos já sabem.
Outro fracasso foi a indicação de Michel Temer, vice-presidente da República, como articulador político do governo, após a vitória do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara, contra o petista Arlindo Chinaglia (SP), candidato da presidente Dilma Rousseff, que interferiu na eleição e foi derrotada. Temer assumiu em 7 de abril de 2017, após as manifestações ocorridas no mês anterior, quando milhares de pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma. As funções da Secretaria de Relações Institucionais passaram à alçada da Vice-Presidência. Temer procurou acalmar os ânimos, porém, quatro meses depois, deixou a articulação, alegando ter sofrido boicote em seu trabalho. Ainda se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lideranças do PMDB, na tentativa de aproximar o partido do governo.

Sede de poder
Dilma fizera uma reforma ministerial em 5 de outubro, cortando oito da 39 pastas e ampliando o espaço do PMDB, que passou de seis para sete ministérios, incluindo a pasta da Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; dos Portos; Agricultura; Minas e Energia; Turismo e Secretaria de Aviação Civil já eram controlados pelo PMDB. Entretanto, em 2 de dezembro, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acatou um dos pedidos de abertura do processo de impeachment de Dilma. Dias depois, Eliseu Padilha deixou o governo e, em seguida, Michael Temer enviou carta à presidente da República na qual afirmou: “Passei os quatro anos de governo como vice decorativo… Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. O desfecho da crise todos também conhecem.

O presidente Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. Tudo bem que o PP seja o antigo PDS, originário da Arena, o partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas gulosas. A repactuação do “sistema de poder” entre os militares, as oligarquias nordestinas, as igrejas evangélicas e setores empresariais que apoiam o governo, sobretudo do agronegócio, depende de três variáveis: uma redistribuição de cargos na Esplanada, principalmente nos ministérios “capilarizados”; a retomada do crescimento econômico e um horizonte eleitoral nos estados no qual Bolsonaro consiga resgatar sua expectativa de poder nas eleições de 2022.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-pacto-com-o-centrao

Vatican News: Um em cada três países do mundo sofre violações de liberdade religiosa

Em seu 15º Relatório sobre liberdade religiosa no mundo, a ACN alerta sobre severas ameaças ao direito fundamental de liberdade religiosa em todo o mundo.

Relatório de liberdade religiosa no mundo - 2021, produzido pela instituição internacional católica e fundação pontifícia ACN (Aid to the Church in Need/Ajuda à Igreja que Sofre), observa que a liberdade religiosa é violada em um em cada três países. De acordo com o relatório, apresentado nesta terça-feira (20/04), em Roma, e em outras grandes cidades ao redor do mundo, o direito fundamental à liberdade religiosa não foi respeitado em 62 (31,6%) dos 196 países do mundo, entre 2018 e 2020.

De acordo com o Relatório de Liberdade Religiosa, em 26 desses países as pessoas sofrem perseguição e, em 95% deles, a situação ficou ainda pior durante o período analisado. Nove países aparecem nesta categoria (Perseguição Religiosa) pela primeira vez: sete na África (Burkina Faso, Camarões, Chade, Comores, República Democrática do Congo, Mali e Moçambique) e dois na Ásia (Malásia e Sri Lanka).

As estatísticas refletem uma das principais conclusões do relatório: a radicalização do continente africano, especialmente na África Subsaariana e Oriental, onde houve um aumento dramático na presença de grupos jihadistas. Violações da liberdade religiosa – incluindo perseguições extremas, como assassinatos em massa – estão ocorrendo agora em 42% de todos os países africanos: Burkina Faso e Moçambique são apenas dois exemplos marcantes.

A radicalização afeta não apenas o continente africano: o Relatório de Liberdade Religiosa revela uma ascensão de redes islâmicas transnacionais que se estendem do Mali a Moçambique, na África Subsaariana, às Comores, no Oceano Índico, e às Filipinas no Mar do Sul da China, com o objetivo de criar um chamado "califado transcontinental".

O relatório destaca outra nova tendência: o abuso da tecnologia digital, das redes cibernéticas e da vigilância em massa baseada em inteligência artificial (IA) e tecnologia de reconhecimento facial para aumentar o controle e a discriminação em algumas das nações com o pior histórico de liberdade religiosa. Isso é mais evidente na China, onde o Partido Comunista Chinês tem oprimido grupos religiosos com a ajuda de 626 milhões de câmeras de vigilância aprimoradas em IA e scanners de smartphones. Grupos jihadistas também estão usando tecnologia digital para a radicalização e recrutamento de seguidores.

O Relatório mostrou que em 42 países (21%), renunciar ou mudar a religião pode levar a graves consequências legais e/ou sociais, que vão desde o ostracismo dentro da família até mesmo à pena de morte.

Relatório de Liberdade Religiosa destaca e denuncia o aumento da violência sexual usada como arma contra minorias religiosas – crimes contra mulheres e meninas que são sequestradas, estupradas e forçadas a se converter.

Hoje, cerca de 67% da população mundial, ou cerca de 5,2 bilhões de pessoas, vivem em países onde há graves violações da liberdade religiosa, incluindo as nações mais populosas – China, Índia e Paquistão. Em muitos deles, as minorias religiosas são as mais visadas. Segundo o Relatório, a perseguição religiosa por governos autoritários também se intensificou. A promoção da supremacia étnica e religiosa em alguns países de maioria hindu e budista na Ásia levou a uma maior opressão das minorias, muitas vezes reduzindo, de fato, seus membros a cidadãos de segunda classe. A Índia é o exemplo mais extremo, mas políticas semelhantes se aplicam no Paquistão, Nepal, Sri Lanka e Mianmar.

No Ocidente, conclui o Relatório, houve um aumento da "perseguição educada", termo cunhado pelo Papa Francisco para descrever como novas normas e valores culturais entram em profundo conflito com os direitos individuais à liberdade de consciência, e consignam a religião "aos distritos fechados de igrejas, sinagogas ou mesquitas". O Relatório também aborda o profundo impacto da pandemia COVID-19 sobre o direito à liberdade religiosa.

Refletindo sobre a gravidade das descobertas do Relatório de Liberdade Religiosa, o presidente executivo internacional da ACN, Dr. Thomas Heine-Geldern, afirma: "lamentavelmente, apesar das iniciativas da ONU e dos embaixadores da liberdade religiosa, até hoje, a resposta da comunidade internacional à violência baseada na religião e à perseguição religiosa em geral, pode ser categorizada como muito pouco, ou tardia demais".

Conclusão sobre a Liberdade Religiosa no Brasil

Em conformidade com os relatórios anteriores, as religiões afro-brasileiras continuam sendo as mais perseguidas no país, seguidas das religiões esotéricas e animistas. A grande diferença no momento atual é a politização da religião e as suas consequências para toda a vida social.

Atualmente, existe uma nova escalada de agressividade associada à intolerância religiosa no país. Está havendo uma politização dos valores tradicionais, das crenças religiosas e do ressentimento diante do cancelamento cultural às comunidades cristãs conservadoras.

O Relatório de Liberdade Religiosa contará com um evento de apresentação no Brasil, no dia 27 de abril, a partir das 19h, com transmissão pelos canais da ACN Brasil no Youtube (https://www.youtube.com/c/ACNBrasil_org) e pelo Facebook (https://www.facebook.com/acnbr/) da ACN Brasil. O evento contará com as participações de dom Walmor de Oliveira, presidente da CNBB; dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo; dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro; e dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil.

Publicado pela primeira vez em 1999, o relatório bienal analisa até que ponto o direito humano fundamental à liberdade religiosa, protegido pelo artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é respeitado por todas as religiões dos 196 países do mundo.

Confira o Relatório completo de Liberdade Religiosa no Mundo – 2021 no link https://www.acn.org.br/relatorio-liberdade-religiosa/

Vídeo com os principais dados do Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo – 2021 no link:

https://youtu.be/8mDN_kb1rPA

Fonte: ACN

Sobre a ACN (Ajuda à Igreja que Sofre)

ACN (Ajuda à Igreja que Sofre) é uma Fundação Pontifícia que auxilia a Igreja por meio de informações, orações e projetos de ajuda a pessoas ou grupos que sofrem perseguição e opressão religiosa e social ou que estejam em necessidade. Fundada no Natal de 1947, a ACN tornou-se uma Fundação Pontifícia da Igreja em 2011. Todos os anos, a instituição atende mais de 5.000 pedidos de ajuda de bispos e superiores religiosos em cerca de 140 países, incluindo: formação de seminaristas, impressão de Bíblias e literatura religiosa - incluindo a Bíblia da Criança da ACN com mais de 51 milhões de exemplares impressos em mais de 180 línguas; apoia padres e religiosos em missões e situações críticas; construção e restauração de igrejas e demais instalações eclesiais; programas religiosos de comunicação; e ajuda aos refugiados e vítimas de conflitos.


Rubens Barbosa: Questão religiosa

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia

Estamos vivendo tempos estranhos. A sociedade está dividida e polarizada, anestesiada e paralisada, até pelas dificuldades decorrentes da pandemia. A perplexidade aumenta na medida em que, entre muitos outros exemplos, se verifica a maneira como a grave crise do combate à covid-19, fora de controle, está sendo conduzida; pela ameaça de um enfrentamento fratricida pela facilitação da venda e do porte de armas e munições; pela inexplicada crise militar com a demissão da cúpula da Defesa; pelo desmonte do combate à corrupção; pela crescente influência das milícias e do tráfico de drogas; pela chocante visibilidade da desigualdade social; pela falta de perspectivas e de uma visão de futuro para o País.

A tudo isso se junta agora a surrealista discussão sobre atividades religiosas coletivas em templos e igrejas durante a pandemia. As apresentações terrivelmente evangélicas feitas no STF pelo advogado-geral da União e pelos advogados que defendiam a abertura dos templos e igrejas trouxeram à tona, mais uma vez, a questão da laicidade do Estado brasileiro. Até o presidente reforçou a defesa de cultos e missas presenciais como um direito inerente a maioria, ignorando as ameaças à vida e a Constituição.

Estado é laico é o que promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir dessa separação, o Estado não deveria permitir a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiar uma ou algumas religiões sobre as demais. Essa situação existe no Brasil desde a Proclamação da República, em decorrência do disposto na Constituição de 1891, em que se explicita a rejeição da união entre o poder civil e o poder religioso, pondo fim ao regime do padroado, que concedia privilégios à Igreja Católica e no qual se confundiam o Estado e a Igreja. No laicismo, cabe ao Estado garantir a liberdade e a igualdade de todos, independentemente dos valores morais e religiosos.

Mesmo com maioria até aqui católica, o Brasil é oficialmente um Estado laico, neutro no campo religioso, não apoiando nem discriminando nenhuma religião. Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição federal é clara ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada é assegurada, desde que separada do Estado. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Na minha visão, a separação Igreja-Estado foi um avanço e está na base da formação dos Estados modernos. Com a República, o Estado brasileiro tornou-se um Estado moderno, no qual não se busca a satisfação espiritual, mas a expansão dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Ao contrário do que se ouviu nos últimos dias, o Estado brasileiro não se pode manifestar religiosamente. Como já foi dito por ministro do STF, “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais” e “as concepções morais religiosas – unânimes, majoritárias ou minoritárias – não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas”.

Nos últimos anos, o que se viu foi o contrário. A ameaça à Constituição não é uma preocupação. Embora não se constituindo em movimento único, pois há divergências entre elas, a influência das igrejas evangélicas, em especial a Universal, aumentou significativamente e ganhou força política real.

Sua eficiente arrecadação entre fiéis seduzidos e sua capacidade televisiva e radiofônica, além da mídia impressa e de partidos políticos, estão a serviço de um projeto político. Não é segredo para ninguém que os evangélicos buscam alcançar, sem intermediários, o poder máximo da República, depois de eleger prefeitos, governadores, senadores, deputados e ministros das Cortes de Justiça. A Igreja Universal ataca a Igreja Católica e exerce uma ação voltada para assumir a hegemonia do Estado.

Não se pode negar a competência e a eficiência da atuação da militância evangélica, instalada agora em diferentes órgãos públicos federais, na defesa de sua agenda de costumes, social, financeira e mesmo política, como estamos vendo nas ações do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e na política externa, nos últimos dois anos.

Pela primeira vez na História do Brasil, as igrejas evangélicas atuam de maneira coordenada para chegar ao comando do poder político. Em política não existe vazio. Se alguns setores ganham espaço, outros perdem. É surpreendente que representantes da alta hierarquia da Igreja Católica, em especial, não se tenham manifestado até aqui em defesa do Estado laico e da separação clara do Estado e da religião.

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia e afeta liberais, conservadores e progressistas. Trata-se, na realidade, de um problema de dominação por uma minoria e de reação contra o pluralismo


Luiz Carlos Azedo: Duas derrotas num só dia

Bolsonaro anunciou um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama

O presidente Jair Bolsonaro sofreu duas derrotas ontem, ambas no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma foi a decisão acachapante do plenário da Corte em favor de governadores e prefeitos que determinarem o fechamento temporário de templos religiosos para combater a propagação da pandemia da covid-19, durante os períodos de rígido distanciamento social, cujo resultado foi 9 a 2. A outra, a liminar do ministro do STF Luís Roberto Barroso a favor do mandado de segurança dos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), do Cidadania, determinando a imediata instalação da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que vinha empurrando o assunto com a barriga há 65 dias.

CPIs são uma prerrogativa da oposição, desde que tenham número mínimo de subscrições para instalação, o que é o caso. O que muda com a instalação da CPI é que o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e, principalmente, seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, passarão a ter muitas dores de cabeça em razão de tudo o que ocorreu durante a pandemia até agora. Na lógica da oposição, a CPI é a banda de música dos pedidos de impeachment. O negacionismo de Bolsonaro tem um histórico de atitudes e medidas contra a política de isolamento social, mas também contra a compra e produção de vacinas, o uso de máscaras etc. É um prato cheio para a responsabilização criminal pelo elevado número de mortes que vem ocorrendo.

Rodrigo Pacheco segurou a instalação da CPI enquanto pôde, pressionado por Bolsonaro e pelo Centrão, mas contrariou os seto- res da oposição, inclusive os que o apoiaram. Com seu estilo conciliador e habilidoso, manobrou demais e acabou provocando mais uma intervenção do Supremo no Congresso. Agora, a oposição tem prerrogativas constitucionais e regimentais para fazer uma devassa no Ministério da Saúde. Como a base do governo é majoritária no Senado, o Palácio do Planalto tentará controlar a CPI, voltando-a contra governadores e prefeitos, mas isso fará com que o cacife dos partidos de Centrão aumentem nas negociações com o presidente da República.

Vacinas
Em sua live semanal, ontem, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social e defendeu “outras medidas” para combater a pandemia do novo coronavírus. Aproveitou para anunciar um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama. “É uma possibilidade. Um outro possível remédio que estará à disposição de todo o Brasil. Esperamos que dê certo”, disse. Também defendeu o exercício físico, que segundo ele, aumenta em oito vezes a velocidade de recuperação da doença.

Enquanto Bolsonaro flerta com o curandeirismo, a covid- 19 continua avançando no Brasil. Registrou 4.249 óbitos e 86.652 novos casos nas últimas 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 345.025, e o total de casos aumentou para 13.279.857. Na quarta-feira, foram registrados 3.829 óbitos e 92.625 novos casos. Ou seja, por falta de vacinas e isolamento social adequado, a escalada da pandemia continua.

Para complicar a situação, há 12 dias o Instituto Butantan não produz novas vacinas por falta de insumos. Ontem, reconheceu que a remessa de matéria-prima da CoronaVac está atrasada, mas anunciou que já foi liberada na China e deverá chegar a São Paulo até 20 de abril. O princípio ativo da vacina era para ter chegado ontem. De acordo com o Butantan, o lote de 3 mil litros de insumos é suficiente para a produção de 5 milhões de doses da vacina. Uma segunda remessa, com mais 3 mil litros, está prevista para chegar até o final do mês. O atraso não vai impactar as entregas previstas ao Ministério da Saúde: 46 milhões até o final de abril. O Butantan já disponibilizou 38,2 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ainda possui cerca de 3,2 milhões de vacinas no controle de qualidade, que devem ser liberadas até o dia 19 de abril.

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Luiz Carlos Azedo: Muito além das igrejas

É surreal a polêmica que ocorre no Supremo, no momento mais dramático da pandemia, que registrou 3.829 mortes por covid-19 e 92.625 novos casos nas últimas 24 horas

O julgamento iniciado, ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF), com o voto contrário do relator, ministro Gilmar Mendes, à liberação de celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em razão da pandemia da covid-19, extrapola a crise sanitária e diz respeito à existência de um Estado laico e sua relação com a sociedade no Brasil. A ideia da separação entre a política, o Estado, e a religião, ou seja, as igrejas, não é um assunto tão pacificado como deveria, embora preconizada por Nicolau Maquiavel, em O Príncipe, desde o século XVI.

A discussão na Corte foi provocada por liminar do ministro Kassio Nunes Marques a favor da liberação dos cultos, a pretexto de defender a liberdade religiosa, acolhendo pedido da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos. Sua decisão acabou confrontada por outra liminar, do ministro Gilmar Mendes, em favor do governo de São Paulo, que proibiu as celebrações em razão das medidas de distanciamento social para combater a pandemia.

Há jurisprudência do Supremo reconhecendo as prerrogativas de governadores e prefeitos para agirem dessa forma, mas não há súmula vinculante. A novidade é o entendimento de três aliados do presidente Jair Bolsonaro, com viés “terrivelmente evangélico”: o ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, o mais novo integrante da Corte; o advogado-geral da União, André Mendonça, que citou várias vezes a Bíblia e nenhuma vez a Constituição de 1988 no julgamento; e o procurador-geral da República, Augusto Aras, que também deveria defender o caráter laico do Estado, mas adotou uma linha juridicamente enviesada.

“As pessoas têm o direito de professar sua fé, direitos e garantias são postos em defesa do cidadão contra o Estado e não em favor do Estado contra cidadãos. A ciência salva vidas; a fé também”, argumentou Aras, em defesa da liberação de cerimônias religiosas em todo o país. O procurador-geral da República disputa com o advogado-geral da União a indicação, pelo presidente Jair Bolsonaro, para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no STF. O decano da Corte se aposentará em 5 de julho.

Essa polêmica é surreal, pois ocorre no momento mais dramático da pandemia, que registrou, nas últimas 24 horas, 3.829 mortes por covid-19 e 92.625 novos casos, aumentando o número de óbitos pela doença para 340.776. O total de casos confirmados se aproxima de 13,2 milhões. O Supremo já assegurou autonomia aos estados e municípios para que tomem medidas de combate ao coronavírus, mas a decisão é questionada pelo presidente Bolsonaro.

Duas liberdades
Ao defender sua posição, André Mendonça invocou o filósofo britânico Isaiah Berlin, autor de um clássico do liberalismo do século XX: Dois conceitos de liberdade (Editora Universidade de Brasília). Berlin discute os conceitos de “liberdade positiva”, a ausência de impedimentos à ação do indivíduo, e “liberdade negativa”, a qual estabelece condições para que os indivíduos ajam de modo a atingir seus objetivos.

Berlin sustenta que o indivíduo só é livre na medida em que nenhum outro homem, ou grupo, interfira em suas atividades. O julgamento ocorre na fronteira entre as vidas privada e pública. A ideia de liberdade positiva tangencia o conceito de liberdade civil de Rousseau: “Quanto mais eu obedeço a lei civil, mais livre eu sou, já que ajudo a elaborá-las”. Simplificando, é como se dissesse que, para o próprio bem, o indivíduo não está sendo coagido.

A Constituição de 1988, fortemente influenciada pelo liberalismo radical do deputado Ulysses Guimarães, pautou-se por outro pensador inglês, Stuart Mills, para quem devemos ter “liberdade na busca pelo nosso próprio bem, da forma que melhor nos apetece, desde que isso não interfira na possibilidade de os outros fazerem o mesmo”. O indivíduo pode até ser livre para causar dano a si mesmo, mas não aos outros; dependendo das circunstâncias e dos interesses da maioria, a liberdade pode ter limitações. Esse é o xis da questão na crise sanitária, que Bolsonaro não está levando em conta.

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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro e o mito de Sísifo

Como disse Camus, “sempre houve homens para defender os direitos do irracional”. O problema é quando se trata do presidente da República

O consagrado escritor francês Albert Camus foi um existencialista, para quem o homem vive em busca de sua essência, do seu sentido, e encontra um mundo desconexo, ininteligível, guiado por religiões e ideologias políticas. Num de seus ensaios filosóficos, Camus classifica Sísifo, um dos grandes personagens da mitologia grega, como um herói absurdo. “Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo seu ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta terra”, resumiu.

Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o cume de uma montanha, de onde a pedra se precipitava por seu próprio peso. “Imaginaram que não haveria punição mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança”, afirma Camus, que publicou O Mito de Sísifo em 1942. Nessa obra, destaca o mundo imerso em irracionalida- des. “Ou não somos livres, e o responsá- vel pelo mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso”, questionava.

Àquela época, em plena Segunda Guerra Mundial, o mundo parecia mesmo absurdo: a guerra, a ocupação da França, o triunfo aparente da violência e da injustiça, tudo se opunha ao humanismo e à ideia de civilização. O trabalho de Sísifo, ao empurrar incessantemente uma pedra até o alto da montanha, até ela tornar a cair, é uma analogia perfeita com o esforço empreendido por profissionais da saúde, prefeitos e governadores para combater a pandemia do novo coronavírus: a covid-19. Entretanto, esse não é um trabalho inútil e sem esperança, como no caso do mito grego. É uma batalha que acabará sendo ganha, apesar de tudo.

Como disse Camus, porém, “sempre houve homens para defender os direitos do irracional”. O problema é quando se trata de um governante, como o presidente Jair Bolsonaro, que combate as medidas de isolamento social e mobiliza seus aliados para sabotar os esforços dramáticos que estão sendo realizados para evitar que a pandemia mantenha sua escalada, que pode chegar a mais de 500 mil mortos em julho, segundo estimativas dos principais centros de estudos epidemiológicos do mundo.

Liminares
A polêmica do momento é a liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Marques, o mais novo da Corte, indicado por Bolsonaro, que autoriza o funcionamento de templos religiosos durante a pandemia, mesmo contrariando as medidas de restrição de circulação de pessoas e aglomerações adotadas por prefeitos e governadores de cidades e estados nos quais a pandemia saiu do controle. Apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) estar entrando em colapso, por falta de leitos, respiradores e insumos para atender tantos infectados graves, o ministro acolheu pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, apresentada em junho do ano passado, para libertar os cultos.

Houve reação entre seus colegas do Supremo. Além das críticas públicas do decano Marco Aurélio Mello, ontem, o ministro do STF Gilmar Mendes, ao negar uma ação do PSD, manteve o decreto do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que restringiu as atividades religiosas de igrejas no estado. Contrariou a decisão de Kassio Marques, que havia liberado celebrações presenciais em todo o país. À tarde, o procurador-geral da República, Augusto Aras, aliado de Bolsonaro e cotado para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello, que está prestes a se aposentar, protocolou no Supremo um pedido para retirar de Gilmar Mendes e transferir para Kassio Marques a ação do PSD contra a proibição de cultos e missas coletivas em São Paulo, porque é relator de uma ação mais antiga: a do PSD é de março deste ano.

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, decidiu pôr o assunto em votação amanhã, na reunião plenária da Corte. A decisão de Kassio Marques, a pretexto de garantir a liberdade religiosa, está em contradição com a jurisprudência do Supremo, que atribuiu aos estados e municípios autoridade para fixar medidas restritivas de enfrentamento da pandemia, inclusi- ve, o fechamento de templos e igrejas.

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