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O Globo: Governo quer regras próprias para aposentadoria de policiais civis e federais

Proposta para esses profissionais é de idade mínima de 55 anos e comprovação do tempo de função

Por Geralda Doca e Gabriela Valente, de O Globo

BRASÍLIA - A proposta de reforma da Previdência em estudo no governo prevê que policiais federais e civis tenham regras próprias para aposentadoria, com idade mínima e tempo de contribuição diferentes dos demais trabalhadores. A idade mínima desses profissionais deverá ficar em 55 anos para homens e mulheres.

Já o tempo de contribuição deve permanecer 30 anos (para o homem) e 25 anos (mulher). No entanto, haverá uma nova exigência: será preciso comprovar o exercício efetivo da função por 25 anos. Atualmente, a categoria pode se aposentar com 20 anos de atividade policial (homens) e 15 anos (mulher), sem exigência de idade mínima. Essas condições foram negociadas com a bancada da bala na tramitação da reforma do ex-presidente Michel Temer.

O texto também deve dar um tratamento diferenciado aos trabalhadores rurais . Mas, diferentemente do governo anterior, eles também terão que dar a sua parcela de contribuição. Ou se eleva a idade mínima (hoje de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens) ou esse grupo passará a contribuir para o sistema, ainda que seja com uma alíquota baixa. Atualmente, basta comprovar o serviço no campo por um período de 15 anos para ter acesso ao benefício.

Já os policiais militares e bombeiros dos estados não terão idade mínima de aposentadoria porque serão equiparados aos integrantes das Forças Armadas. O governo já decidiu que o regime previdenciário dos militares também passará por ajustes, com mudanças nas alíquotas de contribuição e aumento do tempo na ativa de 30 anos para 35 anos.

O texto final da reforma ainda está sendo formatado. A equipe econômica pretende insistir na ideia de desvincular os benefícios assistenciais do salário mínimo — um dos pontos polêmicos da minuta que circulou no início da semana. O argumento é que o Brasil é o único país onde não há diferenciação entre benefícios assistenciais e previdenciários, o que desestimula as pessoas a contribuir para o regime.

De acordo com a minuta, o auxílio seria de R$ 500 para a pessoa com 55 anos de idade, e de R$ 750, a partir dos 65 anos. Para a pessoa que completar 70 anos de idade e comprovar pelo menos dez anos de contribuição, haveria um acréscimo de R$ 150. Atualmente, deficientes e idosos de baixa renda recebem um salário mínimo ao completar 65 anos de idade.

Aquecimento à tramitação
O governo pode usar o projeto que dá autonomia ao Banco Central como aquecimento para a tramitação da reforma da Previdência no Legislativo. De acordo com fontes ouvidas pelo GLOBO, a ideia é medir o poder de fogo da base aliada. Isso poderia também orientar a equipe econômica nas negociações com o novo Congresso, que teve um alto grau de renovação de parlamentares.

A reforma da Previdência tem de ser feita por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que, para ser aprovada, precisa passar pelo plenário da Câmara em dois turnos, com os votos de 3/5 dos deputados. Ou seja, ela precisa de, no mínimo, 308 parlamentares a favor.

Já um projeto de lei complementar, que é o caso da mudança de status do BC, também passa por dois turnos de votação, embora não precise de quórum qualificado. São necessários apenas os votos da maioria absoluta dos deputados. Na prática, a proposta passa com 257 votos.


Cristiano Romero: Obstáculo da reforma está na desinformação

Uma das características marcantes do debate nacional é a manipulação da informação. É mais fácil “dialogar” quando o interlocutor não sabe exatamente do que se está falando. Muito antes do advento das “fake news” que se propagam feito erva daninha nas redes sociais, notícias falsas, lendas urbanas e mistificações já se disseminavam com enorme facilidade para além das conversas de bar.

A ignorância repetida como verdade, registre-se, nunca foi privilégio de pessoas com baixo acesso à educação formal e aos meios de comunicação. Nas universidades públicas, lócus do conhecimento e supostamente do livre debate de ideias, elites intelectuais, reféns do corporativismo, são contrárias às reformas de que o Brasil precisa para se tornar socialmente mais justo. Funcionam como igrejas, de um credo só, onde opiniões que questionem o status quo de seus “donos” (professores e funcionários) não são bem-vindas. Mesmo quem tem por ofício, como os jornalistas, informar da maneira mais ampla, objetiva e desinteressada possível, queda-se muitas vezes pelo caminho obscuro da desinformação. O alheamento aos problemas renitentes deste imenso país é um defeito inaceitável na conduta de quem possui o dever de informar.

A discussão urgente sobre a necessidade de o país mudar as regras de aposentadoria de seus cidadãos, principalmente dos funcionários públicos, é hoje a principal vítima da manipulação de informação, uma forma perversa de se perpetrar a desinformação. Uma sociedade mal informada é campo fértil para a sagração de populistas, demagogos e patrimonialistas.

Por que privilégios do funcionalismo não revoltam jovens da Vila?

A defesa de ampla e profunda reforma previdenciária é missão árdua em Brasília, palco das decisões nacionais. Em tese, não deveria ser tão difícil, afinal, se a reforma é para reduzir privilégios do funcionalismo público de um lado e, do outro, adequar as regras de aposentadoria dos trabalhadores do setor privado – que se aposentam pelo INSS, com piso de um salário mínimo e teto pouco acima de R$ 5 mil – à evolução da demografia, o pendor por mudanças seria determinado pelo grupo mais numeroso de brasileiros. Infelizmente, não funciona assim.

O desequilíbrio é chocante e deveria impressionar os moradores da Vila Madalena, animado bairro de classe média de São Paulo, reduto de jovens em sua maioria contrários a mudanças na Previdência e a reformas que revolucionem a vocação histórica do Estado brasileiro de destinar a maior parte de seus parcos recursos a quem menos precisa de sua ajuda (grandes empresas, estudantes de famílias abastadas, multinacionais da indústria automotiva, Estados e prefeituras mais ricos, funcionários públicos, monopólios, estatais etc).

Temas como o fim da estabilidade do funcionalismo e a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, mudanças que poderiam ajudar a diminuir a concentração de renda reinante por aqui desde quando nos chamávamos Ilha de Vera Cruz. A razão para tanta conversa fiada é uma só: desinformação. Junte-se a isso a velha prática da esquerda brasileira de defender slogans antes de conhecer as ideias que os justifiquem e pronto: o debate será sempre torto e, portanto, inútil, o que contribui decisivamente para o país ter dezenas de milhões de pessoas vivendo em regime de miséria absoluta e outras dezenas de milhões em estado de pobreza imobilizante.

Os números da Previdência em 2018 foram os seguintes:

1) contabilizando o que todos – trabalhadores e patrões – contribuímos para o INSS e as despesas com pagamento de aposentadoria, pensões e benefícios assistenciais, faltaram R$ 195,19 bilhões. Este foi o déficit da Previdência Social, que se refere a um universo de cerca de 30 milhões de pessoas, entre aposentados, pensionistas e beneficiários de programas assistenciais;

2) a outra parte da conta está nos regimes próprios de previdência do funcionalismo federal e dos militares, um contingente de aproximadamente um milhão de pessoas. Neste caso, a conta também não fecha: entre o que servidores e militares contribuíram em 2018 para a aposentadoria e o que os aposentados e pensionistas receberam, o saldo, negativo, chegou a R$ 46,4 bilhões entre os civis, R$ 43,9 bilhões no caso dos militares e a R$ 4,8 bilhões entre funcionários do Distrito Federal, cujos benefícios ainda são pagos pela União. Total: R$ 95,1 bilhões, R$ 10 bilhões acima do rombo de 2017.

Assim, o déficit total da Previdência no último ano somou a incrível cifra de R$ 290,3 bilhões, R$ 20 bilhões a mais que no ano anterior. Se faltou dinheiro, como o Tesouro Nacional cobriu a conta? De duas formas, como se vem fazendo há muitos anos: tomando dinheiro emprestado no mercado a juros altos e cortando gastos de outras áreas, como educação, saúde e segurança pública, além de investimentos onde o Estado é demandado.

A área que mais perde é a saúde e apenas esse fato deveria ser suficiente para mobilizar o pessoal da Vila Madalena, preocupado com os rumos da nação. Muitos não ligam uma coisa à outra, mas por que o Brasil melhora a passos de cágado os indicadores de saúde e educação de sua população? Claro, o problema não é só falta de recursos, mas isso explica uma boa parte do problema. O fato é que, enquanto não houver uma solução de médio e longo prazos para as contas Previdência, o Brasil terá sempre mania de grandeza, em vez de grandeza.

No debate, alguns alegam que uma parte da conta – os benefícios assistenciais não contributivos, como o abono salarial – deveria estar fora do déficit, e que este deveria refletir apenas o saldo entre contribuições e despesas. É um argumento razoável, mas é preciso ponderar que a Constituição de 1988 introduziu o conceito de seguridade, inspirado no modelo espanhol e que vai além da Previdência. O que está por trás desse modelo é a ideia de que todos – cidadãos e empresas – devemos contribuir para melhorar a vida de quem tem menos oportunidade, parte da visão de que uma sociedade com menos desigualdades é melhor para todos. De toda forma, retirar as despesas assistenciais não acabaria com o déficit.


Zeina Latif: A verdadeira batalha

Como os políticos irão reagir quando eleitores começarem a atacar a reforma?

Passados pouco mais de três meses desde a vitória nas urnas, a agenda econômica do governo vai ganhando contornos, com o que será e o que não será feito. Uma reforma da Previdência que impacta a todos, sim; uma reforma tributária ampla consolidando os impostos indiretos, não. Haverá algumas privatizações de empresas “não estratégicas” (a da Eletrobrás não está clara), sendo maior a ênfase na venda de ativos de empresas e bancos estatais, conforme as recomendações do time econômico anterior.

O mais recente capítulo foi o vazamento da minuta da reforma da Previdência. A Secretaria da Previdência trabalhou bem, fazendo jus à elevada reputação do time. A proposta é muito boa e mais ambiciosa do que a de Michel Temer, como na introdução da idade mínima e na regra de transição. Ela inclui temas novos, como a mudança das regras de abono salarial e de pensão por morte, além da criação do regime de capitalização. Para Estados e municípios, é considerado um prazo de dois anos (parece muito tempo) para a mudança das regras de aposentadoria. Não ocorrendo, valeria a nova regra dos servidores federais.

Já discuti em artigos anteriores que o desafio maior não é o de desenhar as reformas econômicas, mas sim aprová-las. Não que se possa minimizar o desafio técnico. Afinal, defender ideias gerais é fácil. Difícil é detalhar as medidas, com base em diagnósticos corretos e levando em consideração o arcabouço legal vigente. O desafio maior, no entanto, é o da política.

Para começar, não sabemos qual será a decisão final de Jair Bolsonaro, um político sensível à opinião pública, conforme aponta Christopher Garman. A proposta vazada ainda não passou pela chancela do presidente, sendo que membros do governo apontaram que ela será desidratada.

O episódio também reforça a visão de que o governo não constitui ainda um time coeso. A vida de Paulo Guedes da porta para fora do Ministério da Economia não é fácil. Mal o documento circulou, e o vice Hamilton Mourão afirmou que nem ele nem Bolsonaro concordam com a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. Também se manifestou o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, afirmando que “a proposta será bem diferente do texto vazado”. Não teria sido mais adequado o próprio ministro da Economia, e apenas ele, se manifestar?

A dificuldade política é inevitável e ainda desconhecida. Afinal, somos um país tomado por grupos organizados que bloqueiam reformas liberais. Talvez por isso mesmo Guedes busque o diálogo com os demais poderes da República, para acelerar a tramitação da reforma e evitar grandes mudanças no seu teor, e reduzir o risco de judicialização.

Possivelmente a batalha no Congresso será menos dura do que no governo anterior. O debate sobre a Previdência está mais maduro e Bolsonaro conta com elevado capital político. Em compensação, se para Temer esta reforma era uma opção, uma vez que a proximidade das eleições trazia alguma perspectiva aos agentes econômicos, para Bolsonaro ela é a condição de sua sobrevivência política; e ele sabe disso.

Para muitos analistas, a renovação no Congresso é um facilitador. Isso tampouco está claro. O novo Congresso está repleto de políticos que representam corporações e que se elegeram por conta das redes sociais. Os eleitores não reelegeram os parlamentares reformistas que relataram as principais reformas aprovadas por Temer, incluindo o secretário da Previdência Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista na Câmara.

Como os políticos irão reagir quando seus eleitores começarem a atacar a reforma?

Ao contrário do que se imagina, o resultado da pressão social nem sempre é positivo. Não à toa cientistas políticos alertam para o risco da consulta direta à sociedade sobre políticas públicas. As escolhas da sociedade, com frequência, não são aquelas que privilegiam o bem comum, desta e das próximas gerações.

A batalha começou.

* Economista-Chefe da XP Investimentos


Míriam Leitão: O risco de uma reforma aguada

POR ALVARO GRIBEL
(*A colunista está de férias)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já começou a ceder na reforma da Previdência. Inicialmente, falou-se em uma economia de R$ 1 trilhão no período de 10 anos, que ficaria acima dos R$ 800 bi do projeto original do governo Temer. Diante da reação às medidas vazadas na última segunda-feira, Guedes disse que estaria disposto a chegar a esse valor em um período maior, de 15 anos. O problema é que, na prática, isso significa que o projeto já sairá do Executivo mais desidratado do que a PEC 287 elaborada pelo então secretário da Previdência Marcelo Caetano, que tinha uma transição suave e aumentava consideravelmente o valor economizado com o passar do tempo. Na hipótese mais conservadora, o projeto de Caetano pouparia R$ 1,2 trilhão em uma década e meia. Ao ceder logo de início, Guedes corre dois riscos: aprovar uma reforma mais branda do que a do governo anterior e em um prazo mais esticado, já que um projeto novo teria que passar pelas duas principais comissões da Câmara. Ontem, a bolsa teve a maior queda desde maio, com o mercado começando a colocar na conta as idas e vindas dessa tramitação.

‘AINDA ESTÁ MUITO CRU’

Na avaliação de um deputado do PSDB, o encaminhamento da reforma da Previdência ainda está muito no início por parte do governo Bolsonaro. Ele diz que o partido é defensor da reforma e tende a apoiá-la, mas ainda faltam os detalhes para se saber como será o ritmo de tramitação na Câmara e a adesão dos deputados. “Uma reforma dessa complexidade requer um amplo trabalho de convencimento, diálogo e liderança. É um processo e ainda está muito cru. São os detalhes que fazem a diferença, apesar de a aceitação à reforma ter aumentado bastante tanto no Congresso quanto na sociedade”, afirmou. Segundo ele, um projeto novo deve sim passar pelas comissões, e não tentar pegar carona na PEC do governo Temer. “Não tem como eliminar o debate e a possibilidade de emendas ao texto”, disse.

MARCHA À RÉ

O ano começou mal para a indústria. A produção de veículos encolheu para 196,8 mil unidades em janeiro, ou 10% a menos que um ano antes. O setor automotivo responde por mais de 20% do PIB da indústria, que já apresentava sinais de anemia no semestre passado. O mercado interno não compensou a queda nas exportações. Com a crise da Argentina, os embarques de veículos despencaram 46% na comparação com janeiro de 2018.

CANTEIRO DE OBRAS

A recuperação do mercado de trabalho depende muito do setor de construção civil, que é um dos maiores empregadores da economia. Pelos números da CBIC, a câmara da indústria, os canteiros empregam hoje cerca de dois milhões de pessoas. Em 2014, havia 3,4 milhões de empregados diretamente nas obras. José Carlos Martins, presidente da CBIC, conta que em dois anos é possível retomar esse patamar, se o segmento de construção deslanchar. O setor parou de demitir no ano passado, mas fechou o ano com saldo ainda modesto, de 17,9 mil contratações. O PIB da construção civil está em queda desde o primeiro trimestre de 2014. A aprovação da lei do distrato deixou as incorporadoras mais animadas este ano.

BOLSA REFLETE O RISCO

É ilusão achar que a alta da bolsa significa uma explosão de consumo ou de investimentos no país este ano, explica um empresário da indústria que também tem forte atuação no mercado de capitais. Segundo ele, a alta do Ibovespa reflete apenas a queda da percepção de risco no Brasil, com o fim da era petista e das políticas econômicas de curto prazo. “Ainda há muita ociosidade em todos os setores, o PIB está 5%, 6% abaixo de antes do início da crise. Até diminuir essa ociosidade, não tem explosão de investimento nem de contratação”, explicou. Segundo ele, a política liberal de Guedes é de longo prazo, e seus efeitos serão mais sentidos ao longo dos anos, e não em 2019.

COLESTEROL ELEVADO

Ivan Monteiro terá missão clara se confirmado na vice-presidência financeira da BRF: melhorar o perfil da dívida da gigante de alimentos. Espera-se que ele reduza o endividamento, aumente o prazo e diminua o custo das linhas. É algo parecido com o que ele já fez na Petrobras. A dívida líquida da BRF disparou 21% em um ano e chegou a R$ 16,3 bi no terceiro trimestre, ou 6,7 vezes a geração de caixa operacional.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Reforma da Previdência: proposta prevê idade mínima de 60 anos para professor

Texto, que ainda precisa ser avaliado por Bolsonaro, relaciona regime dos militares dos estados ao das Forças Armadas

BRASÍLIA - Com direito a regime especial, os professores seguirão com regras diferenciadas para aposentadoria, de acordo com minuta de reforma da Previdência elaborada pela equipe econômica que circulou nesta segunda-feira, mas que ainda não teve o aval do presidente Jair Bolsonaro.

Enquanto a idade mínima dos demais trabalhadores atingirá 65 anos, essa categoria poderá se aposentar aos 60 anos de idade desde que comprove o exercício da função. Atualmente, as normas são distintas entre esses profissionais: quem é da rede privada segue as regras do INSS e quem trabalha na rede pública, as normas de aposentadoria do regime público. A ideia é que ao fim da transição todos tenham o mesmo tratamento.

Na rede privada, os professores não precisam atingir idade mínima para se aposentar, mas eles têm que contribuir por 25 anos (mulher) e 30 anos (homem). No entanto, se eles pedirem o benefício muito cedo, sofrem um desconto no valor da aposentadoria por causa do chamado fator previdenciário. Já os professores da rede pública podem receber o benefício integral ao completar a fórmula 81/91 (somando idade e tempo de contribuição). Quem entrou depois de 2004 precisa completar idade mínima de 50 anos (mulher) e 55 anos (homem).

Pela minuta da reforma, a partir de 2020 - será acrescentado um ponto a cada ano até atingir 100 pontos para todos os professores (homens e mulheres). No caso dos demais trabalhadores, é preciso atingir 105 pontos.

O texto formulado pela equipe econômica relaciona as aposentadorias de militares dos estados às das Forças Armadas. Eles passarão a ter um sistema próprio de aposentadoria.

A minuta estabelece ainda que, com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento de aposentadorias e pensões de seus servidores, os estados também deverão constituir fundos previdenciários de natureza privada, com recursos de contribuições, bens, direitos e ativos que serão administrados por uma entidade gestora.

Caso haja rombo nas contas, os estados deverão elaborar planos para zerar o déficit e aportarão nesses fundos outras receitas futuras, incluindo dinheiro decorrente da securitização de dívida ativa.


Política Democrática: ‘Reforma da Previdência não é o desmonte do Estado’, afirma Pedro Fernando Nery

Em artigo na quarta edição da revista Política Democrática online, consultor legislativo do Senado diz que aposentadoria por tempo de contribuição corresponde a 15 vezes o gasto com ensino profissional

Cleomar Almeida

Reforma é necessária para prestigiar a Constituição, garantindo a solvência do Estado nas três esferas, a prestação dos serviços públicos essenciais e o investimento público. É o que diz o consultor legislativo do Senado Pedro Fernando Nery, que também é autor do livro Reforma da Previdência – Por que o Brasil não pode esperar (Elsevier, 2019). “A reforma da Previdência não é o desmonte do Estado”, afirma.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de janeiro 

No artigo Reforma da Previdência para evitar o Desmonte do Estado, o autor afirma não reformá-la “é provocar um ajuste bíblico em outras despesas, transformar o Estado em uma mera folha de pagamento e viver um pesadelo ultraneoliberal”. “O Estado vai ser mínimo”, assevera.

De acordo com Pedro Fernando, no INSS, o benefício mais elevado é aposentadoria por tempo de contribuição, que, segundo ele, corresponde a 15 vezes o gasto com ensino profissional ou 20 vezes todo o orçamento de C&T. “A pensão por morte tem orçamento maior que o da saúde ou o da educação”, ressalta.

A aposentadoria por idade urbana ou a aposentadoria por invalidez, de acordo com o consultor, já despendem o equivalente a duas vezes o programa Bolsa Família. “Nos Estados, falidos, a previdência dos servidores já é quase duas vezes o próprio Fundo de Participação (FPE)”, afirma, para acrescentar: “Esta é a parte mais regressiva do sistema, pois exige gran- des aportes da sociedade para benefí- cios altos que apenas uma parcela da população vai receber”.

Esta é também, segundo Pedro Fernando, uma das características da previdência dos militares. “A carreira possui diferenças, mas não deve ser blindada sob argumentos de vitimismo. O déficit dos militares é equivalente a uma CPMF”, observa. “O crescimento anual da despesa total é igual a todo o investimento público”, continua.

Para o consultor, a pergunta mais difícil é “como reformar?”. Segundo ele, há na prática várias previdências para os vários “Brasis”. “Nos estados ricos, predomina a aposentadoria por tempo de contribuição, sem idade mínima. Nos estados pobres, a aposentadoria rural, com idade mínima. Nos muito pobres, o benefício assistencial ao idoso (BPC-Loas), com idade mínima mais dura”, analisa.

Por isso, conforme escreve o autor, o debate se concentra em duas opções. “Uma é aproveitar a atual versão da reforma de Temer, sem mexer nos rurais, no BPC e no tempo mínimo de contribuição (item caro aos mais pobres, que não têm carteira assinada). O foco seriam as aposentadorias urbanas de maior valor, as pensões por morte e os servidores”, diz.

A segunda opção, acrescenta o analista político, é fazer uma reforma mais ampla e definitiva, incluindo grupos mais pobres, tratando da vincu- lação ao salário mínimo, e criando um pilar de capitalização – mais sustentável – para as próximas gerações. Seja qual for a opção, é importante que a reforma exija maior esforço dos grupos mais ricos da população e que seja acompanhada também de medidas contra injustiças do lado da arrecadação. Entre elas, os Refis e a maior tribu- tação de pessoas físicas disfarçadas de pessoas jurídicas”.

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Adriana Fernandes: Gordura para queimar

Estratégia é entregar proposta mais dura e profunda do que aquela que se quer aprovar

O governo vai deixar na proposta de reforma da Previdência gordura para queimar durante as negociações no Congresso Nacional. A mesma estratégia foi usada pelo ex-presidente Michel Temer em 2016, quando encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que agora servirá de base para o texto de Jair Bolsonaro.

Deixar gordura significa entregar uma proposta mais dura e profunda do que aquela que verdadeiramente se espera aprovar. Essa estratégia contém, porém, o risco de contaminação das expectativas ao longo das negociações no Congresso à medida que os peões do xadrez da reforma vão sendo retirados do tabuleiro.

Durante a negociação da reforma de Temer, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles enfrentou o problema. A cada item que foi sendo banido da proposta original, Meirelles tinha de dar explicações de que a reforma não ficaria fraca demais e que o impacto da mudança para o equilíbrio das contas públicas continuava importante ao País.

A proposta de Temer começou com uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos. Esse ganho foi desidratado para menos de R$ 400 bilhões e virou motivo de incerteza entre os investidores diante da perda de força do seu impacto para as contas públicas e para a sustentabilidade da Previdência Social no Brasil.

Com Temer, antes mesmo do envio da PEC, caíram as alterações no abono salarial e a inclusão dos militares. Depois, saíram do texto as mudanças na aposentadoria rural e nas regras para policiais militares e bombeiros, a igualdade na idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, a restrição mais dura para o acúmulo de benefícios, a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, regras mais duras para professores, e assim por diante...

Foram muitas as baixas. Deve acontecer o mesmo agora. A gordura para queimar pode aparecer de imediato nas propostas de mudança na aposentadoria rural, desvinculação de benefícios do salário mínimo e criação de um modelo “fásico” para a assistência social. Esse sistema permite aos segurados solicitarem mais cedo a ajuda do governo, desde que aceitem receber um valor abaixo do salário mínimo.

A polêmica proposta de criação no Brasil do sistema de capitalização, com contas individuais para acumular os recursos que bancarão a futura aposentadoria, também deve passar pela tesourada dos parlamentares. Há muitas dúvidas se o País está preparado para uma mudança tão ampla e com custo de transição para as contas públicas.

A gordura a ser deixada para o Congresso motiva a profusão de ideias que estão sendo disseminadas nos bastidores em torno do texto que o presidente e sua equipe vão fechar na próxima semana.

A comunicação das propostas ainda em estudo acaba funcionando como uma espécie de “teste” para a receptividade das propostas mais polêmicas. Por outro lado, alimenta a especulação e pode ter um efeito nocivo na negociação que se seguirá. Há o risco de antemão de se “carimbar” na PEC de Bolsonaro propostas de retiradas de direitos que nem mesmo entrarão no texto final. O mesmo script se deu com Temer. E aí, a comunicação escapa do controle.

Há preocupação entre integrantes da equipe econômica envolvidos diretamente na elaboração da proposta com a estratégia de comunicação até agora. Há muita imprecisão e deturpação partindo de quem não está de fato coordenando a proposta. Tem gente que acha que é para atrapalhar.

Difícil mesmo é conciliar a necessidade de manter a confiança na reforma sem queimar a proposta logo na largada.


Monica De Bolle: Encurralados

Não tardará para que conflitos em torno das reforma da Previdência apareçam com mais clareza

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.” A frase, como muitos devem saber tamanha sua notoriedade, é de Dilma Rousseff. Na época em que a ex-presidente a proferiu em 2015, a opinião quase unânime era de que o amontoado de palavras sobre ganhar ou perder não fazia sentido algum, em linha com outros discursos e frases célebres de Dilma. Contudo, as reviravoltas no Brasil e no mundo que ocorreram nos últimos quatro anos tornaram o dito profético, sobretudo a asserção final: “Vai todo mundo perder.”

Quando esse artigo for publicado, já conheceremos o veredicto do Parlamento britânico sobre o plano de saída da União Europeia – o Brexit – negociado pela primeira-ministra Theresa May. Ao que tudo indica, May está encurralada. De um lado porque escolheu alijar das discussões parlamentares contrários ao Brexit tanto dentro de seu próprio partido, quanto na oposição. Tal estratégia para aplacar a base ruidosa de defensores do Brexit dentro do Partido Conservador deixou todos desconfiados: Theresa May, afinal, votou contra o Brexit. Portanto, seus correligionários sentem-se ou traídos ou ressabiados após a negociação de um acordo que, argumentam, não entregará o que tanto queriam.

Os argumentos sóbrios e os números frios, que mostram inequivocamente como sofrerá a economia do Reino Unido com a saída da UE estão sendo sumariamente ignorados pelos parlamentares dos dois partidos ante o estratagema de autoencurralamento que a primeira-ministra se impôs. Em caso de derrota do plano, todos perderão. No caso da menos provável vitória, todos também perderão – afinal, o Brexit é para lá de custoso em termos econômicos para a Grã-Bretanha.

Outro caso de autoencurralamento está em ampla evidência do outro lado do oceano. Há mais de três semanas, partes do governo norte-americano estão fechadas, funcionários públicos sem receber salários, por causa da intransigência de Trump com seu muro. Há notável quantidade de estudos técnicos mostrando que a imigração ilegal nos últimos anos tem sido menos pelo cruzamento da fronteira que separa o México dos EUA e mais por visitantes que entram no país pelos aeroportos com vistos válidos e permanecem após a expiração desses vistos.

Outros estudos revelam que barreiras físicas não são suficientes – ou mesmo viáveis em partes da fronteira, por isso não existem – para evitar, por exemplo, a entrada de drogas. É preciso ter aparato tecnológico mais sofisticado para tanto. Contudo, Trump prometeu entregar o muro durante a campanha, e agora finca o pé para tentar aplacar sua base de eleitores enquanto enfrenta democratas ávidos por investigá-lo em diversas frentes e por impedir qualquer de seus esforços legislativos. Enquanto não surge solução para o impasse, perdem todos. Quando surgir a solução, qualquer que seja, todos deverão também perder. A culpa pela paralisia prolongada e pela incapacidade de levar adiante uma negociação política deverá ser dividida entre Trump, republicanos, e democratas.

Voltando à frase de Dilma, ela remonta a uma reflexão interessante. A barganha privada, em que os dois lados tentam extrair algo do outro quando suas posições divergem, é mais simples do que a barganha política. Na barganha política há sempre um terceiro lado – os eleitores – a vigiar as negociações. Quando esses eleitores estão mais alinhados ao centro, a barganha política naturalmente acaba envolvendo concessões, ajudando a formar consensos e soluções para os embates. Contudo, quando esses eleitores estão polarizados nos extremos do debate, eles acabam agindo como força que enraíza posições duras. Nenhuma concessão no caso do Brexit, e portanto uma potencial derrota para May. Nenhuma concessão na questão do shutdown/muro de Trump, prolongando a angústia daqueles que sofrem diretamente e indiretamente os efeitos do fechamento parcial do governo. Conjecturo que nesses dois casos os impasses só poderão ser quebrados quando os custos de fincar o pé se tornarem excessivamente altos. Ou seja, quando ficar evidente que todos perderam, ainda que queiram posar de vencedores.

Encerro com uma breve nota sobre o Brasil. Não tardará para que conflitos em torno das reformas econômicas, sobretudo da contenciosa reforma da Previdência, apareçam com mais clareza. Temos no País um eleitorado polarizado diante do qual não foi exposta uma agenda econômica clara durante a campanha. Creio que estamos prestes a ver nossa própria versão dos encurralados do norte.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Marcus Pestana: Previdência, demagogia e populismo

Na última semana, realcei que a reforma da Previdência Social é central, inevitável e inadiável. Sem isso não haverá equilíbrio fiscal, inflação e juros baixos, volta dos investimentos e crescimento econômico. E que nosso sistema previdenciário não é justo nem sustentável.

Na Secretaria de Estado do Planejamento (Seplan-MG), em 1997, contratamos a Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, para um cálculo atuarial e um diagnóstico prospectivo sobre o sistema previdenciário estadual. Já na época, escrevia sobre a “crônica da morte anunciada”, a marcha da insensatez rumo ao abismo. Neste mandato de deputado federal, prossegui a inglória luta como vice-presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência.

Talvez a reforma previdenciária seja a questão mais difícil do ponto de vista político. Ninguém quer perder “direitos”. O ambiente em torno do tema é um mar de demagogia, populismo, retórica manipulatória e covardia política. Muitos me diziam: “Não fale essas coisas, porque vai perder votos”. É impressionante a alienação das lideranças da sociedade diante de assunto tão grave e vital. É como aquela pessoa que salta do 25º andar e, quando passa pelo oitavo, comenta com alguém na janela: “Até aqui, tudo bem”.

No mundo inteiro, a reforma é inevitável por razões demográficas. Para se ter uma ideia, hoje no Brasil temos 9,2%, ou seja, 19,2 milhões de brasileiros com 65 anos ou mais. Em 2060, serão 25,5%, num total de 58 milhões de idosos. A taxa de natalidade em 1950 era de 44 nascidos para cada mil habitantes; em 2015, foi de 14,16 por mil habitantes. Ou seja, cada vez mais gente usufruindo e cada vez menos gente contribuindo.

E por que digo que o sistema é insustentável? O rombo nas contas federais foi de R$ 292,2 bilhões. Sem falar no déficit total dos Estados, que somou R$ 98 bilhões. Hoje, Previdência e benefícios sociais representam 54% dos gastos primários; se nada for feito, em dez anos, chegaremos a 82%. Ou seja, sobrarão apenas 12% para educação, saúde, segurança, relações exteriores, meio ambiente, ciência e tecnologia, Forças Armadas etc. É isso que queremos? É sustentável?

Por outro lado, o aspecto essencial. Como disse no artigo anterior, o objetivo central dos sistemas previdenciários era ser instrumento de combate às desigualdades. Os milhões de brasileiros que se aposentam pelo INSS têm benefício médio de R$ 1.300. Já a média do benefício do funcionalismo público federal é de R$ 7.000; nas Forças Armadas, é de R$ 9.000; no Ministério Público, é de R$ 18,5 mil; no Judiciário, é de R$ 25 mil; e o dos servidores do Congresso Nacional é de R$ 28 mil. Isso é justo? Este é o retrato da sociedade que queremos? A lógica previdenciária transformada em um Robin Hood às avessas? Fora as aposentadorias precoces do “andar de cima”, em contraste com os mais pobres.

Voltarei ao assunto ao longo do semestre. Esta é uma questão de vida ou morte para o Brasil voltar aos trilhos do desenvolvimento sustentado e sustentável.


Maria Clara R. M. do Prado: O Brasil dos privilégios não tem futuro

Servidores fazem parte de uma máquina que, de tão custosa, já nem consegue caber dentro de si mesma

Quando assumir a Presidência da República, em 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro passará a governar um país com renda bruta e PIB per capita, em dólares correntes, inferiores aos de 2010. Também a poupança bruta, que já era baixa, caiu ainda mais, do nível de 18% do PIB em 2010/2011 para 14,5% do PIB em 2017, segundo dados do Banco Mundial.

A renda continua concentrada. Mais da metade, 56,1%, é repartida entre os 20% do espectro mais alto. Sobram 43,9% da renda para serem divididos entre os demais brasileiros. Bolsonaro vai herdar um país que insiste em desprezar as vantagens de ter um grande e atrativo mercado interno, chamariz para investimentos e garantia de desenvolvimento consolidado, para benefício de um grupo de pessoas que, além de absorver a maior parte da renda, tem acesso a outros privilégios.

Ao contrário do PIB, que pode variar para mais ou para menos em função de fatores sazonais, o padrão da distribuição da renda brasileira, forjado ao longo de séculos, é crônico. Está presente em praticamente todos os setores da atividade econômica e social do país. Na saúde, na educação, nas condições sanitárias e de habitação, e na previdência social.

Os cofres públicos são generosos não com a qualidade de serviços que deve ser prestada à população, mas com os servidores que são regiamente pagos sem critérios de meritocracia, sem controle de produtividade e muitas vezes com a ajuda de padrinhos políticos. Fazem parte de uma máquina que, de tão custosa, já nem consegue caber dentro de si mesma.

Neste país, ao contrário de outros, é muitíssimo mais vantajoso ser funcionário público do que empregado em empresa privada. Por funcionários públicos, deve-se entender todos os que trabalham nos governos federal, estadual e municipal, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas universidades federais e estaduais, na autarquias, enfim... todos cujos rendimentos do trabalho são pagos com o dinheiro da arrecadação de taxas e impostos.

Não há dúvida de que os desequilíbrios da previdência social precisam ser enfrentados o mais rapidamente possível, na busca de soluções duradouras, a começar pela reforma do sistema de previdência do funcionalismo público. É caro, discrepante e injusto. O peso nas contas públicas tem aumentado exponencialmente, a ponto de muitos governos estaduais não terem mais condições financeiras de arcar com os custos dos seus aposentados. Sem falar que sobra pouco para outras rubricas. O governo gasta com pessoal seis vezes mais do que com investimento público.

A raiz do problema está, claro, na elevada remuneração dos servidores públicos. Funciona como uma bola de neve crescente, culminando com as altas aposentadorias. Entre o ano 2000 e 2016 o custo com pessoal do governo federal aumentou, em média, 4% ao ano em termos reais. Vale lembrar que ninguém é demitido no setor público brasileiro, a menos em situações muito graves.

O próximo presidente precisa encarar os fortes lobbies dos grupos de pressão se quiser resolver de vez o déficit fiscal. Precisará de coragem e determinação para enviar ao Congresso propostas de emenda constitucional que prevejam, por exemplo, o desaparecimento da prerrogativa que tem hoje o Poder Judiciário de decidir sobre o nível dos próprios salários, além dos auxílios moradia, viagem, etc... Se quem arrecada é o Poder Executivo, só este tem condições de determinar a remuneração dos servidores (e aqui entram também os deputados e senadores) que cabe dentro do orçamento público.

Um estudo do FMI, realizado por Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, mostra que a despesa com pessoal no Judiciário brasileiro é uma das mais altas do mundo, comparável à da Suíça. "O salário médio no Poder Judiciário é cinco vezes mais alto do que a média de salários do setor público e nove vezes mais alto do que a média salarial do setor privado", diz o estudo "Rightsizing Brazil's Public-Sector Wage Bill" (Dimensionando a conta do salário no setor público do Brasil), publicado em outubro.

Entre abril de 2004 e dezembro de 2015, os salários públicos em geral, no país, cresceram ao redor de 45% em termos reais, em média, enquanto que os salários do setor privado aumentaram em cerca de 25% em termos reais. Às implicações no perfil dos gastos da previdência social, soma-se a distorção na formação de preços do mercado de trabalho, além dos efeitos sobre a produtividade da economia brasileira.

Considerando idade, educação e gênero, o salário no setor público brasileiro é 30% mais alto, em média, do que no setor privado formal. "Essa marca está substancialmente acima da marca média de 9% para países relacionados no Estudo de Renda de Luxemburgo (Luxembourg Income Study, LIS, é um centro de dados transnacionais comparativos que atende a pesquisadores, estudiosos e governos)", diz o trabalho, indicando que a mão de obra com menos anos de educação no Brasil ganha em média, 50% a mais no setor público do que no privado.

Não bastasse isso, há ainda dentro do governo muitos governos. Cada ministério tem níveis salariais próprios, gerando deformidades para um mesmo tipo de atividade. O estudo cita o fato de um motorista no Ministério da Energia ganhar 30% a mais do que no resto do governo federal e o de uma operadora de telefonia do Ministério dos Transportes receber 53% a mais do que as telefonistas de outras áreas.

Com os votos que recebeu nas urnas, Bolsonaro tem obrigação de mudar a cara do setor público do país. O estudo do FMI sugere um corte de pelo menos 1% do PIB nas despesas com pessoal do governo federal para ajudar a enquadrar os números na lei do teto de gastos (PEC 241) até 2023. Representaria uma relevante quebra do paradigma histórico. No mais, o que se pode fazer é desejar aos leitores um Feliz 2019!


Gil Castello Branco: A vez e a hora da liberal-democracia

O economista americano Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia em 1976, que lecionou na Universidade de Chicago por três décadas, dizia: “Se o governo administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”.

Lembrei-me da frase de Friedman ao ver vários economistas com passagens pela mesma universidade —o berço do liberalismo —assumirem funções no futuro governo, com a finalidade de destravar o Estado brasileiro, mastodôntico e corporativo. Os alvos iniciais serão a alteração das regras e do modelo previdenciário, a desestatização/desmobilização e a reforma do Estado.

O primeiro desafio será a aprovação no Congresso da reforma da Previdência para reduzir o déficit que atingiu R$ 268,8 bilhões no ano passado. A encrenca começa aí. A Previdência urbana e rural tem um rombo de R$ 182,4 bilhões, mas atende a quase 30 milhões de pessoas. O Regime de Previdência dos Servidores Públicos tem déficit de R$ 86,4 bilhões e só atende a 1,1 milhão de pessoas. Isoladamente, as maiores defasagens percentuais entre as arrecadações e os benefícios pagos estão nas previdências rural e dos militares, cujas receitas cobrem apenas cerca de 8% dos pagamentos. Diante desses números, como irão reagir os principais grupos de apoio a Bolsonaro, a bancada ruralista e a caserna, se os seus interesses forem contrariados? Não é simples refazer o pandemônio previdenciário, repleto de “privilégios e direitos adquiridos”, por mais injustos que sejam.

O segundo desafio passa por concessões, privatizações e venda de imóveis do patrimônio da União. O Brasil tem atualmente 138 empresas estatais que possuem 508 mil servidores e movimentam anualmente R$ 1,3 trilhão, mais de cinco vezes o PIB do Uruguai. Em tese, um prato cheio para gerar recursos para abater a trilionária dívida do país. Mas bastou ser anunciado o nome do futuro presidente do Banco do Brasil — e o BB nem está na relação das empresas privatizáveis — para a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil comprar espaço na capa do jornal “Correio Braziliense” para criticar o escolhido por ser “vinculado ao mundo das finanças privadas e defensor inconteste das privatizações”.

Já o valor global do patrimônio imobiliário público federal é estimado em R$ 947 bilhões. O potencial de arrecadação é enorme, mas a falta de estrutura da Secretaria do Patrimônio da União é muito maior. O governo não tem vocação para gerir um conjunto de bens dessa natureza. Paga aluguéis a terceiros no valor de R $1,6 bilhão e recebe cerca de R$ 400 milhões como arrecadação decorrente dos seus bens.

O terceiro desafio é a reforma do Estado, com a eliminação de órgãos e atividades superpostas, redução dos privilégios, das reservas de mercado, dos monopólios, dos subsídios e dos generosos financiamentos concedidos pelos bancos públicos aos amigos do rei. A diminuição da quantidade de ministérios deverá implicar a revisão da estrutura de cargos e salários. Existiam 23.140 cargos de Direção e Assessoramento Superior e Funções Comissionadas do Poder Executivo, segundo dados de outubro de 2018.

Se reunidos todos os cargos, funções e gratificações atingia-se a 99.403! Os salários dos servidores federais são, em média, 96% superiores aos da iniciativa privada, conforme estudo do Banco Mundial. Nesse sentido, o governo Bolsonaro não participou da festa, mas já chegará pagando a conta, como a do descabido aumento dos subsídios dos ministros do STF, com reflexos de R$ 6 bilhões, e os reajustes salariais autorizados por Temer em 2016, com parcela a vencer em 2019. O corporativismo irresponsável solapa a austeridade fiscal nos Três Poderes e no Ministério Público.

Quando perguntavam ao economista e diplomata Roberto Campos —um liberal de carteirinha —se havia saída para o Brasil ele citava três: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. Com suas ideias avançadas para a época, Roberto Campos deve estar exultante: atualmente, são vários os aeroportos que nos levam ao exterior e os liberais chegaram ao poder, inclusive o seu neto.


Rogério Furquim Werneck: Temas menos espinhosos

Diante das dificuldades de aprovar Previdência ainda neste governo, o Planalto deveria ter mantido o plano do jogo e persistido

Na reta final, o Planalto preferiu abandonar o plano de jogo e improvisar. E qual era mesmo o plano de jogo que o governo Temer conseguiu vender ao país, em meados de 2016, quando se deparou com as reais proporções do descalabro fiscal deixado por Dilma Rousseff?

Diante da necessidade de um ajuste fiscal da ordem de 5% do PIB — politicamente inviável —, o novo governo arguiu que o esforço para reequilibrar as contas públicas não precisaria ser feito de imediato. Poderia ser empreendido aos poucos, desde que com inequívoca determinação, no decorrer de vários anos, que se estenderiam não só pelo curto mandato tampão de Temer como pelo mandato presidencial seguinte.

A promessa de um esforço fiscal paulatino ganhou credibilidade, à medida que providências adotadas pelo novo governo desencadearam um círculo virtuoso que parecia deixar antever uma saída ordenada do atoleiro fiscal em que o país fora metido.

Tiveram especial importância, entre tais providências, a nomeação de uma equipe econômica de excelente nível, a imposição de um teto à expansão do gasto público, a transparência com que passaram a ser tratadas as contas públicas, a reversão da irresponsabilidade fiscal que vinha pautando a gestão das instituições financeiras federais e a submissão, ao Congresso, de uma proposta ousada e abrangente de reforma da Previdência Social.

Em meados do ano passado, não faltava quem acreditasse que o governo estava prestes a conseguir mobilizar, no Congresso, a maioria requerida para a aprovação da reforma da Previdência. Foi quando sobreveio o 17 de maio. E o presidente se viu forçado a consumir parte substancial do seu capital político para se manter no cargo.

No fim do ano, quando Temer voltou a ter condições de retomar o esforço de mobilização da bancada governista para aprovação da reforma, as condições se revelaram muito mais adversas.

A votação da reforma teve de ser adiada para fevereiro. Mas, findo o carnaval, Temer não quis nem esperar o final do mês. Preferiu jogar a toalha. Ao alegar que a urgência da intervenção no Rio de Janeiro inviabilizara a aprovação da reforma, permitiu-se perpetrar uma cambalhota política de alto risco, que já tive oportunidade de analisar neste mesmo espaço, há duas semanas (“O malabarismo de Temer”, 23/2).

A reforma da Previdência era um passo crucial para manter a credibilidade do discurso de ajuste fiscal paulatino que, bem ou mal, conseguiu manter sob controle um quadro de contas públicas alarmantemente insustentáveis. Diante das dificuldades de aprová-la ainda neste governo, o Planalto deveria ter mantido o plano de jogo e persistido, com mais empenho do que nunca, na campanha política em favor da reforma, que já tinha logrado avanços promissores no convencimento da opinião pública, desde que passara a bater na tecla certa da eliminação de privilégios.

No prometido esforço paulatino de ajuste fiscal, é ao próximo governo que caberá, afinal, a maior parte do esforço requerido. E para dar credibilidade a essa promessa, será preciso não só assegurar a eleição de um presidente comprometido com o ajuste fiscal, mas também convencer o eleitorado e, indiretamente, o Congresso, de que a reforma é imprescindível.

Fazer da reforma previdenciária a questão central da campanha eleitoral — para manter a credibilidade do discurso do esforço paulatino de ajuste fiscal — é o que recomenda a prudência. O eleitorado precisa entender que a União está tão quebrada quanto os estados. E que qualquer discussão consequente sobre programas de dispêndio — inclusive na área de segurança pública — não pode prescindir de um entendimento prévio e claro desse fato.

Mas o governo está em outro clima. E agora prefere se ater a temas menos espinhosos. Tudo indica que, mais uma vez, o Brasil poderá marchar para as eleições passando ao largo do problema primordial que tanto lhe tolhe as possibilidades. Será lamentável se, no estado em que está, o país acabar tendo mais uma campanha presidencial marcada pelo escapismo.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio