reforma da previdência

Hubert Alquéres: O condestável de Temer

Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.

O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.

Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.

O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.

A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.

Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.

Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.

A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.

Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.

Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.

Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.

Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.

Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.

O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.

Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Miriam Leitão: Temer deu a senha para desidratar a reforma da Previdência

O próprio presidente da República disse, em entrevista a "O Estado de S. Paulo", que aceita uma versão minimalista da reforma da Previdência. Está aberta, assim, a temporada de reduções no projeto.

Michel Temer chamou de “atualização”. Ou seja, começa a abandonar a palavra “reforma”. O presidente jogou a toalha, praticamente. Isso enfraquece o projeto. Vai tocar a reforma para dizer que fez. A senha foi dada. Os grupos de interesse pressionarão para que nada mude. Temer saiu enfraquecido da votação da denúncia, na semana passada. Ele está vulnerável a esse tipo de pressão.

A própria proposta da idade mínima, mesmo se for mantida, terá uma aplicação lenta. A regra começa com 54 anos e só chegará aos 65 para homens e 62 para mulheres após uma prolongada transição. Se aprovada dessa forma, seria uma reforma pra inglês ver.

Quem está certo é o presidente da Câmara dos Deputados, que delimitou a discussão. Ele diz que o único ponto de discordância é a regra de transição para quem entrou no setor público antes de 2003, quando Lula fez a reforma para novos servidores. E Maia diz que é preciso votar o projeto em setembro. Mas Temer agora avisou que aceita a versão reduzida do projeto.

 


Luiz Carlos Azedo: Vitória providencial

A votação de ontem, porém, mostrou que o governo ainda tem capacidade de iniciativa política e maioria folgada na Câmara

A Câmara aprovou ontem por 287 votos a 144 o pedido de urgência para acelerar a tramitação da reforma trabalhista. A tendência agora é tramitar a galope: na comissão especial, deverá ser aprovada na terça-feira, para ir ao plenário já na quarta, antes do 1º de Maio. Eram necessários, pelo menos, 257 votos favoráveis. Na noite de terça, requerimento idêntico foi rejeitado porque recebeu 230 votos a favor — 27 a menos do que precisava. Na ocasião, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a votação antes que todos os parlamentares da base tivessem votado.

Entre os principais pontos da reforma estão: flexibilização da jornada; fragmentação de férias; remuneração por produtividade; formação de banco de horas; e regulamentação nas modalidades de trabalho por home office (trabalho em casa) e intermitente, no qual os trabalhadores são pagos por período trabalhado. Além disso, o fim da chamada contribuição sindical. Segundo o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista, o “imposto” movimenta R$ 3,6 bilhões por ano e alimenta a atual estrutura sindical do país, que tem mais de 16 mil sindicatos.

Ontem, Rodrigo Maia admitiu que tentou um acordo com o PT para votar o projeto em 3 de maio, mas não teve sucesso. Talvez isso explique a estranha atitude que tomou na votação de terça-feira, quando deixou que a deputada Luíza Erundina (Rede-SP), na presidência da sessão, desse inicio à votação da reforma trabalhista de forma tumultuada. Depois, ao reassumir o comando da Casa, Maia encerrou abruptamente a votação, derrotando o governo. O presidente da Câmara tem um acordo de bastidor com o PT desde a sua primeira eleição.

A derrota gerou estresse no governo, mas serviu para reagrupar a base e formar uma nova maioria, que ontem aprovou com folga a urgência. De tudo o que está em discussão, o que mais importa para as centrais sindicais é a manutenção da contribuição. Talvez o governo esteja interessado num acordo para manter a cobrança compulsória de um dia de salário de todos os trabalhadores em troca de apoio das centrais sindicais à aprovação da reforma da Previdência. O fim da contribuição sindical obrigatória faria os sindicatos viverem de acordo com a realidade de suas categorias.

A votação da reforma trabalhista também serviria como um teste de força para aprovação da reforma da Previdência, logo a seguir. Esse é o cálculo que está sendo feito pelos articuladores do Palácio do Planalto, que já pressionam ministros e líderes para que garantam o apoio de suas respectivas bancadas, que sofrem pressões crescentes das corporações de funcionários públicos, que abominam a reforma da Previdência. A votação de ontem, porém, mostrou que o governo ainda tem capacidade de iniciativa política e maioria folgada na Câmara.

As negociações para aprovação da reforma da Previdência avançaram bastante nesta semana. Ontem, o relator da reforma, Arthur Maia (PPS-BA), apresentou seu parecer. Anunciou que proporá uma idade mínima progressiva para a aposentadoria de homens e mulheres. Começará em 53 anos para mulheres e 55 anos para os homens e será elevada gradativamente para 62 anos, no caso delas, e 65 anos para eles. A proposta original do governo previa uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres. Essa regra seria aplicada para todos os homens com menos de 50 anos e para todas as mulheres com até 45 anos. Os demais entrariam em uma chamada regra de transição, que cobraria um pedágio em tempo de contribuição, para que as pessoas se aposentassem em uma idade intermediária entre a proposta do governo e a regra atual.

Protestos

Cresce no governo a preocupação com os protestos programados pelos petistas para 3 de maio em Curitiba, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestará depoimento ao juiz Sérgio Moro sobre o envolvimento na Lava-Jato. Um dos constrangimentos de Lula é a suspeita de que realmente seja proprietário do sítio de Atibaia (SP), o que ele nega categoricamente. O engenheiro civil Emyr Costa contou à Procuradoria-Geral da República (PGR), na delação premiada, que ajudou a elaborar um contrato falso para esconder que a Odebrecht havia executado a reforma da propriedade rural. O sítio está registrado em nome dos empresários Jonas Suassuna e Fernando Bittar, sócios do filho do ex-presidente Fábio Luís Lula da Silva. Segundo Costa, a Odebrecht gastou R$ 700 mil em dinheiro vivo com a obra.

Costa usava o dinheiro para pagar, semanalmente, engenheiros e operários e comprar materiais de construção para reforma do sítio. O engenheiro auxiliou o advogado Roberto Teixeira — amigo do ex-presidente — e o ex-dirigente da Odebrecht Alexandrino Alencar a redigir um contrato falso para maquiar o envolvimento da construtora na reforma do sítio. Outra dor de cabeça é a suposta delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que já estaria em curso. Caso seja confirmada, a situação de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff ficará mais complicada, pois Palocci operou o caixa dois das campanhas dos dois, movimentando mais de R$ 130 milhões, segundo Marcelo Odebrecht.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vitoria-providencial/


Entenda a proposta da Reforma da Previdência no #ProgramaDiferente e veja os principais argumentos pró e contra do governo e da oposição

O #ProgramaDiferente, da TVFAP.net, preparou um especial para esclarecer tudo o que está se discutindo sobre a Reforma da Previdência, além de apresentar os principais argumentos do governo e da oposição para que você possa ter a sua própria opinião. Assista.

A Previdência Social registra um rombo crescente: em 20 anos, os gastos saltaram de 0,3% do PIB, em 1997, para projetados 2,7%, em 2017. Em 2016, o déficit do INSS chegou aos R$ 149,2 bilhões (2,3% do PIB); e para 2017, está estimado em R$ 181,2 bilhões. Os brasileiros estão vivendo mais, a população tende a ter mais idosos, e os jovens, que na prática sustentam o regime, diminuirão proporcionalmente.

A proposta do governo fixa idade mínima de 65 para requerer aposentadoria e eleva o tempo mínimo de contribuição de 15 anos para 25 anos. Para receber integralmente o valor a que teria direito hoje, o trabalhador terá que contribuir por 49 anos para a Previdência.

O assunto interessa a todos os trabalhadores brasileiros. Com a proposta em pauta, homens a partir de 50 anos e mulheres com 45 anos ou mais serão enquadrados nas regras de transição, mas com tempo adicional para requerer o benefício. Apenas quem já está aposentado e aqueles que completarem os requisitos para pedir o benefício até a aprovação da reforma não serão afetados.

Há problemas gravíssimos na comunicação do governo. Na guerra de campanhas pró e contra a Reforma da Previdência, a oposição saiu na frente. Então, o que tem a dizer os parlamentares que estudam o tema? O PPS, por exemplo, vem realizando debates e seminários. Veja quais são as posições do relator da Reforma, deputado Arthur Maia (PPS/BA), bem como do líder do partido na Câmara, deputado Arnaldo Jordy (PPS/PA), e do senador Cristovam Buarque (PPS/DF). Apesar do apoio à Reforma, o PPS tem críticas e enfatiza que o projeto necessita de aperfeiçoamentos. Entenda aqui.


Cláudio de Oliveira: Reflexões sobre a Previdência, o desenvolvimento e o Bem-Estar Social

Creio que a discussão em torno das aposentadorias no Brasil deve ser conduzida no horizonte de um debate mais amplo sobre o financiamento do Estado do Bem-Estar-Social e as condições econômicas necessárias ao desenvolvimento sustentado. Nossa experiência histórica demonstra que sem a expansão da atividade econômica aumentam as restrições do poder público para cumprir suas obrigações sociais determinadas pela Constituição.

Há um consenso de que sem investimento não há crescimento econômico. A China, país campeão do crescimento nos últimos 30 anos, prova a importância de combinar investimento público e privado, nacional e estrangeiro, para a promoção do desenvolvimento e, assim, da expansão da renda.

A alta taxa do crescimento do PIB chinês permitiu não só que centenas de milhões de chineses saíssem da pobreza, como também fez do gigante asiático exportador de capitais, alterando profundamente o seu papel na economia global, cujas consequências retroalimentam a expansão de sua economia interna. Tal crescimento econômico, com a determinação da liderança chinesa nessa direção, tem elevado o padrão de vida dos cidadãos e de sua capacidade de consumo, criando um círculo virtuoso para o desenvolvimento, o que coloca a China cada vez mais em melhores condições de negociação na arena internacional.

A taxa de investimento na China está em torno de 40% do PIB, sendo que o setor público responde por entre 8% e 10% do PIB em investimentos em infraestrutura, enquanto que no Brasil a taxa geral de investimento gira em pouco mais de 16% do PIB, dos quais apenas cerca de 2% do PIB são investimentos do setor público.

Aqui está, pois, o calcanhar de Aquiles do Brasil: a sua baixa taxa de investimento, especialmente público, desde o fim do governo do general Ernesto Geisel (1975-1979), quando em 1981, no governo do general João Figueiredo (1979-1985), o país entrou em recessão, atormentado pela explosão da dívida externa, das altas taxas de inflação e de juros e do descontrole das contas públicas. Vulnerável à situação mundial decorrente da crise do petróleo e sem recursos para se financiar, o Brasil teve então de recorrer à ajuda do Fundo Monetário Internacional e, em 1987, no governo do presidente José Sarney (1985-1990), pediu moratória da sua dívida externa por falta de reservas internacionais para o pagamento dos juros.

Somente no governo do presidente Itamar Franco (1992-1994), o país conseguiu renegociar a sua dívida externa, deixando ela de ser um forte entrave ao desenvolvimento nacional. O Plano Real, lançado em 1994, ao derrubar a taxa de inflação de 2.477,15% em 1993 para 1,65% em 1998, demonstrou que bons fundamentos macroeconômicos, entre eles, a sustentabilidade das contas públicas, são condição necessária, ainda que não suficiente, para a retomada do crescimento.

Diferentemente do “milagre econômico” do período ditatorial (1964-1985) e da tentativa infrutífera do Plano Cruzado, de 1986, a queda da inflação não aconteceu por medidas artificiais, mas, entre outras, por melhor controle do gasto público. Ao buscar incentivar a economia, caminhar para um regime de responsabilidade fiscal e com inflação em declínio, o governo do presidente Itamar Franco colheu rapidamente bons resultados. Em dois anos, verificou-se uma expansão do PIB em 5,4% contra o saldo negativo de -1,3% dos dois anos anteriores do seu antecessor, o presidente Fernando Collor (1990-1992).

Em grande parte, a boa ou má situação dos fundamentos macroeconômicos, somada à conjuntura internacional, terá contribuído para que o crescimento do PIB fosse de 2,4% no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2001), de 4% no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de -0,75% no governo da presidente Dilma Rousseff, com repercussões na renda, no emprego e no financiamento do Bem-Estar Social, a começar pela própria Previdência, além da Assistência Social, da Saúde e da Educação.

Desde o lançamento do Plano Real, o saneamento das contas públicas teve como objetivo não só derrubar a inflação, como também recuperar a capacidade de investimento do Estado brasileiro, fundamental para garantir o seu papel regulador, indutor, e financiador do investimento privado. Sem o aumento da taxa geral de investimentos, não há crescimento sustentado.

Sem entrar na controvérsia se a Previdência é deficitária ou não, a expansão das suas despesas, tanto as atuais quanto aquelas previstas pelo envelhecimento da população, tem comprimido e deverá comprimir outros gastos sociais e especialmente o investimento público. Aqui talvez esteja a razão maior da necessidade de uma reforma da Previdência e da contenção do gasto público.

Em 2003, diante do recrudescimento da inflação e da trajetória ascendente da dívida pública, dois dos principais responsáveis por nossa alta taxa de juros, o governo do presidente Lula realizou um dos mais severos cortes nas despesas públicas de nossa história recente e com isso conseguiu uma economia de gastos, o superávit primário, de 4,25% do PIB. O governo Lula ampliou o superávit para 4,6% do PIB em 2004 e para 5,25% em 2005 [1]. Em todos esses casos, a diminuição da despesa pública se realizou especialmente do lado do investimento público: corte de 70% do investimento em 2003 [2]. O padrão de proporção do investimento em ralação ao PIB se repetirá tanto nos governos Lula quanto nos governos Dilma. Porém, com o declínio da atividade econômica, em um dos últimos ajustes do período dilmista, as restrições atingiram não só obras de infraestrutura, como também programas sociais importantes, com cortes em até 87% [3].

Mesmo a reforma da Previdência do setor público realizada por Lula em 2003, com a taxação dos inativos, entre outras medidas, não foi capaz de alterar esse padrão. E não por acaso, o seu ministro da Fazenda, Antônio Palocci, secundado pelo então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, defendeu em 2005 a proposta de um teto de aumento do gasto público limitado à expansão do PIB. O argumento central em defesa da medida era garantir uma estabilidade macroeconômica necessária a todos os agentes econômicos, e em especial ao investimento privado, como também ampliar a capacidade de investimento do Estado. Essa tese, derrotada por setores dentro do governo capitaneados pela então ministra Dilma Rousseff, está bem exposta em artigo do professor da FGV Yoshiaki Nakano, daquele ano, intitulada “Déficit nominal zero para estabilidade com crescimento”:

[...] os gastos correntes do governo têm crescido ao longo dos últimos anos, enquanto que os investimentos do governo, particularmente do governo federal, que representam hoje menos de meio por cento do PIB, têm caído sistematicamente gerando uma situação dramática de deterioração e estrangulamento na infraestrutura básica do país.

[...] Déficit nominal zero significa que a necessidade de financiamento do setor público no seu conjunto será zerada. Isto significa que a dívida pública global em termos absolutos deixará de crescer, isto é, cairá em relação ao PIB na medida em que este crescer. E isto é de fundamental importância, pois a consequência será a queda na taxa real de juros, outra precondição para o crescimento sustentado da economia brasileira [4].

No orçamento realizado até setembro de 2014, em valores da época, os investimentos foram de R$ 57,1 bilhões, enquanto as despesas com a Previdência foram de R$ 372,6 bilhões; os gastos com pessoal, de R$ 210 bilhões; com os juros da dívida, de R$ 189,7 bilhões; e o custeio e consumo do governo, de R$ 187,8 bilhões [5].

No orçamento realizado até novembro de 2016, a preços de então, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) recebeu R$ 32,61 bilhões (contra R$ 38,9 bilhões em 2015), enquanto as despesas com Benefícios Previdenciários foram de R$ 461,8 bilhões. Somados aos R$ 16,8 bilhões da Compensação ao INSS pelas Desonerações da Folha, mais R$ 102,3 bilhões dos gastos com a Previdência dos servidores federais, mais R$ 45,7 bilhões dos Benefícios de Prestação Continuada da Loas, teremos um gasto de caráter assistencial e previdenciário no total de R$ 626,6 bilhões, o que representou 57,6% do orçamento federal. Para efeito de comparação, no mesmo período, os gastos com Educação foram de R$ 30 bilhões e com Saúde de R$ 89,4 bilhões [6].

Para a maioria dos economistas, o fator fundamental para o declínio da atividade econômica no governo da presidente Dilma Rousseff foi exatamente a baixa taxa de investimento público e da queda significativa do investimento privado. A expansão do PIB caiu de 7,65% em 2010 para 4% em 2011; para 1,8% em 2012; de 2,7% em 2013 para 0,5% em 2014, até a contração de -3,8% em 2015 e de -3,5% em 2016, após a explosão da presente crise fiscal.

Uma das razões da queda do investimento privado foi a falta de confiança na sustentabilidade das contas públicas. A dívida pública ultrapassou os 60% do PIB em 2014 (alcançou 78% em 2016 e deve chegar a 93% em 2021, segundo analistas), o que por si só já seria um problema para o seu financiamento, porém agravado pela trajetória ascendente do gasto público, superior ao aumento da arrecadação e que apontava para uma condição de insolvência, desestimulando tanto o investimento privado quanto o consumo privado, outro importante motor para o crescimento.

Uma reforma da Previdência deveria ter como critério fundamental promover a igualdade e a justiça social. Segundo a literatura sobre o tema, 2/3 das aposentadorias dos trabalhadores do setor privado são no valor de um salário mínimo. Em 2014, o valor médio das aposentadorias rurais pagas pelo INSS era de R$ 680 reais. Dos trabalhadores urbanos era de R$ 1.240, enquanto o valor médio das aposentadorias dos servidores civis do poder Executivo era de R$ 6.558. O valor médio das aposentadorias dos militares era de R$ 7.741, dos servidores do Judiciário era de R$ 16.726, do pessoal do Ministério Público era de R$ 19.234 e do membros do Legislativo era de R$ 25.225 [7].

A meu ver, aqui está a principal distorção a ser corrigida. Segundo os dados do governo, os 27,8 milhões de benefícios do INSS seriam responsáveis por um déficit de R$ 141 bilhões, enquanto a Previdência do setor público, com 973,7 mil beneficiários, seria responsável por um déficit de R$ 77,6 bilhões. Uma maior transparência das contas públicas, permitiria dirimir a polêmica em torno da existência do déficit da Previdência.

Pelas regras atuais, há dois tipos de aposentadorias pelo INSS. A aposentadoria por idade, com idade mínima de 65 anos para homens e de 60 anos para mulheres e obrigatoriedade de 15 anos de contribuição. É nessa categoria que está a maioria dos benefícios no valor do salario mínimo, isto é, a população de baixa renda, principal vítima da informalidade, das sucessivas crises econômicas e do baixo crescimento.

O outro tipo de aposentadoria do INSS é a aposentadoria por tempo de contribuição, com o tempo mínimo de contribuição de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres, sem exigência de idade mínima. É aqui que está uma boa parcela dos profissionais de renda mais elevada. Em 1998, antes das mudanças da Previdência no governo do presidente Fernando Henrique, a idade média com a qual o brasileiro se aposentava era de 48 anos. Hoje, é de 58 anos. O estabelecimento de uma idade mínima como regra geral deveria considerar regras de transição, algum tipo de bonificação para quem começou a trabalhar mais cedo e excepcionalidades para trabalhadores rurais que trabalham em condições severas.

Em sua autocrítica de maio de 2016, logo após a crise do impeachment da presidente Dilma Rousseff e depois de 14 anos à frente do Executivo central, o PT admitiu que “logo ao assumirmos, relegamos tarefas fundamentais como a reforma política, a reforma tributária progressiva e a democratização dos meios de comunicação” [8].

Em relação à reforma tributária, corretamente, não se pode falar em contenção de gastos públicos e reforma da Previdência sem discutir uma reforma para dar racionalidade e eficiência ao sistema tributário brasileiro e corrigir o seu caráter regressivo. Assim, mudanças nas aposentadorias deveriam ser negociadas no Congresso em troca de uma reforma tributária progressiva. Uma criteriosa revisão de desonerações, incentivos e subsídios do BNDES é outra providência necessária.

Uma última questão se coloca. Quais forças políticas teriam a tarefa de realizar um novo pacto político e social para modernizar o Estado brasileiro e abrir caminho para um longo ciclo de crescimento econômico sustentado que garanta o Bem-Estar Social? Não seriam elas as mesmas que em 1988 foram responsáveis pela atual Constituição, definidora das bases institucionais do nosso Estado do Bem-Estar Social? Seriam aquelas do bloco de centro-esquerda liderado na Constituinte por Ulysses Guimarães e que reuniu liberais, socialdemocratas, socialistas e comunistas? É possível congregar essas mesmas forças no Congresso do Brasil de hoje?

Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista


Fonte: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2087


Sem reforma, Previdência não poderá mais pagar aposentadorias a partir de 2022, alerta Arthur Maia

“Esse é um tema fundamental para o Brasil. Não podemos deixar que a Previdência Social  acabe”, alertou o vice-líder do governo na Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA), durante sessão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que começou a analisar na tarde desta segunda-feira (12) a admissibilidade e constitucionalidade da reforma.

Durante a reunião que entrou noite adentro, os parlamentares iniciaram o debate do relatório do deputado Alceu Moreira (PMDB) sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição)  287/2016, que trata da Reforma da Previdência.

“Nós vamos ter a oportunidade de analisar e debater essa PEC ao longo de sua da tramitação. Da forma que está não pode continuar. Com este modelo de previdência que temos, todos os cálculos atuariais nesse modelo atual apontam para um só desfecho: que em 2022, essa previdência não poderá mais pagar nem aposentadorias e pensões”, disse Arthur Maia, que é cotado para ser o relator da proposta na comissão especial que vai analisar a PEC.

Vista

Os deputados pediram vista antes mesmo de o relatório de Alceu Moreira ser lido no plenário da CCJ. A votação final no colegiado deve ocorrer nesta quarta-feira (14). Se aprovada, a reforma segue para uma comissão especial que analisará o mérito da matéria.

VEJA TAMBÉM

Reforma da Previdência: O que muda com as novas regras


Fonte: www.pps.org.br


Arnaldo Jordy: Previdência para quem a sustenta

A reforma da Previdência no Brasil está na ordem do dia. É quase um consenso que depois de setenta anos de existência, do crescimento da população e da massa de trabalhadores nesse período, é necessário que haja uma reformulação. Essa já era uma intenção do governo da presidente afastada, Dilma, e continua a ser uma necessidade para a administração do presidente interino, Michel Temer.

O Brasil precisa pensar no seu futuro e como continuará a pagar as aposentadorias da previdência oficial diante do crescimento da população idosa e do aumento da expectativa de vida dos trabalhadores. Sendo necessário, não podemos, porém cometer injustiças ou retirar direitos legítimos dos contribuintes e aposentados.

Quando foi instituído, o sistema previdenciário indicou seus protagonistas e financiadores, a saber: o empregado, o empregador e o governo, cada um com valor de contribuição equivalente a 6% do salário do trabalhador.

E daí para frente, como se comportaram esses protagonistas? Bem, o trabalhador fez a sua parte, pagando fielmente a sua parcela, já que não poderia mesmo escapar do desconto obrigatório em seu salário, já definido no contracheque, na fonte, como se diz.

O mesmo não se pode dizer dos demais parceiros dessa sociedade previdenciária. O governo federal, já em 1967, quando decidiu reunir os diversos institutos de aposentadoria existentes, em uma só instituição, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), com a justificativa de unificar o caixa da Previdência, e torná-la mais forte, logo usou o dinheiro dos trabalhadores para financiar a construção da ponte Rio-Niterói, na época, uma espécie de cartão postal do regime militar, e a Transamazônica, até hoje inacabada e nos atormentando sem trafegabilidade, mas aí já é outra história.

Só quatro anos depois, o governo militar do Brasil decidiu preencher uma lacuna, com a justíssima criação da aposentadoria rural, um benefício reservado aos homens do campo, sem que houvessem, necessariamente, contribuído para qualquer instituto de previdência, por inexistência dos mesmos. Era mais uma questão de assistência social, que propriamente de previdência.

O governo, como se viu, usou o caixa da Previdência para diversas finalidades, como hoje se faz com o FGTS, para financiar a política de habitação. E, às vezes, para cobrir rombos do Tesouro nacional em gastos de natureza duvidosa.

Mas, e o empregador, o terceiro dos protagonistas? Um número é suficiente para definir seu comportamento nesse processo. A dívida do empresariado com a Previdência Social atinge a estratosférica soma de R$ 472 bilhões. Isso mesmo, bilhões.

Não é que nossos governantes tenham sido rigorosos demais ao fixar a parte que cabe ao empresariado na conta da Previdência. Na verdade, até o ano passado, as desonerações concedidas a alguns empregadores somaram R$ 65 bilhões, concedidos em forma de incentivo ao setor produtivo. Os governos petistas, mas não só estes, foram pródigos em conceder esses benefícios a setores do empresariado, em uma política desenvolvimentista de resultado duvidoso, como vemos agora.

A conclusão lógica que decorre desses fatos é que não cabe ao trabalhador, que paga direitinho a sua parte, receber ainda mais encargos para fechar a conta da Previdência no futuro. O trabalhador já fez a sua parte para que o sistema funcione, ao cumprir com a sua obrigação, que é a contribuição sistemática e infalível.

É necessário dizer isso porque a questão que domina o debate sobre a reforma da previdência é o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, como se isso bastasse para resolver todos os problemas da Previdência. Como se quem nada deve, deva pagar a conta de quem não geriu bem os recursos, ou de quem deixou de pagar o que deveria.

Fixar uma idade mínima para a aposentadoria poderá até ser necessário, com vistas no futuro da Previdência, porém, sem exageros, sem colocar nas costas do trabalhador o peso desse ajuste. Sejamos coerentes, o brasileiro é bombardeado todos os dias por notícias de corrupção e roubo do dinheiro público, e ainda tem que responder pelo enorme rombo da Previdência? Enquanto isso, continua a escorrer pelo ralo dos ‘propinodutos’ o suado dinheiro dos nossos impostos.

Ao reformular a Previdência, temos que cuidar de dividir a responsabilidade, e fazer com que as partes cumpram o que foi acordado como obrigação legal, e que as novas normas arbitradas sejam de fato obedecidas.

Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS do Pará


Fonte: pps.org.br