reforma da previdência

Julianna Sofia: Ecos na caserna

Militares estreiam o toma lá dá cá com governo Bolsonaro

Jair Bolsonaro elegeu-se com 58 milhões de votos lançando ataques à velha política e ao fisiologismo. Até onde a vista alcança, ao nomear seu ministério, manteve-se aderente ao discurso de não se curvar a negociações embaladas pelo casuísmo de agremiações partidárias. Nesta sexta-feira (1°), um Congresso Nacional seminovo tomou posse, o que vai pôr à prova o modelo bolsonarista de agora em diante.

Vêm de onde menos se esperava e de forma precoce ecos do toma lá dá cá. A caserna está sendo justamente pressionada a entrar na reforma da Previdência e já aceita elevar de 30 para 35 anos o tempo mínimo de serviço. Para dar sua cota de sacrifício, porém, os militares querem levar uns tostões da União em troca.

Em discussão está a revisão do plano de carreira das Forças Armadas, por consequência, um aumento salarial. “Temos uma defasagem salarial. Coloquei isso na mesa. O presidente Bolsonaro é um profundo conhecedor disso”, diz o ministro Fernando Azevedo (Defesa).

O regime dos militares inativos e pensionistas registrará um rombo de R$ 43 bilhões neste ano, quase o mesmo impacto negativo do sistema previdenciário do funcionalismo federal, que atende ao dobro de beneficiários e é tido como um dos focos da reforma de Jair Bolsonaropara acabar com privilégios.

Mesmo com a expectativa de engordar os holerites, os generais desejam ficar de fora do primeiro pacote de mudanças que o governo encaminhará ao Congresso nas próximas semanas. Alegam que o projeto da categoria tramitaria em menos tempo que a reforma-mãe e, portanto, poderia ser mais debatido antes do envio. O timing será dado por Bolsonaro, que já defendeu jogar os militares para uma segunda etapa.

O Palácio do Planalto quer liquidar neste primeiro semestre a fatura da Previdência. Ao excesso de otimismo governista, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), retruca: “Quem vai conduzir o tempo da votação da reforma da Previdência é a Câmara dos Deputados”.


Revista Piauí: Deputados do PSL na China mandam recado para Bolsonaro sobre Previdência

Integrante da comitiva diz que presidente deveria defender grupo das críticas de Olavo de Carvalho e avisa: “FHC perdeu sua reforma por um voto. Quantos votos o governo tem aqui na China?”

Por Consuelo Dieguez, da Revista Piauí

Os ataques de Olavo de Carvalho e de seus seguidores nas redes sociais aos parlamentares do Partido Social Liberal que viajaram à China a convite daquele país abriram uma crise no governo Bolsonaro. O bombardeio dos seguidores bolsonaristas – que, nesta quinta-feira, insuflados por Carvalho, acusaram a comitiva do PSL de querer “vender o Brasil para a China” e de serem “comunistas infiltrados na direita” – deixou os onze parlamentares do partido com o sentimento de terem sido atirados “na fogueira” para encobrir o que consideram um escândalo: o pedido do filho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, ao Supremo Tribunal Federal, para ter foro privilegiado no caso em que seu motorista e assessor na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Fabrício Queiroz, é investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), de movimentar 1,2 milhão de reais de forma atípica.

“É muita coincidência que o ataque aos parlamentares do partido tenha ocorrido justamente no dia em que o Flávio tomou aquela decisão escandalosa de ir pedir ao ministro Luiz Fux que lhe desse foro privilegiado”, me disse o advogado Cleber Teixeira, integrante da comitiva e futuro chefe de gabinete do deputado eleito Alexandre Frota, também do PSL.

O advogado afirmou que o clima entre os deputados da comitiva era de revolta e indignação. “Durante anos eles combateram o PT e a esquerda pelos crimes que cometeram”, disse Teixeira, por telefone, por volta das 5 horas da manhã em Pequim. “Foram todos eleitos com a bandeira da direita, todos defenderam Bolsonaro e agora são acusados dessa forma? Que absurdo é esse?” A indignação dos parlamentares era ainda maior pelo fato de filhos do presidente – o deputado Eduardo Bolsonaro, eleito por São Paulo, e o vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro – terem “debochado” da comitiva. Carlos chegou a postar uma montagem com a deputada eleita Carla Zambelli segurando uma bandeira chinesa. “Isso aqui não é brincadeira”, afirmou Teixeira, inflamado. “Essa gente está brincando com coisa séria. A China tem uma oferta de investimentos de em torno de 30 bilhões de reais em infraestrutura do Brasil, e essa direita chucra, seguidora de Olavo de Carvalho, fica falando essas irresponsabilidades na rede”, afirmou.

Em seguida, Teixeira fez um alerta para o risco de este tipo de comportamento atrapalhar o governo na votação de reformas. “Imagina se estes parlamentares decidirem não votar com o governo?”, questionou ele. “Porque os parlamentares votam nas propostas de um governo em que confiam. Eles foram eleitos com a bandeira da transparência e agora o Flávio não quer que o investiguem? Não é obstruindo uma investigação que ele vai provar sua inocência.” Lembrou ainda que tanto Bolsonaro quanto seus filhos foram críticos aos pedidos de foro privilegiado feitos por Aécio Neves e outros políticos, e que agora pedem o mesmo benefício. “Não estou dizendo que ele seja culpado. Pelo contrário. Mas quem não deve, não teme”.

Teixeira afirmou ainda que, se os parlamentares não se sentirem confortáveis com o comportamento do Executivo, podem não votar as reformas. “Eles não darão carta branca a um governo em que não confiam.” E foi além. Disse que o presidente Jair Bolsonaro deveria controlar os filhos dele. “Todos nós respeitamos o Jair, mas não vamos aceitar esses ataques dos filhos dele. Isso não é uma monarquia. Ele não é rei e os filhos dele não são filhos do rei.”

O advogado se mostrou indignado com Olavo de Carvalho. Disse que Bolsonaro deveria controlar também os ataques do guru da extrema direita aos parlamentares do PSL. “Quem vai garantir os votos que ele precisa no Congresso? Os deputados da sua base ou Olavo de Carvalho? O Fernando Henrique perdeu a reforma da Previdência [em 1998] por um voto. Quantos votos Bolsonaro tem aqui na China?”, perguntou. Afirmou que não se tratava de uma ameaça, mas sim da necessidade de o governo entrar na defesa de seus parlamentares. Desde o início da confusão, o presidente Jair Bolsonaro não se manifestou a favor da comitiva do PSL da China. Durante visita à embaixada do Brasil, em Pequim, os parlamentares decidiram deixar clara sua indignação com o caso. A senadora Soraya Thronicke, do Mato Grosso do Sul, ligou da embaixada para o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que também vinha se mantendo em silêncio, e, irritada, pediu que ele se posicionasse em defesa da comitiva. Ele não se manifestou oficialmente. O chanceler foi indicado para o cargo por Olavo de Carvalho, de quem é um fiel seguidor.

Na quinta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia se encontrado com o embaixador da China para discutir investimentos do país asiático no Brasil. Na próxima semana, Bolsonaro viaja para o Fórum Mundial de Davos e está previsto um encontro com o presidente da China. “Quero ver se o Olavo de Carvalho vai chamar Bolsonaro de comunista”, disse Teixeira.

Embora os parlamentares do PSL não tenham ido à China em missão oficial, já que só tomarão posse em primeiro de fevereiro, a intenção deles, segundo a deputada Carla Zambelli, era mostrar que o governo Bolsonaro não tinha restrições de comércio com a China, além de conhecer as possibilidades de investimento. A China compra a maior parte da produção de soja brasileira, além de minério de ferro e petróleo. “Se a China parar de importar soja do Brasil, muitos estados brasileiros vão quebrar”, disse o advogado.

Afora isso, disse Teixeira, a direita sempre criticou a esquerda pelo “viés no comércio exterior”, ao “priorizar” negócios com Cuba e Venezuela. Na visão dos deputados da comitiva, afirmou ele, a direita acha importante que se faça comércio com todos os países. “Essa gente não entendeu que agora acabou essa história de direita e esquerda. O presidente tem que governar para todos, para o bem do Brasil. Não pode se dar ao luxo de eliminar um parceiro da importância da China por questões ideológicas.”

Desde que chegaram em Pequim, os parlamentares foram massacrados por integrantes de grupos de WhatsApp e de outras redes sociais bolsonaristas. O incentivador mais popular dos ataques foi Olavo de Carvalho, que chamou os parlamentares de “jumentos” por demonstrarem interesse num software de reconhecimento facial chinês – o que, segundo o ensaísta, permitiria que os brasileiros fossem espionados pelo país asiático.

Um dos ataques mais violentos partiu de Marcello Reis, do Revoltados On Line, movimento que surgiu para pedir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ex-marido de Zambelli, Reis acusou-a e aos outros parlamentares, num vídeo postado na quinta-feira, de defenderem os “interesses dos comunistas”. Na tarde desta sexta-feira, dia 18, ele postou um novo vídeo, ainda mais pesado, já a partir do título: “Agente do PCC infiltrado no governo Bolsonaro a mando do MDB”. Referia-se ao empresário Vinícius Aquino, de 28 anos, assessor do deputado eleito Alexandre Frota e dono da marca Pixuleco, a quem Reis acusou de ser traficante de drogas. “Ele levava cocaína para a gente quando estávamos acampados no gramado do Congresso, esperando a votação do impeachment da Dilma, em 2016”, afirmou no vídeo, raivoso, afirmando ter testemunhas. “Ele levava drogas não só para mim, mas também para deputados no Congresso”, disse Reis. Em tom confessional, afirmou: “Eu me drogava, sim, mas Graças a Deus hoje não me drogo mais”. Fungou forte no vídeo e justificou: “Isso não é droga, é gripe, por causa do ventilador e da fumaça do cigarro, a única droga que consumo atualmente.”

Na sequência, disse que Aquino representava um perigo porque tinha trabalhado no Planalto no governo Michel Temer, e que, agora, iria trabalhar no gabinete do deputado eleito Alexandre Frota. “Ele é um comunista infiltrado no PSL”, afirmou.

Amaciou o tom de voz para se dirigir a Bolsonaro. “Presidente, gosto muito do senhor e dos seus filhos. Tenho carinho especial pelo Carlos, o Pitbull do governo Bolsonaro. Me identifico com ele. Carlos, protege o teu pai”, clamou. E pediu que Frota “fosse homem” e demitisse Aquino de seu gabinete. “Você não é o homem que falou que era contra as drogas? Agora seja homem e não seja gogo boy. Você agora é deputado. Demite esse cara”, afirmou, numa alusão ao fato de Frota ter sido ator de filme pornô gay.

Ao saber das acusações de tráfico de drogas na Esplanada durante as manifestações pelo impeachment de Dilma, o advogado e futuro chefe de gabinete de Frota, Cleber Teixeira, que é também amigo de Vinicius Aquino, primeiro gargalhou e chamou a situação de absurda. Depois, indignou-se. “Esse Marcello Reis é um drogado. Deve ter cheirado todas. E o pior é que, agora, quando você publicar essa história na piauí, o Aquino vai aparecer na imprensa como traficante. É execrável o que ele está fazendo.”

Disse-me que não tem nem como processar Reis porque ele “é um duro, não tem onde cair morto”. Afirmou que Reis “não tem qualquer moral”, é um esquecido nas redes e que “está postando isso para ganhar uns likes”. Em 2016, Reis teve sua página bloqueada pelo Facebook.

Para o advogado Cléber Teixeira, o fogo amigo está acontecendo porque o governo não tratou logo de pôr fim à polêmica, por estar “interessado em abafar o caso do motorista de Flávio Bolsonaro.” E voltou novamente as baterias contra os filhos do presidente. Disse que Eduardo tenta se impor como líder da bancada, mas “liderança não se impõe, se conquista”. Acusou ainda Eduardo Bolsonaro de querer desmoralizar seus correligionários, ao chamá-los de “favelados” por terem tido poucos votos, ao passo que ele e Joice Hasselmann tinham sido os mais bem votados, ele com 1,8 milhão de votos e ela 1 milhão. “Ele esquece que agora cada parlamentar tem o mesmo peso. Cada parlamentar é um voto”. E ameaçou. “Se ele vier falar nesse tom no gabinete do Frota eu quebro a cara dele.”

Com a voz cada vez mais alterada, Teixeira me disse que, ao contrário do que Eduardo costuma falar, os deputados ajudaram a eleger Bolsonaro. “Não foi o Bolsonaro que os elegeu. Quando Bolsonaro estava numa cama de hospital, essa turma estava nas ruas fazendo campanha para ele.” E reclamou. “Está na hora de o governo sair em defesa dos deputados na China abertamente, já que estão lutando pelos interesses do país. Deveria exigir que parem com essa palhaçada. Isso aqui não é para brincadeira.” E concluiu. “Bota tudo isso na minha conta porque os deputados não vão ter coragem de falar como estou falando.”

O presidente do PSL, o deputado pernambucano Luciano Bivar, é um homem de fala mansa e cabeça fria. Conversei com ele por telefone, na tarde desta sexta-feira. Ele estava em Nova York tratando dos direitos de publicação do seu primeiro romance, que pretende lançar nos Estados Unidos, já que a história se passa em Manhattan, cujo título será Cinquenta formas de amar, uma é matar.

Ele saiu em defesa dos colegas que estavam na missão chinesa. Disse que o comércio bilateral é normal entre países, e não via razão para os ataques feitos por Carvalho e seus seguidores. Depois, rindo, contou que brincou com alguns deputados que “Carvalho perde o amigo, mas não perde a piada.” Perguntei o porquê dessa observação. “Porque só pode ser piada o que ele está falando. Ele sabe perfeitamente bem que o Brasil é um país soberano e que não há qualquer chance de se vender para a China.” E reforçou a importância das relações com o parceiro comercial, de grande importância para o Brasil.

Sem se exaltar, reclamou das “pedras que estavam sendo atiradas nos colegas” e disse que as “pessoas estavam cegas.” Ele não vê crise no partido, mas criticou o que chamou de direita radical. “O partido é grande, temos a ala radical e ala racional.” Os racionais, ele disse, sabem que as relações comerciais com a China não irão afetar a ideologia liberal do governo Bolsonaro. “A China, em certos aspectos, é mais liberal até que o Brasil”, opinou.

Ele creditou esse comportamento irracional de parte dos grupos de direita como resultado do “trauma que tiveram com os desmando dos governos do PT, que quase arruinaram o país”. Mas, segundo ele, isso já passou, e é preciso pensar em recuperar a economia e o emprego. Depois, parecendo achar toda essa confusão absolutamente prosaica, me disse: “Espero que vocês, na piauí, façam a resenha do meu livro. Seus leitores são muito mais interessantes do que essa direita raivosa.”

*Consuelo Dieguez, repórter da piauí desde 2007, é autora da coletânea de perfis Bilhões e Lágrimas, da Companhia das Letras


Almir Pazzianotto Pinto: Novas esperanças, velhos desafios

Reforma da Previdência deve ser o primeiro e decisivo teste para o novo governo

A posse do presidente da República, Jair Bolsonaro, deve ser encarada como o anúncio de nova era de liberdade, segurança e desenvolvimento. O discurso perante o Congresso Nacional, logo após o solene juramento de “manter, defender e cumprir a Constituição”, não se harmoniza, porém, com a promessa de “promover o bem-estar do povo”, mediante a realização de “reformas estruturantes, que serão essenciais para a saúde financeira e sustentabilidade das contas públicas, transformando o cenário econômico e abrindo novas oportunidades”.

O Congresso eleito em 1986, com as prerrogativas de Assembleia Nacional Constituinte, deveria limitar-se ao restabelecimento do regime democrático, protegê-lo contra tendências ao autoritarismo, demarcar as áreas de competência dos três Poderes da União e garantir os direitos fundamentais. Não foi o que aconteceu. Emendada uma centena de vezes, a Lei Fundamental continua à espera de alterações destinadas a torná-la objetiva, fácil de ser lida e entendida, isenta de promessas inalcançáveis, flexível e adaptável às exigências da Nação.

Entre as reformas constitucionais, a da Previdência Social “terá de puxar a fila”, por ser o atual sistema responsável pelo déficit “que cresce no ritmo de R$ 50 bilhões ao ano”, segundo a visão dos economistas Gustavo Franco e Elena Landau. “Reformar a Previdência não é mais uma escolha. Os números falam alto e o País terá de tomar uma decisão o quanto antes”, declarou Marcelo Caetano, então secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda (Estado, 30/12, B4).

Anote-se que as disposições constitucionais relativas à Previdência Social resultam de alterações introduzidas pelas Emendas n.º 20, de 1998; n.º 41, de 2003; e n.º 47, de 2005. O estado pré-falimentar do sistema previdenciário público e privado era conhecido e alvo de discussões desde 1995, quando teve início a série histórica de progressivos déficits anuais.

Melhor proveito haveria se voltássemos aos textos das Constituições de 1946 ou de 1967, deixando-se a regulamentação por conta de legislação ordinária. A primeira incluía, entre as garantias essenciais para os trabalhadores, no artigo 157, inciso XVI, “previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte”. O inciso seguinte determinava “obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador, contra os acidentes do trabalho”. A Constituição de 1967 prescrevia, no artigo 165, XVI, “previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado”.

O artigo 195 da Constituição atual, de 1988, determina que a seguridade social, que garante os direitos à saúde, à previdência e à assistência social, “será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de contribuições do empregador, da empresa, de entidade a ela equiparada, incidentes sobre a folha dos salários, receita e faturamento, lucro”, etc.

Tanta complicação não impediu alarmantes déficits. O problema não está nas fontes, mas nas despesas, na sonegação, na fraude, no envelhecimento da população, na redução da atividade econômica, no desemprego, na informalidade prevalecente no mercado de trabalho.

Sobre a necessidade da reforma todos se põem de acordo. O problema reside no conteúdo. Será apenas mais uma, destinada à contemporização, ou o presidente Jair Bolsonaro se valerá da autoridade inquestionável de que dispõe para resolver enigma que levará o Tesouro Nacional à insolvência?

Julgo impossível aumentar as exigências que recaem sobre os trabalhadores, seja no que se refere à idade, seja no que diz respeito a benefícios. Vá lá que se aceite a eliminação da aposentadoria por tempo de serviço. Com 35 anos de contribuição para o homem e 30 para a mulher, conforme reza o artigo 201, I, da Constituição de 88, quem consegue demonstrar que começou a trabalhar aos 14 anos pode se aposentar aos 49 ou 44, mesmo em excelentes condições de saúde.

A reforma da Previdência deve ser o primeiro e decisivo teste para o novo governo. Dela dependerá para abrir caminho às reformas reestruturantes. Como ensinam consagrados cabos de guerra, é vital o emprego do máximo de força para a conquista do estratégico objetivo. Além da mobilização dos aliados na Câmara dos Deputados e no Senado, será indispensável cuidar da comunicação. Nesse quesito o presidente Michel Temer foi malsucedido. Embora fragmentada, a oposição permanece viva. Não é impossível para os partidos de esquerda fazerem da questão previdenciária o centro de gravidade de que necessitam para se aliarem contra governo que alardeia ser de direita.

No embalo das reformas, o presidente Jair Bolsonaro poderá encaminhar emenda destinada a corrigir o artigo 7.º, IV, que define salário mínimo. Trata-se de direito imaginário, de impossível realização. Em país nenhum há piso salarial capaz de atender às necessidades do trabalhador e sua família, “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuários, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. É um dos mitos constitucionais, que devem ser suprimidos.

Para encerrar, creio ser arriscado ampliar afoitamente o leque de reformas. Extinguir a Justiça do Trabalho é inimaginável. “Só se destrói o que se substitui”, escreveu Auguste Comte, o filósofo positivista. Para onde iriam milhões de processos em tramitação?

É a pergunta que deixo para o presidente.

* Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho


Elio Gaspari: Bolsonaro desceu do palanque

Presidente trombou com a ekipekonômica, mas mostrou caminho para aprovar reforma da Previdência

Pelo andar da carruagem, a reforma da Previdência será aprovada. Numa revelação surpreendente feita durante uma entrevista aos repórteres Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco, o presidente Jair Bolsonaro pôs na mesa uma nova idade mínima para o acesso às aposentadorias e abriu o caminho para que ela passe a girar em torno de seu eixo principal, a “fábrica de desigualdades” exposta pelo ministro Paulo Guedes: “Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias e a população, as menores”.

Durante a campanha, Bolsonaro repetiu que a idade mínima do projeto mandado por Michel Temer era perversa. O anúncio da nova idade resultou numa trombada com a ekipekonômica. Resta saber quem manda e quem é capaz de fazer um projeto que passe pelo Congresso.

Bolsonaro defendeu de forma convincente a mudança na lei que permite a posse (não o porte) de armas. Afinal, em 2005, um plebiscito rejeitou a proibição da venda de armas de fogo. Felizmente, ele não comparou trabucos a automóveis, como faz o ministro Augusto Heleno.

O Bolsonaro da entrevista pareceu mais leve que o do palanque de mármore de Brasília. Ainda assim, disse que “hoje em dia o poderio das Forças Armadas americanas, chinesas e soviéticas alcança o mundo todo”. Como ele acha que com o seu governo o Brasil “começa a se livrar do socialismo”, alguém precisa avisá-lo de que a União Soviética se acabou em 1991.

O PODER DE PAULO GUEDES
Falta ao poderoso ministro Paulo Guedes um pé no Planalto. Parece detalhe, mas há dois tipos de ministros, os que têm sala no Palácio (Augusto Heleno, por exemplo) e os que não têm.

Quem está no primeiro grupo checa se o presidente está livre, toma o elevador e vai à sua sala. Quem não está precisa marcar hora ou arriscar-se a uma espera.

É claro que Guedes verá Bolsonaro sempre que isso for necessário, mas, por enquanto, a burocracia palaciana revela que nos primeiros cem dias de governo ele participará da reuniões do ministério às terças-feiras e de cinco encontros de “alinhamento”, sempre com outros colegas.

A trombada ocorrida na sexta-feira entre o que diz Bolsonaro e o que pensa a ekipekonômica mostra que faltam conversas. Isso na melhor das hipóteses, porque pode estar faltando disciplina. Choque com a ekipekonômica na primeira semana de governo é coisa nunca vista.

Os ministros com sala no Palácio têm um acesso informal ao presidente e essa circunstância cria um tipo especial de convivência. Para o bem, produz eficácia, para o mal, intrigas. É mais fácil se desviar de uma bola nas costas estando perto do juiz.

SANTAS PALAVRAS
Pode-se achar o que se queira do discurso de posse de Paulo Guedes, mas é impossível discordar de seu diagnóstico sobre os bancos públicos:

“Eles se perderam nos grandes programas, onde piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro.”

A BIC DE TEREZA
A caneta Bic de Tereza Cristina, ministra da Agricultura, tem mais tinta que a da maioria dos ministros civis.

O SAMBA DE ARAÚJO
O grande ausente na posse do chanceler Ernesto Araújo foi o escritor Oswald de Andrade (“Tupi or not tupi”). Quando o diplomata pediu a seu colegas que lessem mais José de Alencar e menos o New York Times, poderia ter feito uma ressalva, recomendando sua obra de ficção. Nela há um negro endiabrado sendo chamado de “bugio”, mas ficção é ficção.

Há um outro Alencar, político, deputado, ministro da Justiça e escravocrata convicto. Ele chamou a Lei do Ventre Livre de “iníqua e bárbara”. Isso em 1871, seis anos depois do fim da Guerra Civil que acabou com a escravidão nos Estados Unidos.

Alencar criticava o “fanatismo do progresso” e advertia: “A liberdade e a propriedade, essas duas fibras sociais, caíram desde já em desprezo ante os sonhos do comunismo.”

“Toda lei é justa, útil, moral, quando realiza um melhoramento na sociedade e representa uma nova situação, embora imperfeita, da humanidade. Neste caso está a escravidão.”

“Se a escravidão não fosse inventada, a marcha da humanidade seria impossível.”

Alencar sustentava que o Estado não deveria se meter a legislar sobre a relação trabalhista da escravidão.

O MITO DE ARAÚJO
Noves fora José de Alencar, o chanceler Araújo deu-se a comentários sobre figuras míticas, valendo-se do rei português d. Sebastião. Com sua erudição, poderia ter associado Jair Bolsonaro a uma centenas de outras figuras.

D. Sebastião era meio pancada, sumiu na batalha de Alcácer Quibir (1578) e, como tinha horror às mulheres, foi-se embora sem deixar descendência. Disso resultou na anexação de Portugal pela Espanha por 60 anos.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acha que os condenados na primeira instância do Judiciário devem ir para a cadeia sem direito a recurso.

O que o cretino não entende é por que o ministro Sergio Moro quer enviar ao Congresso uma emenda constitucional assegurando e prisão dos condenados na segunda instância.

Como juiz, Moro defendia esse procedimento e o tema está na pauta do Supremo Tribunal Federal para o dia 10 de abril.

Como é impossível que o Congresso aprove a emenda em tão pouco tempo, Eremildo ficou com a impressão de que a iniciativa seja uma pressão inútil. Até porque, o tribunal sempre poderá julgar a mudança inconstitucional.

A APPLE MANCOU
A queda do valor da Apple foi atribuída pelo mercado a uma retração dos compradores chineses.

Algo pior pode vir por aí. Depois de ter mudado os hábitos de consumo com os iPhones e os iPads, a Apple está mancando no novo mercado de aplicativos e de assistentes digitais que recebem ordens por comandos de voz.

Esses equipamentos têm o tamanho de um pequeno pote. Entre outras coisas, processam mensagens, ligam luzes, tocam músicas, registram ordens de compras e a cada dia expandem sua capacidade. O Echo da Amazon e o Google Home dominam o mercado, enquanto o HomePod da Apple está bem atrás. Steve Jobs não deixaria isso acontecer.

WITZEL NO PALANQUE
O governador Wilson Witzel ainda não desceu do palanque. Quando ele disse que o país precisa de “estabelecimentos prisionais destacados, longe da civilização, precisamos ter a nossa Guantánamo”, ofendeu a geografia e, tendo sido juiz, massacrou o Direito.

A prisão americana de Guantánamo não fica longe da civilização. Está a 899 km de Miami e a 65 km de Santiago de Cuba. Quando o presidente Bush resolveu mandar terroristas para lá, o que ele queria era mantê-los fora do alcance da Constituição dos Estados Unidos. A Corte Suprema cortou-lhe as asas.

TEMER PERDEU
O pente-fino determinado pela Casa Civil para o reestudo das últimas medidas tomadas pelo governo de Michel Temer é o preço que ele pagará por ter apostado no escurinho do fim de mandato para disseminar um testamento.

Deu o mau exemplo nomeando protegidos para a direção de agências reguladoras e acabará enrascado em maluquices de escalões inferiores.


Claudia Safatle: A reforma da Previdência ou o caos

"É cortar, cortar e cortar", dizem fontes do novo governo

Aprovar a reforma da Previdência no primeiro semestre de 2019 é a prioridade do presidente eleito, Jair Bolsonaro. A importância desse prazo pode ser detectada no comentário de um dos economistas da transição: "Ou aprovamos a reforma da Previdência até junho ou será o caos", disse. Por mais que se possa considerar essa afirmação um exagero de retórica sustentado na suposição de que esse será o período da lua de mel do mercado com o novo governo, o fato é que os agentes econômicos internos e externos estão à espera da reforma. Sua aprovação será um sinal de determinação e sustentação política do governo decisivo para a expansão dos investimentos no país.

Sem novos investimentos, a recuperação da economia terá vida curta, minando a confiança e o emprego. Este seria o início de um processo de deterioração das expectativas que fatalmente enfraqueceria o governo de Bolsonaro.

Técnicos da transição foram despachados para o Rio de Janeiro, na semana passada, para se inteirar da proposta de reforma elaborada por especialistas em Previdência Social sob a coordenação de Arminio Fraga. O ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos enviou ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, um projeto completo e inovador de previdência que está sendo avaliado, juntamente com algumas outras propostas. Os emissários de Guedes conversaram com Paulo Tafner, um dos autores da proposta.

À reforma da Previdência se seguem dois outros objetivos que compõem o plano de voo para a economia: a redução da conta de juros com o uso das receitas de privatizações para abatimento da dívida do setor público; e a reforma do Estado, centrada na busca de um modelo menor e mais eficiente.

Por onde se olha, há sobreposições de estruturas e tarefas, diagnosticam os assessores recém-chegados na transição. Um pequeno detalhe confirma essa visão mais geral. Para tratar das empresas estatais há a secretaria das estatais do Ministério do Planejamento, uma área que também cuida do tema no Ministério da Fazenda e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), ligado à Presidência da República, com um conselho e uma secretaria.

Ao reformular as estruturas do Estado, o governo poderá economizar de 20% a 30% dos gastos com cargos de confiança ou comissionados. Atualmente são mais de 23 mil cargos que recebem DAS (Diretoria e Assessoramento Superiores) ou funções comissionadas do Poder Executivo.

Para consertar o forte desequilíbrio fiscal, é crucial investir na reforma da Previdência, hoje o maior gasto do Orçamento. São R$ 591,45 bilhões em pagamento de benefícios, que devem gerar déficit de R$ 201,6 bilhões este ano só no regime geral (RGPS), segundo dados oficiais divulgados ontem pelo Ministério do Planejamento. Considerando a previdência do servidor público, esse déficit sobe para a casa dos R$ 300 bilhões.

Em seguida vem a conta de juros da dívida consolidada do setor público e a folha de pessoal da União. Nos últimos 12 meses até outubro, os juros nominais somaram R$ 401 bilhões (5,9 % do PIB) e a folha de salários consumiu cerca de R$ 300,6 bilhões (4,4% do PIB).

O déficit nominal, que inclui a conta de juros, alcançou R$ 488,8 bilhões (7,2% do PIB).

Os três gastos - benefícios previdenciários, juros e salários - estão na mira da nova gestão. "É cortar, cortar e cortar", enfatizou um assessor do futuro ministro da Economia, que adiantou: "Não dá mais para fazer remendos. Agora temos que ir na raiz dos problemas".

O drama dos "rombos" nas contas públicas é que a dívida bruta - compreendida por governo federal, INSS e governos estaduais e municipais - superou os R$ 5,24 trilhões e cresce a uma trajetória explosiva. Atualmente, a dívida equivale a 77,2% do PIB. Cabe ao novo governo interromper o crescimento e reduzir o endividamento como proporção do PIB para evitar o desastre de um "calote" futuro.

O Ministério da Economia está sendo montado segundo a perspectiva da reforma do Estado. Ele será resultado da fusão de três ministérios (Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio). Deverá comportar de quatro a seis secretarias, e isso eliminará as estruturas triplicadas. Ampliará substancialmente o raio de poder do futuro ministro Paulo Guedes, que terá sob a sua área de domínio todas as receitas e despesas da União.

O que norteia esse trabalho é, segundo assessores da área de gestão, construir de forma incremental os pilares do novo sistema econômico baseado nos princípios liberais. A ideia é trabalhar com o conceito de "equilíbrio geral", no qual os processos vão sendo construídos de forma a um ajudar na sustentação do outro.
Em outras palavras, a reforma da Previdência se combina com um processo de privatização que se complementa com as reformas administrativa e tributária, que reduz o peso do Estado sobre as empresas e as famílias. E essas etapas vão se alimentando de um crescimento mais firme da economia.

Os governos tentaram de tudo após a democratização para colocar o Brasil nos trilhos do crescimento econômico sustentável. Avançou em um período, mas regrediu em outro. Buscou-se todos os tipos de atalho com intervenções exacerbadas. A carga tributária subiu a patamares asfixiantes - de 26,7% do PIB em 1995 para mais de 32% do PIB atualmente - para dar conta do acelerado crescimento do gasto público. Não foi suficiente e, então, recorreu-se ao aumento do endividamento para financiar as despesas, deixando a dívida chegar a níveis perigosos.

Resta tentar um caminho ainda não explorado: cortar a despesa pública para que ela seja financiada por uma carga tributária compatível com o resto do mundo, reduzir o tamanho do Estado e abrir a economia.

A equipe econômica do presidente eleito avalia que "pela primeira vez na história o país terá o governo com uma agenda claramente liberal". Até então, medidas de cunho liberal foram adotadas de forma pontual, mais por necessidade do que por convicção. Uma dúvida é se e por quanto tempo Bolsonaro comungará das mesmas ideias de Paulo Guedes.


Zeina Latif: A palavra de ordem é foco

Não se pode falhar na aprovação de uma reforma da Previdência

Muitas falas de Jair Bolsonaro ainda lembram discursos de campanha. Não focam naquilo que é mais relevante e abordam temas superados ou que não demandam ação estatal. O presidente eleito tem grande capacidade de comunicação, mas precisa dar o devido peso aos temas, conforme seu grau de importância. Não basta se comunicar. É necessário definir objetivos e estratégias, para assim conquistar o apoio da sociedade à urgente agenda de reformas.

Um exemplo recente foi sua defesa de maior transparência do BNDES. Todavia, o grau de abertura de informações atualmente é equivalente ao dos bancos privados, respeitando a lei de sigilo bancário. Com sua fala, Bolsonaro passa para a sociedade a ideia equivocada de que nenhum ajuste foi feito no banco nos últimos anos, enquanto perde a oportunidade de discutir seus reais desafios.

Tem havido muitos avanços no BNDES. O principal foi em 2017 com a mudança do cálculo da taxa de juros cobrada nos empréstimos, com a substituição da TJLP pela TLP, sendo a primeira uma decisão discricionária do governo e a segunda o reflexo das condições de mercado. Se houver intenção de emprestar a taxas mais baixas, será necessário obter aprovação do Congresso para o subsídio a ser concedido. Uma combinação saudável de transparência, zelo com os cofres públicos e deliberação da sociedade.

O temor de muitos de que a mudança faria os investimentos caírem não se materializou. Houve importante substituição de empréstimos do banco por outras fontes de financiamento no mercado de capitais e no mercado internacional, principalmente para empresas maiores. Segundo o Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), 2017 foi possivelmente o melhor ano da história para esse mercado, tendo sido responsável por 13% do financiamento do investimento, valor recorde na série iniciada em 2011.

É verdade que empresas menores, que têm dificuldades para acessar o mercado de capitais e os recursos externos, encolheram seu endividamento. Há espaço, no entanto, para crescimento do crédito privado, como nas cooperativas de crédito e fintechs.

É melhor o BNDES focar nas privatização e em setores onde não há interesse do setor privado, mas cujo investimento beneficiaria a sociedade. É o caso da infraestrutura de setores pouco consolidados, como o saneamento. O banco ainda concorre com o mercado de capitais em muitos segmentos, como no Finem, o que implica alocação equivocada de recursos.

As matérias que saíram na imprensa sugerem também a necessidade de ajuste no foco das propostas do próximo time econômico. Fala-se em ampliar a capacidade do banco de antecipar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional. Essa política tem sido bem encaminhada, com R$ 310 bilhões da dívida com a União devolvidos antecipadamente até o fim de 2018.

O tema é relevante à luz da regra constitucional que limita o espaço da União para emitir dívida pública, mas é assunto menor diante dos desafios do BNDES e, certamente, da necessidade de um ajuste estrutural para conter o crescimento das despesas do governo.

Fala-se também da tarefa de Joaquim Levy – que estará à frente da instituição – de contribuir na montagem de um plano de socorro aos Estados. Já houve em 2017 um plano de renegociação de dívida que incluiu empréstimos do banco e há grandes restrições para emprestar dinheiro novo. Além disso, a natureza da crise dos Estados é estrutural, associada aos gastos com a folha. Este precisa ser o foco do novo governo.

É possível que a agenda liberal de Paulo Guedes sofra desvios, dado o tamanho do desafio fiscal. O que não se pode é falhar na aprovação de uma reforma da Previdência que também busque uma solução da crise dos Estados, o que demandaria rever os regimes especiais de aposentadoria de professores e policiais. Não avançar nessas questões deixará a União ainda mais vulnerável à pressão dos Estados por recursos. Não faltam “pautas-bomba” no Congresso.
--------------
*Economista-chefe da XP Investimentos


Alon Feuerwerker: Dois vetores opostos sobre a reforma da previdência no ano eleitoral

O senso comum faz concluir que é mais difícil votar em ano eleitoral uma reforma da previdência redutora de direitos. É verdade. Os deputados e senadores candidatos à reeleição ou a outra coisa ficam mais sensíveis à sensibilidade do eleitor. E a maioria dos eleitores brasileiros são contra as mudanças previdenciárias propostas pelo governo de Michel Temer.

O mesmo senso comum diz que em ano de eleição de presidente os candidatos ao cargo serão pressionados a dizer o que farão nos principais temas da pauta econômica, se chegarem lá. E a reforma da previdência é o principal ponto da agenda proposta para estabilizar ou até trazer para baixo a curva que mostra a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto.

Três pontos parecem favoritos a polarizar o debate presidencial de 2018, não necessariamente nesta ordem. Quem é mais honesto. Quem vai mudar os métodos de governar. E o que fazer para acelerar a retomada do crescimento econômico e da criação de empregos. Outros itens, como por exemplo a segurança, prometem produzir mais barulho do que decisão de voto.

O emperramento da reforma da previdência pode acabar criando um problema para o candidato finalmente vitorioso. Por isso, a esquerda esbraveja contra, mas tem esperança de ganhar a eleição e no íntimo torce para que Temer consiga passar algo que libere o novo presidente dessa pauta. Estelionatos eleitorais têm consequências, sabe-se cada vez melhor.

Do outro lado, o cenário é mais complexo. Uma das bandeiras desse campo serão as reformas liberais. E a disputa pelo apoio do establishment a um ou outro candidato se dará também em função de que nome vai ser mais capaz de vencer e reunir apoio político para dar andamento à agenda proposta pelas forças que depuseram Dilma Rousseff em 2016.

Eis por que, para o governo Temer, tentar passar a reforma ao longo do todo o ano de 2018 talvez seja tão importante, ou até mais importante, do que obter uma vitória rápida. Esta teria certamente bons efeitos na economia, mas o alongamento do debate daria de mão beijada uma narrativa pronta a um eventual candidato do governo ao Planalto.

Em condições normais de temperatura e pressão, a cadeira cativa de candidato liberal-reformista estaria já ocupada pelo PSDB. Mas os tropeços tucanos abrem caminho a outras possibilidades. Geraldo Alckmin ainda pode reagrupar seu campo político habitual. Entretanto, se o governo achar um candidato leve em outro partido a coisa pode complicar-se para os tucanos.

O PMDB comeu poeira do PSDB nos oito anos de Fernando Henrique. Comeu poeira do PT nos oito de Lula e nos quase seis de Dilma. É impensável que o núcleo de governo não esteja pensando num jeito de não voltar à situação de coadjuvante. E a falta de apoio do PSDB à reforma da previdência é uma oportunidade de ouro para alimentar a tentação de abrir outro caminho.

Some-se o fato de que nunca desde 1989 o PSDB largou tão atrás na corrida presidencial, e com tantos problemas. Ou seja, o governo neste momento não enfrenta ainda um adversário consolidado em seu campo. É uma baita janela de oportunidade. Os movimentos do ministro da Fazenda são o melhor sintoma de que alguém já entendeu o essencial do cenário da guerra.

Há portanto dois vetores opostos agindo sobre o andamento da votação da reforma. Vai crescer o medo de votar, para não chatear o eleitor. E vai crescer também o interesse do governo de mostrar que tem compromisso com ela. E o andar do tempo vai aumentar a pressão sobre o PSDB para ajudar a passar uma medida que o partido sempre disse ser indispensável.

Seria prudente adotar para a reforma da previdência a máxima de Mark Twain, quando certo dia anunciaram erradamente que ele tinha morrido. “As notícias sobre minha morte foram muito exageradas", brincou o escritor. De tanto que já anunciaram o fim do mundo e não aconteceu, será inteligente a cada anúncio esperar para ver se o mundo vai acabar mesmo.

*

Se o PT tivesse de planejar o cenário ideal para dar verossimilhança à narrativa de que foi e está sendo vítima de um golpe de estado continuado, dificilmente faria melhor do que fazem por ele os adversários e inimigos nas várias esferas. Lula, que curte as metáforas futebolísticas, sabe que não basta o goleiro ser bom, precisa ter sorte. Disso ele não pode se queixar.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Rogério Furquim Werneck: O jogo da reforma da Previdência

Esperança é de que a questão previdenciária venha a ser central na disputa eleitoral de 2018

No início de novembro, fragilizado pelas sucessivas batalhas políticas que teve de enfrentar, a partir de meados de maio, para se manter no cargo, o presidente Michel Temer deu mostras de estar desalentado com a possibilidade de aprovação da reforma previdenciária. Chegou a declarar que, se o Congresso não estivesse disposto a aprová-la, “paciência”.

Mas o Planalto logo percebeu que o sinal de que estaria prestes a “jogar a toalha” na luta pela aprovação da reforma havia sido lido como mais uma evidência de que o presidente estaria mesmo fadado a se arrastar até o fim do mandato, como um “pato manco”.

A correção de rumo foi imediata. O que se viu a seguir foi súbita mudança no empenho com que o Planalto passou a tratar a reforma da Previdência. O aparente desalento deu lugar à deflagração de ampla campanha de mobilização do País e do Congresso com o esforço de assegurar a aprovação ainda este ano, pelo menos na Câmara dos Deputados, de uma versão menos ambiciosa da reforma previdenciária, mas com efeitos fiscais equivalentes à metade dos inicialmente contemplados.

Merece atenção o fato de que, nesse novo esforço de convencimento da opinião pública, o governo parece ter encontrado, afinal, a tecla certa, ao passar a enfatizar que se trata de eliminar privilégios indefensáveis. Pesquisas de opinião recentes sugerem que a resistência à reforma previdenciária vem diminuindo. Que, aos trancos e barrancos, a conscientização dos eleitores nesta questão vem avançando. E que a insistência no discurso irresponsável de oposição radical à reforma ficou muito mais onerosa.

Vale também notar que a mobilização do governo com a aprovação da reforma previdenciária vem tendo um papel ordenador importante, na formação de uma possível coalizão das forças políticas de centro para a disputa presidencial de 2018.

Tendo o Planalto conseguido que o PMDB, o PTB e o PPS se comprometessem a fechar questão na votação da proposta, o PSDB viu-se, de repente, constrangido a abandonar as lamentáveis restrições, escancaradamente corporativistas, que vinha fazendo à proposta. Instado por Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin, o partido decidiu, afinal, fechar questão a favor da aprovação da reforma. Mesmo que não impeçam as indisciplinas de praxe, esses compromissos partidários de cerrar fileiras na defesa da reforma representam passo promissor para possível aglutinação das forças políticas de centro na eleição presidencial.

Com a proximidade do recesso parlamentar e as dificuldades de assegurar os 308 votos requeridos para aprovação em dois turnos da emenda constitucional requerida na Câmara, a votação da reforma teve de ser adiada para fevereiro. E pode até ser que nem em fevereiro seja votada.

Mas, mesmo que não seja, a mobilização do governo com a reforma lhe terá rendido fartos dividendos políticos. Terá sido o que permitiu ao Planalto sair das cordas, recuperar a iniciativa política, influir de maneira decisiva na forma como as forças políticas de centro deverão se apresentar na disputa presidencial e, ainda, manter os mercados esperançosos com a possibilidade de avanço da reforma.

Será muito bom para o País se um efeito adicional da frenética mobilização do Planalto com a reforma previdenciária, no apagar das luzes de 2017, acabar sendo a transformação do problema de financiamento da Previdência Social na questão central da campanha eleitoral do ano que vem.

A esperança é de que a disputa presidencial de 2018 seja menos escapista que as campanhas presidenciais anteriores. E exija que os candidatos discutam o que verdadeiramente importa. Que se posicionem sobre a superação da crise fiscal e a importância da reforma previdenciária para que as contas públicas possam ser mantidas sob relativo controle.

* Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio

 


Míriam Leitão: Aperto no cinto

O adiamento da reforma da Previdência e de outras medidas do ajuste fiscal vai levar o governo a apertar ainda mais o cinto em 2018. A aprovação da reforma traria uma economia em torno de R$ 5 bilhões no ano que vem, o mesmo valor estimado para o adiamento do reajuste dos servidores. Como o governo precisa cumprir o teto de gastos, isso quer dizer que R$ 10 bilhões de outras despesas terão que ser cortados.

A avaliação de uma fonte da equipe econômica é de que ainda há grande chance de aprovação da reforma em fevereiro. Apesar da volatilidade na bolsa e no câmbio, a visão é que o mercado financeiro segue dando um voto de confiança ao governo. A bolsa e o dólar caíram menos de 1%, e o risco-país ainda permanece muito abaixo dos piores momentos da crise (veja o gráfico).

Um dos argumentos usados pelo governo para tentar convencer a base aliada a aprovar a reforma é que o cenário de rejeição do texto será de enorme estresse na economia em pleno ano eleitoral. Ou seja, se aprovar a mudança nas aposentadorias pode ser impopular, um quadro de piora na recuperação também terá efeito adverso sobre as urnas. Muito além do impacto no mercado financeiro, o aumento do contingenciamento irá paralisar obras, adiar investimentos, e prejudicar o funcionamento de diversos órgãos que prestam serviços diretos à população, como a Receita e a Polícia Federal, que faz a emissão de passaportes.

— O ano eleitoral já não será de aumento de gastos públicos, como tradicionalmente acontece no Brasil. O Orçamento de 2018 prevê uma queda na despesa primária do governo, de 19,9% do PIB para 19,1%. Sem a aprovação da reforma da Previdência, haverá estresse forte, que vai afetar a recuperação da economia — afirmou.

Uma boa notícia é que os sinais são de recuperação da arrecadação neste segundo semestre. Se de janeiro a julho só não houve frustração de receitas em um único mês, desde agosto está acontecendo o contrário, com crescimento real em torno de 3% a 4% sobre o ano anterior, acima do esperado.

Mesmo assim, a preocupação continua grande entre especialistas em contas públicas. Fábio Klein, da Tendências Consultoria, teme que o governo não consiga cumprir a regra do teto no ano que vem, por causa do adiamento das medidas de ajuste. Se isso acontecer, o Orçamento de 2019 sofrerá uma série de restrições, que vão praticamente paralisar o início do novo governo eleito.

Voto de confiança
Apesar das incertezas, o risco-país não sofreu grandes oscilações. O CDS de cinco anos, espécie de seguro contra maus pagadores, estava ontem em 167,4 pontos, pouco acima do menor nível no ano, os 162 pontos registrados semana passada. Nos piores momentos de 2015, o CDS chegou a 533 pontos.

No meio do caminho
Um dos temores do economista Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas, é que a reforma seja aprovada apenas em uma das duas Casas do Congresso no ano que vem. “O calendário é apertado para passar na Câmara e no Senado. Em fevereiro há carnaval, em março, haverá muita troca de partidos com a janela partidária e a reforma como está apresentada não vai resolver os problemas da Previdência. Então, em 2019, um novo governo eleito poderia apenas concluir esta votação, e o desequilíbrio continuaria”, explicou.

ACELERADO. Giambiagi diz que o número de mulheres que se aposentam por tempo de contribuição tem crescido 6% ao ano. Acha inevitável igualar as regras. “Em 1994, eram 300 mil. Hoje, há 1,8 milhão de mulheres aposentadas por contribuição”, disse.


Míriam Leitão: À espera da reforma

A reforma da Previdência ficará para o ano que vem. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) será lido em plenário nesta quinta-feira e discutido no início da próxima semana. A avaliação feita na Câmara é de que não há tempo nem apoio para aprovação. O governo acredita que ao voltar para suas bases os parlamentares encontrarão mais apoio à reforma e que isso pode elevar o número de votos favoráveis.

O Brasil precisa da reforma da Previdência. Todo partido no governo sabe disso. É por isso que todos propõem mudanças. O PT no poder aprovou uma reforma, na oposição faz proselitismo com o assunto para atender a grupos de interesse, trabalhadores de maiores salários e servidores públicos. O PSDB fez a primeira reforma, votou na do ex-presidente Lula, mas agora está dividido. Certas mudanças têm sido feitas a várias mãos por adversários políticos.

A proposta do governo Temer é uma tentativa de fazer valer e ampliar as reformas dos governos Lula e Dilma. Lula estabeleceu que servidor público federal que entrasse a partir de 2003 não teria paridade nem integralidade. Por trás desses nomes há absurdos que não existem no mundo, ou seja, o direito de o servidor se aposentar com o último salário e ter reajustes de acordo com quem está na ativa.

Lula acabou com isso e estabeleceu que o servidor também ganharia pelo teto do INSS e acima disso por um fundo. Mas houve dois problemas: primeiro, só estabeleceu a regra para servidores federais, e não para os de outras esferas administrativas. Segundo, o fundo de pensão dos servidores, proposto pela reforma lulista, não foi regulamentado e por isso não ficou valendo. A ex-presidente Dilma complementou a reforma de Lula e em 2013 criou o Funpresp. Foi por lei complementar, então tem sido contestado. O ex-presidente Lula também estabeleceu a idade mínima para funcionário público. O problema é que foi aprovada uma lei complementar que permitiu o desconto de um ano nessa idade mínima, a cada ano a mais trabalhado além dos 30 e 35 anos de contribuição. Na prática, os servidores têm se aposentado com idade abaixo da mínima.

A reforma do governo Temer, para os servidores, completa as mudanças de Lula e Dilma. Confirma o fim da paridade, integralidade, e a idade mínima, e a estende para os estados e municípios. Isso ajuda muito nos sistemas estaduais. As Forças Armadas, PMs e Bombeiros não entram na reforma. Professor tem idade mínima de 60 anos. No geral, o que faz a proposta de Temer é ampliar e confirmar o que havia sido decidido nos governos dos seus, hoje, arqui-inimigos.

No segundo mandato, a ex-presidente Dilma também tentou fazer mudanças no sistema de aposentadorias, quando propôs através da MP 664 reduzir o valor recebido pela viúva ou viúvo. Foi muito alterado no Congresso e foi usado como veículo para acabar com o fator previdenciário, que fora criado no governo tucano e, ao ser derrubado, contraditoriamente, teve o voto tucano. Na reforma de Temer esse assunto voltou. A proposta agora é que a pensão seja a metade do valor do benefício com o acréscimo de 10% do dependente. A reforma proíbe acumulação de pensão e aposentadoria que juntas somem mais do que dois salários mínimos. Esse valor cobre 65% dos aposentados do INSS.

Para os trabalhadores do setor privado, a reforma de Temer continua o que o governo Fernando Henrique tentou e não conseguiu: estabelecer a idade mínima. A de agora começa a valer em 2020, com 53 anos e 55 anos, e só chegará aos 62 e 65 dentro de 20 anos.

Outra mudança proposta é a do valor do que vai ser recebido por quem estiver se aposentando no regime geral. Antes era a média dos 80% dos salários, o que excluía os menores, do começo da vida profissional. Agora é média de 100% dos salários recebidos. Com 15 anos de contribuição, o benefício será 60% desse valor, e só se chega ao valor integral com 40 anos de contribuição.

A reforma foi reduzida mas ainda permanece importante para indicar a tendência das contas públicas. Quem hoje faz oposição à reforma, quando for governar o Brasil, fará proposta parecida. Os políticos de oposição sabem disso, mas têm preferido a incoerência com o que fizeram no passado, e a demagogia.

 


José Aníbal: A razão de ser do PSDB é reformar o Estado a favor do Brasil

Votar a favor da reforma da Previdência é a atitude mais republicana, patriótica e responsável que qualquer político brasileiro pode tomar nos dias atuais.

Nenhum debate tem hoje relevância maior do que esse, seja por combater os privilégios da elite burocrática – que se aposenta mais cedo e com ganhos muito superiores do que a imensa maioria dos trabalhadores do setor privado –, seja por garantir a sustentabilidade financeira do sistema, evitando que nossos filhos e netos paguem pela inércia da nossa geração.

Como bem definiu o economista Paulo Tafner, se mantivermos as atuais regras da previdência, que pioram a distribuição de renda em vez de melhorar, a previdência pode até não quebrar, mas o Brasil quebra e quem pagará por isso serão os mais pobres. Para honrar as gordas aposentadorias do funcionalismo público, o governo teria de cortar investimentos em saúde, educação, segurança, saneamento...

Quem pode ser a favor disso, a não ser esses privilegiados?

Reformar a Previdência é libertar o Estado e os contribuintes das amarras do corporativismo do funcionalismo público, cujo lobby foi poderoso na elaboração da Constituição de 1988 e ainda hoje se faz presente nos corredores do Congresso.

Em seus quase 30 anos de história, o PSDB sempre atuou como foco de resistência ao patrimonialismo e ao corporativismo. Nossa bandeira histórica é reformar o Estado, torná-lo capaz de cumprir suas obrigações fundamentais com o povo e, ao mesmo tempo, assegurar um ambiente favorável à livre iniciativa e ao capitalismo.

Não existe meio-termo nessa questão: é simplesmente inaceitável, incoerente e demagógico um representante do PSDB se recusar a dar seu voto à reforma da Previdência.

Combater privilégios, ter responsabilidade fiscal e atitude republicana não é posição que pode mudar conforme o sabor do vento – deixemos essa demagogia ao populismo lulopetista.

Votar a favor do que é melhor para o Brasil trata-se, isso sim, da própria razão de ser do PSDB.

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB

 


Míriam Leitão: Contrarreforma

Concessões para convencer deputados a aprovar a reforma podem elevar o gasto. É preciso definir qual o propósito da reforma da Previdência. Se é para começar a reorganizar as contas públicas, ou se a mudança é apenas para dar ao presidente Michel Temer um argumento para ser chamado de reformista. Se for o primeiro motivo, não se pode fazer concessões exatamente na área fiscal porque isso elevaria gastos, dentro de um projeto que é para reduzir despesas. É contraditório.

Uma negociação política envolve moeda de troca, mas qual moeda é aceitável? É possível fazer mudanças no projeto, mesmo que ele se torne menos efetivo, como acabou acontecendo ontem. Isso significa economizar menos. É ruim, mas aceitável. O que não faz sentido é aumentar gastos. É isso que corre o risco de acontecer.

Dentro das mudanças aceitáveis o governo alterou as aposentadorias rurais, manteve o BPC como está e tirou a DRU da Previdência. Já a idade mínima começará a valer em 2020. Em 2037 chegará nos 62 anos para mulher e 65 anos para homem. Com isso, daqui a 20 anos o Brasil terá a idade mínima praticada hoje em países como Chile, México, Argentina. É ruim, mas isso já é concessão antiga que foi consolidada ontem na apresentação do texto enxuto da reforma.

O que não faz sentido algum é, para aprovar a reforma, fazer concessão a quem deve à Previdência, como, por exemplo, os empresários do setor rural. Essa negociação começou quando o presidente quis se livrar da segunda denúncia do Ministério Público Federal. Temer deu o sinal verde para negociar, postergar e dar desconto na dívida de R$ 17 bilhões das grandes empresas do agronegócio com a Previdência. Um dos beneficiários foi o JBS. Claro que não se podia vetar apenas um grupo, mas não deixa de ser contraditório a empresa receber descontos e refinanciamentos neste momento de denúncias e acordos de leniência. As mudanças feitas no Congresso reduziram a dívida dos ruralistas para R$ 2 bilhões e agora falase que está sendo reaberto o balcão em torno desse passivo.

A “Folha de S. Paulo” de ontem trouxe a informação de que o ajuste fiscal está sendo comprometido para se aprovar a reforma. A negociação incluiria até a revogação do adiamento do reajuste ao funcionalismo. Ou seja, o governo aceitaria “recuar do recuo” do aumento que ele próprio concedeu logo que assumiu. Já havia concordado em tirar as Forças Armadas desse adiamento do reajuste, com o argumento de que os militares estão negociando uma reforma da Previdência só deles e por isso teriam que ter o aumento agora. É desconhecida a relação entre uma coisa e outra, mas foi esse o argumento à época. Agora, o reajuste para os civis também seria mantido para ajudar a aprovar a reforma.

A equipe econômica naturalmente é contra essa decisão porque desveste um santo para cobrir outro. Se o reajuste não for adiado, será necessário encontrar outra forma de arrecadar, ou cortar, perto de R$ 5 bilhões para se manter o déficit do ano que vem em R$ 159 bilhões.

De que vale a reforma se ela é ao mesmo tempo descaracterizada por dentro, pelas mudanças sequenciais na substância, e tem seus efeitos anulados por concessões fiscais em outras áreas? Se for a esse preço, o sentido da reforma passa a ser apenas o de criar a impressão de que foi feita para, assim, ser parte de um marketing político.

O trabalho de quem no governo está sinceramente tentando fazer a reforma da Previdência é muito dificultado pela atitude dos deputados. Eles sequer querem ouvir os argumentos racionais em favor da reforma porque ou estão prisioneiros dos seus guetos ideológicos ou estão apenas contando os possíveis votos da próxima eleição. Neste caso, o exercício do mandato se resume apenas a lutar por outro mandato, e perde a função de representação para o qual o parlamentar foi eleito.

O país está diante de uma situação complexa na Previdência. O déficit aumenta em escalada, estamos no início da onda de mudanças demográficas que a tornarão ainda mais cara e deficitária, o governo é fraco, mas a reforma é necessária. O problema é que para aprovar a reforma — mesmo esse projeto que foi bem reduzido — o Planalto está negociando concessões que podem, no final, tornar inútil todo o esforço de aprovação das mudanças.