reforma da previdência

Míriam Leitão: Viagem e reformas, agendas cruzadas

Paulo Guedes falou a língua do mercado, mas falta muito para entregar o que promete. No encontro dos presidentes, risco é o deslumbramento

O ministro Paulo Guedes falou a língua do mercado e agradou a uma plateia que estava querendo ouvir promessas de corte de gastos, reformas, privatização e abertura do mercado, mas muito do seu discurso precisa conversar com a realidade. O presidente Jair Bolsonaro fez uma crítica aos Estados Unidos, “onde a esquerda está crescendo”. Ele se referia ao Partido Democrata, que pode em 2020 governar o país. O inteligente em diplomacia é não se comprometer com forças políticas passageiras.

Na seu fluente discurso, Paulo Guedes impressionou, porque demonstrou conhecimento e rumo. O problema está nos detalhes. Quando ele diz que o Brasil privatizou aeroportos, pulou a parte de que tudo foi preparado pelo governo anterior. Quando diz que vai abrir a economia, é apenas intenção. Até agora em tarifa externa houve apenas a elevação da sobretaxa ao leite. Paulo Guedes disse que as informações que chegam aos EUA estão distorcidas, “porque vocês falam com os perdedores no Brasil”, e citou como exemplo de perdedores a “mídia estabelecida”. Na versão do ministro da Economia, as críticas que o governo recebe são porque está dizendo que vai privatizar ou porque o presidente está avisando que não pode mais roubar. A realidade é que o combate à corrupção foi feito pelas instituições e que o governo atual está devendo explicações sobre os casos que já surgiram. Outra negociação em curso, sobre a qual Guedes falou, foi a da entrada do Brasil na OCDE. A retirada do veto americano estava sendo negociado para ocorrer nesta viagem.

É importante falar de mudanças em curso, inspirar confiança e atrair investimentos. Esse é o papel do ministro da Economia. Este é um bom momento, e ontem a bolsa bateu em 100 mil pontos durante o pregão. Os investidores locais e estrangeiros estão ainda dando crédito de confiança ao governo, na expectativa de que ele cumpra pelo menos parte da sua agenda de liberalização da economia, redução do rombo fiscal, eliminação de entraves ao crescimento econômico e todas aquelas promessas resumidas no discurso de ontem de Guedes.

Mas se a bolsa sobe, as projeções do PIB estão derretendo. Ontem, o Focus trouxe uma queda da previsão do crescimento este ano de 2,28% para 2,01%. Há um mês era 2,48%. Há uma ano era 3%. O otimismo para 2019 está encolhendo. O IBC-Br teve um tombo de 0,41% em janeiro.

De concreto existe apenas a reforma da Previdência enviada ao Congresso, mas que não andará enquanto não for apresentado o projeto dos militares, que está sendo tratado diretamente entre o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e o presidente, Jair Bolsonaro. A equipe econômica torce para que fique pronta até quarta-feira, mas pode não ficar, por causa da viagem aos EUA. Bolsonaro terá hoje a reunião direta com Donald Trump, na qual qualquer erro custará caro. Os acordos foram negociados antecipadamente, como o usual, mas um compromisso ou uma palavra além do que for do nosso estrito interesse será prejudicial.

O pior risco é que a viagem acontece no momento em que o presidente e seus principais assessores na área externa estão ainda prisioneiros do deslumbramento com o trumpismo. Essa captura mental pode produzir confusões. Bolsonaro ainda não demonstrou nestes primeiros 70 dias ter adquirido o equilíbrio que o cargo exige.

A reforma da Previdência dos militares está sendo preparada para atender à velha reivindicação das Forças Armadas de correção de diferenças de níveis salariais entre eles e outros setores do funcionalismo. O risco é que a reforma aumente custos, em vez de diminui-los, e enfraqueça o argumento fiscal que tem sido usado.

Brasil e Estados Unidos estão anunciando os acordos previamente negociados nas áreas de comércio, investimentos e cooperação militar e do uso da base de Alcântara. Nada de incomum, mas o tom triunfalista usado lembra o da época do “nunca antes” do lulismo. A verdade é que as relações foram boas nos períodos das duplas Lula-Bush e Lula-Obama, FHC-Clinton. Os dois países têm interesses em comum, mas cabe ao Brasil não comprar a agenda alheia.

Não nos interessa brigar com a China, e tomar partido na guerra do 5G da telefonia celular, porque isso pode custar caro ao agronegócio brasileiro. Não nos interessa ser usados como bucha de canhão na ofensiva do governo americano contra Venezuela, Nicarágua e Cuba. A queda do governo Maduro é desejável por inúmeros motivos, mas o Brasil precisa se mover nesse xadrez da política internacional com sabedoria.


Marcus Pestana: Por uma previdência sem privilégios

O sistema previdenciário tem um papel fundamental para assegurar dignidade à vida do trabalhador que já esgotou sua capacidade laborativa. A previdência não era um problema tão grande no mundo inteiro porque a expectativa de vida era pequena e havia muito mais jovens do que idosos. Isto mudou radicalmente. Não é uma questão ideológica. É uma questão atuarial e econômica. Prova disto é que o todo poderoso líder de direita da Rússia, Vladmir Putin, o centrista recém-eleito na França, Emmanuel Macron, e o líder de esquerda da Nicarágua, Daniel Ortega, propuseram reformas em seus respectivos sistemas previdenciários. Todos encontraram enormes resistências.

No Brasil, além das características universais, acumulamos distorções enormes que tornam o sistema absurdamente injusto e claramente insustentável.

Foi por entender a gravidade da situação que o PSDB e o Instituto Teotônio Villela promoveram, na última quarta-feira, um excepcional debate sobre a reforma da previdência com três grandes especialistas: o ex-ministro e ex-deputado Roberto Brant e os economistas Paulo Tafner, da FIPE, e Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal.

Roberto Brant, do alto de sua experiência e qualidade intelectual, realçou a centralidade da reforma da previdência não só para inevitável ajuste fiscal, mas principalmente para que se abra espaço para a retomada do crescimento e dos investimentos, assim como para a recuperação de outras políticas públicas essenciais como as de educação, saúde e segurança, hoje estranguladas. Colocou enfaticamente que é preciso construir uma narrativa sólida e convincente, esclarecer a população, dialogar com a sociedade e com o Congresso Nacional e agir com coragem. Realçou ainda sua convicção que se o Presidente Jair Bolsonaro não chamar para si a liderança do processo, usufruindo do cacife político conquistado nas urnas, as chances de aprovação são mínimas ou teremos uma reforma tão desidratada, que nem vale a pena fazer. Num caso ou outro, as perspectivas para o país, para o próprio governo federal e para estados e municípios serão sombrias.

Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, e Felipe Salto desfilaram números, comparações, evidências, que demonstraram sobejamente que o sistema previdenciário brasileiro é injusto e insustentável. Falarei disso no próximo sábado.

Com base na rica discussão e por entender que essa reforma não é do governo, de um partido, mas sim uma necessidade nacional, o PSDB decidiu formar um grupo de trabalho para no prazo de 15 dias, explicitar quatro ou cinco pontos dos quais não abre mão e as mudanças que vai sugerir, principalmente em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural.

O mote central será “uma previdência sem privilégios”. O PSDB, embora não seja da base do governo, quer apoiar uma reforma robusta, mas corrigindo as distorções da proposta enviada ao Congresso. O PSDB quer agir com convicção e coragem política em favor das mudanças necessárias e inadiáveis.

Isso, por saber que fora da reforma repetiremos experiências como as da Grécia e de Portugal e decretaremos o sequestro do horizonte de nossos filhos e netos, com o empobrecimento do Brasil, baixo investimento, crescimento medíocre, desemprego alto e governos falidos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


O Estado de S. Paulo: Guedes diz que metade dos servidores vai se aposentar e descarta concursos 

‘Me ajuda a fazer a reforma da Previdência que o dinheiro cai naturalmente’ afirma ministro sobre governadores

Stephanie Tondo, de O Estado de S. Paulo

RIO - O ministro da Economia, Paulo Guedes afirmou na manhã desta sexta-feira, durante evento na Fundação Getulio Vargas, que o governo conta com o apoio dos entes federativos (estados e muncípios) para aprovar a reforma da Previdência . Guedes disse ainda que o governo não pretende realizar concursos públicos nos próximos anos, apesar da previsão de que muitos servidores vão se aposentar.

— Cerca de 40% a 50% do funcionalismo federal irá se aposentar nos próximos anos, e a ideia é não contratar pessoas para repor. Vamos investir na digitalização.

De acordo com Guedes, a recuperação econômica do país depende da aprovação de medidas efetivas, como a reforma da Previdência, e a revisão do pacto federativo com estados e municípios. Sobre a dificuldade financeira enfrentada por governadores e prefeitos, o ministro afirmou que, sem aprovação da reforma, não haverá possibilidade de ajuda da União:

— Me ajuda a fazer a Reforma, que o dinheiro cai naturalmente — disse.

Guedes destacou ainda a importância de desvincular os orçamentos dos limites mínimos constitucionais e dar mais autonomia para que estados e municípios, em conjunto com o Legislativo, organizem o orçamento de acordo com suas necessidades específicas.— Nosso diagnostico é que o descontrole sobre gastos públicos corrompeu a política e estagnou a economia. A culpa da degeneração política é da economia — declarou o ministro, acrescentando que acredita que esta mesma classe política está amadurecendo:

— Assumam o orçamento, senhores. É preciso reabilitar a classe política brasileira.

Sobre a reforma da Previdência, Guedes afirmou que o regime de repartição, atualmente utilizado no Brasil e pelo qual os trabalhadores da ativa contribuem para financiar os benefícios de quem está aposentado, é um sistema insustentável.

‘O regime de repartição já quebrou’
Ele defendeu a migração para o modelo de capitalização, no qual cada trabalhador contribui para seu próprio fundo de aposentadoria. Pelos planos do governo, este novo modelo só será criado para novos trabalhadores, que não entraram ainda no mercado de trabalho.

Por isso, Guedes voltou a afirmar que a reforma da Previdência precisa economizar pelo menos R$ 1 trilhão, para ser viável criar o novo regime de capitalização.
— O regime de repartição já quebrou antes mesmo de a população envelhecer. Mas preciso de pelo menos R$ 1 trilhão para sangrar o sistema antigo, até que todo o sistema chegue na capitalização.

De acordo com Guedes, é preciso "coragem" de implementar a capitalização, pensando nas gerações futuras.

— Se não temos coragem, vamos expor nossos filhos e netos à mesma armadilha do sistema previdenciário que vai cair.

Sobre as críticas ao modelo chileno de capitalização, Paulo Guedes alegou que o pais hoje cresce cerca de 6% ao ano graças à adoção do novo regime previdenciário.


César Felício: O mercado aposta em Maia e estuda Mourão

Aprovação de alguma reforma é dada como certa

Nada parece mover o inabalável otimismo no mercado financeiro em relação à aprovação de uma reforma da Previdência: nenhum vídeo obsceno postado pelo próprio presidente, nenhuma intriga alimentada por Olavo de Carvalho, nenhum tuíte inexplicável do vereador Carlos Bolsonaro, ou trapalhada do ministro da Educação. Acredita-se que há duas esferas no poder em Brasília: uma é a movida a estrondo e fúria, navegando no mundo da instantaneidade e do espetáculo e tem o próprio presidente como protagonista.

A outra é bifronte e eficaz: são protagonistas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto como o mais credenciado negociador da reforma da Previdência; e o vice-presidente Hamilton Mourão.
A banca não tem absoluta certeza, mas acredita que Mourão vocaliza e opera em nome de todo o grupo militar, visto como mais preparado e dotado de maior estratégia política do que Bolsonaro, sua família e seus aliados mais próximos, em um pacote que inclui o próprio ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O grupo militar seria a verdadeira espada e escudo de interesses que convergem para o mercado, frente ao qual o restante seria espuma. A contenção dos desvarios bolsonaristas em relação a Venezuela e transferência da embaixada para Israel seriam sinais eloquentes neste sentido.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, está fora da equação, e não por ser desimportante, ao contrário. Guedes não é visto ainda como um homem do mundo de Brasília, um dos beligerantes na conflagração por poder. Ele é um universo à parte, que montou uma reforma da Previdência sólida do ponto de vista fiscal, com muita gordura para negociar. Não deve, contudo, ser o condutor do processo de barganha.

A ansiedade do ministro em propor a emenda da desvinculação simultaneamente à reforma da Previdência, depois de a ter apresentado como "plano B", é vista mais como um sinal de sua inexperiência do que de sua visão tática.

Do ponto de vista do curto prazo para o mercado, Rodrigo Maia é a figura-chave. É descrito como o primeiro-ministro do governo, o operador para se garantir a aprovação de algo entre 50% e 80% da meta de Guedes em relação à reforma.
No pacote a ser tocado por Maia no Congresso ainda estão a nova política em relação ao salário mínimo, com evidente impacto fiscal, e o represamento de aumentos para o funcionalismo dos três Poderes.

Quem busca estudar Mourão no mercado está preocupado com o longo prazo. Ele é visto, no mínimo, como um possível presidenciável em 2022, ao lado de outros nomes como o de Bolsonaro, Moro, Doria e do próprio Rodrigo Maia. Em um cenário extremo, como uma alternativa ao atual presidente antes do fim do mandato. Os exemplos da década deixaram o sistema financeiro atento em relação a eventuais pontes para o futuro.

Um dos pontos que chamaram a atenção no vice é a sua transformação, como se Mourão buscasse estabelecer alguma espécie de contraste em relação ao titular do cargo. Durante a campanha eleitoral, sobretudo no período que precedeu a facada de Juiz de Fora, não foi o que se viu: Mourão fez declarações de caráter antidemocrático e que denotavam preconceito racial. Atrapalharam e muito a campanha de Bolsonaro. A questão que cabe no momento é qual o motivo para existir agora um vice que é a voz do bom senso, um comentarista permanente de todos os fatos que tenham relação direta ou remotíssima com o governo.

Supremo
Há um autoritarismo de baixo para cima, um clima de revolução cultural maoísta alimentado pelas redes sociais no Brasil, mas com o sinal trocado. Na China dos anos 60 eram colados em muros pela Guarda Vermelha, os 'dazibaos', onde a elite intelectual e administrativa do País era acusada de traição ao grande timoneiro. A instabilidade era permanente, dado o macartismo às avessas em que qualquer um acusava quem quer que fosse de qualquer coisa, sem blindagem possível.

Em baixa sempre estão a tolerância, o respeito às instituições como mecanismo de solução de controvérsias, a mediação política, a veiculação da informação com responsabilidade.

Por mais mesquinhas que sejam suas motivações, não é possível dissociar deste quadro a iniciativa do presidente do STF, Dias Toffoli de instaurar uma investigação de ofício sobre 'fake news' contra os ministros do Supremo.

À parte tudo isso, é preciso ponderar sobre a gravidade da decisão de ontem da Corte, que tornou crimes comuns passíveis de serem julgados pela Justiça Eleitoral. É claro que abriu-se uma porta para se afrouxar o combate à relação espúria que se estabeleceu entre políticos e o empresariado.

Talvez seja precipitado cravar que a decisão signifique o fim de uma era, como festejam petistas e deploram os protagonistas da Operação, mas o sentido da decisão é incontroverso.

Não há dúvida sobre a colocação de um limite crucial no poder do Ministério Público, a três dias do quinto aniversário do começo da Operação. Travou-se ontem uma disputa de poder, como mencionou Gilmar Mendes.

A indignação das redes sociais contra um STF que poda a Lava-Jato torna-se um catalisador para reações em cadeia. No âmbito do Congresso, a movimentação começou pelo Senado. Conforme registrou Cristiane Agostine e Carolina Freitas no Valor Pro, o líder do PSL na Casa, Major Olímpio, apresentou um projeto de lei para retirar da Justiça Eleitoral o julgamento de crime comum. Outro senador, Alessandro Vieira (PPS-SE), articula uma CPI "Lava Toga". Um terceiro, Lasier Martins (PSD-RS), emprestou o gabinete ontem para o advogado Modesto Carvalhosa protocolar mais um pedido de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes.

O Judiciário terá que resistir a uma ofensiva muito mais consistente do que qualquer quartelada que envolva um cabo e um soldado.


Zeina Latif: Menos Brasília?

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas

As políticas públicas da União, Estados e municípios não são independentes entre si; umas impactam as outras. Sem a devida coordenação, geram desperdícios, ineficiências e perda de bem-estar da sociedade. A ação dos entes da federação necessita de regras que definam a divisão de poder, direitos e obrigações, visando o bem comum. É disso que trata o chamado pacto federativo.

O debate sobre a revisão do pacto federativo é antigo, e gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.

A Constituição de 1988 promoveu significativa descentralização da arrecadação federal em favor de Estados e municípios, via transferência de recursos, mas sem redistribuir simultaneamente a responsabilidade sobre os serviços públicos. Com despesas e obrigações crescentes geradas pela Carta, a União reagiu com o aumento da carga tributária. Além disso, ao longo dos anos, promoveu-se o aumento das obrigações estaduais e municipais em gastos sociais, apertando o orçamento destes entes.

Outro sério problema foi que as regras de repasses estimularam a criação de municípios via emancipação de distritos. O resultado foi uma pior alocação de recursos públicos. Atualmente, a principal fonte de recursos de 60% das prefeituras é o Fundo de Participação dos Municípios, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas, em parte por fatores estruturais. O ICMS tornou-se um imposto obsoleto, como ensina José Roberto Afonso. Sua capacidade de arrecadação é decrescente devido às mudanças no setor produtivo, como o maior peso do setor de serviços. Um sério agravante é a chamada guerra fiscal entre os Estados – redução do ICMS para atrair investimentos produtivos. A arrecadação cai há décadas. Uma reforma tributária mudando o regime do ICMS (cobrar no destino sobre o valor agregado) é urgente e essencial na discussão do pacto federativo. Como está hoje, todos perdem.

Esse quadro se agravou na gestão Dilma. O governo federal, equivocadamente, promoveu renúncias tributárias em impostos compartilhados, para estimular a economia. Além disso, estimulou a leniências fiscal dos entes ao autorizar o aumento do endividamento com aval da União e reduzir exigências para receber os repasses. Ainda que deletérios, esses fatores não são a real razão da crise dos Estados, que decorre de decisões equivocadas na contratação de servidores e aumentos de salários acima dos ajustes no setor privado. O maior endividamento não resultou em aumento de investimentos, mas sim em gastos com a folha.

Em grave crise, a maioria dos governos estaduais pressionam por ajuda do Tesouro Nacional.

Não há espaço para transferir mais recursos tributários aos entes, por conta do rombo fiscal da União. Tampouco seria uma decisão sábia até que reformas estruturais mudem a dinâmica dos gastos nos Estados e municípios. Seria água no ralo.

O governo acena com outro tipo de ajuda: garantias da União para novos empréstimos aos Estados, mesmo sem contarem com nota de crédito suficiente para ter direito ao aval. Não parece medida adequada antes de ações concretas para cortes de despesas e aprovação da reforma da Previdência.

Além disso, propõe-se reduzir a rigidez orçamentária eliminando regras constitucionais que regem o orçamento, o que impactaria basicamente gastos com saúde e educação. O debate é necessário, mas o impacto da medida é limitado, não vai salvar ninguém, pois o grande peso no orçamento é a folha de ativos e inativos. O tema é polêmico e será difícil o Congresso aprovar sem um amplo debate.

Acredito que um outro debate deveria ser o de inserir meritocracia nos repasses aos entes. Estados e municípios que fazem boa gestão e têm bons resultados em termos de qualidade do serviço público deveriam ser premiados.

Rever o pacto federativo não é sinônimo de socorrer Estados. Se o lema é “menos Brasília e mais Brasil”, os Estados precisam fazer sua parte, adotando medidas para elevar a arrecadação e conter despesas. Sem isso, vamos continuar a assistir as visitas periódicas dos entes subnacionais à Brasília pedindo ajuda.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Ivan Alves Filho: Notas brevíssimas sobre o momento atual

1. A política a ser implementada no tocante ao papel do Estado incorpora em boa medida a compreensão de que os setores industriais privados têm de receber incentivos por parte do capital público. Uma vez atingida a fase do chamado Capitalismo Monopolista de Estado — e isso, a rigor, já vem se verificando desde a Primeira Guerra Mundial —, é impossível imaginar um retorno puro e simples à livre concorrência e ao predomínio das chamadas forças do mercado. São os limites do liberalismo econômico, em que pesem seus grandes méritos políticos, ao afirmar o espaço relativo ao individuo frente aos poderes do Estado. Vale dizer, há setores da atividade econômica que não são lucrativos e outros que exigem investimentos que ultrapassam a capacidade operacional do setor privado. E Estado moderno algum pode prescindir do planejamento público. Deixar de recorrer ao financiamento público é simplesmente impraticável para a sobrevivência da própria esfera privada. A esmagadora maioria dos investidores e empresários tem plena consciência dessa questão. Qualquer política de retomada do desenvolvimento ou saída da crise tem que ter total clareza quanto a isso.

2. Da mesma forma que nem toda ditadura é sinônimo de fascismo (apesar de todo fascismo ser uma ditadura), nem toda militarização se apresenta sob a cobertura de uma ditadura militar. Precisamos entender esse fato novo na política nacional.

3. A presença dos militares nesse início de governo Bolsonaro — oito dos 22 ministérios são ocupados por eles, salvo engano — é completamente desproporcional ao peso numérico das Forças Armadas na vida brasileira: são menos de meio milhão de homens fardados para cerca de 210 milhões de civis. A partir dai já podemos falar em militarização do governo, de consequências imprevisíveis para a sociedade, independentemente da qualidade dos quadros militares que integram a administração central.

4. Está em marcha uma espécie de Integralismo de caserna que tem por características principais o desprezo pela atuação parlamentar, a valorização da chamada moral tradicional, o nacionalismo estreito e o autoritarismo.

5. Não há a menor possibilidade de a oposição ter outro posicionamento que não seja propositivo. A era do slogan — que vende ilusão, simplesmente — esbarra no muro da realidade. O que de fato importa é a defesa intransigente da democracia, do mundo do trabalho e da cultura. E essa defesa passa seguramente pela reforma do Estado. Resta saber se a oposição compreenderá isso também.

6. O discurso populista pode ser bloqueado por uma política econômica antipovo. O discurso moralista, abafado pelo comportamento de alguns membros destacados do governo nas redes sociais. O discurso anticorrupção, derrotado pelas próprias práticas de corrupção. Nessa quadra, o inimigo principal do governo pode perfeitamente ser ele mesmo, caso não haja uma mudança substantiva de rumos.

7. O fato de o conservadorismo extremado ter um peso considerável na atual administração só reforça a necessidade de uma Frente Ampla reunindo o Campo Democrático em defesa dos valores da Civilização contra a Barbárie. Que fique bem claro que ditadura nenhuma é de esquerda e regime democrático nenhum é de direita. Essa é, cada vez mais, a nosso juízo, a linha divisória na sociedade brasileira de hoje. A democracia é o norte, sempre.

*Ivan Alves Filho é jornalista, historiador e autor de mais de uma dezena de livros, entre eles Memorial de Palmares e O caminho do alferes Tiradentes.

 


Míriam Leitão: Os limites da desvinculação

Discutir a desvinculação do Orçamento do governo é crucial, mas a promessa do ministro Paulo Guedes de liberar R$ 1,5 trilhão é inviável

O projeto de desengessar o Orçamento é crucial para a União, estados e municípios. O país está ficando ingovernável pelo volume de destinação obrigatória. Mas prometer que os políticos terão controle sobre R$ 1,5 trilhão, como fez o ministro Paulo Guedes, é vender uma ilusão. Há despesas que permanecerão sendo obrigatórias, mesmo se for aprovado o fim das vinculações. Desse total do Orçamento, R$ 637 bilhões são pagamentos ao INSS e R$ 350 bilhões são despesas de pessoal. Além disso, há R$ 60 bilhões de Benefício de Prestação Continuada, e mais R$ 44 bilhões de custeio da máquina pública, que já sofreu muitos cortes nos últimos três anos de crise. Não será trivial mexer nessas despesas.

É preciso entender a importância da tarefa, mas não se vender terreno na lua. Primeiro: é fundamental enfrentar o problema do excesso de rigidez orçamentária. Vários economistas de candidaturas de pontos opostos do campo político defenderam isso nas últimas eleições. Segundo: não é verdade que os políticos poderão decidir sobre R$ 1,5 trilhão porque mesmo desvinculando eles não poderão, por exemplo, decidir não pagar aposentadorias e salários, entre outras diversas despesas.

O projeto, se for bem-sucedido, evitará que o Brasil bata contra um muro. E o país está indo velozmente na direção desse muro. No Orçamento de 2019, 90,4% são despesas obrigatórias. E vem crescendo ano a ano, reduzindo o espaço do executivo e do legislativo. Já há estados em que a soma dos gastos obrigatórios é maior do que a receita. Há muitas perguntas que precisam de respostas: em quais despesas é possível mexer? Como ampliar o espaço de decisão para os representantes eleitos? A desvinculação reduzirá as receitas destinadas para as áreas essenciais como saúde e educação?

Paulo Guedes não está sozinho. Outros economistas vêm alertando para isso há muito tempo. A diferença é que ele diz que vai propor, e agora, em abril. Em tese, o ministro está correto. Mas não pode parecer que num passe de mágica, com uma PEC de nome bonito, PEC do pacto federativo, tudo se resolverá. “Os deputados vão entender que, em vez de discutir R$ 1,5 milhão ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão do Orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados”, disse ele na entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo”.

Os parlamentos foram criados exatamente para que representantes do povo pudessem decidir sobre a destinação dos recursos públicos. Na escassez, cada setor quis garantir a sua parcela. Mas quando a soma das parcelas fica maior que o todo, o caminho é aumentar o endividamento ou elevar os impostos. Municípios e estados estão mal, e isso parece música para os ouvidos, mas eles também sabem que terão que continuar cumprindo inúmeras obrigatoriedades de destinação, mesmo se a PEC foi aprovada.

Embutido nesse projeto há um novo programa de ajuda aos estados, o Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF), que será enviado via Projeto de Lei. O Regime de Recuperação Fiscal tinha exigências para a entrada que tornavam muito difícil a execução. O novo fará também exigências de contrapartidas, mas pode ajudar mais estados. É o que Guedes chamou de “balão de oxigênio” na sua entrevista de domingo.

Inicialmente, o ministro se referiu a esse projeto para desamarrar, desindexar e desvincular o Orçamento como o Plano B. “O bonito é que se der errado pode dar certo. Se der errado a aprovação da reforma da Previdência, é bastante provável que a classe política dê um passo à frente e assuma o comando do Orçamento”, disse em janeiro.

Foram dois erros numa declaração só. A reforma da Previdência precisa dar certo e esse projeto não pode ser a compensação caso a reforma não seja aprovada. São igualmente importantes para construir um novo marco fiscal do país. A PEC que proporá a mudança no Orçamento precisará de muita negociação, porque será natural que as bancadas de defesa da educação e da saúde, entre outras, briguem contra a mudança. Pela reação que provocará, pelo tempo de convencimento que exigirá, o risco é desviar o foco da reforma da Previdência, que é a tarefa da vez. Nada aconteceu desde que o projeto da Previdência de Bolsonaro chegou ao Congresso. Hoje se instala a CCJ. Será muito difícil para o governo travar duas batalhas econômicas ao mesmo tempo.


Vera Magalhães: Primeiros passos

Começou a desanuviar o ambiente para o governo no Congresso. Nada que assegure, por ora, a maioria necessária para votar a reforma da Previdência – nem próximo disso, na verdade. Mas começa a ser debelado o franco mal-estar que havia, e que se traduzia na armação de arapucas para derrotar o Executivo em votações. Aconteceu no decreto do sigilo dos documentos, e outra mina terrestre foi armada nas emendas à medida provisória que reestruturou os ministérios. “Se votar hoje, o governo, como foi concebido por Bolsonaro, desmorona”, resumiu um veterano de Congresso.

Não será votada tão cedo, mas a MP, com todas as armadilhas, está lá, com prazo contando, como um lembrete. E o recado é que deputados e senadores querem saber do governo se ele os vê como aliados ou inimigos a serem exterminados. Não se trata da emenda “x” ou do cargo “y”, mas do princípio.

O que Rodrigo Maia levou a Bolsonaro na conversa que tiveram no fim de semana foi que os deputados temem que aprovem os projetos do governo num dia e, no seguinte, sejam “asfixiados” em suas bases, sem ter que prefeitos sejam atendidos pelos ministros, recursos sejam liberados, enfim, que tenham ferramentas para exercer os mandatos.

Bolsonaro demonstra começar a entender a necessidade de fazer política, mas ainda se mostra muito apreensivo com a quebra de discurso junto ao seu eleitorado mais radical. De certa forma, ainda é refém do discurso de campanha – que incorre diariamente no erro de reafirmar nas redes sociais.

CASO MARIELLE
Separação de investigação em fases mostra olho no calendário

A falta de respostas quanto aos mandantes e as motivações do assassinato de Marielle Franco por parte da polícia e do Ministério Público do Rio de Janeiro evidenciou certa pressa em efetivar a prisão preventiva dos acusados da morte da vereadora e do motorista Anderson Gomes antes da efeméride de um ano da execução.

NOS EUA
Ex-presidenciáveis debatem 3 meses de governo Bolsonaro

Um dos painéis da Brazil Conference at Harvard & MIT, em Boston (EUA), reunirá pela primeira vez desde as eleições três ex-presidenciáveis para discutir o governo de Jair Bolsonaro. Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Henrique Meirelles (MDB) estarão juntos no debate Visões do Brasil Pós-Eleições, no dia 7 de abril.

TUDO PARADO
Paralisia ideológica do MEC ameaça avaliações

Técnicos do Ministério da Educação estão de cabelo em pé diante do risco de que a paralisia administrativa da pasta, provocada pela guerrilha ideológica que esvaziou o ministro Vélez Rodríguez e mostrou uma completa balcanização na divisão de cargos, ameace a série histórica de avaliações importantes. Em outubro ocorre a aplicação do Saeb Alfabetização, para alunos do 2.º ano do Ensino Fundamental, e do Saeb para 5.º e 9.º anos do Fundamental e 3.º ano do Ensino Médio. No caso do 2.º ano, será a primeira prova para avaliar o cumprimento da meta de alfabetizar as crianças nesta idade. É a primeira já de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. O processo de elaboração dessas provas, pelo Inep, é longo e o governo anterior definiu que a prova será complexa, com questões de múltipla escolha e abertas, para avaliar Língua Portuguesa e Matemática. Isso está parado. Na prova do 9.º ano, será a primeira vez que haverá avaliação em Ciências.


Eliane Cantanhêde: Toma lá, dá cá

Proposta dos militares tira na Previdência e põe nos soldos. Guedes quer “conta zero”

A proposta das Forças Armadas para a previdência dos militares é, na verdade, um pacote que tira de um lado (o da previdência) e põe no outro (nos soldos). A intenção é cobrar cota de sacrifício até de pensionistas, mas criando gratificações para os da ativa que fizerem cursos, como compensação para perdas acumuladas há décadas.

“Sempre perguntam se nós não vamos contribuir com a reforma. Mas nunca deixamos de contribuir”, diz o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para ele, os militares são sempre os primeiros a sofrer cortes, “para o bem do País”, e acabaram com soldos muito defasados em relação à inflação e às carreiras de Estado. “Em relação ao Judiciário e ao Legislativo, nem se fala.”

O ministro entrega nesta semana a proposta dos militares à equipe econômica e à área jurídica do governo e estima levá-la ao Congresso até início de abril. Esse é um passo importante para esvaziar as desconfianças dos parlamentares, inclusive da base aliada, que resistem a privilégios para militares.

Azevedo e Silva foi pessoalmente à residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta-feira passada, não só para antecipar a ideia geral da proposta para os militares como para falar das compensações: “Vamos subir a receita, mas também equilibrar melhor as despesas”, resumiu.

Maia pensa como o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho: os militares não podem aproveitar a reforma para compensar defasagens antigas. No mínimo, a conta tem de zerar. Pelo projeto, só vai zerar no quinto ano. Até lá, eles ficam no lucro.

Além de aumentar o tempo de contribuição dos militares, de 30 para 35 anos, a proposta prevê aumento da alíquota para todos, de 11% para 14%, com um detalhe: viúvas, cadetes e recrutas, hoje isentos, também passarão a contribuir com o mesmo porcentual.

Do outro lado, está a recuperação de uma das vantagens perdidas com a MP 2215, do final do governo FHC, mexendo nas gratificações pelos vários cursos que, sargentos ou oficiais, eles têm de fazer ao longo da carreira. Gratificação não tem impacto na previdência, aumento de salário teria. Está descartada a volta de auxílio-moradia, pensão para as filhas, ida para a reserva com um posto acima e licença especial.

Uma facilidade para aprovação do pacote militar, conforme enfatizou o próprio presidente Jair Bolsonaro, é que não precisa emenda constitucional, só projetos de lei. É fato, mas não exagera! Uma semana na Câmara e outra no Senado, só em sonho.

O grande esforço não só das Forças Armadas, mas da própria cúpula do governo – até porque as coisas se confundem – é martelar que os militares não estão incluídos no regime de previdência. Têm regime próprio e, aliás, estão fora das normas trabalhistas: não têm hora extra, adicional noturno, adicional de periculosidade.

Se elas tivessem esses benefícios, um tenente atuando na fronteira com a Venezuela ou nas enchentes na BR 163 (Cuiabá-Santarém) mais do que dobraria seu salário – que é mais baixo do que seus correspondentes civis no serviço público.

Uma terceira frente, além dos soldos e da previdência diferenciada, é o orçamento para as atividades-fim e os projetos estratégicos do Exército, Marinha e Aeronáutica que, como diz o ministro, “precisam de condições para sustentar a paz”.

Ter Bolsonaro, oito militares no topo do Executivo e mais de cem no segundo escalão é faca de dois gumes: é bem mais fácil para as três Forças defenderem seus pleitos no governo, mas gera desconfianças e confrontos fora dele. Principalmente quando se vende o militar como santo e o político como demônio. É melhor para o governo e para o presidente calibrar melhor o tom. A reforma passa e o Brasil ganha.


Gui Mends: Reforma tributária como condição para o aumento da renda

“O Brasil está ficando mais pobre. Entre 1995 e 2016, países emergentes cresceram 127% em renda por trabalhador; os EUA, 48%. O Brasil cresceu apenas 19%”, disse o economista Marcos Lisboa em sua fala de abertura no Seminário sobre Reforma Tributária no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito, em dezembro do ano passado. Com efeito, uma parte relevante de nosso fracasso de produtividade econômica se deve, de um lado, à complexidade de nossa legislação tributária e, de outro, a oportunismos fiscais que geram distorções econômicas e iniquidades tributárias entre as classes mais baixas e mais altas.

O processo de simplificação tributária, já ocorrida nos países desenvolvidos há décadas, com a criação de um imposto único sobre o valor agregado, pode endereçar esses problemas de forma simples e eficiente – resta saber se, em 2019, essa pauta finalmente avança no Congresso.

A legislação é de fato complexa e seus números impressionam. Desde a promulgação da Constituição de 88, foram editadas, em média, por dia, 3 normas tributárias federais, 11 em nível estadual e 17 em nível municipal – colocando o Brasil entre os 10 piores países do mundo para se pagar impostos, segundo o Banco Mundial.

Apesar dessa montanha de leis gerada pelos 5.598 entes federativos brasileiros (União, Estados, Municípios), a insegurança jurídica permanece. Estima-se R$ 4 trilhões (66% do PIB do Brasil) de contencioso tributário e mais alguns bilhões em créditos tributários a empresas sem qualquer previsão de recebimento.

Essa insegurança tende a crescer à medida que as normas de nosso sistema tributário permanecem intactas a cada legislatura. Este fato aliado ao oportunismo fiscal desincentivam o investimento estrangeiro e a sobrevivência de empreendedores mais produtivos, o que prejudica o ambiente de negócios e a renda por trabalhador.

No Brasil, as regras do jogo incentivam o oportunismo e protegem empresas pouco produtivas, o que vai na direção contrária do capitalismo e das economias de mercado. Nos países da OCDE, a diferença de produtividade entre empresas é, no máximo, de 2 a 3 vezes. No Brasil, a diferença média é de 5 vezes. Isso quer dizer que empreendedores pouco produtivos conseguem se manter ativos no mercado brasileiro, enquanto em outros mercados competitivos teriam falido e estariam fora do jogo.

Isto só acontece aqui porque várias empresas improdutivas utilizam mecanismos tributários para se manterem mais competitivas que empreendedores verdadeiramente produtivos. Esses mecanismos contêm benefícios fiscais, regimes especiais, isenções tributárias e as reduções de base de cálculo, e incidem, em grande parte, sobre os impostos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins). Existe hoje um quase-consenso nas esferas públicas e privadas de que um imposto sobre o valor adicionado (IVA), estruturado conforme as melhores práticas internacionais, poderia resolver esses problemas.

Um bom IVA no padrão de países desenvolvidos (i) incide sobre uma base ampla de bens e serviços, com uma alíquota única sem distinção entre classificação de bens e serviços e com transparência para o cidadão; (ii) não contempla benefícios fiscais, e poucos regimes especiais; (iii) não é pago na origem, evitando a atual guerra fiscal interestadual do ICMS; (iv) onera as importações e desonera as exportações.

Uma solução com essas características foi proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido por Bernard Appy, que propõe um IVA denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). As suas principais características resolvem diretamente os pontos de problema da atual tributação, mantendo a carga tributária constante. O IBS, inclusive, já foi pautado e aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados no final de 2018, no formato de Proposta de Emenda à Constituição (PEC 293/2004). O desafio da próxima legislatura é levar ao plenário da Câmara uma reforma que está parada há mais de 50 anos.

Sobre o contexto político para tramitação da PEC 293/2004 temos algumas oportunidades e algumas ameaças. Do lado das oportunidades, temos (i) o fato de que a PEC já foi aprovada em Comissão Especial; (ii) o Executivo, a princípio, não se opõe à proposta da CCiF; (iii) os presidentes da Câmara e do Senado são da base governista e têm traquejo político para conseguir a maioria qualificada para aprovação da PEC.

Do lado das ameaças, por sua vez, observa-se que (i) os políticos mais envolvidos com a tramitação da PEC, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e Mendes Thame (PV-SP) não foram reeleitos e levam consigo experiência acumulada e muitos votos de parlamentares aliados; (ii) a Reforma da previdência é o primeiro teste do novo governo e deve concentrar as atenções dos congressistas no primeiro semestre; (iii) os cidadãos anseiam pelo combate à corrupção e redução de impostos, não estando ainda sensibilizados com a necessidade de reforma tributária como ferramenta para aumento de suas rendas.

Enfim, politicamente, endereçar a questão tributária é tão importante para o aumento da renda por trabalhador quanto a questão da educação, da primeira infância e da infraestrutura no Brasil. Segundo Lisboa, não seria possível atingir a produtividade de país desenvolvido sem resolver a questão tributária. Já seria um ótimo início se a sociedade tomasse conhecimento desse fato – será um trabalho a muitas mãos.


O Estado de S. Paulo: 'Os políticos têm de controlar 100% do orçamento', diz Paulo Guedes

Segundo Paulo Guedes, governo articula a tramitação no Senado de proposta que acaba com os gastos obrigatórios

Por Adriana Fernandes, José Fucs e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo

Em plena guerra para aprovar a reforma da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o governo articula a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Senado para mudar o chamado pacto federativo, acabando com as despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias. Em entrevista ao Estado na sexta-feira, a primeira para um veículo de comunicação nacional desde que tomou posse no cargo, realizada na representação do Ministério da Fazenda no Rio, ele afirma que a proposta dará aos políticos 100% do controle sobre os orçamentos da União, Estados e municípios, e não deverá prejudicar a aprovação da reforma da Previdência.

Pronto há mais de seis meses, o projeto chegou a ser anunciado como Plano B de Guedes caso a reforma da Previdência não fosse aprovada, mas acabou ganhando vida própria, diante do rombo registrado nas finanças de prefeitos e governadores em todo o País. “Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista, que se estendeu por quase três horas:

O governo está completando 70 dias, a reforma da Previdência foi encaminhada ao Congresso e há muito o que falar sobre isso. Agora, nós vamos entrar também em alguns temas que não são ligados à economia, mas estão na ordem do dia e podem afetar a agenda econômica.
Vamos tentar fazer um negócio de um nível bacana, mexendo em tudo. Mas, antes de a gente começar, gostaria de falar uma coisa introdutória, que é um rastro do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Ao contrário da percepção que prosperou lá fora, de que o Brasil e a democracia corriam perigo, para mim o que estava acontecendo era isso: a dinâmica de uma grande sociedade aberta. Para mim, o fenômeno que estava ocorrendo no Brasil era algo virtuoso. Depois de 30 anos de hegemonia da social-democracia, finalmente estava aparecendo a outra perna. Você precisava de uma liberal democracia, como uma aliança de conservadores com liberais. Em Davos, um pouco do trabalho que tive foi mostrar o que estava acontecendo aqui, porque acho que a paixão que vigorou durante a campanha eleitoral projetou uma imagem inadequada do Brasil lá fora.

O sr. se surpreendeu com a imagem negativa do governo lá fora?
Não, eu sabia que teria duas etapas. A primeira etapa, aqui dentro, era “desalckmizar” o mercado. Não adiantava ficar indo lá fora, porque quem vota estava aqui dentro. Só tinha de mostrar que haveria um programa consequente, que havia mesmo uma aproximação da ordem com o progresso. Ideias liberais de um lado e uma agenda de costumes, de valores, de família, do outro. É uma democracia rica quando você tem essas possibilidades. Acho que seríamos uma democracia pobre se tivesse só o outro lado.

Qual a sua opinião sobre a fala do presidente Jair Bolsonaro de que a democracia no Brasil depende dos militares?
Quem deu a interpretação do que eu acho que ele pensa foi o (vice-presidente) Mourão. Ele falou o seguinte: os militares não querem democracia na Venezuela. Pronto, acabou, não tem. Os militares no Brasil querem a democracia. Acabou, tem. Foi isso que ele falou, que é uma obviedade.

Esse tipo de coisa não atrapalha seu projeto para a economia?
Acredito num processo virtuoso. Não posso deixar uma frase derrubar tudo. Tem uma democracia funcionando, com uma agenda de costumes de um lado. O presidente ganhou a eleição dizendo “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” e o Paulo Guedes dizendo que vai privatizar. Foi essa agenda que ganhou a eleição.

Essa é a questão. O sr. está focado na sua agenda econômica. Mas nesses pouco mais de dois meses a impressão é de que o presidente está focado em outra coisa.
Minha visão: nós vamos aprovar essa reforma da Previdência. Na quinta-feira, estava conversando com meu time e me correspondendo com parlamentares, com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), com todo mundo, e falando: “O presidente vai fazer a parte dele”. Tenho segurança disso, porque acredito na dinâmica de uma sociedade aberta.

Nesses dois meses, houve muito vai e vem do governo, recuo de nomeação, ministro envolvido em suspeita de operações ilegais na campanha, ministro demitido. As reformas não ficam em segundo plano?
É um governo que veio de fora do establishment. Não é uma transição suave. Esse barulho é natural. O governo está se comportando bem politicamente? É claro que uma agenda econômica é mais delineável que a agenda política, porque a velha política perdeu o eixo. O eixo era compra de voto mercenário no varejo e ele se esfacelou com a Lava Jato. Agora, são dois novos eixos. O primeiro é temático, que foi muito explorado na campanha: bons costumes, família, segurança. O lado de lá fala que o presidente está distribuindo vídeo pornográfico. O lado de cá diz que o presidente está dizendo à tribo dele que continua atento aos costumes e à turma que usa dinheiro público para expressar “arte”. É uma disputa temática válida. Ele está mobilizando os temas que aqueceram sua campanha.

Só que o outro lado parece que não mudou. O governo está recebendo pedidos de cargos, pedidos de emendas. Isso não é o velho toma lá dá cá?
Tive total liberdade para montar o meu time. Agora, o parlamentar eleito tem direito de pedir participação nos orçamentos. Mais até do que isso: estamos articulando a apresentação da PEC (proposta de emenda constitucional) do pacto federativo no Senado. Queremos devolver o protagonismo orçamentário da classe política. O que não é normal é o parlamentar falar “me dá um cargo aí porque quero pegar um dinheiro para mim”. Agora, pedir dinheiro para educação, para fazer saneamento, esgoto nas comunidades, é absolutamente normal.

O governo então não dará cargos ou emendas em troca de apoio?
Calma. Vocês estão notando que o eixo está mudando? Vai acabar tudo num dia só ou isso é um processo, no qual novos eixos são criados e os mais sérios vão aderindo? Pelas contas do ministro Onyx Lorenzoni, que é responsável pela coordenação política, temos 260 votos para a reforma da Previdência. Explicitamente a favor são 160 votos, e mais 100 que dizem que estão juntos do governo (nos bastidores). Isso sem nenhuma negociação espúria. Faltam 48 votos. Dizem aí que estão pedindo isso e aquilo. Claro que tem quem peça. Agora, há pedidos que são legítimos - e acho até que é pouco. Uma classe política que tem um orçamento da União de R$ 1,5 trilhão para alocar e supostamente está contente em sair com R$ 15 milhões para cada um, para favorecer suas bases eleitorais? Acho que esses caras estão fora da realidade. Se fosse um deputado na Alemanha, ele estava disputando R$ 1,5 trilhão, e não R$ 7,7 bilhões (R$ 15 milhões para cada um dos 513 deputados).

O sr. traça um quadro otimista para a reforma da Previdência, mas alguns parlamentares, incluindo o Rodrigo Maia, têm dito que não haveria condições de aprová-la hoje, porque a articulação está com problemas.
Isso é avaliação dele. O Rodrigo Maia é o especialista. Aparentemente, eu não entendo de política. É claro que a nova política terá de valorizar os partidos. Política é feita por partidos. Agora esses partidos não podem ser mercenários. Têm de ser temáticos e programáticos. É um choque do antigo com o novo e não adianta acusar o governo de não querer fazer política como antigamente. Claro que não! Fomos eleitos para não fazer. Aquele jeito de fazer política está na cadeia e está perdendo eleição. Qual o jeito novo? Não sabemos. Vamos aprender juntos. Vamos valorizar os partidos? Está certo o Rodrigo Maia ao dizer isso. Vamos negociar cargos? Não está certo se for isso. E dinheiro? Vocês deveriam ter todo o dinheiro do orçamento. Aliás, a principal função política é controlar os recursos públicos. É aí que entra a PEC do pacto federativo.

Que PEC é essa?
Os políticos vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados. A classe política hoje está sob opinião pública desfavorável: muitos privilégios, aposentadoria, salários, estabilidade, assessoria, moradia, uma porção de coisas, e não tem atribuições nem obrigações. É inequívoco isso. A eleição do Bolsonaro foi uma crítica à velha política. Essa classe política brasileira vai se reinventar, porque eles são capazes, são inteligentes. Estão percebendo que o caminho mudou. Pergunte à classe política se em algum lugar do mundo o sujeito é eleito para comandar 4% ou 100% do orçamento? Se a proposta é menos Brasília e mais Brasil, preciso do pacto federativo para fazer o dinheiro chegar lá. Todo mundo com quem a gente conversa está entendendo que o caminho é esse.

No ministério, a gente ouve que o senhor mandou dizer para não falar nada das outras medidas agora, por conta da reforma da Previdência.
Não, não. Nós vamos falar das outras medidas, sim. Por exemplo: vamos lançar o pacto federativo já. Os governadores e os prefeitos, que estão todos quebrados, dizem “pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, faz alguma coisa”. Eles estão devendo para o funcionalismo, para fornecedores. Não estão pagando dívidas. Está caótico o quadro financeiro de Estados e municípios. Isso significa que o timing político é já. Então, nós vamos mandar o pacto federativo também para o Congresso agora, mas pelo Senado.

Quando?
Por mim, é sempre o mais rápido possível. Mas quem manda é o presidente, o Onyx e o Congresso.

Se o governo federal vai perder recursos (com o pacto federativo), como sobrará dinheiro para pagar as contas, que já estão no vermelho?
Aí é que está. Está tudo arrumadinho. Vocês vão entender. Durante toda a campanha fizemos uma porção de coisas. Agora, tem o timing político das coisas. Ao contrário do que parece, existe um relacionamento harmônico dos Poderes hoje. Vocês podem dizer que não. Mas eu estou vendo isso.

O que é, afinal, esse pacto federativo?
São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas. Isso chegou até a ser veiculado como plano B, caso não fosse aprovada a reforma da Previdência, lá atrás, mas são dois projetos diferentes.

Isso não vai concorrer com a tramitação da Previdência, que é a prioridade?
São dois projetos grandes e importantes. Um entrando pelo Senado, outro pela Câmara. Eu até achava que a gente iria segurar um pouco para fazer uma coisa de cada vez. Só que a situação político-financeira de Estados e municípios está pedindo isso já.

O senhor quer acabar com todas as despesas obrigatórias?
Claro. A desvinculação eu quero total. Aí vamos ver quanto dá, mas vou tentar. Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos. Eles são gestores públicos e sabem o desafio que têm. Hoje o cara está sentado lá numa prefeitura, no governo do Estado, vendo subir isso, subir aquilo, sendo obrigado a fazer isso, fazer aquilo, e percebendo que ele não manda nada. Eles têm de mudar isso, assumir o protagonismo.

O pacto federativo vai dar dinheiro imediato a Estados e municípios?
Ele vai ter duas dimensões importantes. Uma é de curto prazo, sim. Tem de vir um balão de oxigênio, mas ele é condicionado às reformas em nível estadual e municipal. Estamos chamando de Plano Mansueto (em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida), que é um especialista nisso. É uma antecipação de receitas para quem fizer o ajuste. Por isso é que preciso desamarrar, desindexar, desvincular os orçamentos. Se você devolver o poder de decisão para os prefeitos e governadores, eles vão poder fazer o que é mais urgente para cada um.

Como vão funcionar esses adiantamentos?
Vou dar um exemplo que já está sendo analisado. Um Estado está fazendo um programa de ajuste que parece que vai assegurar a ele R$ 4 bilhões. Então, em vez de ele ter os R$ 4 bilhões lá na frente só, ele poderá ter uma antecipação entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, para sobreviver enquanto seu pacote não funciona.

O senhor já conversou sobre esse projeto com o presidente?
Claro. A campanha toda foi mais Brasil, menos Brasília. Esse é o pacto federativo. Eu espero total apoio do presidente. Até agora recebi apoio total para fazer as equipes e estou recebendo apoio para a reforma da Previdência. Todo mundo sabe que o presidente tem lá as suas preferências. Agora, ele está muito consciente das suas responsabilidades - e para ele não é fácil. Antes da reforma, ele falava que a idade mínima de aposentadoria para as mulheres deveria ser 60 anos. Não obstante, ele apoiou a reforma com 62.

Mas na primeira semana falou do nada que podia baixar para 60, sem ninguém pedir.
Como cidadão, ele pode achar isso, mas como presidente mandou com 62. Por que ele não bateu na mesa conosco e mandou abaixar para 60? Bastava ele fazer isso. Ele não é político convencional que fala que quer 65, para depois o pessoal falar que quer 60 e no final fechar com 62. É transparente. Ele diz que a sua preferência é essa mas entendeu que a sua responsabilidade exige que a idade mínima seja 62 e deixa isso ser negociado.

E como vai passar 62 se o presidente diz que aceita 60?
É ele quem vota ou os 500 deputados?

No plano federal, como o governo vai equacionar suas contas?
Vou privatizar, reduzir dívida. Todo mundo bateu palma quando a Petrobrás vendeu ativos, reduziu a dívida e passou a valer dez vezes mais. Eu quero fazer isso com os ativos do Estado, inclusive os imóveis. Nós temos metas.

Quais são as metas de sua equipe?
O Joaquim Levy, no BNDES, por exemplo, tem de devolver R$ 126 bilhões para o Tesouro neste ano, sendo pelo menos a metade no primeiro semestre. Não sei se ele quer, mas vai ter de devolver. A mensagem para o BNDES é que ele tem de despedalar e ir para uma atuação qualitativa. Ele vai ajudar o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), refazendo a infraestrutura nacional com empréstimos internacionais e investimentos privados. O Levy vai ajudar também as privatizações e a reestruturar Estados e municípios com a venda de estatais.

No governo federal, qual vai ser a lista de prioridades da privatização?
De novo, eu gostaria de vender tudo e reduzir dívida. Agora, quem tem voto não sou eu, é o presidente. Aí ele diz: “Não vai vender a Petrobrás, não vai vender o Banco do Brasil...”

Correios, Eletrobrás...
Não sei, não.

O sr. ainda mantém a meta de zerar o déficit do governo neste ano?
A minha função é essa. Há dois tipos de mentalidade. Não vou dar nome aos bois. Uma é assim: se você acha que o buraco vai dar uns R$ 160 bilhões, coloca R$ 160 bilhões na meta. Aí qualquer coisa que conseguir a menos que isso vai deixar o mercado muito feliz e dizer que nós somos muito bons. A minha é a gente dizer que vai ser zero e, se disserem que é impossível, nós falamos que vamos tentar o impossível. Se der tudo errado e o déficit ficar em R$ 60 bilhões ou R$ 70 bilhões, é menos da metade do que os caras que diziam ter feito um belo trabalho.

Onde entra o crescimento econômico? O PIB fechou 2018 com crescimento de apenas 1,1%. O que o governo está fazendo para alavancar o crescimento?
O modelo acabou. Não existe alavanca. Você tem de fazer as reformas. Quer fazer o que a Dilma fez? Não tem mágica. Tem de fazer a coisa certa. Isso significa a classe política assumir suas responsabilidades orçamentárias. Não é ficar escondido atrás de um documento escrito há 30 anos e jogar a culpa nele. Como um político pode dizer que a culpa é da Constituição? Então, faça uma Proposta de Emenda Constitucional.

Tem muita gente que fala que o governo não está fazendo nada pelos pobres e a esquerda está deitando e rolando com isso.
A primeira coisa que estamos fazendo pelos pobres é assegurar todas as aposentadorias dos pobres, que iriam acabar com esse regime de privilégios. A segunda coisa que vamos fazer é dar um choque de emprego no País. Vamos reduzir e simplificar os impostos.

Quando?
Já. Nós estamos indo por ordem de timing político. Se a Previdência vai quebrar o Brasil, enfia a Previdência. Ah, os governadores e prefeitos estão desesperados. Enfia o pacto federativo. Aprovamos os dois? Aprovamos. Começa a simplificação dos impostos. Aliás, nós vamos começar a disparar tudo ao mesmo tempo. Vem uma pauta positiva aí: PEC do pacto federativo, simplificação e redução dos impostos, aceleração da privatização, desestatização do mercado de crédito, abertura da economia. Tem coisas que vocês não estão vendo. Vem aí o choque da energia barata em mercado. Isso vai permitir uma redução do custo de energia de quase 50%. É tanta coisa boa que tem que fico com pena do Brasil de ficar discutindo sexo dos anjos, ser tão pequenininho.

Como vai ser esse choque de energia?
É algo semelhante ao que foi o shale gas (gás de xisto) nos Estados Unidos. As conversas envolvem diversos órgãos do governo, alguns Estados, além da Petrobrás, e já estão avançadas. O grande problema é que hoje o gás que está sendo tirado dos campos todos não é aproveitado como deveria. Com o estímulo para a iniciativa privada investir no transporte por dutos e com o fim do monopólio de distribuição das estatais de gás, criando maior concorrência, o preço deverá cair, tanto para uso doméstico como industrial. Queremos um choque de reindustrialização com energia barata.

Quando o governo vai mandar ao Congresso o projeto com a reforma da Previdência dos militares?
Agora. Está tudo acertado. Vai dia 20. Todo mundo tem de estar dentro. Se os militares ficarem fora da conta, ninguém vai entender. Estamos indo para o sacrifício.

Até onde o governo admite negociar a reforma da Previdência?
A economia de R$ 1 trilhão é o piso. A reforma tem duas dimensões importantes. Quer reduzir a idade mínima das mulheres para 60 anos? A economia cai R$ 100 bilhões. Se cair a idade mínima das mulheres, não poderá mexer nas regras do rural, no BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos de baixa renda). Se quer reduzir a idade da mulher, tira do militar. Se quer dar para o militar, tira do rural. No total, tem de dar R$ 1 trilhão.

Por quê?
Se não der uma economia de R$ 1 trilhão, estaremos assaltando as futuras gerações. Vamos deixar os pequenininhos pagando para a gente de novo. Vai estourar o regime e eu não consigo lançar a carteira verde amarela, para os jovens. Tem um custo de transição. Tem de ter potência fiscal.

O que acontecerá se o Congresso desidratar a reforma?
Derruba toda a pauta positiva. Eu terei muita dificuldade de lançar a capitalização (sistema de previdência em que cada um poupa para sua própria aposentadoria).

O senhor vai desistir da capitalização?
Não vou dizer que desisto. Mas é uma ameaça séria.

A proposta do fim da multa de 40% do FGTS para quem já está aposentado foi muito criticada.
Pareceu uma medida fraterna. O Rogério Marinho (secretário especial de Trabalho e Previdência) me disse que o cara depois que aposenta já atravessou o “corredor polonês”. Aí, ele quer arrumar um emprego e você ainda vai colocar um FGTS, uma multa. Esse cara já se aposentou. Deixa esse cara sossegado. É difícil para os velhinhos aumentarem a empregabilidade. Foi esse raciocínio que ele falou para mim. Parece razoável. Que ganho tem? Nenhum. O que ele vendeu para mim é isso e eu confio no bom senso dele.

E a mudança do BPC?
A mesma coisa. É ideia dele. Eu tinha as minhas exigências. Quero uma reforma com potência fiscal suficiente para eu poder bancar a transição para o regime de capitalização. Como eu resolvo isso? Só com os jovens - e tem de ter uma potência de R$ 1 trilhão para alavancar. A segunda exigência para viabilizar o sistema é acabar com os encargos trabalhistas. Essa reforma é só o começo. Vamos mexer mais. Já, Já. Mas primeiro eu preciso de uma potência fiscal para ter fôlego.

O BPC foi um bode na sala?
Não. Eu confio no Marinho. Cada medida tem uma razão. Se quem não contribuir ganhar a mesma coisa daquele que contribuiu, ninguém vai contribuir. O BPC tem de ser o seguinte: o cara não contribuiu, ganha um pouco menos do que quem contribuiu. Em compensação, o governo dá o benefício antes. Tem de ter uma diferença. Eu acho que, se em vez de fazer 60 anos (idade para começar a receber o benefício) e 70 anos (para ter o salário mínimo) colocar 62 anos e 68 anos, passa no Congresso. Além disso, se o valor de R$ 400 for para R$ 500 ou R$ 600, passa. O Marinho botou coisas porque só ele sabe o que é para negociar.

O senhor aceita subir o valor do BPC?
Sim. Tranquilo. Mas eu preciso é do R$ 1 trilhão.

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Hélio Schwartsman: Dignidade e justiça

Certos termos dão ótimas bandeiras, mas, por serem conceitos abertos, são menos úteis para nortear a tomada de decisões em situações concretas

“Dignidade da pessoa humana” e “justiça social”. Esses termos dão ótimas bandeiras políticas, mas se tornam menos úteis se tentarmos utilizá-los para tomar decisões informadas sobre situações concretas. O problema é que eles são conceitos abertos demais. Como significam qualquer coisa, acabam não significando muita coisa.

Tomemos a “dignidade humana”. Dependendo do freguês, o termo pode ser usado tanto para justificar o desligamento como o não desligamento das máquinas que mantêm vivo um paciente terminal. No caso da “dignidade”, até que a solução não é difícil. Num grande número de casos —mas não todos—, a expressão pode ser substituída, com enorme descomplicação conceitual, por “autonomia individual”.

O paciente que não queria ter sua existência prolongada artificialmente —e manifestou esse desejo enquanto podia— encontrará a sua “dignidade”, da mesma forma que aquele para o qual a vida é sagrada e não pode ser suprimida pela volição humana. Só o que não vale é um tentar impor a sua “dignidade”, que é pessoal e intransferível, ao outro.

“Justiça social”, que ganha destaque agora com a reforma da Previdência, não comporta solução tão simples. Com base em quais critérios podemos dizer que é justo que as mulheres (que vivem mais) se aposentem antes dos homens? Ou que o policial só tenha de contribuir por 30 anos, enquanto o domador de leões tenha de pagar o carnê por 35? Por que o professor deve receber um bônus de cinco anos, mas o lixeiro não faz jus a essa mesma vantagem?

Aqui, a única substituição descomplicadora que vislumbro é considerar que mecanismos concentradores de renda devem ser classificados sempre como injustos. Seria demais pedir que a Previdência resolva todas as iniquidades do país, mas é razoável esperar que ela não crie novas. Nesse contexto, a proposta de reforma do governo, se não for desfigurada no Parlamento, pode ser qualificada como socialmente justa.