reforma da previdência

Sessão do Congresso realizada em julho deste ano — Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Com PEC 'Kamikaze', teto de gastos sofre 5ª alteração no governo Bolsonaro; economistas veem perda de credibilidade

Desde 2019, o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional patrocinaram cinco grandes mudanças no teto de gastos, a principal regra fiscal do país, responsável por limitar o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Nesta quarta-feira (13), a quinta alteração foi avalizada pela Câmara com a aprovação da proposta apelidada de "PEC Kamikaze"

Agora, as alterações somam um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação ao desenho original da regra, de acordo com um monitoramento realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado Federal.

Ao longo desses anos, as alterações permitiram que despesas fossem realizadas fora do teto de gastos, além de uma mudança que alterou o período de correção do teto, expandindo o espaço para novos gastos dentro da regra. 

"Essas mudanças significam que, nessa disputa entre o desejo de aumentar gastos e a regra que deveria conter essa ampliação, a regra se tornou o elo mais fraco. Ou seja, ela não passa a ser crível mais", avalia Daniel Couri, diretor-executivo da IFI. ”

"Mexer tanto numa regra fiscal faz com que as pessoas não achem mais que ela vai segurar qualquer crescimento de despesa", acrescenta.

Sozinha, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de "Kamikaze" adicionou um custo de R$ 41,2 bilhões fora da âncora fiscal.

Ela cria um estado de emergência e, entre as principais propostas, amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o benefício do vale gás e cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos. As medidas valem até 31 de dezembro deste ano.

Perda de credibilidade fiscal

Ao assumir o comando do país, a atual equipe econômica se comprometeu com a manutenção do teto de gastos e defendeu a redução de despesas obrigatórias. No primeiro ano da gestão Bolsonaro, o time do ministro Paulo Guedes teve sucesso ao obter, no Congresso Nacional, a aprovação da reforma da Previdência.

Mas as outras reformas acabaram ficando pelo caminho, como é o caso da administrativa, que reduziria os gastos com pessoal, e a tributária, que aumentaria o potencial de crescimento e arrecadação do país.

Com reformas travadas e eleições se aproximando em um cenário de pandemia e inflação elevada, governo e Congresso começaram a patrocinar uma série de investidas contra o teto de gastos.

"Na virada do ano, em 1º de janeiro, de acordo com essa PEC (Kamikaze), o país teoricamente não terá mais esses benefícios em vigência, mostrando o caráter eleitoral da medida, que está sendo adotada a menos de 100 dias da eleição", afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências.

As pesquisas eleitorais mais recentes mostram Bolsonaro atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que tem levado preocupação ao Palácio do Planalto.

"Pequenas alterações que dão apenas uma sobrevida ao teto acabam prejudicando a regra em si, com uma qualidade pior e fazendo com que a regra não seja a âncora que deveria ser no médio e longo prazo", diz Juliana. "Hoje, o teto ainda é uma âncora, mas é uma âncora abalada."

Em Brasília, porém, o discurso da equipe econômica é outro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que a melhora de arrecadação observada nos últimos meses permite que o país amplie os seus gastos.

"Nós estamos repassando os excessos de arrecadação, nós estamos (repassando) os extraordinários resultados dos dividendos das empresas estatais. Nós estamos compartilhando com a população", afirmou Guedes na terça-feira.

Nem todo gasto realizado fora do teto é alvo de críticas dos especialistas em contas públicas: no início da pandemia, com o país em estado de calamidade pública, o Congresso aprovou o chamado "Orçamento de Guerra", o que permitiu separar as despesas emergenciais relacionadas à pandemia de coronavírus do Orçamento geral da União.

Com o "Orçamento de guerra", o governo não precisou cumprir exigências aplicadas ao orçamento regular, como a "regra de ouro", que impede a União de contrair dívidas para pagar despesas correntes, e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, a União pôde contar com crédito extraordinário para novos gastos, sem afetar o teto de gastos. Por ter sido uma manobra realizada dentro da regra do jogo, o montante do "Orçamento de guerra" não entrou no acompanhamento da IFI.

Teto foi criado em 2016

Criado em 2016 pelo governo Michel Temer, o teto de gasto se transformou na principal âncora das contas públicas do país desde a sua implementação.

À época, a equipe econômica justificou a medida como uma forma de controle do rumo das finanças do governo. O Brasil gastava mais do que arrecadava, passou a acumular déficits primários sucessivos, e viu a dívida crescer. Com a piora das contas públicas, o país perdeu, em 2015, o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador e que assegurava a confiança dos investidores internacionais na economia brasileira.

"Ele (o teto) se fez necessário por conta da trajetória ascendente (da dívida). Naquele momento, essa regra foi colocada para impor algum controle, alguma trava na trajetória de gastos e dar uma certa previsibilidade para onde iriam as contas públicas", diz Juliana.

Sem uma âncora fiscal clara nos últimos meses, a economia brasileira passou a enfrentar sucessivos períodos de incerteza, o que provocou a desvalorização do dólar em relação ao real em diversos momentos. Desde que a PEC “Kamikaze” passou a ser discutida, por exemplo, o país viu a moeda norte-americana saltar do patamar de R$ 4,60 para R$ 5,40.

Na ponta, para o cidadão, um real desvalorizado pode se refletir em mais inflação e, consequentemente, em aumento da taxa básica de juros, o que encarece os empréstimos para as famílias e os investimentos para as empresas.

"Quando o país mexe no teto de gastos, ele está turvando o cenário, adicionando muita incerteza, muito risco, o que faz com que o mercado comece a precificar todas essas questões", diz Juliana.

"A nossa segurança jurídica, o ambiente de negócios mais seguro e atrativo, acaba sendo prejudicado, seja por uma taxa de câmbio mais alta, seja por uma taxa de juros mais alta."

Relembre as mudanças já feitas no teto de gastos

  • Setembro de 2019

O Congresso aprovou uma PEC que permitiu ao governo federal não contabilizar no teto de gastos as transferências federais para estados e municípios relacionadas à repartição da cessão onerosa do pré-sal. Ao todo, foram repassados R$ 46,1 bilhões fora do teto.

A cessão onerosa é o nome que se dá ao direito de contrato de exploração de petróleo em uma área do pré-sal. Antes das mudanças, os repasses dos recursos arrecadados com a cessão onerosa eram considerados uma despesa do governo, o que entrava na conta do teto.

  • Março de 2021

aprovação da PEC Emergencial abriu um espaço de R$ 44 bilhões fora do teto para o governo gastar. À época, o valor foi utilizado para bancar uma nova rodada do Auxílio Emergencial.

O governo condicionou a volta do auxílio à aprovação da PEC, porque ela criou mecanismos para tentar compensar esse gasto adicional. Passou a permitir que sempre que as despesas obrigatórias da União superassem 95% da despesa total sujeita ao teto de gastos, alguns gatilhos de contenção, para evitar descontrole fiscal, fossem automaticamente acionados.

Também proibiu o reajuste salarial de servidores e contratação de novos funcionários.

  • Dezembro de 2021

PEC dos Precatórios provocou duas alterações no teto de gastos, com impacto de R$ 81,7 bilhões, de acordo com a IFI. Desse montante, o impacto de R$ 69,7 bilhões tem como origem a mudança no período de correção do teto, agora de janeiro a dezembro – antes, era corrigido com base na inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior.

A outra mudança tem a ver com o pagamento fora do teto de R$ 7,9 bilhões de precatórios (dívidas da União) do antigo Fundef – fundo educacional que foi substituído pelo Fundeb – e de R$ 4,1 bilhões com dívidas que o governo pagou com 40% de desconto.

  • Julho de 2022

A PEC Kamikaze cria benefícios sociais a poucos meses da eleição, que será realizada em outubro. O custo estimado fora do teto é de R$ 41,2 bilhões. A proposta amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o benefício do vale gás e cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos.

Também prevê um auxílio para taxistas, compensação para os estados para atender a gratuidade de transporte para idosos, entre outros.

*Texto publicado originalmente no g1


El País: Os impactos da reforma da Previdência na desigualdade, segundo economistas de esquerda

Em reta final, Senado aprova texto que altera aposentadoria dos setores público e privado. Pontos complicados, como inclusão de Estados e municípios, serão tratado em PEC paralela

Senado Federal aprovou nesta terça-feira em primeiro turno a reforma da Previdência. Por 56 votos a 19, os senadores referendaram um Projeto de Emenda a Constituição (PEC) que prevê uma série de mudanças no sistema de aposentadorias e de pensões do setor público e privado. O relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB) manteve o conteúdo principal aprovado por deputados no início de agosto para garantir sua promulgação imediatamente depois da votação em segundo turno na Casa. A condição para a aprovação do texto-base foi a criação da chamada PEC Paralela, que abriga pontos divergentes que saíram da PEC principal.

Seja como for, uma das mais ambiciosas reformas prometida por Jair Bolsonaro e ansiadas pelos investidores do mercado financeiro está a apenas uma votação — prevista para acontecer até 15 de outubro — para virar lei. O texto aprovado nesta terça tem uma modificação relevante a respeito às pensões: ao contrário do que determinou a Câmara, uma viúva não poderá receber menos de um salário mínimo, hoje em 998 reais. Com isso, a economia aos cofres públicos será de 876 bilhões de reais em dez anos, ao invés dos mais de 1 trilhão que o Governo de Jair Bolsonaro previa ao enviar a proposta original ao Parlamento.

A oposição ao Planalto passou meses fazendo campanha contra a reforma e acusando as mudanças de prejudicarem preferencialmente os mais pobres. Até que ponto têm razão em suas críticas? Para entender o quadro, o EL PAÍS conversou com quatro economistas do campo progressista que estão engajados no debate sobre o projeto da reforma da Previdência: Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do Governo Dilma Rousseff e professor da FGV e da UnB; Marcelo Medeiros, especialista em desigualdade e pesquisador do IPEA; Nelson Marconi, coordenador do programa de Governo de Ciro Gomes e professor da FGV; e Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

Os quatro possuem opiniões distintas sobre a reforma e fazem diferentes graus de críticas a ela. Mas coincidem em dizer que os pontos considerados mais problemáticos foram retirados e os direitos mais básicos foram mantidos. As mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural foram deixados de lado, enquanto que permaneceu o piso de um salário mínimo de aposentadoria. Isso significa que tanto os trabalhadores rurais como aqueles trabalhadores urbanos que ganham um salário mínimo — 63% de todos os aposentados do regime geral — foram preservados. De mais problemático, do ponto de vista da distribuição dos sacrifícios, está a concessão feita a categorias como policiais federais, por exemplo. Também está pendente a reforma para os militares.

Além disso, as mudanças nas regras do abono salarial, um 14º salário pago pelo Estado a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos, foram deixadas de lado pelos senadores. Já o plano de implementar um regime de capitalização, em que cada trabalhador passa a ter uma conta individual, foi retirado do texto-base ainda na Câmara. Por fim, o tempo de contribuição mínimo para se aposentar continua sendo de 15 anos, tanto para mulheres como para homens — no caso destes últimos, os que entram no sistema agora terão que contribuir um mínimo de 20 anos. Apesar da campanha contrária de parlamentares à esquerda, os economistas consultados também concordam com a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, mantendo apenas o regime de idade mínima — os dois modelos coexistem atualmente.

Como pano de fundo está a explosão do gasto do Governo Federal com aposentadorias do INSS, servidores federais e militares. Dos mais de 767 bilhões de reais previstos em despesas previdenciárias em 2019, mais de 300 bilhões são recursos do Tesouro Nacional — o chamado déficit — enquanto o restante é proveniente da contribuição de trabalhadores e empregadores. Em 2008, esse déficit era de 77 bilhões. O envelhecimento da população somado à antigos privilégios do funcionalismo estão entre os fatores que causaram a explosão das despesas, coincidindo nos últimos anos com a crise econômica, desemprego e queda na arrecadação.

Quem mais contribui para a economia gerada

As lideranças da esquerda vêm argumentando que de cada 100 reais de sacrifício, ou seja, que saem do bolso dos contribuintes, mais de 80 reais serão cobrados de quem ganha até 2.000 reais. As principais queixas dizem respeito às mudanças aplicadas ao regime geral do INSS, responsável pelo benefício dado ao setor privado —isto é, a imensa maioria da população.

Entre as alterações que atingem a maior faixa de trabalhadores estão o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e o estabelecimento de uma idade mínima para todos, de 65 anos para homens e 62 para mulheres; a mudança na base de cálculo da aposentadoria, que passa a considerar todos os salários ao invés dos 80% maiores, como acontece hoje; e a necessidade de que mulheres contribuam por 35 anos e homens 40 para que consigam aposentadoria integral, cinco anos a mais que atualmente, afetando aqueles que ganham entre 1,5 e 2 salários mínimos.

A afirmação de lideranças progressistas de que o grosso da economia virá dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos pode ser considerada uma meia verdade. "Qualquer economia grande que você queira fazer vai ter que afetar a massa das pessoas de renda mais baixa. É a massa dos beneficiários", explica Medeiros. Barbosa segue na mesma linha: "No agregado a maior economia vem do regime geral do INSS porque é o maior programa. Mas o correto é medir o impacto per capita da reforma. Quando você olha para o impacto em cada pessoa, então a maior economia é no setor público", afirma. Segundo os cálculos feitos pelo economista Carlos Góes e publicados na Folha de S. Paulo, aposentados com até dois salários mínimos contribuirão, cada um, com 11.519 reais ao longo de 10 anos para a economia gerada com a reforma da previdência. Já os aposentados do setor público contribuirão com 75.694 reais.

Contudo, Marconi chama atenção para o fato de que, mesmo o ajuste per capita sendo maior para quem ganha mais, qualquer impacto na renda de quem ganha menos é muito mais sentido. Isto é, o real que o mais pobre economiza impacta mais a sua vida que o real economizado pelo mais rico. "Está correto colocar idade mínima e manter o tempo de contribuição mínimo em 15 anos. O problema é que você já não vai receber o valor da aposentadoria integral com esse tempo mínimo, mas sim 60%. E a base de cálculo da aposentadoria também muda e passa a considerar todas as remunerações", explica. Outros economistas que se especializaram na questão previdenciária vêm apontando, contudo, que a imensa maioria das aposentadorias integrais já correspondem a um salário mínimo, que é o valor do piso do INSS. Marconi rebate: "Ainda assim há um número considerável de pessoas que ganham acima disso. Só em 2017, 290.000 pessoas se aposentaram ganhando entre 1 e 2 salários".

O resultado, explicam tanto Marconi como Medeiros, é que mais pessoas passarão a ganhar o piso de um salário mínimo. "O custo mais alto é para quem está ganhando acima de 1,5 salários. Para essas pessoas a perda vai ser mais forte", afirma Medeiros. A afirmação parece coincidir com os cálculos publicados por Góes: se a economia per capita gerada com quem ganha até dois salários é consideravelmente menor, a poupança com aqueles que ganham logo acima disso, isto é, mais de dois salários mínimos, salta para 60.463 reais por pessoa.

Idade mínima e tempo de contribuição

Aumentará então a desigualdade social? "Quando a renda é muito concentrada, você vai combater a desigualdade mudando os benefícios dos mais ricos, coisa que não é muito assunto da previdência", explica Medeiros. "A pergunta que deve ser feita é: em que medida essa reforma vai ser paga por gente de renda mais baixa? Nesse sentido, a reforma possui aspectos progressivos e outros regressivos", aponta. Entre os pontos que ele considera igualitário estão a manutenção do piso de um salário mínimo e a implementação da idade mínima, fortemente combatida pela esquerda, de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Hoje, apenas os que possuem salários mais altos e emprego estável ao longo da vida conseguem se aposentar com mais de 30 anos de contribuição e idade indefinida, enquanto os mais pobres — a maioria dos beneficiários do INSS — já se aposentam por idade.

Entre outras mudanças consideradas progressivas estão as alíquotas de contribuição previdenciária. Os servidores públicos contratados através de concurso público até 2012 deverão pagar, antes e depois da aposentadoria, alíquotas que variam de 7,5% a 22%, ao invés dos atuais 11% para todas as faixas salariais. Já no regime geral as alíquotas vão variar de 7,5% a 14%, ao invés dos atuais 8% a 11%. "As alíquotas progressivas são boa notícia, mas são menos progressivas do que parecem. Isso porque as alíquotas mais altas pagas à Previdência implicam descontos mais altos no Imposto de Renda, que é calculado sobre a renda bruta menos as contribuições previdenciárias", explica Medeiros. "Acaba que o Imposto de Renda passa a financiar uma parte da Previdência".

Nelson Barbosa acredita que a reforma avança no caminho correto e corrige várias distorções. Mas ele acredita que outras estão sendo criadas. Uma delas tem a ver com o tempo de contribuição. De acordo com as novas regras aprovadas pela Câmara, os trabalhadores que atingirem a idade mínima e se aposentarem com o mínimo de 15 anos de contribuição receberão 60% da média de suas remunerações ao longo da vida. Para conseguir o valor integral, isto é, os 100% da média de salários que ganhou ao longo da vida, será preciso trabalhar o mínimo de 35 (mulheres) e 40 anos (homens). "A nova regra diz que você ganha 2% por cada ano adicional de trabalho. Por essa regra os homens chegariam com 100% aos 35 anos, não 40. Faltou uma negociação mais sofisticada, porque você está considerando 15 anos para o acesso à aposentadoria e 20 anos para o cálculo. Isso vai gerar contestação judicial lá na frente". O economista também defende um sistema de bônus para as pessoas que queiram e possam trabalhar mais. "O tempo para receber o valor integral deve permanecer em 35 anos. Depois disso, você ganharia um adicional. Isso estimula as pessoas que podem e querem trabalhar 37 ou 40 anos".

O que a esquerda poderia ter proposto

Além de todas as questões expostas, a esquerda poderia ter proposto alternativas à reforma apresentada? Marconi defende o projeto apresentado por Ciro Gomes no ano passado, baseado em três pilares: uma renda mínima universal de um salário mínimo para idosos; um sistema solidário de repartição, como o que funciona hoje, com uma idade mínima a ser reajustada automaticamente de tempos em tempos e um teto do INSS pouco menor – entre 4.500 e 5.000 reais –; e um sistema de capitalização público bancado por trabalhadores e empregadores. “Tem também a questão da acumulação de aposentadorias em cargos, colocaríamos um limite para isso. E reveríamos isenções para o Simples Nacional, ruralistas...”, afirma.

Já Barbosa considera que a esquerda errou em combater a idade mínima. Ele também defendia as mudanças no abono salarial, muito impopulares. O Senado acabou mantendo o benefício para pessoas que ganham até 2.000 reais, ao invés do teto de 1.364,43 reais aprovado anteriormente pelos deputados. "É um benefício criado na época da ditadura, quando o salário mínimo valia bem menos e ainda não havia seguro desemprego, BPC ou Bolsa Família. É preferível usar parte desse dinheiro do abono para criar novos empregos. O problema é que existe uma desconfiança e nada garante que o Governo usaria para isso", argumenta.

Assim, "ao invés de defender uma realidade que não existe mais", o campo progressista deveria abrir novos caminhos e inserir novos temas no debate. Um deles diz respeito a uma renda mínima universal para idosos. Ao chegar a determinada idade, todos teriam direito a ganhar um benefício mínimo, que deveria ser enquadrado como assistência social. Apesar da complexidade e dos limites fiscais atuais, Barbosa acredita se tratar de uma solução permanente e que resolveria de uma vez qualquer debate sobre o BPC e aposentadoria rural. "Mas então significa que vou dar um benefício para o Lemann [bilionário dono da Ambev]? Não. Se uma pessoa de alta renda tem acesso a esse benefício, a gente compensa pelo Imposto de Renda, que deve ser mais progressivo. No mundo da inteligência artificial, um sistema integrado de controle e coordenação dos benefícios está ao alcance do governo", explica. Outra possibilidade, acrescenta, seria estender esse benefício para crianças de zero a 15 anos, nos moldes da proposta de Tabata Amaral e Filipe Rigoni.

Para que a reforma fosse mais progressiva, Marcelo Medeiros sugere alterar a estrutura de desconto no valor da aposentadoria. “Com a reforma, ela é basicamente linear. Todo mundo se aposenta com 60% do salário e depois adiciona 2% por ano a mais contribuindo. Mas essa estrutura é regressiva porque aqueles que contribuirão mais tempo são também aqueles que possuem renda mais alta. Então, na prática, eles não vão chegar a perder todos os 40% do salário”, explica. Uma possibilidade é que as alíquotas fossem diferenciadas, ou seja, de acordo com o que cada um venha a receber de aposentadoria e com um desconto menor sobre o primeiro salário mínimo, segundo explica. “Mas teria que ver se é viável. Não fiz os cálculos e não sei quanto custaria”, admite.

Já Fagnani recorda que o regime geral passou por alterações nos últimos anos que desestimulam a aposentadoria precoce. Apesar de também ser a favor de uma idade mínima obrigatória para todos, diz que os problemas do setor privado são mais pontuais e que os principais já foram equacionados. Também lembra que Governo Lula realizou uma reforma do setor público em 2003 que soluciona seus problemas fiscais em longo prazo. Mais crítico à reforma enviada pelo Governo Bolsonaro, o professor da Unicamp acaba de lançar o livro Previdência: o debate desonesto. "O pessoal trata a Previdência como uma entidade única, um sistema único. São realidades e especificidades muito marcadas. Você não pode usar o argumento do sujeito que entrou no serviço público em 1980 e se aposentou com paridade e integralidade para fazer uma reforma que visa a combater privilégios em que a maior economia vem do regime geral". Ele é a favor de tratar cada problema e distorção separadamente, ao invés de colocar tudo em um grande pacote de reforma. "Isso é algo intencionalmente feito para confundir", argumenta.

Distorções e o que ficou de lado

Entre os aspectos mais negativos e regressivos da reforma, Medeiros, Barbosa e Marconi apontam para os benefícios aprovados para policiais federais e rodoviários. As regras mais brandas para essas categorias foram patrocinadas pelo Governo Bolsonaro durante a votação dos destaques na Câmara, mas contou também com o apoio dos deputados da esquerda. "Eles tem rendas mais altas, vão poder se aposentar muito mais cedo e isso tem um custo bastante alto", afirma Medeiros.

Além disso, os quatro economistas concordam em que as maiores fontes de despesas estão na Previdência dos militares. O Governo enviou a reforma separadamente junto com a reestruturação da carreira. Na prática, pouco será economizado com eles. "O problema é que estão reformando o que já vinha sendo reformado nos últimos anos, mas estão deixando de fora o que nunca foi reformado. Do ponto de vista dos privilégios, o problema dos militares é muito maior", afirma Fagnani.

O professor da Unicamp defende, além disso, um empenho maior do Governo Federal para reformar os sistemas de pensão públicos dos Estados e municípios. Suas despesas previdenciárias crescem acima da média, mas ficaram de fora da reforma. O senado voltou a incluí-los na PEC paralela. Caso não seja aprovada, deverão se adequar por conta própria. "Alguns se adequaram às normas de 2003 e outros não. Há questões de paridade e integralidade que são um escândalo", afirma.

E como atacar o atual desequilíbrio fiscal? Além de reformas pontuais na Previdência que admite fazer, Fagnani levanta dois temas nos quais a esquerda costuma sempre insistir: uma reforma tributária progressiva que atinja as rendas mais altas e o fim dos benefícios fiscais dados a empresas. Significa atacar o problema não só pela via da despesa, mas sobretudo pela via da arrecadação. "É como se a solução tivesse que sair do andar de baixo sempre, não do de cima".


Arnaldo Jardim: Política que constrói

 Aprovada a Reforma da Previdência em 1º turno, na Câmara, estabelecemos um novo momento no País!

Criamos condições para acabar com o rombo nas contas públicas, para diminuir privilégios e modificar uma sistemática que concentrava rendas como é a velha previdência. Podemos assim ter uma nova previdência, sustentável, mais igualitária e que abra um ciclo de reformas necessárias ao Estado Brasileiro, aguardado por toda a sociedade.

Agora a Câmara dos Deputados começa imediatamente a discutir a Reforma Tributária, cuja comissão especial já foi instaurada nesta última quarta-feira, 10/07/2019, e tem prazo para apresentar sua proposta até outubro próximo.

Prioritária também será a comissão especial que definirá proposta para o marco regulatório das PPP’s, concessões públicas e fundos de investimentos em infraestrutura. Matéria da qual serei relator.

O aprendizado maior, porém, do processo de aprovação da reforma é que podemos, e devemos, praticar a Boa Política!

Uma grande maioria parlamentar se estabeleceu, aglutinando deputados que apoiam o governo, outros independentes, como eu, e até oposicionistas. Todos se somando para aprovar uma mudança estrutural difícil, que enfrenta resistências e interesses, mas necessária ao Brasil.

Essa construção ocorreu partir da discussão de mérito, debate sobre as alternativas possíveis, e foi embalada pela certeza de que era imperativo cortar privilégios, rever conceitos e deixar de lado o olhar particular, corporativista, para fazer prevalecer o interesse geral da Nação.

Ninguém tem dúvida de que o grande desafio é a retomada do crescimento econômico – único caminho pra enfrentar o desemprego de forma sustentável. E as reformas estruturais são fundamentais para isso. Indispensável, porém, é consolidarmos que o instrumento para atingir este objetivo, esta transformação, é o diálogo, a Democracia.

Os radicais e incendiários, aqueles que se apegam a retórica populista devem ser isolados e superados. Construtores de consensos e os defensores da reflexão substantiva prevalecerem. Este episódio demonstrou que isso é possível, é o único caminho.

Luiz Carlos Azedo, jornalista do Correio Brasiliense, escreveu: “Ontem vivemos uma inflexão no processo de confrontação que havia se instalado entre o Executivo e o Legislativo, um momento de afirmação da nossa democracia e do Congresso”. Lembrou ainda: “Congresso, que havia perdido o papel de mediador dos conflitos da sociedade, resgata esse protagonismo e se assenhora cada vez mais da grande política, como é o caso agora da reforma da Previdência”.

Destaco, ainda, o comando decidido e ponderado de Rodrigo Maia que liderou para que avançássemos, para que todos se irmanassem no fortalecimento das nossas instituições.

Fazer as reformas. Retomar o crescimento. Para isso, a política é a esperança. O caminho para superar os desafios e nos afirmarmos como Nação.

A boa política!

Arnaldo Jardim é deputado federal pelo Cidadania-SP


El País: Com práticas da ‘velha política’, Câmara pode aprovar Previdência nesta quarta

Presidente Bolsonaro liberou 1,1 bilhão de reais em emendas parlamentares na área de saúde e empenhou outros 2,5 bilhões para garantir apoio de deputados

A Câmara dos Deputados encerrou na madrugada desta quarta-feira a discussão do texto-base da reforma da Previdência, etapa prévia à votação em si no plenário da Casa, quando todos os parlamentares dão seu sim ou não à reforma. Por 353 votos a 118, os deputados concordaram em terminar o debate do projeto do governo Jair Bolsonaro (PSL), proposto em requerimento pelo partido do presidente Jair Bolsonaro. Com essa votação, foi possível encurtar a ida dos parlamentares à tribuna defender ou criticar o projeto do Governo. Entre quarta e quinta-feira a proposta de emenda constitucional e seus destaques deverão ser votados. E até sexta-feira, a proposta toda em um segundo turno.

O placar prévio, de 353 votos, e outro anterior, de 331 contra 117 – que derrubou um requerimento do PCdoB para obstruir a votação — é um termômetro importante para o Governo e para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que trabalhou para que a votação da reforma acontecesse antes do recesso parlamentar. Para ser aprovada, a reforma da Previdência precisa de 308 votos, ou o apoio de dois terços dos 513 dos deputados. Com esses dois resultados, a leitura é que a reforma passe com alguma acilidade nesta quarta pelo plenário.

O debate e a votação do projeto da “nova política”, porém, foram regados por doses da 'velha política'. Bolsonaro usou do mesmo artifício de seus antecessores: liberou 1,135 bilhão de reais em emendas parlamentares na área de saúde. Na prática, o Executivo é obrigado a pagar essas emendas. Porém, ele define em qual momento esse pagamento ocorrerá. Nas últimas duas décadas, esse artifício foi usado por todos os presidentes. O presidente procurou minimizar a manobra e disse que estava cumprindo a lei. “Por conta do orçamento impositivo, o governo é obrigado a liberar anualmente recursos previstos no orçamento da União aos parlamentares e a aplicação destas emendas é indicada pelos mesmos. Estamos apenas cumprindo o que a lei determina e nada mais”, disse ele em seu Twitter.

Conforme um levantamento da ONG Contas Abertas, nos cinco primeiros dias de julho, o Governo ainda comprometeu (empenhou) mais 2,551 bilhões de reais em emendas. O valor é maior do que toda a quantidade empenhada nos seis primeiros meses do ano, 1,773 bilhão. A liberação dos recursos resultou em uma série de protestos da oposição, que carregava cartazes com os dizeres: “Oferta do Jair. Sua aposentadoria por R$ 444 milhões”. O discurso dos opositores também mudou. Antes diziam que eram contrários à reforma. Agora, afirmam que são favoráveis às mudanças, mas “essa reforma, não”.

Além da abertura do cofre do Governo, o início da votação da Previdência teve um empenho direto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Diante de um Governo que mostrou dificuldade na negociação com o Congresso, Maia foi o principal articulador a Previdência. Foi chamado por Bolsonaro de “nosso general” dentro da Câmara. Era ele quem conversava com os parlamentares e sugeria que o Governo cumpriria sua palavra nos acordos que havia firmado, como a liberação de emendas. Maia não se faz de rogado e puxa para si os louros do avanço da reforma da Previdência. “A construção da vitória, se acontecer, será uma construção do Parlamento e não do governo. O governo ajudou, mas, em alguns momentos, o governo atrapalhou”, disse. “Sabemos que o governo não conseguiu uma maioria parlamentar e, pela primeira vez, o Parlamento tem construído as soluções econômicas do País”, completou.

Ao longo do dia, Maia participou de mais de uma dezena de encontros, nos quais discutia qual seria o mapa de votação. Os mais otimistas diziam que o Governo teria mais de 340 votos, número bem superior aos 308 necessários para aprovação de uma proposta de emenda constitucional. A prova para saber se as negociações funcionaram ocorrerá na votação da manhã desta quarta.

Em linhas gerais, o texto-base que deve ser votado cria uma idade mínima para aposentadoria (65 para homens e de 62 para mulheres), estabelece o tempo base de contribuição (20 anos para homens e 15 para mulheres), registra quatro faixas de contribuição (hoje são três), reduz a amplitude dos beneficiários pelo abono salarial, reduz o valor do pagamento das pensões para viúvos ou herdeiros e cria regras de transição que obrigam parte dos trabalhadores dos setores público e privado a trabalharem o dobro de tempo do que antes faltava para se aposentarem. Ficaram de fora do projeto inicial do Governo propostas que endureciam as regras do benefício de prestação continuada, da aposentadoria rural e a capitalização.

Sem público e lobbies
Assim como ocorre na maior parte dos projetos polêmicos, a presidência da Câmara não autorizou que as tribunas do plenário fossem ocupadas pelo público. O esquema de segurança foi alterado e apenas quem tinha credenciamento na Câmara tinham acesso ao entorno do plenário. Durante todo o dia, nos acessos da Casa manifestantes pró e contrários à PEC abordavam parlamentares pedindo votos para um ou outro lado.

Na tribuna, as vozes da oposição foram contra a redução de benefícios para os mais pobres. “Nunca negamos a necessidade de reforma no Brasil. Mas não essa reforma que pesa sobre os pobres”, alega o deputado Tadeu Alencar, líder da bancada do PSB na Câmara. Líderes do PT, PSB, PSOL e PCdoB frisaram que a maior economia esperada pelo Governo - 1 trilhão de reais em dez anos – recaem mais sobre vulneráveis, como a redução de pensão para viúvas de menor poder aquisitivo. A líder do Governo, Joice Hasselmann (PSL-SP), por sua vez, foi à tribuna falar sobre os benefícios para a economia com a reforma. “Quero ver investimento jorrando”, disse Hasselmann, repetindo o mantra da equipe econômica de Bolsonaro que vê na reforma a porta para o crescimento do Brasil. “Vamos iniciar a reconstrução por esse alicerce”, completa. “Temos longos anos para trabalhar por esse país.”

Para além dos discursos de tribuna, nos próximos dias haverá ao menos três lobbies: o da segurança pública, o dos ruralistas e o das mulheres. Policiais, agentes penitenciários e guardas municipais tentarão reverter a derrota que tiveram na comissão especial e incluir uma série de privilégios na proposta, como a redução da idade mínima e a paridade ao fim da carreira. Inicialmente, o presidente Bolsonaro apoiava esse pleito. Orientado pela sua equipe econômica, agora defende que essas alterações ocorram por meio de uma lei complementar, que é mais fácil de ser aprovada do que uma PEC, pois depende apenas de maioria simples, não de três quintos dos votos dos deputados.

Os ruralistas, por sua vez, querem manter a isenção de tributação previdenciária para o produto exportado obtida na votação da comissão especial. O custo dessa medida representa uma perda de 84 bilhões de reais na estimativa de economia.

Já a bancada feminina tentará garantir o cálculo sobre a aposentadoria de todas as mulheres. Pela regra aprovada na comissão, o tempo mínimo de contribuição era de 15 anos, quando a trabalhadora poderia se aposentar com um vencimento de 60% sobre a média salarial. Esse valor só seria aumentado dois pontos percentuais ao ano após somar 20 anos de contribuição. As deputadas, contudo, querem que esse cálculo passe a valer a partir dos 15 anos. A tendência é que essa demanda seja atendida.


Alon Feuerwerker: Previdência é sinal da estabilidade do ornitorrinco. O fim da Era Geisel. E o “supostas”

Era previsível, e foi previsto, que a previdência teria tráfego suave no Congresso. O governo Jair Bolsonaro caminha para liquidar o principal item desta primeira etapa sem precisar ceder espaço político real no Executivo. A promessa formal de execução orçamentária vem sendo suficiente para disciplinar a base potencial. Se o prometido acontecer, serão 10 milhões de reais extras anuais por parlamentar, e 20 milhões para os líderes. Este ano é o empenho, no próximo começa a execução.

Dois fatores adicionam tranquilidade. A opinião pública considera vital a reforma da previdência, e também por isso absorve melhor o que em outra circunstância seria tratado como escândalo de “fisiologismo”. E a maioria esmagadora do Congresso desde sempre orienta-se à direita do centro. Para ela, votar a favor neste caso tem custo político-social aceitável. Uma reforma da previdência custa muito menos para Bolsonaro do que seria para Fernando Haddad.

O governo tem estabilidade porque é um ornitorrinco, aquele animal meio ave e meio mamífero. Controla a base radical com a agenda conservadora nos costumes, a agressividade verbal contra os demais poderes e a exploração da grife Sérgio Moro, o algoz judicial do petismo. E com a retórica antiglobalista. E encanta a direita autonomeada “civilizada”, com a adesão prática ao liberal-globalismo na política econômica, o alinhamento aos Estados Unidos e o acordo Mercosul-UE.

Se PSDB e PT, este nos primórdios, propuseram encerrar a Era (Getúlio) Vargas, o bolsonarismo parece pretender pôr fim a Era (Ernesto) Geisel. Por razões econômicas mas também político-ideológicas. Une o supostamente útil ao certamente agradável. Os economistas prometeram a Bolsonaro que desmontar o Estado vai alavancar o crescimento econômico e portanto produzir empregos. E menos Estado, para o bolsonarismo, é também menos base objetiva para um renascimento socialista.

Geisel era nacionalista, industrialista e, em algum grau, terceiro-mundista. Não podia ser acusado de simpatias à esquerda. Uma prioridade dele foi a eliminação, inclusive física, das cúpulas comunistas, operação executada entre 1974 e 1976. Mas era um governo que enxergava para o Brasil um papel não caudatário, e tomou providências nesse sentido. Uma parte da oposição democrática a ele, inclusive, centrava a crítica na “denúncia" do "sonho de um Brasil-potência".

É exatamente a turma que depois chegou ao poder se propondo a encerrar a Era Vargas. Ligue os pontos. É divertido.

*

Uma lógica tão eficaz quanto útil na análise política e jornalística é o reductio ad absurdum. Em vez de supor que as pessoas estão mentindo, ou dissimulando, suponha que elas dizem a verdade. Você conseguirá fazer deduções interessantíssimas.

Os veículos de comunicação que se excluíram da operação #VazaJato tratam sistematicamente o conteúdo das revelações como “supostas mensagens”. Uma hipótese é quererem desqualificar o trabalho alheio. Isso não chegaria a ser incomum no ambiente da imprensa e dos jornalistas.

Mas vamos dar um crédito. Vamos supor que o “supostas" aparece porque esses veículos não estão seguros da autenticidade dos conteúdos revelados inicialmente pelo The Intercept, e depois também pela Folha de S.Paulo e pela Veja. Neste caso, o “supostas" faz muito sentido.

Bem, mas ao longo destes mais de cinco anos a imprensa publicou centenas de vazamentos ilegais da Operação Lava-Jato, e tento mas não lembro nenhuma vez em que usou algo parecido com “supostas”. Então, na minha hipótese benigna, ela tinha 100% de confiança na seriedade das fontes.

Ora, mas só quem podia certificar plenamente a autenticidade de documentos ilegalmente vazados da Lava-Jato era a própria operação. Ou seja, ao usar agora um “supostas" que nunca usou antes a imprensa revela que sua fonte nos vazamentos ilegais da Lava-Jato sempre foi a própria Lava-Jato.

Nossa imprensa deveria ser mais cuidadosa na preservação de suas fontes.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Marcus Pestana: A reforma da Previdência Social na reta final da votação

Aprofundar a consciência sobre a gravidade da situação

O assunto mais comentado na imprensa e nas redes sociais continua sendo a reforma de nosso sistema previdenciário. Assunto polêmico e de repercussão ampla, desencadeia um forte embate de opiniões dos mais variados matizes. É preciso muita serenidade e sensibilidade no tratamento do tema.

O Brasil precisa dar urgentemente uma guinada em seus destinos. O crescimento econômico é resistentemente baixo, o desemprego e o desalento assombram a vida de mais de 18 milhões de trabalhadores brasileiros, nosso desempenho nas avaliações internacionais de qualidade da educação é inaceitável, nos rankings de competitividade ficamos mal na foto e a capacidade fiscal de os governos gerarem políticas públicas impactantes é cada vez menor.

Para abordar uma crise tão profunda e cheia de faces não há a chamada “bala de prata”, uma panaceia qualquer ou um nocaute espetacular. Temos que percorrer uma longa agenda de reformas e mudanças visando recuperar os investimentos, melhorar a infraestrutura, qualificar o capital humano, aumentar a produtividade, tornar o ambiente de negócios mais saudável. Na melhoria do ambiente institucional, três grandes reformas deveriam puxar a fila: a previdenciária, a tributária e a política.

Mas a bola da vez é a reforma previdenciária. E por que, apesar de não ser uma varinha mágica que resolverá todos os problemas nacionais, ela tem hoje centralidade e urgência? A questão central hoje é o grave desequilíbrio das contas públicas. Isso impede a retomada dos investimentos, empurra os juros para a estratosfera, inibe a ação governamental. E o elemento central e explosivo é o desequilíbrio previdenciário.

Nunca é demais repetir. O sistema previdenciário foi consolidado mundo afora no século XX para proteger o trabalhador idoso e pobre que não consegue mais, por meio do seu trabalho, assegurar uma vida digna para si e sua família. O sistema tem que ser justo, portanto, do ponto de vista social. E sustentável, porque senão os direitos prometidos se assemelharão à venda de lotes na Lua.

O sistema brasileiro se esgotou, não é sustentável e muito menos justo. O déficit previdenciário cresce como bola de neve. E as futuras gerações é que pagarão o pato. E como dizer que é justo um sistema que concede um benefício médio de R$ 1.400 a dezenas de milhões de trabalhadores que se aposentaram no INSS e a outros poucos do regime próprio do setor público oferece aposentadorias e pensões médias entre R$ 9.000 e R$ 28 mil?

O relator da Comissão Especial, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), habilidoso e experiente, apresentou seu relatório refletindo a média das opiniões. Sabe que o pior inimigo do bom é o ótimo. O presidente Rodrigo Maia quer levar ao plenário ainda em julho. Mas a turbulência está só começando. A sociedade precisa aprofundar sua consciência sobre a gravidade da situação e agir junto à sua representação política no Congresso. Interesses feridos certamente exercerão forte pressão sobre os parlamentares.

Muito ainda há que se aperfeiçoar. Retirar Estados e municípios da reforma é gravíssimo equívoco. Desidratar a reforma atendendo a pressões setoriais e corporativas, também. O sistema de capitalização virá mais cedo ou mais tarde. Mas o fundamental é que a reforma da Previdência Social, robusta e eficaz, sirva de abre alas para tantas outras mudanças necessárias, e o Brasil retome a geração de renda e emprego para sua população


João Domingos: Oposição constrangida

Relator da reforma da Previdência atendeu a quase tudo o que foi pedido

O relatório do projeto de reforma da Previdência feito pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) deixou os partidos de oposição numa situação no mínimo embaraçosa. Em alguns casos, Moreira atendeu a quase todos os pedidos feitos por aqueles que, desde o início da tramitação da proposta, se dispuseram a apresentar emendas à reforma, embora fossem de oposição. Ora, quem apresenta emendas que visam mudar o texto está dizendo que está disposto a negociar. Se quisesse só rejeitar por rejeitar, apresentava uma emenda supressiva de todo o projeto.

O PSB, por exemplo, teve 90% de seus pedidos atendidos por Moreira. Entre eles, a taxação do lucro dos bancos, com aumento da alíquota da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15% para 20%. Esta, aliás, é uma bandeira das esquerdas brasileiras desde sempre, principalmente da esquerda mais radical, como o PSOL. Também foram pedidas pela oposição a retirada da previsão de mudança do atual regime de repartição para capitalização e a redução da idade mínima para a aposentadoria de mulheres professoras, que caiu de 60 anos para 57. As alíquotas progressivas de contribuição, que muitos queriam tirar, o relator manteve, como pedido pela oposição.

Sem falar nos itens previamente condenados, como a redução no valor dos benefícios de idosos carentes, que cairia para R$ 400, e foi elevado para um salário mínimo para os que completarem 65 anos, e o aumento da idade mínima para a aposentadoria rural.

Por isso mesmo é que muitos dos partidos de oposição – o PT deve ficar de fora, pois trabalha em outras frentes, como a da libertação de Lula e de anulação da condenação do ex-presidente por Sérgio Moro, que o partido acusa de ter sido parcial – vão rachar seus votos caso as direções partidárias não fechem questão contra o voto a favor da reforma da Previdência.

Os argumentos desses parlamentares dispostos a apoiar a reforma baseiam-se em dois pontos principais. O primeiro deles é que o projeto de reforma da Previdência pertence agora ao Legislativo, que lhe deu a forma que está na comissão especial da Câmara, e não mais ao Executivo. E que, se aceitaram participar das negociações e foram atendidos, como é que agora vão dizer que votarão contra?

Lições da demissão de Santos Cruz
É possível que a repentina demissão do general Santos Cruz da Secretaria de Governo possa dar algumas pistas sobre a forma como Jair Bolsonaro pretende agir daqui para a frente. De acordo com informação de assessor de Bolsonaro, ele tem dificuldades de conviver com auxiliares que lhe trazem desconfiança ou que tratem sua agenda conservadora com certo desdém. Embora Santos Cruz nunca tenha tornado público o que achava dessa pauta, até porque aparentemente não se interessava por ela, Bolsonaro achava que ele deveria ter assumido mais a defesa de tais temas. Pesou ainda o fato de haver um desentendimento público entre o general e o vereador Carlos Bolsonaro, o filho que o presidente mais ouve.

O general da ativa Luiz Eduardo Ramos Pereira, até então comandante militar do Sudeste, que substituirá Santos Cruz, é considerado muito próximo a Bolsonaro. Com ele, o presidente considera, segundo o assessor, que mantém o principal pilar de sustentação de seu governo baseado em generais. Só que generais de sua mais absoluta confiança e fidelidade, como o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Quem conhece o general Ramos diz que ele é um bom articulador político, é de temperamento flexível e se dá bem até com as esquerdas. Como Bolsonaro não gosta das esquerdas, talvez esse seja o ponto fraco do novo ministro.


Cristiano Romero: O sistema de castas da Previdência no Brasil

Déficit atuarial do regime dos servidores e militares é de R$ 1,3 tri

A julgar pelos regimes de aposentadoria mantidos pela União, o Brasil possui três castas: a dos funcionários públicos federais, a dos militares e a dos trabalhadores do setor privado. Já se sabe que os cidadãos dos dois primeiros grupos possuem vantagens inomináveis, como aposentadoria integral e paridade (seus benefícios são corrigidos pelo mesmo percentual concedido aos funcionários da ativa). A turma do terceiro grupo se aposenta pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sujeitando-se a um teto que, hoje, está em R$ 5.839,45.

É sabido, também, que os privilégios do regime previdenciário dos servidores civis e militares e a uma série de despesas de caráter assistencial, criados pela Constituição de 1988 com viés civilizador, somados ao fato de que não se exige neste país idade mínima para o cidadão se aposentar, insanidade que permite a funcionários públicos se aposentarem aos 50 anos, geram há mais de uma década um rombo explosivo nas finanças públicas da União.

No ano passado, o déficit do RGPS atingiu R$ 194,3 bilhões. Agregando-se ao resultado outros três déficits previdenciários - dos servidores civis (R$ 46,4 bilhões), dos militares (R$ 43,9 bilhões) e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (R$ 4,8 bilhões) -, a conta chegou a R$ 290,3 bilhões em 2018. Agravado por três anos de recessão (2014-2016) e outros três de expansão medíocre do Produto Interno Bruto (2017-2019), o buraco cresceu de forma acelerada (ver gráfico) e, agora, já consome cerca de 60% das receitas do governo federal. Trata-se de uma contradição: uma nação de população ainda jovem - onde há mais cidadãos em idade ativa do que aposentados - gasta mais com os idosos do que com as crianças, portanto, mais com o passado do que com o futuro.

A diferença entre os regimes previdenciários escancara a forma como o Estado brasileiro trata "iguais" de forma desigual. Enquanto o déficit por beneficiário do sistema dos militares ficou em R$ 115 mil em 2018, o do RGPS foi de R$ 6,4 mil e o do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), do funcionalismo federal, somou R$ 63 mil. Os números constam do Relatório Contábil do Tesouro Nacional (RCTN) de 2018, documento que faz radiografia das contas da União, revelando seu balanço patrimonial - neste momento, negativo em R$ 2,4 trilhões - e que será divulgado nesta quarta-feira, em Brasília.

Sindicalistas do serviço público alegam que a comparação entre os sistemas é inadequada porque os funcionários pagam a contribuição previdenciária sobre o salário bruto, enquanto no INSS o trabalhador paga 8% sobre salário-contribuição limitado ao teto de R$ 5.839,45. O argumento é cínico, afinal, a defesa da aposentadoria integral contraria a aritmética: não há cálculo atuarial que assegure uma conta como essa. Os sindicatos dizem ainda que, no cálculo do déficit do RPPS, o governo não contabiliza as contribuições dos servidores. Isso é falso, uma mistificação.

O relatório do Tesouro mostra que a provisão previdenciária do regime dos servidores civis e militares, também conhecida como passivo atuarial, já é de R$ 1,3 trilhão (dados de dezembro de 2018). Este montante representa o valor presente do total dos recursos necessários ao pagamento dos compromissos dos planos de benefícios, deduzidos dos recebimentos futuros, calculados atuarialmente, isto é, em determinada data. Os passivos atuariais reconhecidos no balanço patrimonial da União referem-se ao RPPS dos servidores civis e, desde 2017, às pensões dos militares.

O pessoal da casta do INSS ainda leva a culpa pela maior parte do rombo previdenciário. "Como o número de beneficiários do RGPS é bem maior que os dos outros dois sistemas, seu rombo em relação ao PIB é de forma disparada o pior: 2,85%, ante 0,68% dos servidores civis (RPPS) e 0,64% dos militares", diz o documento.

O RCTN confirma que o Estado brasileiro quebrou. Só funciona ainda porque o Tesouro Nacional se endivida junto ao mercado (leia-se, à sociedade) por meio da emissão incessante de títulos públicos - em abril, a dívida bruta do governo geral, que compreende o governo federal, o INSS e os governos estaduais e municipais -, escalou para o equivalente a 78,8% do PIB, quase o dobro da média dos países emergentes.

O RCTN detalha o detalhamento da Receita Corrente Líquida (RCL) a cada ano desde 2009. No ano passado, a RCL atingiu 11,8% do PIB. As renúncias de receitas tributárias, em contrapartida, foram estimadas em R$ 283,45 bilhões no ano passado, ou 4,15% do PIB. Conforme o gráfico 45 do RCTN, esse percentual cresceu de 2,65% em 2011 para o pico de 4,71% em 2015.

O estudo mostra o peso crescente da Previdência social, cujos gastos aumentaram 134% em termos nominais desde 2009 e atingiram 37,58% do total das despesas da União. Juros e encargos da dívida avançaram 124% no mês período e ocupam o segundo lugar entre as despesas, com 15% do total. Em terceiro lugar vêm as transferências constitucionais e legais, com uma fatia de 14,32% das despesas e um avanço nominal de 97% desde 2009.


Congresso em foco: Relator da Previdência deve propor pedágio de 100% para servidor e nova idade mínima para professor

Muita água ainda vai rolar embaixo da ponte que levará ao formato final da reforma da Previdência, mas começam a ficar mais claros – e o Congresso em Foco revela aqui, com exclusividade – alguns pontos-chave do texto substitutivo que o relator na comissão especial da Câmara, Samuel Moreira (PSDB-SP), deve apresentar no início da semana que vem.

Por Sylvio Costa, do Congresso em Foco

Samuel confidenciou a parlamentares que pretende instituir um pedágio de 100% como norma de transição para os atuais servidores públicos. Um exemplo permite entender melhor como a coisa funcionaria. De acordo com a proposta de emenda à Constituição (PEC) que saiu do Ministério da Economia, se o servidor tem 58 anos e faltam seis meses para conquistar o direito à aposentadoria, ele trabalharia sete anos a mais, até completar 65.

Com o pedágio de 100%, dobra o tempo restante para início da aposentadoria, que passaria nesse caso de seis meses a um ano. Ou seja, o funcionário público se aposentaria com 59 anos. A ideia é adotar a regra para todos os servidores civis atualmente no exercício de carreiras em âmbito federal, estadual e municipal.

O relator também vai alterar os critérios propostos para os professores. A PEC do governo obriga homens e mulheres a se aposentarem com a mesma idade mínima, 60 anos. Hoje, eles se aposentam com o mínimo de 55 (homens) e 50 (mulheres). Samuel, atendendo a apelos de diversas bancadas partidárias, aceitou reduzir a idade mínima. Ainda há dúvidas, porém, quanto à fórmula a seguir. Uma alternativa é o redutor de cinco anos.

Governadores
Governadores divulgaram carta apelando ao Congresso para que mantenham os servidores estaduais e municipais na reforma da PrevidênciaPaulo H. Carvalho/Agência BrasíliaIsto é, as mulheres se aposentariam com 57 e os homens com 60 anos – cinco a menos do que o proposto pelo governo para os demais trabalhadores (62 e 65, respectivamente). Outra possibilidade é fixar a idade em 55 para mulher e 60 para homem, estendendo dessa forma em cinco anos a idade exigida pela legislação em vigor. Discute-se a possibilidade de mudar o tratamento dos policiais, para os quais o governo quer adotar a idade mínima de 55.
Quanto à questão mais polêmica da reforma neste momento, o relator está determinado a enfrentar a resistência contra a inclusão no texto dos servidores estaduais e municipais. Numa articulação que teve à frente o paulista João Doria, tucano como Samuel Moreira, 25 governadores divulgaram carta em defesa da tese (as exceções vieram da Bahia e do Maranhão, estados governados por PT e PCdoB).

Para tornar a aprovação factível, Samuel deverá propor uma espécie de “purgatório”, como diz um influente integrante da comissão especial. A reforma só valerá para os estados que a incorporarem à legislação estadual no prazo máximo de seis meses, aprovando-a em suas casas legislativas. Cogitou-se da possibilidade de se fazer isso por decreto, ato da prerrogativa dos governadores, mas esse instrumento jurídico é considerado inadequado e inconstitucional para tratar de tema tão amplo e tão nitidamente próprio das atribuições do Legislativo.

Lippi
PSDB deve fechar questão pela inclusão de servidores estaduais e municipais na reforma, diz o deputado Vitor LippiPablo Valadares/CâmaraDe acordo com o deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), os tucanos devem fechar questão pela manutenção do funcionalismo estadual e municipal na “Nova Previdência”. O Novo, também. No PSL e em vários partidos supostamente da base governista, há muitos opositores à proposta.
Estados que não entrarem na reforma, porém, ficariam excluídos do acesso a certos mecanismos facilitados de crédito e a avais da União Federal.

“Não existe nenhuma possibilidade de os deputados aceitarem incluir estados e municípios”, afirma o experiente deputado Hildo Rocha (MDB-MA). “Temos de respeitar esse princípio federativo da independência entre os diversos poderes e permitir que os estados caminhem com suas próprias pernas definindo os seus planos próprios de previdência”. Veja a entrevista com Hildo Rocha

Também deverão ser substancialmente modificadas as disposições relativas à aposentadoria rural, às pensões e aos benefícios de prestação continuada (BPC), pagos a deficientes físicos e pessoas em situação de miséria. “Para obter os 308 votos no plenário [mínimo de três quintos dos 513 deputados], tem que melhorar muito a proposta. Acredito que mais de 20 mudanças deverão ser feitas. Sem isso, não passa”, prevê o líder do Cidadania (ex-PPS) na Câmara, Daniel Coelho (PE), outro ferrenho defensor da exclusão de estados e municípios da reforma.

Vencida a batalha na comissão especial da Câmara, o texto deve ter os votos de três quintos dos deputados e dos senadores (pelo menos 49), em dois turnos de votação. Até aqui, a reforma passou apenas por um teste de fogo. Passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mais de dois meses após a proposta chegar ao Congresso. A proposta foi entregue no Congresso em 20 de fevereiro.

As alterações contemplam, sobretudo, categorias ou segmentos sociais numerosos, como professores, beneficiários do BPC, trabalhadores rurais e pensionistas. Tudo indica que os servidores serão a parte mais afetada pela reforma. Mesmo aí, ainda pode prevalecer a lógica de tirar muito de poucos e pouco de muitos. Explica-se. Se o funcionalismo estadual e municipal sair da reforma, ficarão no sacrifício somente os servidores federais. Os números de cada parcela do funcionalismo tornam esse rumo menos desgastante para os parlamentares. Enquanto há no Brasil cerca de 1,2 milhão de federais na ativa, os funcionários estaduais somam cerca de 3,7 milhões e os municipais, 6,5 milhões.

Um tema que deve ganhar evidência no debate é o da capitalização. Um dos congressistas mais identificados com a defesa dos aposentados, o senador Paulo Paim (PT-RS), assim resume a situação: “Eles vão fazer de tudo para tirar da Constituição o sistema de repartição, em que os trabalhadores da ativa contribuem solidariamente para a Previdência Social, para adotar a capitalização. Aí cada um faz poupança para si mesmo, o empregador para de contribuir, como o ministro Paulo Guedes tem dito, e o governo fica sem orçamento para pagar aposentadoria. Se isso acontecer, vai ser um desastre. O trabalhador fica sem aposentadoria e a conta não vai fechar porque o governo não terá arrecadação”.

Hildo Rocha discorda: “Eu acredito que a capitalização mista, não no modelo apresentado pelo Paulo Guedes, mas num modelo mais avançado, eu acredito que passe. Até porque a capitalização é algo bom, não é ruim”. Na tal capitalização mista, conviveriam algumas regras gerais de previdência, ainda pelo sistema de repartição, com a capitalização. Paim cita dados da Organização Internacional do Trabalho para argumentar que mesmo esse caminho é pouco promissor. “Tanto que dos cerca de 30 países que adotaram a capitalização, mais de 20 voltaram atrás”, disse.

 


Guilherme Mendes avalia necessidade de reforma tributária em artigo na revista Política Democrática online

Para o autor, endereçar a questão tributária é tão importante para o aumento da renda por trabalhador quanto a questão da educação e da infraestrutura no Brasil

Cleomar Almeida

O Brasil está entre os 10 piores países nos tributos (Banco Mundial), conforme lembra Guilherme Mendes, em artigo publicado na sexa edição da revista Política Democrática online. Segundo ele, a simplificação tributária, com a criação de um imposto único sobre o valor agregado, pode endereçar esses problemas de forma simples e eficiente. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, novo nome do PPS (Partido Popular Socialista).

» Acesse aqui a sexta edição da revista Política Democrática online

No artigo, Mendes lembra uma declaração do economista Marcos Lisboa, na FGV-SP, segundo o qual “o Brasil está ficando mais pobre. Entre 1995 e 2016, países emergentes cresceram 127% em renda por trabalhador; os EUA, 48%. O Brasil cresceu apenas 19%”. De acordo com o autor do artigo, uma parte relevante de fracasso de produtividade econômica no Brasil deve-se, de um lado, à complexidade da legislação tributária e, de outro, a oportunismos fiscais que geram distorções econômicas e iniquidades tributárias entre as classes mais baixas e mais altas.

Segundo Mendes, o processo de simplificação tributária, já ocorrida nos países desenvolvidos, com a criação de um imposto único sobre o valor agregado, pode endereçar esses problemas de forma simples e eficiente. Ele lembra que, desde a promulgação da Constituição, foram editadas, em média, por dia, 3 normas tributárias federais, 11 estaduais e 17 municipais, colocando o Brasil entre os 10 piores países nos tributos (Banco Mundial).

Mesmo assim, de acordo com Mendes, a insegurança jurídica permanece. “Estima-se R$ 4 trilhões (66% Reforma tributária como condição para o aumento da renda no País do PIB) de contencioso tributário e mais bilhões em créditos tributários a empresas sem previsão de recebimento”, afirma, para acrescentar: “Isso cresce à medida que as normas não mudam, o que, aliado ao oportunismo fiscal desincentivam o investimento estrangeiro e o crescimento de empreendedores produtivos, o que prejudica o ambiente de negócios e a renda por trabalhador.”

Para o autor, endereçar a questão tributária é tão importante para o aumento da renda por trabalhador quanto a questão da educação e da infraestrutura no Brasil.

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Ribamar Oliveira: Trabalhador fará empréstimo compulsório

Uma parte do dinheiro poupado ficará com o Tesouro

O sistema de capitalização previsto na proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo, PEC 06/2019, estabelece que cada trabalhador depositará mensalmente em sua conta individual um percentual de seu salário, ainda não definido. No entanto, uma parcela dos recursos poupados, também a ser definida em lei complementar, será apropriada pelo Tesouro Nacional, sob a forma de um "empréstimo compulsório". Ou, dito de uma outra forma, o trabalhador fará uma aplicação compulsória em título público.

O Valor conversou com técnicos do governo que participaram diretamente da elaboração da proposta. Eles explicaram que se um trabalhador depositar R$ 100 reais em sua conta, R$ 70, por hipótese, irão para o Tesouro. Isso será considerado uma forma de empréstimo do trabalhador ao Tesouro. O trabalhador terá um crédito contra o Tesouro, que será devidamente contabilizado em uma conta individual.

É como se o Tesouro ficasse encarregado de aplicar os recursos. Por isso, obviamente, esta parcela dos recursos poupados pelo trabalhador será aplicada em títulos públicos e não no mercado. Assim, em tese, estará garantido, pois não correrá os riscos inerentes às aplicações em mercado. A remuneração dessa parcela da poupança será definida pela lei complementar que irá instituir e regulamentar o sistema de capitalização. É a este mecanismo que se dá o nome de conta nocional ou capitalização nocional.

A capitalização nocional não é uma jabuticaba. É um modelo criado na década de 1990 e foi adotado por vários países, como Suécia, Noruega, Itália e Polônia, quando fizeram suas reformas previdenciárias. São dois os objetivos do modelo. O primeiro é reduzir o risco da aplicação dos recursos do trabalhador, pois a poupança que ele está fazendo é para sua aposentadoria.

O segundo objetivo é ajudar o governo a bancar o custo de transição entre o atual sistema previdenciário de repartição simples para o sistema de capitalização. Atualmente, os trabalhadores que estão na ativa financiam as aposentadorias daqueles que estão aposentados. Com o novo sistema, cada trabalhador irá depositar, mensalmente, uma quantia em sua conta individual que poderá ser capitalizada também por contribuição patronal. Ou seja, as contribuições não serão usadas para custear as atuais aposentadorias e aquelas que ainda irão ocorrer pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Assim, o RGPS terá uma redução crescente de receitas, pois todos os trabalhadores que ingressarem no mercado de trabalho poderão optar pelo sistema previdenciário de capitalização, após a aprovação da lei complementar. Com menos receitas, o déficit do RGPS tenderá a aumentar muito. Ou seja, o custo de transição entre os dois sistemas (de repartição simples para o de capitalização) será muito grande.

O governo ainda não se dispôs a divulgar o custo estimado da transição, alegando que não realizou nenhum tipo de cálculo, pois as regras do novo regime, entre elas as alíquotas de contribuição do trabalhador, só serão definidas em lei complementar. É difícil acreditar que o governo tenha proposto uma mudança tão profunda no sistema previdenciário brasileiro sem ter feito uma única estimativa sobre o custo da transição.

De qualquer forma, a PEC 06/2019 estabelece que o regime de capitalização não poderá contar com recursos públicos, ou seja, o Tesouro Nacional não poderá ser chamado a cobrir eventual déficit registrado pelo novo sistema. Os benefícios terão que ser bancados integralmente pelas contribuições dos trabalhadores e dos patrões.

No caso das contribuições patronais, a proposta do governo é que ela não incida sobre a folha de salários. A ideia é desonerar integralmente a folha de salários das empresas para, desta forma, facilitar a criação de novos empregos. A contribuição patronal será semelhante àquela feita atualmente por algumas empresas que instituíram fundos de pensão para os seus trabalhadores. No caso do RGPS, a proposta do governo é criar uma contribuição sobre pagamentos, que substituirá integralmente a atual contribuição patronal sobre a folha. "Não haverá mais contribuição sobre a folha", explicou uma fonte do governo.

A PEC 06/2019 estabelece que o menor valor do benefício do sistema de capitalização será o salário mínimo. Ou seja, mesmos os trabalhadores que não conseguirem, ao longo da vida laboral, poupar o suficiente para ter uma renda mínima ao se aposentar, eles terão direito a receber um valor equivalente a um salário mínimo. Isto não será garantido pelo governo, mas por um fundo que será constituído com parte dos recursos das contribuições dos trabalhadores e dos patrões.

A taxa de remuneração da conta nocional será definida em lei. Na Itália, a taxa de remuneração é a média móvel do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos cinco anos. Na Suécia, a taxa de remuneração é o crescimento da massa salarial. Cada país tem uma regra de remuneração. A ideia do governo, no entanto, é que ela seja inferior à taxa Selic.

Uma parcela da poupança dos trabalhadores que aderirem ao regime de capitalização será administrada por entidades de previdência públicas e privadas, habilitadas por órgão regulador, que aplicarão os recursos no mercado, de acordo com regras e limites a serem definidos. O trabalhador poderá escolher a entidade que irá gerir a sua poupança, que cobrará taxa de administração para isso. A PEC garante a portabilidade, ou seja, ele poderá transferir os seus recursos de uma gestora para outra, se assim desejar.

Muitos aspectos do novo regime ainda são desconhecidos, pois o governo só pretende discuti-los quando a lei complementar for enviada ao Congresso. A questão é que dificilmente os parlamentares aprovarão a medida sem que os pontos essenciais sejam detalhados.

Há questões de contabilidade pública que não estão claras. Aparentemente, os recursos das contas nocionais não poderão ser considerados como receita primária do Tesouro, uma vez que resultam de empréstimos compulsórios. Se não é receita primária, não poderão ser utilizados para o cálculo da meta fiscal. Se a receita resulta de uma dívida, afetará o cumprimento da chamada "regra de ouro". Tudo isso precisa de esclarecimento.


El País: Base de Bolsonaro cede ao centrão e aprova reforma da Previdência na CCJ

Na sessão que durou 9 horas, oposição tentou derrubar tramitação da proposta do Governo, mas foi atropelada por governistas que garantem vitória importante para dar andamento à reforma

Governo Jair Bolsonaro (PSL) cedeu ao centrão, passou por cima da oposição e conseguiu aprovar a admissibilidade da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A legalidade da proposta de emenda constitucional 06/2019 acabou tendo 48 votos a favor e 18 contrários. A sessão durou quase nove horas.

Para se chegar a esse resultado, o relator da proposta, Marcelo Freitas (PSL-MG), entrou em um acordo com os fisiológicos partidos que compõem o centrão e alterou seu parecer em quatro pontos: 1) o que acabava com a obrigatoriedade de a empresa recolher FGTS para aposentados e pagar multa de 40% em caso de demissão desses funcionários; 2) o que possibilitava que a alteração de idade de aposentadoria compulsória de ministros do Supremo Tribunal Federal seja feita por lei complementar; 3) o que tirava da Justiça Federal de Brasília a competência de julgar processos relativos à Previdência); 4) o que deixava nas mãos apenas do Executivo a prerrogativa de propor alterações previdenciárias.

Membro do centrão, o deputado Giovani Cherini (PP-RS) diz que a gestão Bolsonaro cedeu para não acabar sozinho. “O governo não é dono de tudo. Ele tem de aprender a dividir para poder somar”. Opositores, como Clarissa Garotinho (PROS-RJ), dizem que o acordo não acaba com injustiças, como a redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou na aposentadoria rural. “Esse relatório só tirou os jabutis. Não mexeu em nada que prejudica os pobres. Mostrem ao povo brasileiro qual é o acordo que está sendo feito. Quem será o novo líder do Governo, quem serão os novos ministros”, disse Garotinho, insinuando que pode haver troca de favores políticos com partidos para aprovar a reforma do modo que passou na CCJ.

Mesmo depois de tanta discussão, o Governo ainda correu o risco de ver a PEC ser adiada. Foi graças à intervenção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que o projeto não naufragou. A oposição reuniu assinaturas de um quinto dos deputados federais para solicitar que a tramitação fosse sustada por 20 dias. Os argumentos da oposição se baseiam nos artigos 113 e 114 da Constituição Federal, no ato das disposições constitucionais transitórias (ADCT).

O artigo 113 prevê que qualquer proposição legislativa “que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. Mas o Governo até o momento não informou quais cálculos fez para embasar sua reforma. E o outro artigo prevê exatamente essa suspensão, caso haja o apoio de um quinto dos parlamentares da casa, ou seja, de 103 deputados.

Líderes do Governo se reuniram com Maia e de lá obtiveram o apoio para dizer que essa suspensão só valeria para o mérito da proposta, não necessariamente para a sua admissibilidade, que é o que acaba sendo avaliado pela CCJ. Dessa maneira, o requerimento da oposição acabou sendo invalidado. Após essa decisão, a oposição prometeu recorrer ao Judiciário para invalidar a sessão da CCJ porque ela ignorou o requerimento de adiamento da tramitação assinado por um quinto dos deputados federais.

Desde que passou a ser debatida na Câmara, a reforma da Previdência sempre foi marcada por confusão. Nesta terça-feira não foi diferente. A oposição veio com um “kit obstrução”. Tentou emplacar uma série de requerimentos de adiamento de votação, o que gerou uma série de debates e reclamações. Teve dedo em riste para o presidente da CCJ, Felipe Francischini, teve vaias e aplausos a discursos, cartazes contra a reforma, painel de votação dando pane, membros da base reclamando da líder do Governo e gritaria sempre que algum opositor tinha seus pedidos vetados.

A presidenta do PT, a deputada Gleisi Hoffmann, aproveitou o momento para dizer que o país que foi governado pelo partido dela entre 2003 e 2016, estava quebrado. “Estou vendo aqui pessoas dizerem que nós retardamos, que nós enrolamos, que se não votar a Previdência o Brasil vai quebrar. O Brasil está quebrado, viu, gente”. Na sequência ela afirmou que os problemas financeiros do país se deviam, em grande parte, ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). Entre 2015 e 2016, o país viveu uma dura recessão.

Já o vice-líder do Governo Bolsonaro, Darcísio Perondi (MDB-RS), se enrolou ao tentar defender que a reforma proposta irá acabar com os privilégios da cúpula do funcionalismo público. “Quero esclarecer agora, de uma vez por todas, de que os pobres vão pagar mais. Pegando aquele 1,2 trilhão de reais, se olhar o valor total e absoluto, é óbvio que a contribuição em dez anos, é mais dos pobres”. Depois, tentou explicar que, proporcionalmente, os ricos pagariam mais.

Com uma semana de atraso, a CCJ acabou aprovando o parecer de Marcelo Freitas. A expectativa na Casa é que na próxima quinta-feira seja instalada a comissão especial para analisar o mérito da matéria. Os trabalhos, contudo, só iniciarão de fato no dia 7 de maio porque na próxima semana o feriado de 1º de maio, do dia do trabalhador, deverá esvaziar o Congresso Nacional. Rodrigo Maia prevê que até o recesso do Legislativo, em 15 de julho, a reforma seja votada na Câmara.