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Reforma agrária, agroecologia e desmatamento zero: MST lança carta ao povo brasileiro
Brasil de Fato*
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) publicou uma carta aos brasileiros, nesta terça-feira (29), na qual defende propostas relacionadas à reforma agrária e ao desmatamento zero que serão levadas para o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Contribuiremos de todas as formas possíveis para que elas sejam aplicadas", afirma o MST na carta.
Entre as propostas, estão o fortalecimento da agricultura familiar e a distribuição de terras, principalmente aquelas que estão situadas próximas às cidades.
"Não precisamos derrubar mais nenhuma árvore. Precisamos, sim, é de um Plano Nacional de Reflorestamento urgente, plantando milhões de arvores, em todo país, em todos os biomas, no campo e na cidades", diz um trecho da carta.
O movimento também defende a implementação de políticas públicas que visem a soberania alimentar, a partir da produção de alimentos saudáveis em todo o país. Por isso, também propõe o estímulo à agroecologia com ferramentas modernas, "sem agredir a natureza, gerando mais empregos e melhorando a produtividade física das lavouras".
Leia a carta na íntegra:
"Carta do MST ao povo brasileiro
O Brasil vive a pior crise de sua história, que se manifesta na economia, na sociedade, no aumento da desigualdade social, nos crimes ambientais, na fome, no desespero e falta de perspectiva que atinge mais de 70 milhões de trabalhadores. Tudo isso se aprofundou nos últimos seis anos, após o golpe contra o Governo Dilma e os quatro anos de um governo neoliberal com praticas fascistas e autoritárias.
A vitória política de Lula nas últimas eleições revelou a vontade da maioria dos brasileiros de mudarmos os rumos, retomarmos os caminhos democráticos, para resolver os problemas urgentes da população brasileira. Essa vitória foi fruto de uma ampla aliança social de todas as forças progressistas e, certamente, marcará também um governo de Frente Ampla, com os mais diversos setores representados.
O Governo Lula terá o desafio fundamental de enfrentar em caráter emergente as necessidades fundamentais do povo, como o combate à fome, ao desemprego, e investimentos pesados em educação e saúde. E no médio prazo debater com toda sociedade um novo projeto de país, fundado na reindustrialização e na agricultura produtora de alimentos saudáveis, única forma de retomarmos o crescimento econômico com justiça social.
Na agricultura, se enfrentam há décadas três modelos de organização da produção. O latifúndio predador, que enriquece com a especulação imobiliária e da apropriação das riquezas naturais; O agronegócio, que produz apenas commodities agrícolas para exportação, concentrados em apenas cinco produtos (soja, milho, cana, algodão e pecuária bovina). Os fazendeiros enriquecem, mas não pagam impostos à sociedade graças às isenções das exportações e agridem a natureza com o desmatamento, o uso de agrotóxicos e o monocultivo. E o terceiro modelo é da agricultura familiar, que usando mão-de-obra familiar protege a natureza e se dedica a produzir alimentos para suas famílias e para o mercado interno.
Nossa Constituição Federal exige que a Terra cumpra sua função social, produzindo racionalmente, respeitando a legislação trabalhista e o meio ambiente. Assim como nossa Constituição, defendemos sempre que o latifúndio é antissocial e deve ser banido e o agronegócio precisa assumir sua responsabilidade socioambiental, adequar-se as necessidades da sociedade, pagar impostos, parar de usar agrotóxicos e dar condições de dignidade os seus trabalhadores.
Defendemos a agricultura familiar e dentro dela a distribuição de terras dos latifúndios, sobretudo nas proximidades das cidades, para que se multipliquem as famílias camponesas produtoras de alimentos.
Defendemos o desmatamento zero. Não precisamos derrubar mais nenhuma arvore. Precisamos, sim, é de um Plano Nacional de Reflorestamento urgente, plantando milhões de árvores, em todo país, em todos os biomas, no campo e na cidades. Condição necessária para combater as mudanças climáticas que afligem a população em todo território e a todo planeta.
Defendemos que o novo governo deve implementar urgentemente diversas medidas de políticas públicas – como os Programas de Aquisição de Alimentos e de Alimentação Escolar - buscando a soberania alimentar e para que se amplie imediatamente a produção de alimentos saudáveis em todo pais. E que se usem os mecanismos de aumento de renda, via Bolsa Família, e aumento do salário mínimo e do emprego para que o povo tenha condições de se alimentar dignamente.
Defendemos o estímulo da agroecologia como um modelo tecnológico que busca produzir alimentos saudáveis, sem agredir a natureza, gerando mais empregos e melhorando a produtividade física das lavouras. Garantindo assim saúde para nosso povo.
Defendemos um programa urgente de implementação de máquinas agrícolas para agricultura familiar, para que possamos aumentar a produtividade do trabalho, diminuindo o sacrifício humano.
Defendemos a implantação de um amplo programa de agroindústrias cooperativadas em todos os municípios, para beneficiar alimentos e gerar emprego e renda para mulheres e jovens no campo. Devemos combater todas as forças de exploração no campo, como o trabalho escravo, e as péssimas condições dos assalariados sem direitos trabalhistas. Devemos combater o garimpo e ação perversa das mineradoras que depredam nosso meio ambiente e riqueza natural apenas em função do lucro privado. Os bens da natureza devem estar subordinados às necessidades de todo povo.
Defendemos um amplo programa de educação e cultura no meio rural que dê oportunidade a todas as pessoas, em especial aos jovens, que erradique o analfabetismo, ofertando todas as formas de escolarização no interior do país, que preserve e fomente as manifestações e expressões culturais do povo.
Combateremos e denunciaremos todas as formas de violência, discriminação, racismo, misoginia, LGBTfobias e intolerância religiosa que foram alimentados pelo bolsonarismo fascista.
Levaremos essas propostas e ideias para o próximo governo Lula e contribuiremos de todas as formas possíveis para que elas sejam aplicadas.
Nossa missão maior, é seguir organizando o povo, para que lute por seus direitos, consagrados na Constituinte de 1988, pois sabemos que sem mobilização popular não haverá nenhuma mudança verdadeira no país.
Esses são nossos compromissos, que queríamos reafirmá-los para toda sociedade brasileira, em tempos de crise e de mudanças necessárias."
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Sérgio Besserman Vianna: Corredores da vida
Temos o poder de degradar severamente a natureza de nosso tempo
O Ministério do Meio Ambiente criou o Programa Conectividade de Paisagens — Corredores Ecológicos, aos quais está dando prioridade. Governos estaduais e municipais, empresas privadas, ONGs e atores sociais e individuais também procuram priorizar em seus programas de reflorestamento a conectividade entre territórios conservados ou sendo restaurados.
Parece algo importante, mas é muito mais do que isso. Um quadro com nove “limites planetários” — espaço operacional seguro para a manutenção da humanidade — foi definido em 2009 por um grupo de cientistas ambientais liderado por Johan Rockström, do Stockholm Resilience Centre, na Suécia, e Will Steffen, da Universidade Nacional Australiana.
Os “limites do planeta” não são um problema para a natureza da Terra. Esta conta seu tempo em milhões, dezenas de milhões de anos. A humanidade não tem capacidade de fazer mal à natureza nesse tempo longo. Entretanto, temos, no nosso tempo curto, contado às dezenas ou centenas de anos, o poder de degradar severamente a natureza de nosso tempo e, dessa forma, afetar também severamente as condições de vida e bem-estar da humanidade nas próximas décadas.
A humanidade já ultrapassou, entrando na “zona de perigo”, quatro dos nove “limites planetários”, segundo estudo atualizado publicado pelo mesmo grupo na “Science” de janeiro de 2015. São eles: a alteração do ciclo biogeoquímico do nitrogênio e fósforo, mudanças no sistema terrestre, as mudanças climáticas e a crise de biodiversidade, as duas últimas consideradas fronteiras fundamentais.
O risco envolvido no último limite citado, a extinção das espécies, inclui a queima da “Biblioteca de Alexandria Natural”, ou seja, o reservatório genômico das espécies que serão extintas para todo o sempre. Mas, na verdade, o risco é muito maior.
A perda de integridade da biosfera pode acarretar colapsos ecossistêmicos, ruptura de cadeias alimentares e, com isso, causar grandes perdas e muito sofrimento, especialmente para os mais vulneráveis, os pobres de todo o mundo, contados às centenas de milhões.
Suas maiores causas são o uso do solo (desmatamento e outras destruições) e as espécies exóticas. Mas aproxima-se uma ameaça ainda maior, que põe em risco até mesmo a eficiência das políticas de conservação e restauração: as mudanças climáticas, que tornarão hostis a muitas espécies seus habitats atuais, mesmos os de áreas conservadas.
Muita ação humana, ciência, luta e paixão serão necessárias para enfrentar tamanho desafio. Mas para que os seres vivos possam enfrentar o impacto destruidor das mudanças climáticas, o principal será fornecer à natureza os meios para que ela mesma descubra e construa caminhos para a adaptação ao novo clima.
A ferramenta principal é a conectividade entre os espaços naturais remanescentes ou restaurados, os corredores ecológicos, ou corredores da vida.
* Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro