reeleição

Fim da fila da vacina para quem tentar escolher o fabricante

O sommelier de vacina é um egoísta, um baita ignorante

Mariliz Pereira Jorge / Folha de S. Paulo

A Prefeitura de São Paulo, a exemplo do que já tinha feito a de Belo Horizonte, decidiu que vai para o fim da fila quem tentar escolher o fabricante do imunizante contra Covid-19. Aos críticos dos sommeliers a medida parece justa. Quem muito escolhe fica sem nada.

Com mais de 550 mil mortes, parece suicídio recusar qualquer que seja a oferta. Então, que se lasquem. Eu mesma pensei assim, num primeiro momento. Mas não é uma questão de revanche contra quem brinca com a própria sorte numa pandemia.

A medida não parece tão simples de ser cumprida. Aos profissionais de saúde, que já têm a enorme responsabilidade do corpo a corpo com a população, caberia fiscalizar e punir os dribladores. Num país onde a frase favorita é "você sabe com quem está falando?", dá para imaginar de que lado a corda roeria.
Parece também muito fácil chegar a um posto de saúde qualquer e, antes de entrar na fila, obter a informação sobre qual imunizante está sendo aplicado e dar marcha à ré, sem ser enquadrado nem receber uma advertência por escrito. Fazer de conta que o sommelier vai ficar de castigo faz barulho nas redes sociais, ganha espaço na impressa, mas resolve pouco o que de fato importa: ter vacinas, várias, para todos.

Importante dizer que o sommelier de vacina é um egoísta. E um baita ignorante. Sabemos que os imunizantes disponíveis têm performances distintas, mas os aprovados funcionam dentro de um plano nacional que inclui diferentes laboratórios.

Mais vale a maior parte da população vacinada com um imunizante que tem 50% de eficácia do que nem metade imunizada com um mais eficaz, como acontece nos Estados Unidos. O país já enfrenta uma nova pandemia, a dos não vacinados, e vê o número de casos e de internações disparar entre os negacionistas, que representam mais de 95% das mortes pela Covid-19 em alguns estados. Então, pior do que tomar qualquer uma, é não tomar nenhuma.


A batalha das variantes da pandemia da Covid-19

Resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta

Hélio Schwaetsman / Folha de S. Paulo

variante delta vai provocar uma terceira onda de Covid-19 no Brasil? Não sabemos, mas essa é uma possibilidade para a qual precisamos estar muito atentos.

Lidamos aqui com um experimento biológico inédito, que consiste em lançar a nova variante num ambiente em que a cepa dominante é a gama. É Darwin quem dá as cartas. Se a delta apresentar uma vantagem competitiva sobre a gama, então a variante que fez sua primeira aparição na Índia deverá se espalhar com rapidez entre nós, com grandes chances de provocar um novo round de contaminações. A delta já mostrou que é capaz de vencer a alfa e a beta.

Há, é claro, outros fatores a considerar. O mais importante é a quantidade de pessoas que ainda são suscetíveis à infecção por Covid-19. Mesmo que a delta seja muito mais contagiosa do que a gama, a devastação que ela pode causar ficará limitada se a grande maioria da população já estiver imunizada, por vacinas, por ter se recuperado da doença ou por uma combinação dos dois.

E aqui, de novo, a delta preocupa. O Brasil já vacinou 62% da população adulta com a primeira dose, mas apenas 24% estão com o esquema completo. Estudos sugerem que a imunização parcial, que já assegura uma proteção razoável contra as variantes tradicionais, não funciona tão bem contra a delta. Mesmo países que estavam bem mais adiantados na imunização (e com um gap menor entre primeira e segunda doses), como Israel, Reino Unido e EUA, experimentaram repiques quando a nova variante se espalhou.

Nesse contexto, resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta. Não é obviamente o caso de promover lockdowns preventivos, mas prefeitos e governadores deveriam redobrar a cautela antes de relaxar restrições que ainda estão em vigor. É politicamente muito mais custoso ter de recuar em alguma liberação do que prosseguir com cuidado na reabertura. As próximas semanas nos trarão as respostas.


PP escancara a porta para Bolsonaro, mas sob certas condições

Tudo é uma questão de confiança

Blog do Noblat / Metrópoles

Entende o novo chefe da Casa Civil da presidência da República, o senador Ciro Nogueira (PI), que se filiar ou não ao Progressista (PP) é uma decisão que cabe unicamente a Jair Bolsonaro. A porta do partido está escancarada para que ele entre. Será bem recebido.

É só uma questão de Bolsonaro confiar menos ou mais nas chances de se reeleger por um partido de médio porte. O PP ganharia com isso porque certamente aumentaria suas bancadas nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado.

O PSL era um partido nanico até que Bolsonaro o escolhesse para ser candidato a presidente da República. Hoje, mesmo tendo sido abandonado por ele, é dono da segunda maior bancada de deputados na Câmara. Deverá reeleger parte dela.

Mas que Bolsonaro não conte com as facilidades que o PSL lhe ofereceu à época, as mesmas que o PTB e outras siglas lhe oferecem hoje. O PP tem muitos donos e interesses diversos nas regiões do país. Nada disso poderá ser desconsiderado.

O que o Centrão prepara para servir ao general Augusto Heleno

Nada como um dia depois do outro

A sabedoria política ensina que a vingança é um prato que se come frio. Os líderes do Centrão nunca engoliram a ofensa que lhes fez o general Augusto Heleno, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República.

Quando Bolsonaro lançou-se candidato em 2018, criticou o Centrão chamando-o de nata do pior que existia no Brasil, e disse que jamais se juntaria a ele. Foi no Centrão que Bolsonaro nasceu para a política. Sua reconversão ao Centrão basta para perdoá-lo.

Mas, o general, não. Segue em dívida desde que aproveitou um evento da campanha de Bolsonaro e cantou: “Se gritar pega Centrão não fica um, meu irmão”. A vingança está programada e será servida se Bolsonaro se filiar a um dos partidos do Centrão.

Nesse caso, o general será convidado a filiar-se também. E, se quiser, poderá até disputar um mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ou pelo Estado que preferir.


Está uma farra danada

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão

Zeina Latif, O Globo

É amplamente reconhecido que a excessiva fragmentação partidária constrange a governabilidade do presidente, pois dificulta a conquista de apoio majoritário no Legislativo. Como aponta Carlos Pereira, a saída encontrada pelos constituintes para conciliar multipartidarismo e presidencialismo foi delegar mais poderes ao Executivo.

 Permitiu-se assim coalizões pós-eleitorais, ao que Sérgio Abranches denominou “presidencialismo de coalizão”. Trata-se de dividir recursos políticos com aliados, como cargos e recursos, em troca de apoio. Não é uma exclusividade brasileira, mas talvez aqui a dependência seja maior.

As reformas eleitorais dos últimos anos começam a surtir efeito, mas há um longo caminho adiante. As cláusulas de desempenho e a proibição de coligações eleitorais para cargos legislativos têm levado à redução do número de partidos. Em 2018, atingiu-se o pico de 30 partidos no Congresso; atualmente são 24 — cifra muito distante dos 12 em 1986.

Os cientistas políticos ensinam que o presidencialismo de coalizão é inevitável; não é uma escolha do presidente. O que varia é sua qualidade: se está associado a um projeto de governo estruturado; o quanto um presidente cede a pressões, a depender de sua força e habilidade política; e seu desenho — por exemplo, ao ceder mais cargos, respeitando o peso legislativo de cada partido aliado, despende-se menos recursos.

Sendo inevitável, era uma questão de tempo Bolsonaro abandonar o discurso da “nova política”. No primeiro ano de governo, com capital político elevado, foi possível driblar a realidade, contando ainda com um Congresso reformista.

Em 2020, porém, assistimos à sua aproximação com o centrão; não por compreender a essência do presidencialismo de coalizão, mas porque precisou ceder, frente à desidratação precoce de sua popularidade.

Do outro lado do balcão, Bolsonaro encontra agora aliados com, aparentemente, menor apetite por ministérios (setoriais e sociais) de um governo mal articulado e com chances limitadas de reeleição. A principal moeda de troca é outra: dinheiro na mão, para beneficiar currais eleitorais e elevar as chances nas urnas em 2022. É o caso das emendas parlamentares.

A novela começou no governo Dilma, que tinha a fama de não honrar acordos políticos. Em 2015, uma Emenda Constitucional (EC) fixou valor para emendas individuais (1,2% da receita corrente líquida prevista no Projeto de Lei Orçamentária). Com Bolsonaro, mais desconfianças.

Em 2019, uma EC definiu que os recursos devem ser transferidos diretamente aos estados e municípios, sem controle da União, e outra tornou obrigatórias as emendas de bancada (equivalem a 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior).

A baixa confiança nos presidentes levou, provavelmente, os congressistas a blindarem seus recursos. O resultado foi o aumento da rigidez orçamentária e a redução dos instrumentos de negociação do presidencialismo de coalizão, já que essas emendas estão garantidas.

Assim, foram necessárias novas concessões. Foi criada a emenda do relator para o orçamento de 2020 — mantida para 2021. Não é impositiva, mas consome valor expressivo (R$20 bilhões em 2020).

No total, as emendas parlamentares alcançaram R$35 bilhões em 2020. Seria importante reduzi-las, mas não se resolveria o problema. Os parlamentares buscariam outros caminhos para obter recursos políticos. Se aperta aqui, escapa ali. Exemplos recentes disso são a proposta de fundo eleitoral inflado, a reforma tributária populista que o Congresso quer chamar de sua e o novo Bolsa Família mal desenhado.

Isso sem falar do que já foi aprovado, como os jabutis no projeto de capitalização da Eletrobras. O Orçamento de 2022 promete dor de cabeça.

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão. Não se trata de prover governabilidade em benefício de uma agenda de governo estruturada, mas sim de um casamento de conveniência em que o presidente-refém sobrevive e o grupo maximiza seus ganhos.

A fraqueza de Bolsonaro aumenta o poder de barganha do Centrão, mas o impeachment não o interessa, pois demandaria a repactuação de acordos com alguém desconhecido.

Bolsonaro fere o espírito de um bom presidencialismo de coalizão. Em um cenário de renovação política, caberá ao próximo presidente acabar com essa farra.


Brigar com vice é mau negócio. O Brasil não precisa de mais esse rolo

Elio Gaspari /O Globo

Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.

Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.

Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50 anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral, enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não dá sorte.

Mourão foi escolhido às pressas (o preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura. Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.

Mourão está acima da média da equipe de Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.

O pior que pode acontecer a um país com mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker (vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.

É sabido que o presidente e seu vice afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.


'Posto Ipiranga' de Bolsonaro, Paulo Guedes virou apêndice

Vera Magalhães, O Globo

Pouco importa que Paulo Guedes encontre justificativas para qualquer disparate que saia da cabeça de Jair Bolsonaro. Ou que regateie quanto aceita perder de aparato de seu ministério não para gerar empregos no país, mas para empregar Onyx Lorenzoni.

Esses sinais externos de esvaziamento são apenas isso, sintomas. O cerne do momento vivido pelo ministro da Economia — não de hoje, mas há tempos — é que a sua política, aquela reformista, liberal, privatizante, vendida na campanha e até hoje enunciada em entrevistas cada vez mais desprovidas de capacidade de convencer mesmo os dispostos a acreditar, morreu na bacia das almas do pragmatismo político.

Bolsonaro nem tenta mais disfarçar: disse que a Casa Civil é o ministério mais importante do governo. E ele está sendo dado numa bandeja de prata ao partido que é o expoente mais poderoso do antes excomungado Centrão.

Para isso, Bolsonaro não hesitou em despachar o general Ramos e em arrancar mais um naco do poder e da imagem pública do seu antes “Posto Ipiranga”.

Guedes deve saber, em algum recôndito de sua consciência ainda não capturado pelo bolsonarismo que a tudo corrompe, que seu papel hoje no arranjo para manter o presidente vivo é acessório, quando não francamente indesejável.

Bolsonaro precisará dar um cavalo de pau na política fiscal para pagar um Bolsa Família que pretende rebatizar e com que espera recuperar a corrosão de intenções de voto que sofre em praticamente todo o Brasil, mas sobretudo nas camadas mais pobres e na Região Nordeste, a mais dependente dos programas de transferência de renda, perenes ou emergenciais.

Nessa hora, o papel de Guedes será o do Grilo Falante no desenho do Pinóquio: o chato que fica advertindo que não vale a pena se desviar do caminho da escola, que o boneco de madeira deve ser bonzinho e não mentir nem matar aulas.

Bolsonaro já está totalmente entregue à tutela de Nogueira e companhia, a quem já deu tanto poder que, quando e se resolver se impor, não terá como fazê-lo.

Com o ministro da Economia, o presidente aprendeu que pode sempre apertar o torniquete, porque ele aceita. Percebem? Enquanto Ciro, Arthur Lira e outros do antes rechaçado establishment político dão as cartas e jogam de mão, a Guedes e até mesmo aos militares sobra o bagaço da laranja.

E fazer cara de paisagem e fingir que acreditam que cada redução de suas prerrogativas e de sua margem de atuação interna se deve a novas diretrizes administrativas, como se algum dia a era bolsonarista tivesse sido um governo — com metas, planejamento, norte —, e não, desde sempre, um projeto de acomodação familiar, empulhação ideológica e aparelhamento do Estado até não sobrar praticamente nada intocado.

As tarefas de um Guedes subalternizado em relação ao Centrão serão pagar a conta do Bolsa Família, se possível encontrar uma mágica para conter a inflação de itens básicos, como combustíveis, gás e conta de luz, e fazer vista grossa a um possível jogo de cena no “veta, não veta” ao fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões.

Tudo isso dentro de um Orçamento já capturado pelo mesmo Centrão, que administra uma gorda fatia por meio das emendas do relator — outra excrescência que Guedes topou metabolizar porque o chefe assim decidiu.

É claro que o ministro usará qualquer soluço positivo da economia, ou o avanço de agendas pontuais de sua pasta no Congresso, para construir para si e para o público a história de que vai tudo bem, conforme o previsto, e de que há liberalismo depois do arco-íris ou de uma cada vez mais cara e custosa reeleição do capitão.

Mas episódios como a reacomodação ministerial deste julho conturbado mostram que o ministro que seria o coração e o cérebro do governo agora foi reduzido a um apêndice. E que aceita o papel, ainda com um sorriso amarelo no rosto.


O pacto com o Centrão

Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. O PP é o antigo PDS, originário da Arena, partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, na manhã de ontem, depois de duas horas e meia de conversa, a indicação do senador Ciro Nogueira (PI), presidente doPP, para o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. Entre suas tarefas, estão a coordenação dos principais programas do governo, a participação nas decisões sobre remanejamento de verbas do Orçamento, a construção de alianças regionais e a articulação com o Congresso Nacional, na qual terá dois objetivos prioritárias: domar a CPI da Covid no Senado, em que os governistas estão em minoria, e articular a aprovação do voto impresso na Câmara. São duas missões quase impossíveis, a esta altura do campeonato.

O repertório de mudanças bem-sucedidas no Palácio do Planalto, em momentos de apuros, não é pequeno. Entretanto, também houve fracassos. Um deles ocorreu no governo Collor, quando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, assumiu a recém-criada Secretaria de Governo. Collor tentara manter seu governo afastado do jogo político-partidário e, por meio de medidas provisórias, viabilizar seu programa. Entretanto, no início de 1992, o recrudescimento da inflação, o crescimento do desemprego e as denúncias envolvendo membros do governo levaram-no a buscar uma base parlamentar que lhe assegurasse apoio.

Havia duas hipóteses: ceder alguns postos ao PSDB, que fracassou; ou trazer para o governo o PDS (atual PP), o PTB e o PL, a solução adotada. Entretanto, Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou a existência de vasto esquema de corrupção no interior do governo, que teria sido montado por Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro de sua campanha presidencial. Em consequência, uma CPI no Congresso começou a investigar o governo. Na ocasião, Bornhausen afirmou: “As CPIs nunca deram em nada”. No final de agosto, porém, aconselhou Collor a renunciar ao mandato. O resto da história todos já sabem.
Outro fracasso foi a indicação de Michel Temer, vice-presidente da República, como articulador político do governo, após a vitória do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara, contra o petista Arlindo Chinaglia (SP), candidato da presidente Dilma Rousseff, que interferiu na eleição e foi derrotada. Temer assumiu em 7 de abril de 2017, após as manifestações ocorridas no mês anterior, quando milhares de pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma. As funções da Secretaria de Relações Institucionais passaram à alçada da Vice-Presidência. Temer procurou acalmar os ânimos, porém, quatro meses depois, deixou a articulação, alegando ter sofrido boicote em seu trabalho. Ainda se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lideranças do PMDB, na tentativa de aproximar o partido do governo.

Sede de poder
Dilma fizera uma reforma ministerial em 5 de outubro, cortando oito da 39 pastas e ampliando o espaço do PMDB, que passou de seis para sete ministérios, incluindo a pasta da Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; dos Portos; Agricultura; Minas e Energia; Turismo e Secretaria de Aviação Civil já eram controlados pelo PMDB. Entretanto, em 2 de dezembro, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acatou um dos pedidos de abertura do processo de impeachment de Dilma. Dias depois, Eliseu Padilha deixou o governo e, em seguida, Michael Temer enviou carta à presidente da República na qual afirmou: “Passei os quatro anos de governo como vice decorativo… Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. O desfecho da crise todos também conhecem.

O presidente Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. Tudo bem que o PP seja o antigo PDS, originário da Arena, o partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas gulosas. A repactuação do “sistema de poder” entre os militares, as oligarquias nordestinas, as igrejas evangélicas e setores empresariais que apoiam o governo, sobretudo do agronegócio, depende de três variáveis: uma redistribuição de cargos na Esplanada, principalmente nos ministérios “capilarizados”; a retomada do crescimento econômico e um horizonte eleitoral nos estados no qual Bolsonaro consiga resgatar sua expectativa de poder nas eleições de 2022.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-pacto-com-o-centrao

Carol Pires: Bolsonaro contra as mulheres

Bolsonaro já tem esboçado um projeto de lei que institui o 8 de outubro como Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. É o prenúncio de uma ofensiva contra direitos arduamente conquistados. E também um aceno aos seus idólatras.

Nos últimos dois anos, foram apresentados 43 projetos de lei no Congresso sobre interrupção voluntária da gravidez —praticamente a mesma quantidade oferecida entre 1995 e 2018. Dos atuais, 11 são de autoria da deputada fluminense Chris Tonietto, do PSL, que dedica seu mandato a cercear o direito das mulheres.

O projeto mais recente de Tonietto quer vetar o serviço de aborto por telemedicina, fundamental para cumprir o direito de mulheres em meio à pandemia. No mais retrógrado, quer proibir o aborto em casos de estupro e até mesmo quando a mulher corre risco de morte. Justifica que “nunca ocorre o caso em que o aborto é necessário para salvar a vida da gestante”. Por ignorância, crueldade ou para ocultar que a pauta é de saúde pública, ela ignora casos de eclampsia, diabetes gestacional, anemia grave e o risco aumentado de hemorragia pós-parto para menores de 15 anos.

Represados pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, projetos desse nível podem contar com a cumplicidade de Arthur Lira, sócio oportuno do bolsonarismo. Seria um reforço de peso ao Executivo, que vem fazendo estragos através da pastora Damares Alves (que tentou até mesmo impedir que uma criança vítima de violência sexual tivesse o acesso ao aborto garantido por lei) e do Ministério da Saúde, que já editou portarias impondo constrangimento às vítimas de estupro.

Em minoria no Congresso, os progressistas não têm ambiente político para armar uma pauta propositiva. Por terem cedido à pressão de líderes religiosos conservadores enquanto estiveram no poder, hoje precisam atuar na contenção de danos. É urgente que se posicionem, porque a linha de ataque do outro lado está formada.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/bolsonaro-contra-as-mulheres.shtml


Hélio Schwartsman: Suborno vacinal

Enquanto a maior parte dos países ainda se esforça para conseguir doses de vacinas contra a Covid-19 para cidadãos ávidos por tomá-las, os EUA já começam a ter de lidar com o problema das pessoas que resistem a imunizar-se. Não é uma questão trivial.

Pelo que leio na imprensa americana, especialistas agora estão dizendo que, diante da resistência vacinal, das variantes, das reinfecções e da porosidade das fronteiras, o mais provável é que jamais antinjamos a famosa imunidade de rebanho —o limiar de indivíduos vacinados ou recuperados a partir do qual o vírus já não conseguiria circular numa dada população.

Isso significa que a doença deve continuar entre nós, causando hospitalizações e mortes —mais ou menos como ocorre com a gripe. O que se espera é que, com a vacinação e revacinações periódicas, consigamos diminuir drasticamente a ocorrência de quadros mais graves, de modo que possamos retomar a normalidade (ainda que com modificações).

Nesse contexto, é importante tentar reduzir tanto quanto possível a resistência à imunização. Pragmáticos, os americanos estão testando ideias para isso. Uma delas, pagar as pessoas para serem vacinadas, pode funcionar. Uma pesquisa da UCLA com americanos ainda não vacinados mostrou que um incentivo de US$ 100 deixaria 34% deles mais propensos a dar o braço à seringa. Se o prêmio for de US$ 50, a proporção cai para 31% e, se for de US$ 25, para 28%.

Será que é ético pagar um indivíduo para fazer o que é melhor para si, como tomar vacinas, parar de fumar, perder peso, tirar boas notas? Muita gente torce o nariz para isso. Vê aí um tipo de corrupção, não apenas dos agentes mas também da própria atividade. Se eu “suborno” alguém para ler um livro, desvirtuo o sentido da educação. Penso exatamente o contrário. Se existe um atalho, ele funciona bem e produz resultados que têm relevância pública, é tolice não utilizá-lo.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/suborno-vacinal.shtml

 


Ricardo Noblat: PSD de Kassab terá candidato a presidente na eleição de 2022

Poucos metros separam os hotéis onde estão hospedados em Brasília o ex-presidente Lula e o ex-prefeito de São Paulo e presidente do Partido Social Democrático (PSD) Gilberto Kassab.

Nos corredores do Senado, enquanto o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta depunha na CPI da Covid-19, espalhou-se a notícia de que Lula e Kassab tomariam café juntos.

Fake news. Até o início da noite, Lula não havia convidado Kassab para uma conversa ao pé do ouvido. Os dois ficarão em Brasília até amanhã. Mas se convidar, Kassab irá.

“Sou uma pessoa educada e não recusaria o convite de um ex-presidente da República”, disse Kassab a este blog. O que não quer dizer que Kassab admite apoiar Lula na eleição do ano que vem.

“O PSD terá candidato a presidente, mas não será do PT”, garante Kassab, e para por aí. Não disse se será um candidato próprio ou de outro partido. Mas não será nem Lula nem Bolsonaro.

Fundado em 2011, o PSD apresentou-se à época como um partido que não seria de direita, nem de esquerda, nem de centro. Dez anos depois, o PSD pode ser de direita, de esquerda ou de centro.

Tudo depende do momento e das alianças possíveis a serem feitas nos Estados e Municípios. Kassab prefere chamar isso de “pragmatismo responsável em favor do país”. Vá lá que seja…

O prefeito do Rio Eduardo Paes já foi do PV, PFL, PTB, PFL de novo, PSDB, PMDB e DEM. Filiou-se, ontem, ao PSD de Kassab, que poderá ser o destino de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Parte do PSD carioca corteja o governador Cláudio Castro, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Mas Castro ficará onde está ou irá para onde o presidente Jair Bolsonaro mandar.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/psd-de-kassab-tera-candidato-a-presidente-na-eleicao-de-2022


Fernando Exman: A CPI entre o eleitor na ponta e o poder central

Disse certa vez um experiente parlamentar a seu herdeiro político: “Brasília é um perigo porque é uma bolha. É um equívoco as pessoas acharem que Brasília é real. Em Brasília, nós estamos sempre de passagem. A pessoa não pode achar que é senador e Brasília é eterna. Ela tem que passar aqui três ou quatro dias e voltar para o mundo real toda semana, porque é de lá que a vida real a alimenta. A bolha acaba te retratando uma realidade que difere do que acontece na ponta”.

Esse ensinamento de pai para filho ocorreu num passado longínquo – bem antes de o novo coronavírus surgir, espalhar-se pelo mundo, provocar uma tragédia humanitária e o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela péssima condução do enfrentamento da pandemia no Brasil. E vale ponderar que a capital federal mudou desde então: o aumento da pobreza é perceptível para aqueles que se propõem a observar o que vem ocorrendo nas ruas, mesmo que através dos vidros fumês dos carros oficiais. O Distrito Federal também enfrenta desafios para vacinar seus habitantes.

Mas, o conselho permanece atual. Explica, em parte, a postura de governadores e de seus aliados no Senado Federal. Está evidente a divisão entre os senadores que foram escalados na CPI para defender o poder central, aqueles que pretendem atacar seus adversários locais e os que de alguma forma dão suporte político, a partir de Brasília, às administrações que atuam na ponta.

Muitos senadores e governadores, estes se convocados, demonstrarão mais preocupação com as mensagens que chegarão à tal “ponta”. É lá que o cidadão vive, morre, passa fome, vê seus familiares e amigos sofrerem. Foi onde faltaram leitos de UTI, oxigênio, equipamentos individuais de proteção. Na ponta, as doses de vacina ainda demoram a chegar.

Segundo o Ministério da Saúde, aliás, o impacto esperado das ações de vacinação só tem início após cerca de 30 dias da distribuição das doses. A estimativa considera o tempo da operação logística e o período necessário para o desenvolvimento da resposta imune da população.

Do ponto de vista político, o que se tem certeza é que o calendário eleitoral de 2022 aguarda a todos e será devidamente observado – com ou sem pandemia. E é por isso que, se convocados, governadores prestarão depoimentos olhando mais para seus Estados. Buscarão os ouvidos dos eleitores.

Para alguns deles, as pautas que determinarão o resultado das eleições do ano que vem são as iniciativas voltadas à atenção à saúde e as medidas de apoio econômico que cada um tiver adotado durante a crise. Muitos Estados lançaram seus próprios pacotes de socorro e auxílios emergenciais, uniram-se a fim de comprar equipamentos e, agora, tentam adquirir vacinas.

“A sociedade espera de quem foi eleito encontrar solução e não ficar buscando culpados ou adversários. Fomos eleitos para buscar soluções”, diz um governador. “O cidadão que está sofrendo em casa espera do seu líder uma mensagem de solução e de esperança. É isso que temos que garantir para a sociedade. Isso não é empurrar com a barriga. Por isso nós fomos buscar a vacina.”

Um outro governador reclama da demora na chegada de novas levas de imunizantes e alerta que a falta de informações atualizadas e detalhadas sobre a população, em razão de dificuldades orçamentárias para a realização do censo, é algo que preocupa. Pode haver dificuldades na execução de políticas públicas na área da saúde, inclusive durante o processo de vacinação.

Fica também claro o roteiro defendido pelos porta-vozes do Executivo. De acordo com eles, deve-se ter alternância entre as testemunhas. A ideia é poder gerar pelo menos alguns constrangimentos a governadores e prefeitos.

Elaborada a partir do Palácio do Planalto, essa estratégia pretende destrinchar as denúncias de eventuais desvios de recursos transferidos para Estados e municípios, possíveis fraudes em licitações, irregularidades em contratos, superfaturamentos e assinaturas de contratos com empresas fictícias. Ou seja, depurar como se deu o uso das verbas pelos entes federados.

Não se trata de pouco dinheiro. Um dos requerimentos apresentados pelos governistas aponta que até o fim do ano passado a Polícia Federal realizou mais de 60 operações. Investiga-se a compra de equipamentos individuais de proteção, como máscaras e aventais, a aquisição de respiradores artificiais e a assinatura de contratos para a construção de hospitais de campanha. Negócios que teriam movimentado cerca de R$ 2 bilhões, segundo o requerimento.

Essas operações policiais ganharam destaque no noticiário e foram incorporadas no discurso do presidente e de ministros. É um tema com apelo entre os eleitores de Bolsonaro, mas que, se aprofundado pela CPI, pode até acabar ajudando na reação dos gestores estaduais. Aliados dos governadores sempre questionaram se a Polícia Federal pode ter sido instrumentalizada para satisfazer interesses políticos do grupo que hoje ocupa o poder central.

“Há de se avaliar quais foram as iniciativas e o porquê dessas iniciativas, para que nós possamos ter a conclusão do que foi feito com transparência e principalmente levando em consideração as circunstâncias do momento”, afirma um governador, ponderando que não se deve falar em superfaturamento quando as condições de mercado estão distorcidas, com o crescimento da demanda mundial e redução da oferta de equipamentos e insumos relacionados à pandemia.

Pelo que se viu até agora em função da correlação de forças dentro do colegiado, dificilmente a CPI deve esmiuçar o que ocorreu nos Estados. O que deve ficar patente, porém, é que no mínimo Bolsonaro abdicou da missão de liderar a nação na luta contra o vírus. Governadores querem que ao menos a comissão produza um registro histórico, responsabilize quem faltou com a população e nomeie aqueles que tentaram buscar soluções.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/a-cpi-entre-o-eleitor-na-ponta-e-o-poder-central.ghtml


Malu Gaspar: Exército trabalha para descolar imagem de Pazuello de militares na CPI da Covid Visualizações: 34

O Exército vem trabalhando nos últimos dias para impedir que o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid prejudique  a reputação da força. O comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, conversou sobre o assunto na segunda-feira à noite com o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz.

Nos últimos dias, também fez chegar a Pazuello recados para que o ex-ministro não associasse sua atuação no ministério aos papéis que desempenhou no Exército. Temia-se, inclusive, que Pazuello pudesse comparecer de farda à CPI – o que foi desencorajado nas mensagens enviadas ao ex-ministro.

Pazuello tranquilizou os interlocutores e prometeu ir ao Senado à paisana. Mas o comportamento do ex-ministro nos treinamentos prévios à CPI, no final de semana, deixou os militares preocupados.

Num dos momentos de maior tensão, o ex-ministro se exasperou e começou a dizer que não iria admitir ser abandonado, por que estava cumprindo uma missão como oficial da ativa.

A expressão acendeu um alerta no Exército, preocupado com a forma como Pazuello pudesse descrever sua atuação no ministério. Foi por isso que, além de reforçar a ordem para que Pazuello não ostentasse seu vínculo com a força no depoimento, o comandante Paulo Sérgio decidiu também procurar o senador Omar Aziz.

Na conversa, na segunda-feira à noite, Aziz garantiu que a CPI ouviria Pazuello como ministro e não como general ou militar – a pessoa física e não a pessoa jurídica, como ele mesmo disse na conversa, segundo fontes próximas a Aziz.

O presidente da CPI e o comandante do Exército se conhecem há muitos anos. O senador foi governador do Amazonas quando o general era comandante da 12ª Região Militar, com sede em Manaus. O general Paulo Sérgio passou dez anos na Amazônia em diferentes funções.

Na conversa com Omar Aziz, o comandante também informou em primeira mão ao presidente da CPI que Pazuello talvez não pudesse prestar ao depoimento porque dois coronéis com quem ele tinha estado no final de semana estavam com suspeita de Covid.

Um desses coronéis é Elcio Franco, ex-secretário-executivo de Pazuello, que também acompanhou o treinamento do ex-ministro no Palácio do Planalto, no final de semana. A suspeita de Covid foi depois confirmada, e Pazuello conseguiu adiar o depoimento para o dia 19 de maio.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/comandante-do-exercito-trabalha-para-descolar-imagem-de-pazuello-de-militares-na-cpi-da-covid.html