redes sociais

"Apagão" foi erro interno e não ataque informático, diz Facebook

Afirmação é do vice-presidente de Infraestruturas, Santosh Janardhan

O Facebook excluiu a hipótese de que o "apagão" mundial dos seus serviços na segunda-feira (4), durante seis horas, tenha sido causado por um ataque informático e o atribuiu a um erro técnico interno.

Em um blog da empresa o vice-presidente de Infraestruturas da rede social, Santosh Janardhan, afirmou que os serviços não ficaram inativos por atividade maliciosa. Foi por "um erro causado por nós próprios", disse.

O "apagão" do Facebook e das suas plataformas Instagram, WhatsApp e Messenger começou minutos antes das 14h (hora local) e deixou sem serviço milhões de pessoas em todo o planeta.

Horas mais tarde, o próprio administrador e cofundador da rede social, Mark Zuckerberg, pediu publicamente desculpas.

Segundo a empresa de Menlo Park, cidade da Califórnia, os esforços que têm sido feitos nos últimos anos para proteger os sistemas de possíveis ataques externos foram uma das causas que fizeram demorar o tempo de resposta ao problema.

"Acredito que se o preço a pagar por maior segurança do sistema no dia a dia é uma recuperação mais lenta dos serviços, vale a pena", disse Santosh Janardhan no blog.

Telegram

A queda do Facebook e das demais aplicações levou o Telegram, um serviço de mensagens instantâneas (como o WhatsApp), a receber mais de 70 milhões de novas adesões, informou o fundador da rede, o russo Pavel Dourov.

O número de 70 milhões, em apenas um dia, levou Douruv a afirmar que foi "um aumento recorde no número de adesões" e que estava orgulhoso da equipe, que soube lidar com esse crescimento sem precedentes.

Na segunda-feira o serviço de mensagens Telegram passou de 56º para 5º lugar das aplicações gratuitas mais descarregadas nos Estados Unidos, segundo a empresa especializada SensorTower.

Fundado em 2013 pelos irmãos Pavel e Nikolai Dourov, que criaram anteriormente a popular rede social russa VKontakte, o Telegram disse que faz da segurança a sua prioridade e recusa-se geralmente a colaborar com as autoridades, o que levou a tentativas de bloqueio em alguns países, especialmente na Rússia.

Facebook nega versão 

Vários executivos do Facebook procuraram desmentir, nessa terça-feira (5),  a ex-empregada Frances Haugen, após o seu testemunho perante uma subcomissão do Senado dos EUA. O diretor executivo e cofundador do Facebook, Mark Zuckerberg, defendeu a empresa das acusações: "No cerne dessas acusações está a ideia de que damos prioridade aos lucros em detrimento da segurança e do bem-estar. Isso simplesmente não é verdade", disse Mark Zuckerberg em um longo post em sua página na rede.

O chefe do Facebook disse ainda que "muitas das acusações não fazem sentido" e que não reconhece "o falso quadro da empresa que está sendo pintado".

"O argumento de que promovemos deliberadamente conteúdos que enfurecem as pessoas para obterem lucro é ilógico. Ganhamos dinheiro com a publicidade e o que os anunciantes nos dizem constantemente é que não querem que os seus anúncios apareçam ao lado de conteúdos que sejam prejudiciais ou que gerem raiva", acrescentou.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-10/apagao-no-facebook-foi-erro-interno-e-nao-ataque-informatico


WhatsApp, Instagram e Facebook voltam a ser acessíveis para usuários

Redes sociais passaram cerca de 7h indisponíveis

Agência Brasil

Grandes redes sociais relacionadas ao Facebook ficaram inacessíveis hoje (4) no início da tarde e começaram a ser restabelecidas por volta de 19h20. O Facebook - a maior rede social do mundo -, o Instagram - a mais popular plataforma de compartilhamento de imagens - e o WhatsApp - o aplicativo de troca de mensagens via celular preferido dos brasileiros - ficaram indisponíveis para os usuários por uma falha ainda não detalhada pelo conglomerado.

Outras plataformas sociais, como o Telegram e o Twitter, apresentaram instabilidades e funcionam de maneira intermitente, com usuários de todo o mundo registrando queixas pelo serviço internacional de monitoramento de servidores e aplicativos Downdetector.

Pouco antes das 17h, Mike Schroepfer, oficial-chefe de tecnologia do Facebook, publicou um pedido de desculpas para os usuários impactados pelo que classificou como “erros de rede”.

A falha generalizada no acesso mostra para os usuários uma mensagem de erro no domain name system (DNS) - a tecnologia que liga o endereço usado para se chegar aos sites internet protocols (IPs) dos servidores correspondentes que hospedam o conteúdo das páginas. Esta não é a primeira vez que o grupo de serviços administrados pelo Facebook apresenta problemas. Em junho deste ano, uma interrupção semelhante aconteceu.

Na prática, é como se os números de telefone dos serviços do Facebook tivessem sido apagados da gigantesca agenda da internet. O gestor do DNS do Facebook e dos demais serviços é o próprio Facebook, o que pode significar que uma atualização malsucedida ou um erro grave nos principais servidores das redes sociais possa ter acontecido.

Segundo os números da Nasdaq - a bolsa de valores do mercado de tecnologia -, o Facebook perdeu cerca de 5,34% de valor de mercado até o momento com a falha. Isso equivale a cerca de US$ 50 bilhões - o valor total estimado da rede social Twitter. As ações do Facebook estão cotadas no momento a US$ 326,23.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-10/whatsapp-instagram-e-facebook-permanecem-fora-do-ar


Um futuro na sombra: democracias na era digital

A transparência na era digital não é prioridade para os governos latino-americanos

fabrizzio Scrollini / El País

As promessas de reformas estruturais em prol da transparência que vários países latino-americanos —inclusive o Brasil— fizeram em fóruns internacionais parecem ter ficado muito longe. Em 2012, exercendo uma clara liderança internacional, o Brasil cofundou a Open Government Partnership—um grupo de Governos e organizações sociais dedicados a promover uma maior transparência. O Brasil prometeu uma série de reformas significativas e inovadoras na área de transparência e combate à corrupção. Entre suas primeiras conquistas está a aprovação de uma lei de acesso à informação pública e de uma política de dados abertos, permitindo a qualquer pessoa solicitar informações ao Estado e exigindo publicar informações fundamentais sobre sua gestão. A implementação deixou muito a desejar, mas nos últimos tempos contou com a oposição expressa do presidente do Brasil, que chegou a demitir funcionários por defenderem a veracidade dos dados sobre o desmatamento na floresta amazônica. O Brasil não está sozinho. No México, o presidente tem afirmado sistematicamente que não vê a necessidade de um órgão dedicado à promoção da transparência, sendo considerado caro e ineficiente. Em El Salvador, o Governo tem procurado limitar a lei de acesso como no Uruguai. A América Latina é uma região diversa, e nem todas as situações são comparáveis. Mesmo assim, as evidências do último Barômetro de Dados Abertos indicam que a transparência na era digital está, na melhor das hipóteses, pausada e, em muitos casos, diminuindo.

A situação da transparência nas sociedades latino-americanas apresenta vários desafios. Um primeiro aspecto básico é defender a relação íntima entre transparência e democracia. A democracia —por definição— implica o controle pelos cidadãos da execução dos recursos públicos, bem como limites ao poder do Estado. Graças à disponibilidade de dados, Ojo Público —meio digital no Peru— conseguiu criar um algoritmo para monitorar o risco de corrupção em mais de 200.000 contratos. No México, Poder e Serendipia monitoram os gastos do Governo na pandemia. No Paraguai, um simpático bot feito pela CED, uma empresa, tuíta sempre que vê uma irregularidade em um contrato. E no Brasil, a Fundação para o Conhecimento Aberto (uma ONG) monitora os gastos dos congressistas de forma automática. Esses tipos de projetos —criatividade, dados e tecnologia digital intermediários— aumentam a capacidade dos cidadãos de controlar o poder, e têm o potencial de gerar debates informados em nossas democracias. Em qualquer caso, Governos, empresas e mídia devem fazer um trabalho melhor no combate à desinformação. Os dados abertos são uma condição necessária, mas não suficiente, para democracias fortes na era digital.

Um segundo problema são as condições de desigualdade estrutural e complexidade social na América Latina. Os dados disponíveis não representam necessariamente a totalidade da sociedade nem tornam visíveis todos os problemas, como é o caso notório da violência de gênero. Na América Latina ainda é difícil saber a quantidade de feminicídios que ocorrem, e esta é apenas a ponta do iceberg desse fenômeno. A sub-representação em nossos dados de grupos indígenas, afro e outros grupos marginalizados significa que muitas vezes as decisões são tomadas às cegas. Por outro lado, a sua identificação em alguns casos, como o de pessoas LGTBQIA+, os coloca em claro risco de discriminação. É hora de levar a geração de dados mais a sério, quem você inclui e quem você exclui. E levar em consideração as consequências políticas dessas decisões.

Por fim, existe um desafio maior que requer a compreensão da complexidade para as democracias na era digital. Por um lado, a abertura de dados permite a criação de valor público, econômico e social. Mas nem todos os dados podem ser abertos e, à medida que a lacuna no acesso à internet diminui, uma geração inteira entra na era digital com seus direitos desprotegidos. A maioria dos países da América Latina não possui legislação adequada para proteger os dados das pessoas. As empresas —principalmente com sede no norte do mundo— coletam uma grande quantidade de dados e valores originários da região, sem que parte desse valor retorne para eles. A segurança dos dados de indivíduos, Governos e empresas ainda é um grande problema, abordada geralmente de uma perspectiva muito técnica. Muitos de nós investigamos novas maneiras de medir a aparência da governança democrática de dados no século 21. Esses desafios abrem uma oportunidade para que as democracias se reorganizem a partir de uma nova agenda baseada na geração de direitos, acordos institucionais e formas de participação cidadã. Um pacto renovado que considera novos desafios e aproveita a desestruturação social em benefício da maioria das pessoas. Em qualquer cenário futuro, a transparência deve continuar sendo uma marca registrada das democracias e daqueles que a defendem em tempos de incerteza.

Fabrizio Scrollini é diretor executivo da Iniciativa Latinoamericana por los Datos Abiertos (ILDA).

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-13/um-futuro-na-sombra-democracias-na-era-digital.html


Próximas derrotas de Bolsonaro no STF já estão desenhadas

PGR se manifesta contra medida que limita remoção de ‘fake news’ das redes e ministros alvos dos bolsonaristas julgam decreto de armas

Afonso Benites / El País

“Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro em sua famigerada Declaração à nação, dois dias após incitar seus apoiadores contra o Supremo Tribunal Federal (STF). O recente republicanismo do presidente será testado nas próximas semanas, pois, na avaliação dos ministros do STF, dois dos seus movimentos institucionais mais recentes não respeitaram a Constituição. Bolsonaro caminha para sua primeira derrota judicial no tribunal após atacar a corte em uma manifestação antidemocrática em 7 de setembro —e recuar depois. Nos próximos dias, a ministra Rosa Weber deve se decidir sobre seis ações que pedem a declaração de inconstitucionalidade de uma medida provisória assinada pelo presidente. Ela tem como objetivo dificultar a remoção de fake news e conteúdos com discursos de ódio em redes sociais. Além disso, seu decreto de armas, que permitiu uma ampliação do porte de armamento pelos cidadãos, começa a ser julgado em plenário virtual nesta semana, e também não tem vida fácil na corte

A alteração no Marco Civil da Internet foi publicada no dia 6 de setembro, na véspera do ato radical promovido pelo presidente que pedia o fechamento do STF. Naquela ocasião, em meio a um embate com o Judiciário, Bolsonaro pretendia beneficiar seus apoiadores radicais que costumam divulgar desinformação na internet. A sinalização da iminente derrota nesse caso ficou nítida quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, deu parecer contrário à MP, nesta segunda-feira.

Aras costuma se alinhar às pautas do presidente no Supremo. Neste caso, segundo fontes da Procuradoria Geral da República, o procurador-geral identificou uma batalha perdida e resolveu agir em sentido distinto do habitual, numa tentativa de demonstrar isenção aos pares, que têm lhe cobrado com certa frequência uma atuação mais incisiva na fiscalização dos atos do Governo. No parecer enviado à ministra Weber, o procurador alegou que havia um prazo reduzido para que as empresas que administram as redes sociais se adequassem às novas regras, o que poderia causar insegurança jurídica.

Aras defendeu que fosse concedida uma medida liminar para suspender a validade da MP até que o plenário da corte se manifeste sobre o tema. “Parece justificável, ao menos cautelarmente e enquanto não debatidas as inovações em ambiente legislativo, manterem-se as disposições que possibilitam a moderação dos provedores do modo como estabelecido na Lei do Marco Civil da Internet, sem as alterações promovidas pela MP 1.068/2021, prestigiando-se, dessa forma, a segurança jurídica, a fim de não se causar inadvertida perturbação nesse ambiente de intensa interação social”, disse o procurador no documento.

A MP de Bolsonaro veta, sob pena de multa, que empresas como Facebook, Twitter e Youtube retirem do ar conteúdos e perfis que violem seus termos de serviço, exceto por “justa causa”. O critério para remoção de conteúdo poderia estar relacionado com pedofilia, pornografia, incentivo ao terrorismo e ao tráfico de drogas, entre outros. O que a medida não prevê é a retirada de conteúdos falsos, discurso de ódio, incitação à violência ou assédio virtual. Na prática seria uma espécie de blindagem ao próprio Bolsonaro, que já teve vídeos removidos por disseminar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da covid-19. A medida evitaria, por exemplo, uma punição como dada a que recebeu seu aliado Donald Trump, que acabou banido do Facebook e do Twitter em janeiro deste ano, por incitar a invasão do Capitólio.

Para especialistas, a mudança legislativa neste momento é inapropriada, além de ser inconstitucional, porque medidas provisórias precisam respeitar os critérios de urgência e relevância, o que não ocorreu neste caso. O advogado Omar Kaminski, especialista em direito digital e gestor do Observatório do Marco Civil da Internet, diz que o ideal é que temas como esse sejam alvo de um amplo debate, seguindo os ritos normais de uma proposta legislativa, passando por audiências públicas e sendo analisados por comissões especializadas da Câmara e do Senado. “A MP mais parece um salvo-conduto para uma liberdade de expressão desmedida, sem freios e sem limites, inclusive para transmitir fake news ou criar realidades paralelas ou bolsões de novas correntes, de entendimentos jurídicos diversos dos atualmente vigentes, objetivando no mínimo uma desestruturação ou desconstrução normativa”, disse ao EL PAÍS.

A Coalizão Direitos na Rede, coletivo que reúne cerca de 50 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, também manifestou-se contrária à MP, por entender que ela dificulta o combate à desinformação e fere o princípio da livre iniciativa do setor privado. “Jair Bolsonaro frequentemente viola as políticas de conteúdo desses provedores de aplicações e conta com muita complacência das empresas, que permanecem inertes e praticamente não adotam medidas de moderação em relação aos seus conteúdos. Mesmo assim, decidiu intervir unilateralmente no funcionamento das redes sociais, atacando os princípios do Marco Civil da Internet”, ponderou a Coalizão em nota.

Sem debate com a sociedade

Até mesmo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) demonstrou ser contrário à mudança na legislação da maneira que foi proposta por Bolsonaro. O órgão é um um comitê multissetorial, criado por decreto presidencial e estabelece diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no país. Em nota, o colegiado, que é formado por 21 pessoas, sendo nove representantes do Governo e 12 da sociedade civil, alertou que há um risco de se criar insegurança jurídica sobre o tema e de se congestionar o Judiciário com novas ações.

“Limitações excessivas à atuação dos provedores poderão ocasionar efeitos indesejados para a usabilidade geral da rede e para a proteção de usuários, além da inevitável sobrecarga ao já congestionado Poder Judiciário, que hoje já conta com mais de 80 milhões de ações em tramitação”, disse. O CGI.br defendeu o atual Marco Civil por entender que seu artigo 19 “tem por objetivo principal garantir o equilíbrio entre a atuação e responsabilização de usuários e provedores”. A nota do comitê foi elaborada nesta segunda-feira após uma reunião extraordinária do conselho. Nenhum dos 21 conselheiros, nem mesmo os com cargos no Governo federal, votou contra o documento.

A nota do CGI.br começou a ser gestada em maio, quando um grupo de trabalho foi montado para acompanhar potenciais mudanças no Marco Civil da Internet que já vinham sendo debatidas às escuras pelo Governo Bolsonaro. Desde então, o comitê tentou, sem sucesso, se reunir com representantes da secretaria de Direitos Autorais, a área responsável por este tema. “Por três meses houve esforços de nossa parte para dialogar, mas o Governo não quis e publicou essa MP sem interlocução prévia com o CGI”, disse a conselheira do órgão Bia Barbosa, que é representante do Terceiro Setor.

Internamente, de acordo com Barbosa, não há uma rejeição para que se mude o Marco Civil da Internet, desde que haja um amplo debate em que todos os setores sejam ouvidos. A construção dessa lei levou três anos só no Congresso Nacional. A da Lei Geral de Proteção de Dados, outra referência, foi discutida por dois anos dentro do Executivo e mais dois no Legislativo, sendo aprovada apenas em 2018. “Um tema como esse não pode ser atropelado por uma MP”, afirmou a conselheira.

O que tem ficado claro é que, na atual guerra contra a desinformação, o presidente está do lado das inverdades. Além dessa mudança no Marco Civil da Internet, Bolsonaro vetou no mês passado a punição à disseminação de fake news, prevista na lei que tipifica os crimes contra o Estado Democrático de Direito que foi aprovada pelo Congresso Nacional. ele argumenta defender a liberdade de expressão. O veto ainda será analisado pelos deputados e senadores. Não há uma data agendada para essa votação dos parlamentares.

Armas

Outro tema caro ao bolsonarismo que passa por análise no Supremo é o decreto de armas, que facilitou o comércio de armamentos e afrouxou a fiscalização. A tendência no tribunal é de que essa ordem presidencial também seja derrubada. Há sete ações sobre o tema e elas começam a ser julgadas no plenário virtual a partir do dia 17.

O indício, até o momento, é de que as reações dos poderes contra o presidente virão a galope. Além do Supremo, está cada vez mais claro no Congresso que suas pautas radicais não passarão. O que deve ser aprovado, ainda que com certa dificuldade, são suas pautas econômicas, como a reforma administrativa e alguns trechos da reforma tributária.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-14/as-proximas-derrotas-de-bolsonaro-no-stf-ja-estao-desenhadas.html


IBGE: um em cada dez estudantes já foi ofendido nas redes sociais

Dado é da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar

Mariana Tokarnia / Agência Brasil 

Aproximadamente um em cada dez adolescentes (13,2%) já se sentiu ameaçado, ofendido e humilhado em redes sociais ou aplicativos. Consideradas apenas as meninas, esse percentual é ainda maior, 16,2%. Entre os meninos é 10,2%. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, divulgada hoje (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Ao todo, foram entrevistados quase 188 mil estudantes, com idade entre 13 e 17 anos, em 4.361 escolas de 1.288 municípios de todo o país. O grupo representa 11,8 milhões de estudantes brasileiros. A coleta dos dados foi feita antes da pandemia, entre abril e setembro de 2019. A partir de 2020, com a suspensão das aulas presenciais, o uso das redes sociais, até mesmo como ferramenta de estudos, foi intensificado. 

As agressões existem também fora da internet, nas escolas, onde 23% dos estudantes afirmaram ter sido vítimas de bullying, ou seja, sentiram-se humilhados por provocações feitas por colegas nos 30 dias anteriores à pesquisa. Quando perguntados sobre o motivo de sofrerem bullying, os três maiores percentuais foram para aparência do corpo (16,5%), aparência do rosto (11,6%) e cor ou raça (4,6%). 

Em relação à saúde mental dos estudantes, metade (50,6%) disse se sentir muito preocupado com as coisas comuns do dia a dia. Um em cada cinco estudantes (21,4%) afirmou que a vida não valia a pena ser vivida. Entre as meninas, esse percentual é 29,6% e, entre os meninos, 13%. 

Os resultados mostram ainda insatisfação com o próprio corpo. Menos da metade (49,8%) achava o corpo normal, 28,9% se achavam magros ou muito magros e 20,6%, gordos ou muito gordos.

Violências 

Em 2019, de acordo com a PeNSE, cerca 14,6% dos adolescentes, alguma vez na vida e contra a sua vontade, foram tocados, manipulados, beijados ou passaram por situações de exposição de partes do corpo. No caso das meninas, o percentual (20,1%) é mais que o dobro do observado entre os meninos (9%). Além disso, 6,3% dos estudantes informaram que foram obrigados a manter relação sexual contra a vontade alguma vez na vida, sendo 3,6% dos meninos e 8,8% das meninas.

A pesquisa mostra também que quase um em cada dez adolescentes (10,6%) envolveu-se em lutas físicas e 2,9%, em briga com arma de fogo. Dentro de casa, também há relatos de violência - 21% afirmaram ter sido agredidos pelo pai, mãe ou responsável alguma vez nos 12 meses anteriores ao estudo. 

Esse cenário pode, de acordo com a PeNSE, ter se intensificado na pandemia. “A pandemia trouxe grandes dificuldades para os adolescentes do mundo todo. A falta de acesso à escola, além da significativa perda de aprendizagem, pode significar também a perda de proteção contra perigos como violência doméstica e abuso infantil ou até a perda da única refeição balanceada que tinham. Tornou-se mais difícil para os adolescentes manter práticas de exercícios, intensificando os quadros de desânimo, tristeza, ansiedade e ausência de amigos”, diz o estudo. 

Infraestrutura

A PeNSE traz também dados sobre a infraestrutura disponível para os estudantes, tanto nas escolas quanto em casa. Os resultados mostram que menos da metade (49,7%) dos alunos das escolas públicas tem computador em casa, enquanto entre os alunos das escolas privadas esse percentual é de 89,6%. Quase a totalidade (95,7%) dos alunos de escolas privadas tem aparelhos celulares. Entre os alunos de escolas públicas, esse percentual é 82,2%. Entre os estudantes de escolas particulares, 98,6% têm internet em casa. Entre os alunos de escolas públicas, 84,9%. 

A PeNSE mostra ainda que 61,5% dos estudantes de 13 a 17 anos estudam em escolas com pia ou lavatório em condições de uso e que oferecem sabão para lavagem das mãos. Nas escolas privadas esse percentual chega a 97,5% e, nas públicas, a 55,4%. 

A pesquisa ressalta que a lavagem das mãos é reconhecida como importante medida de saúde pública, por sua eficácia em reduzir a incidência de doenças infectocontagiosas. Nas escolas, a importância da disponibilização da estrutura necessária à lavagem é dupla: por ser um ambiente de aprendizagem de hábitos saudáveis e pela própria prevenção de transmissão de doenças entre os alunos.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/ibge-um-em-cada-dez-estudantes-ja-foi-ofendido-nas-redes-sociais


Vladimir Safatle: Uma revolução molecular assombra a América Latina

O termo veio pelas mãos de Álvaro Uribe, ex-presidente da Colômbia e líder efetivo da direita linha dura que hoje Governa o país. Diante das inéditas manifestações que tomaram as ruas da Colômbia, fazendo o Governo abandonar um projeto de reforma tributária que mais uma vez passava para os mais pobres os custos da pandemia, não lhe ocorreu ideia melhor do que conclamar os seus à luta contra uma “revolução molecular dissipada” que estava a tomar conta do país. No que, há de se reconhecer, Uribe tinha razão. Normalmente, são os políticos de direita que entendem primeiro o que se passa.

A América Latina, ou ao menos uma parte substantiva do continente, está a passar por um conjunto de levante populares cuja força vem de articulações inéditas entre recusa radical da ordem econômica neoliberal, sublevações que tensionam, ao mesmo tempo, todos os níveis de violência que compõem nosso tecido social e modelos de organização insurrecional de larga extensão. As imagens de lutas contra a reforma tributária que tem à frente sujeitos trans em afirmação de sua dignidade social ou desempregados a fazer barricadas juntamente com feministas explicam bem o que “revolução molecular” significa nesse contexto. Ela significa que estamos diante de insurreições não centralizadas em um linha de comando e que criam situações que podem reverberar, em um só movimento, tanto a luta contra disciplinas naturalizadas na colonização dos corpos e na definição de seus pretensos lugares quanto contra macroestruturas de espoliação do trabalho. São sublevações que operam transversalmente, colocando em questão, de forma não hierárquica, todos os níveis das estruturas de reprodução da vida social.

De fato, o século XXI começou assim. Engana-se quem acredita que o século XXI começou em 11 de setembro de 2001, com o atentado contra o World Trade Center. Essa é a maneira como alguns gostariam de contá-lo. Pois seria a forma de colocar o século sob o signo do medo, da “ameaça terrorista” que nunca passa, que se torna uma forma normal de governo. Colocar nosso século sob o signo paranoico da fronteira ameaçada, da identidade invadida. Como se nossa demanda política fundamental fosse, em uma retração de horizontes, segurança e proteção policial.

Na verdade, o século XXI começou em uma pequena cidade da Tunísia chamada Sidi Bouzid, no dia 17 de dezembro de 2010. Ou seja, começou longe dos holofotes, longe dos centros do capitalismo global. Ele começou na periferia. Nesse dia, um vendedor ambulante, Mohamed Bouazizi decidiu ir reclamar com o governador regional e exigir a devolução de seu carrinho de venda de frutas, que fora confiscado pela polícia. Vítima constante de extorsões policiais, Bouazizi foi à sede do Governo com uma cópia da lei em punho. No que ele foi recebido por uma policial que rasgou a cópia na sua frente e lhe deu um tapa na cara. Bouazizi então tacou fogo em seu próprio corpo. Depois disso, a Tunísia entrou em convulsão, o Governo de Ben Ali caiu, levando insurreições em quase todos os país árabes. Começava assim o século XXI: com um corpo imolado por não aceitar submeter-se ao poder. Começava assim a Primavera Árabe. Com um ato que dizia: melhor a morte do que a sujeição, com uma conjunção toda particular entre uma ação restrita (reclamar por ter seu carrinho de venda de frutas apreendido) e uma reação agonística (imolar-se) que reverbera por todos os poros do tecido social.

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Desde então o mundo verá uma sequência de insurreições durante 10 anos. Occupy, Plaza del Sol, Istambul, Brasil, Gillets Jaunes, Tel-Aviv, Santiago: são apenas alguns lugares por onde esse processo passou. E na Tunísia já se via o que o mundo conheceria nos próximos 10 anos: sublevações múltiplas, que ocorrem ao mesmo tempo, que recusam centralismo e que articulavam, na mesma série, mulheres egípcias que se afirmavam com seios a mostra nas redes sociais e greves gerais. A maioria dessas insurreições irá se debater com as dificuldades de movimentos que levantam contra si as reações mais brutais, que se deparam com a organização dos setores mais arcaicos da sociedade na tentativa de preservar o poder tal como sempre foi. Mas há um momento em que a repetição acaba por gerar uma mudança qualitativa. Dez anos depois, ela ocorreu e foi possível de ser vista no último domingo, no Chile.

No último domingo, o Chile elegeu uma nova Assembleia Constituinte. Depois de manifestações massivas em outubro de 2019 que fizeram as ruas chilenas queimarem até o Governo parar de matar sua própria população e aceitar convocar um processo constitucional, o Chile elegeu 155 deputados constituintes, dos quais 65 são independentes, ou seja, não vinculados a estrutura partidária alguma, mas unidos, como os 24 constituintes da Lista del Pueblo, por um “Estado ambiental, igualitário e participativo”; 79 constituintes são mulheres, sendo a única Assembleia Constituinte da história mundial a ter maioria de mulheres; 18 são povos originários, sendo que todos estão presentes (desde os Rapanui da Ilha da Páscoa até os Mapuches). A direita, que ansiava alcançar ao menos um terço para poder barrar as modificações constitucionais, terá apenas 37 deputados.

O caráter absolutamente único do processo chileno encontra-se no fato de ele se produzir como institucionalização insurrecional. Ele foi resultado de uma insurreição que exigiu imediatamente uma nova institucionalidade. Os islandeses tentaram isso, quando a crise econômica produziu profundas mobilizações populares que terminaram por produzir uma nova constituição. No entanto, o Parlamento não reconheceu a nova carta, abortando o processo.

Tal excepcionalidade andina deve ser compreendida à luz do que foi a via chilena para o socialismo. O Governo de Salvador Allende (1970-1973) procurou realizar um programa marxista através de uma mutação progressiva da vida social que preservava largas partes da estrutura da democracia liberal. Muitos criticaram tal estratégia depois do golpe, mas há de se lembrar de suas razões. Era a maneira dos chilenos e chilenas impedirem a militarização da vida social, como normalmente ocorreu em todos os processos revolucionários até agora. Havia uma questão real que o Chile procurou resolver inovando.

De certa forma, esse processo interrompido retoma agora 47 anos depois. Desde as revoltas estudantis no Governo Bachelet, o Chile viu lideranças estudantis se tornarem deputados e deputadas para arrancar do Congresso uma reforma que tornava gratuito o sistema público de ensino. Agora, eles fizeram o movimento inédito de só saírem das ruas com uma constituinte nas mãos, o que os tunisianos só conseguiram anos depois da formação do primeiro Governo pós-ditadura. Ao acoplar os dois processos, o Chile permitiu que o entusiasmo insurrecional comandasse o processo constitucional, institucionalizando sua revolução molecular.

O espectador que vê tudo isso do Brasil pergunta-se o que ocorre conosco. No entanto, erram aqueles que pensam que tal dinâmica não chegará no Brasil. Ocorre que ela encontrará uma situação muito mais dramática. Pois o Brasil é o país no qual as forças da reação organizaram-se de forma insurrecional. São setores expressivos da população que foram e irão às ruas pedir golpe militar e defender o fascismo de quem nos governa. Dentro da lógica da contrarrevolução preventiva, o Brasil, à diferença de outros países latino-americanos, foi capaz de mobilizar as dinâmicas de um fascismo popular. Por isso, o cenário tendencial entre nós é o de uma insurreição contra outra insurreição. Uma revolução fascista contra uma revolução molecular dissipada. Melhor seria estarmos preparados para tanto.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-19/uma-revolucao-molecular-dissipada.html


Malu Gaspar: Nas redes bolsonaristas, Pazuello vira ‘herói’ do governo na CPI da Covid

Se não convenceu boa parte do público, pode-se dizer que o depoimento de Eduardo Pazuello funcionou em pelo menos um universo: os grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Telegram. Entre esses seguidores, a decisão de não usar o habeas corpus fornecido pelo STF para ficar calado e até confrontar os senadores em alguns momentos fez sucesso.

Ao longo de todo o depoimento, as listas pró-Bolsonaro no WhatsApp foram inundadas com mensagens que indicavam a narrativa a ser reproduzida nas redes. “A primeira farsa dos opositores caiu hoje. Apostaram no silêncio, mas o ministro veio preparado e falou muito”, disse um dos textos disseminados nas redes. “O ex-ministro Pazuello está destruindo todas as narrativas fabricadas contra o governo federal naquele circo que está acontecendo no Senado”, diz outra mensagem.

Para o zap bolsonarista, Pazuello – que várias vezes se referiu às declarações e ordens de Bolsonaro durante a pandemia como “coisa de Internet” –  “detonou” senadores acusados de corrupção e “provou” que o governo não tem responsabilidade pela tragédia pandêmica.

Solidários ao ex-ministro várias vezes chamado de “herói”, muitas postagens diziam ter sido um ultraje até mesmo a convocação do general, que esteve à frente do Ministério da Saúde no período em que morreram mais da metade das 445 mil vítimas da Covid-19 no Brasil.

“Humilhante para o general Pazuello, um homem sério, ser sabatinado por esses crápulas!”, desabafou um bolsonarista em um grupo do Telegram. “Quero deixar minha indignação aqui com essa CPI. Estão a todo o momento denegrindo (sic) a imagem do ministro Pazuello e do nosso presidente”, escreveu uma apoiadora.

O fato de Pazuello blindar completamente o presidente da República de qualquer responsabilidade pelo fracasso na pandemia também pesou a favor do ex-ministro nas redes. Para os seguidores, o general foi um “guerreiro”  que defendeu Bolsonaro de conspiradores.

Dentre eles, o mais atacado foi o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), mas também sobrou para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e outros parlamentares.

“General Pazuello, um oficial general extremamente bem preparado, conseguiu com sua exposição dos fatos, relacionados à sua atuação como Ministro da Saúde, provocar um golpe certeiro nas armações e manipulações de Renan Calheiros ao longo da CPI”, disse uma mensagem assinada por um suposto comandante militar.

No Telegram, cada vez mais frequentado por bolsonaristas, uma lista de apoiadores de Eduardo Pazuello foi criada na tarde de quinta-feira, enquanto ele falava à CPI.

Setenta pessoas já aderiram e passaram a receber artes e cards com as inscrições #Somos Todos Pazuello e ilustrações já com visual de campanha eleitoral. Até o agravamento da pandemia sacá-lo do cargo, Pazuello cogitava concorrer ao governo de Roraima ou do Amazonas. O grupo também criou um perfil no Instagram para homenageá-lo.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/nas-redes-bolsonaristas-pazuello-vira-heroi-do-governo-na-cpi-da-covid.html


Cora Rónai: Somos todos idiotas

Sendo uma das idiotas que não saem de casa, na gentil descrição do senhor Presidente da República, tenho tido muito tempo para pensar na vida; o que me leva, invariavelmente, a concluir que, num mundo de idiotas, o melhor a fazer é não pensar.

Todos nós, idiotas, estamos cansados. Do isolamento e das restrições da pandemia, da solidão e da monotonia, mas, sobretudo, das notícias que nos chegam a respeito dos outros idiotas, aqueles que se rebelam contra as máscaras, não respeitam distanciamento social e acham que vírus se combate no grito.

Eles não aprenderam que, além dos cientistas que desenvolvem vacinas, ninguém pode fazer nada de concreto contra uma pandemia.

Nós idiotas que ficamos em casa fazemos o possível para evitar que o vírus circule. É pouco, de fato, mas é o que podemos fazer. Ficar em casa quando se pode ficar em casa não é desdouro nem falta de coragem, é consciência social: quanto menos gente houver nas ruas menos o vírus estará em circulação e menos pessoas serão contaminadas.

Não parece difícil de explicar, mas, pelo visto, é impossível de entender. Há alguma mutação genética ou ausência de atividade cerebral que impede que os idiotas, aqueles, compreendam essa verdade basilar. Um dia eles ainda vão ser estudados pela Ciência.

A nossa idiotice de isolados é um sentimento tingido pela melancolia, intenso mas inofensivo. Passamos os dias trabalhando, lendo, cozinhando, lavando louça, participando de lives, cuidando de plantas e de bichos, refletindo e torcendo para que haja vacina logo para todo mundo.

Enquanto isso o idiota lá desdenha das máscaras, aglomera, voa de helicóptero, faz churrasco, anda de moto, cavalga pela Esplanada dos Ministérios e oferece ao mundo o espetáculo da sua estupidez relinchante e orgulhosa de si mesma.

Genocida.

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Desde os tempos em que trabalhei em Brasília, numa outra encarnação, eu já sabia que educação, caráter e hombridade não são requisitos básicos para assumir cargos importantes na administração pública. Mas eu ainda guardava uma ilusão solitária, e imaginava que era preciso ter um mínimo de inteligência e de sofisticação intelectual para ser Ministro das Relações Exteriores.

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A Mauritânia fica na costa africana, ao Norte, logo abaixo do Marrocos e colada à Argélia, em pleno Saara: sua capital Nouakchott, com cerca de um milhão de habitantes, é a maior cidade do deserto.

Eu não sabia disso, e não foi por falta de interesse na região, porque antes da chegada do Exército Islâmico ao Mali cheguei a fazer planos de viajar para o país, ali ao lado. Eu também não sabia que a Mauritânia só aboliu a escravidão oficialmente em 1981 e que conserva o antigo hábito berbere de engordar as mulheres: meninas com 8 ou 9 anos são obrigadas a beber leite de camelo aos litros e, aos 12, já são obesas de 30 anos.

Como idiota que sou, tenho fugido da vida real mergulhando em documentários, e foi no canal Tracks, no YouTube, que encontrei uma série holandesa sobre os países do Saara. Ela é apresentada por Bram Vermeulen, e está em inglês; há opção de legendas automáticas. O Tracks é um aglutinador de conteúdo que reúne documentários sobre o mundo todo realizados por emissoras de diversos países, e tem uma coleção extraordinária de vídeos.

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/cultura/somos-todos-idiotas-25025013


O Globo: Governo Bolsonaro prepara decreto que proíbe redes sociais de apagarem publicações

Dimitrius Dantas, O Globo

BRASÍLIA — O governo Bolsonaro prepara um decreto para limitar a atuação de redes sociais no Brasil e proibir que sites e redes sociais apaguem publicações ou suspendam usuários de suas plataformas. O texto foi elaborado nas últimas semanas pela Secretaria de Cultura e recebeu parecer favorável da Advocacia-Geral da União. O decreto é uma resposta do governo à atuação das principais plataformas e, caso seja editado, pode permitir que  a propagação de informações falsas e o discurso de ódio cresça ainda mais. Nos últimos meses, publicações e vídeos do presidente Bolsonaro foram retirados do ar pelo Facebook e pelo Google sob a alegação de que propagavam informações falsas ou sem comprovação e receberam críticas do presidente. Influenciadores bolsonaristas e o presidente Donald Trump também já tiveram suas contas suspensas pelas plataformas.

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Segundo o decreto, os provedores de serviço só poderão agir por determinação da Justiça ou para suspender perfis falsos, automatizados ou inadimplentes. O bloqueio de conteúdos sem decisão judicial também só poderá ocorrer em casos específicos, como nudez, apologia ao crime, apoio a organizações criminosas ou terroristas, violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente e incitação de atos de ameaça ou violência. O decreto foi encaminhado ao Palácio do Planalto e a outros ministérios na última semana.

O controle sobre as plataformas é uma das bandeiras defendidas pela ala mais radical do governo, que vê na política atual das redes sociais uma forma de censura. Recentemente, expoentes do bolsonarismo tiveram suas contas bloqueadas ou limitadas. Além disso, publicações propagando o uso de tratamentos contra a Covid-19 sem comprovação científica foram tirados do ar. Na CPI da Covid no Senado, um dos temas investigados pelos parlamentares é exatamente a forma como o presidente, seus auxiliares e até mesmo órgãos do governo usaram as redes sociais para divulgar o uso de medicamentos contra a covid-19, como a cloroquina.

De acordo com a minuta do decreto, a Secretaria Nacional de Direitos Autorais ficaria responsável por fiscalizar e apurar casos em que sites e redes sociais retirassem publicações do ar.

O órgão atualmente é comandado pelo advogado Felipe Carmona Cantera, ex-assessor parlamentar do deputado estadual de São Paulo Gil Diniz, conhecido como “Carteiro Reaça”. Diniz foi acusado na Assembleia Legislativa de São Paulo de criar e propagar fake news contra adversários. Além disso, foi citado no inquérito do Supremo Tribunal Federal que apura atos contrários à democracia.

Pelo documento, a Secretaria Nacional de Direitos Autorais poderia até mesmo proibir o uso de determinadas plataformas que cometessem as infrações previstas no decreto. A medida afeta não apenas grandes sites, mas também os de menor porte, como páginas de vaquinha virtual, por exemplo.

Especialista: ‘Mudança radical’

O projeto quer regulamentar um ponto do Marco Civil da Internet que trata da responsabilização por conteúdos publicados nas internet. Segundo a lei, provedores de serviço na internet não podem ser responsabilizados pelo conteúdo publicado nas redes. De acordo com Francisco Brito Cruz, advogado e diretor do InternetLab, centro de pesquisa especializado em direito e tecnologia, entretanto, o teor do projeto vai contra o que determina a legislação.

— O projeto subverte o Marco Civil. Se o decreto fosse publicado, mudaria radicalmente como as redes sociais funcionam no Brasil. Além disso, instituiria um órgão público que vai dizer como as plataformas vão aplicar medidas de moderação na internet — afirma Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab.

Para o especialista em Direito Digital, Omar Kaminski, o decreto entende que a remoção de conteúdos pelas redes sociais por infração aos termos de uso interno do site pode ser considerado “censura privada”.

— Mas, ao que parece, em diversos casos a intenção extrapola este objetivo e peca pelo excesso, pedindo, por sua amplitude e subjetividade, não mais um simples decreto presidencial mas a propositura de um projeto de lei a ser debatido por parlamentares na Câmara e Senado — disse.

No documento, a Secretaria Nacional de Direitos Autorais justifica que o decreto é necessário para regulamentar o Marco Civil em relação aos direitos e garantias dos usuários. O governo argumenta que, como não podem ser responsabilizados, também não poderiam retirar qualquer conteúdo por suposta infração às suas regras.

CPI da Covid: Documentos contradizem Pazuello sobre data de alerta de falta de oxigênio no Amazonas

Para Brito Cruz, entretanto, a justificativa apresentada pelo governo é contrária ao próprio Marco Civil. O artigo 18 da lei indica que o provedor não será responsabilizado por conteúdos gerados pelos usuários. Entretanto, o artigo 19 indica que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, a responsabilização ao provedor ocorrerá se não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo.

— O que está na lei é que os provedores de aplicação, como o Google ou Facebook  não podem ser responsabilizados pelo conteúdo gerado por terceiros em um caso específico: se não receberem uma ordem judicial para retirar. O que o projeto diz é que qualquer retirada de conteúdo que não seja por ordem judicial é proibida, exceto em alguns casos. Isso não é o que a lei diz — afirma Brito Cruz.

A discussão sobre o poder concedido às redes sociais ocorre em todo o mundo e ganhou importância após as maiores empresas do setor suspenderem o ex-presidente Donald Trump definitivamente de suas plataformas no início do ano. Em julho do ano passado, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, as contas de influenciadores simpáticos ao presidente Bolsonaro investigados no inquérito das Fake News também foram bloqueadas.

Em abril deste ano, o Facebook classificou uma publicação do presidente Jair Bolsonaro como “informação falsa”. No mesmo mês, o YouTube removeu um vídeo de Bolsonaro em que o presidente defendia tratamento sem eficácia contra a Covid-19.

Omar Kaminski lembra que o debate sobre a moderação na internet é antigo e vem desde as primeiras salas de bate-papo. A própria estrutura da internet foi construída para dificultar restrições que inviabilizassem sua utilização ou tornasse os ambientes excessivamente cerceados e limitados. Atualmente, algoritmos já realizam boa parte do “trabalho sujo”, destaca o especialista.

— Em resumo, a minuta pretende defender a subjetividade das fake news, proteger os meios de pagamento financiadores e possibilitar a remoção de violações autorais. No campo do ciberativismo, e em tempos de LGPD, de um lado o decreto parece defender a liberdade de expressão, mas de outro torna os caminhos do seu exercício na Internet ainda mais tortuosos — afirma.

Atualmente, o Congresso Nacional já discute a questão da moderação das redes sociais. Uma das propostas exigiria que as empresas apresentassem relatórios de transparência indicando que tipo de conteúdo retiraram do ar.

Embora temas polêmicos, como a defesa do uso da cloroquina ou a propagação de notícias falsas ganhem destaque, a moderação de conteúdo por parte dessas plataformas é um dos pilares da internet atualmente. As redes sociais, por exemplo, possuem sistemas automáticos que tentam evitar a propagação de conteúdo criminoso, como fraudes ou golpes.

— A minuta produzida no governo passa longe da discussão mais sofisticada de moderação de conteúdo. Os conteúdos da internet não precisam de algum tipo de moderação. Inclusive a sociedade pede isso, mostrando que tem muito discurso de ódio, tem muito bullying, tem desinformação. Claro que a gente não tem que pedir que elas ajam sem prestação de contas e transparência. A questão foi mal colocada no projeto — afirma Brito Cruz.

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/brasil/apos-bolsonaro-ter-videos-retirados-do-ar-governo-prepara-decreto-que-proibe-redes-sociais-de-apagarem-publicacoes-25025710


William Waack: Ordens e internet

É notório que Jair Bolsonaro governa para e pela internet. Com resultado que está ficando muito nítido pelos trabalhos da CPI da Covid: a existência de uma espécie de dualidade de mando com prejuízos diretos no combate às diversas crises. O pecado original foi o papel importantíssimo das redes sociais na vitória dele em 2018. São ferramentas indispensáveis para ganhar eleições, mas instrumentos precários para governar – e é pensando nelas que Bolsonaro baseia suas ações.

“Postagens na internet não são ordens”, disse seu ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, ao depor na CPI da Covid num esforço bem orientado por advogados para desmentir o óbvio. Sim, no caso do governo Bolsonaro, são ordens (mas em juridiquês não são). O próprio Pazuello postou um célebre vídeo – na internet – ao lado de Bolsonaro, dando conta de que um manda (o presidente) e o outro (o general intendente) obedece.

 

“Mas era coisa de internet”, desculpou-se Pazuello. O efeito é o mesmo: Bolsonaro consagrou essa dualidade de mando dentro do próprio governo. Dedicado como sempre à atividade de animador de redes digitais, suas “ordens” que não são “ordens” servem no mínimo (com muita boa vontade) para criar confusão interna. No caso da pandemia, a CPI foi razoavelmente bem-sucedida também em demonstrar a existência de uma estrutura paralela de assessoramento governamental que, no fundo, é a avaliação de quais conteúdos obtêm melhor resposta nas redes digitais que Bolsonaro pretende atingir.

Ocorre que dualidade de mando paralisa qualquer administração complexa, como é o caso do governo brasileiro. Na prática, Pazuello e seus antecessores se viram divididos entre o que eram as posturas recomendadas pelas áreas técnicas (na questão de uso de medicamentos, por exemplo) e o que o presidente pregava nas suas redes – além da exigência aos ministros de um tipo de lealdade já fartamente comparado ao “Führerprinzip”, a ideia de que o líder tudo sabe e nunca falha.

O que aconteceu no combate à pandemia já era repetição do que afetara anteriormente setores como economia ou política externa (mas não só). Na economia, por exemplo, Bolsonaro promoveu grande alarido, com enormes prejuízos para a Petrobrás, ao dizer que ia interferir na formação de preços de combustíveis. Repetiu a “fórmula” com o Banco do Brasil, deixando os agentes econômicos nos mais diversos níveis preocupados sobre qual seria, afinal, o limite da intervenção estatal. Era o que vinha dizendo o ministro da Economia ou o que o presidente falava para sua turma na internet?

Na política externa essa “dualidade de mando” criou uma situação esquizofrênica para o principal parceiro comercial brasileiro, a China. Valem os ataques que Bolsonaro reitera nas redes ao regime chinês ou as súplicas dirigidas a Pequim por parte de ministros (como a da Agricultura) e governadores (como o de São Paulo) pela manutenção de laços para garantir exportações e suprimento de insumos para vacinas?

Bons observadores que são da cena brasileira (Pequim sabe cuidar de seus interesses), talvez os chineses se orientem pelo comportamento de duas instâncias políticas hábeis até aqui em lidar com Bolsonaro. Uma é o STF, que lhe impôs limites severos e pensa sempre uma jogada política adiante do presidente e que não mais responde às provocações feitas por ele através das redes digitais.

Outra instância política é a do Centrão, que congrega notórios especialistas em sobrevivência política e defesa dos próprios interesses. Os articuladores da base de sustentação de Bolsonaro no Legislativo chegaram ao acordo tácito de deixá-lo falando sozinho. Com eles não existe mais dualidade de mando, pelo menos no que se refere à distribuição de verbas entre parlamentares: tomaram conta disso, e deixaram o que tem de batata quente para ser decidido entre os ministros do Desenvolvimento Regional e o da Economia, por exemplo.

O resto é Bolsonaro falando para a internet.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ordens-e-internet,70003720588


Malu Gaspar: Para escapar da CPI, Pazuello inventa a ‘coisa de internet’

Depois de muito tentar se esquivar da CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello conseguiu no Supremo Tribunal Federal um habeas corpus para ficar em silêncio e evitar se incriminar. Mas a ordem do ministro Ricardo Lewandowski foi expressa: Pazuello podia, sim, ficar quieto sobre as coisas em que se envolveu, mas não podia mentir quanto aos atos de outras pessoas.

Criou-se então um dilema para o general. Ficando em silêncio, ele estaria dando à CPI o roteiro de seus crimes. E, não podendo mentir para proteger terceiros, seria obrigado a apontar as responsabilidades de Jair Bolsonaro no fracasso do combate à pandemia. Pazuello tinha ainda a opção de ficar quieto o tempo todo. Não teria sido o primeiro a fazê-lo numa CPI. Mas investiu-se de brios de militar e decidiu que não passaria para a história como um covarde. E, assim, produziu uma inovação simbólica dos tempos que vivemos: a “coisa de internet”.

Cada vez que alguém o questionava a respeito de uma ordem de Bolsonaro contra a vacina ou pela adoção da cloroquina como instrumento de política pública, lá vinha Pazuello dizendo que aquilo era “coisa de internet”, “postura de internet” ou algo do gênero.

Foi como ele explicou a resposta de Bolsonaro a um seguidor no Facebook. Pazuello acabara de anunciar a compra de 46 milhões de doses de CoronaVac numa reunião com governadores, mas o bolsonarista apelou na rede social para que o presidente não comprasse a vacina chinesa. “O povo brasileiro não será cobaia de ninguém”, escreveu Bolsonaro. “Qualquer coisa publicada, sem qualquer comprovação, vira TRAIÇÃO”, arrematou.

Para Pazuello, não foi nada demais: “Aquilo foi apenas uma posição do agente político na internet”. O próprio general teria cometido apenas uma coisa de internet ao declarar o inesquecível “um manda, o outro obedece”, no vídeo em que aparece prestando vassalagem ao capitão, logo depois de ter sido desautorizado via Facebook.

Segundo o que se depreende do discurso do ex-ministro-general, o que o presidente diz nas redes sociais ou em suas lives não tem caráter de ordem e não precisa nem ser verdade. São balelas que nem ele mesmo, Pazuello, levava a sério.

Teria sido melhor para o Brasil que fosse mesmo assim. Bolsonaro faria sua bravata virtual, os minions se agitariam e aplaudiriam, e no dia seguinte tudo voltaria ao normal.

Acontece que não é.

Se o que presidente da República fala nas redes ou aos microfones fosse apenas “coisa de internet”, o Butantan não teria feito três ofertas de vacinas ao Ministério da Saúde e ficado sem resposta. Pazuello não teria levado cinco meses para finalmente assinar o contrato com o Butantan e nem ignorado as ofertas da Pfizer por sete meses. O Exército brasileiro não teria iniciado a produção de 3 milhões de doses de cloroquina, mesmo sem demanda nem comprovação de eficácia em pacientes de Covid.

Se, no governo Bolsonaro, “coisa de internet” não fosse para valer, Paulo Guedes não teria sido obrigado a demitir um secretário da Receita que defendeu a volta da CPMF, o imposto do cheque. Tampouco teria recuado da tentativa de trocar o nome do Bolsa Família para Renda Brasil. E os fiscais do Ibama que, numa ação legal, inutilizaram o maquinário de comerciantes de madeira clandestina extraída da Amazônia, em 2019, não teriam enfrentado um procedimento administrativo por parte da chefia.

São apenas alguns exemplos entre muitos. Diga Pazuello o que quiser, nada mudará o fato de que Jair Messias Bolsonaro foi eleito fazendo “coisa de internet” e governa à base de “coisa de internet”. O compromisso do presidente com as “coisas de internet” é tão sério que suas lives de quinta-feira nunca falham, esteja ele onde estiver. É na internet que ele dá ordens, grita, desautoriza e constrange. É pela internet que ele convoca manifestações contra as mais diversas ameaças a seu sempre perseguido governo patriótico. E claro, é também via internet que se constata quais de suas “coisas de internet” são mesmo só bravatas que não devemos levar a sério.

Infelizmente para os brasileiros, as atitudes de Bolsonaro na condução da pandemia não estão entre as “coisas de internet” que devemos ignorar. Pazuello, pelo menos, não o fez. Preferiu dar uma desculpa esfarrapada a deixar transparecer, mesmo que de forma oblíqua, em que momentos o capitão mandou, e ele obedeceu, e em que outras ocasiões — se é que houve — ele foi apenas mais uma vítima do negacionismo presidencial. Com isso, o general afrontou a inteligência do distinto público, mas não decepcionou seu capitão. Provou na prática que, até hoje, o presidente manda e ele obedece. E isso, definitivamente, não é coisa de internet.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/para-escapar-da-cpi-pazuello-inventa-coisa-de-internet.html


Merval Pereira: Não há chance de dar certo

Além das mentiras já comprovadas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que o noticiário em tempo real já explora desde ontem, e os jornais de hoje estão certamente aprofundando, os depoimentos à CPI da Covid até agora estão desvelando a maneira primitiva com que as decisões não são tomadas no governo Bolsonaro.

Juntando com a operação da Polícia Federal realizada ontem sobre a venda ilegal de madeira para os Estados Unidos, denunciada pelo próprio governo americano, temos a prova cabal de que não é apenas a questão ideológica que interfere na formação de um governo totalmente disfuncional.

O (ainda?) ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e diversos escalões do Ibama, inclusive seu presidente, foram apanhados por uma investigação sigilosa que incomodou Bolsonaro, que fez trocas no Ministério da Justiça e na Polícia Federal na tentativa de controlar as instituições do Estado brasileiro e viu-se surpreendido com a independência da PF.

Um exemplo típico, e fundamental, dessa disfuncionalidade é a crença de que as palavras de Bolsonaro nas redes sociais e nas lives fazem parte apenas do seu “etos político”, e não representam orientações do governo. Ao explicar a famosa frase “um manda, outro obedece”, Pazuello disse que era “uma frase de internet”, isto é, uma resposta para ajudar o político Bolsonaro, que estava sendo criticado por seus seguidores nas redes sociais porque o Ministério da Saúde havia anunciado a compra da CoronaVac, a “vacina chinesa” do Doria.Seria uma releitura abrutalhada de Maquiavel, que separava a ética política da ética moral, ou então de Max Weber, uma referência para os que querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.

Se houvesse um lado B de Bolsonaro, que para fora do governo enviasse uma mensagem, e agisse com bom senso, não teríamos tido a tragédia sanitária de que Pazuello é cúmplice. Basta assistir ao vídeo da famosa reunião ministerial que precipitou a saída do ex-ministro Sergio Moro para ver que o Bolsonaro das redes sociais é o mesmo nas entranhas do governo.

Ao mentir na CPI, tentando livrar a cara do presidente, o ex-ministro da Saúde comete um “crime continuado”, mesmo fora do governo. Os fatos o desmentem. O caso do avião oferecido pelos Estados Unidos para levar oxigênio para Manaus, na crise sanitária ocorrida dentro da pandemia no Brasil, é exemplar da incapacidade de trabalho em equipe deste governo.

O ex-chanceler Ernesto Araújo não falou com o governo da Venezuela, nem com o dos Estados Unidos, por questões ideológicas. E também não encaminhou, segundo Pazuello, um pedido formal com as características dos cilindros que seriam apanhados na Venezuela para levar a Manaus. Já havia feito isso quando recebeu a carta da Pfizer oferecendo vacinas. Não comunicou ao presidente Bolsonaro porque supôs “que o governo tinha recebido a carta”.

Pazuello soube que havia um avião dos Estados Unidos pronto para trazer oxigênio, mas não fez nada, pois não lhe perguntaram nada, só informaram. Ernesto Araújo disse que cabia ao Ministério da Saúde dar as informações técnicas para o voo. Os dois não se falaram, demonstrando que as autoridades do governo tiveram comportamentos burocráticos durante a crise humanitária em Manaus.

Pazuello reafirmou uma visão provinciana das negociações internacionais sobre as vacinas. Disse que mostrou ao representante da Pfizer o tamanho do Brasil num mapa, assim como o presidente Bolsonaro dissera anteriormente que o mercado brasileiro era tão grande que poderíamos negociar o preço das doses. Deu tudo errado, e, ao final, compramos a vacina da Pfizer pelo preço definido no início das negociações, perdendo tempo e prioridade na distribuição das doses.

É um governo completamente disfuncional. Com esses depoimentos e declarações, não há a menor chance de dar certo.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/nao-ha-chance-de-dar-certo.html