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Luiz Carlos Azedo: Um candidato no telhado
Huck parece realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Mas a aposentadoria do Faustão pode mudar suas perspectivas na TV Globo
Desculpem-me o trocadilho com a inspiradora história do leiteiro Tevje e sua família, na pequena aldeia russa de Anatecka, um conto de autoria de Scholem Aleichen, o grande escritor ídiche, a língua falada pelos judeus da Europa Central e Oriental. Com sua esposa Golde, ele tenta criar as filhas Tzeitel, Hedel, Chava, Shprintze e Bielke na melhor tradição judaica. Tevje e sua canção “Se algum dia eu ficasse rico” bombaram na estreia do musical “Um violinista no telhado” (Anatevka) na Broadway, em setembro de 1964.
Foi um verdadeiro espanto à época, porque o musical era em ídiche, uma mistura de alemão, hebraico e línguas eslavas, e lotou as sessões do Teatro Imperial da Broadway. O título original da adaptação é Fiddler on the roof (Um violinista no telhado). “Parece loucura, não é? Mas no nosso lugarejo Anatevka é assim. Cada um de nós é um violinista no telhado. Ficamos aqui, porque Anatevka é a nossa terra natal. E o que traz equilíbrio à nossa mente pode ser resumido numa palavra: tradição”, esclarece o protagonista da peça. Dirigido por Norman Jewison, com roteiro de Joseph Stein, a versão para o cinema, lançada em 1971, também fez grande sucesso e ganhou quatro Oscar: fotografia, som, direção de arte e trilha sonora.
O filme, uma comédia dramática, é boa pedida para o domingão. Religioso, Tevje imagina que suas cinco filhas deverão pouco a pouco seguir o caminho em direção ao “porto seguro” do casamento. Pobre, tenta, com a ajuda de sua mulher, Golde, casar a filha mais velha com o açougueiro Lazar Wolf, bem mais velho rico e endinheirado. O casamento de conveniência é frustrado pela personalidade teimosa da filha Zeitel, que se apaixona pelo pobre alfaiate Mottel. Para desespero do casal, a segunda filha se apaixona pelo estudante revolucionário Perchik, tomando a decisão de segui-lo até a Sibéria, para onde ele havia sido banido pelo regime czarista. Como se não bastasse, a terceira filha, Chava, ultrapassa os limites da tolerância de Tevje, ao casar-se com o cristão Fedja, o que o pai considera uma traição. Entretanto, um pogrom iminente no vilarejo no qual conviviam judeus e cristãos ortodoxos, força Tevje, Golda e suas duas filhas mais novas a emigrar para os Estados Unidos.
Caldeirão
Na política, quem subiu no telhado nas eleições de 2018, quando o cavalo passou arreado, e nunca mais desceu, foi o apresentador Luciano Huck. Jovem, rico, bem-informado, carismático, bem assessorado — o ex-governador Paulo Hartung e o economista Armínio Fraga são seus principais conselheiros —, o comunicador conhece o Brasil de ponta a ponta e tem perfil de filantropo, sinceramente empenhado em melhorar a vida das pessoas. No seu caldeirão, conseguiu a proeza de fundir o entretenimento despretensioso com o fomento do empreendorismo. Aos interlocutores, Huck tem revelado o desejo de se candidatar à Presidência da República. Tem seus motivos: acredita que pode atrair para a política jovens lideranças da sociedade, vê nela uma maneira de melhorar a vida das pessoas no atacado e não deseja passar toda a vida repetindo o que já faz, embora seu programa de tevê tenha acompanhado a metamorfose da vida pessoal de seu criador.
Nos últimos meses, Huck parecia realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Seguia um roteiro mais ou menos previsível. Em junho, teria que deixar a TV Globo, por exigência da própria empresa. Como todo outside da política, com base na legislação eleitoral, teria até 4 de abril de 2022 para escolher um partido. Obviamente, escolheria o que lhe oferecesse mais garantias de legenda e melhores condições políticas para concorrer. Mesmo assim, ainda teria até 15 de agosto para registrar a candidatura. O problema é que, na política, o tempo não é igual para todos. Huck precisa descer do telhado.
O DEM se colocava como boa alternativa, saiu das eleições fortalecido das municipais, tinha um núcleo dirigente jovem e uma imagem de partido liberal consolidada. Entretanto, alinhou-se com o presidente Jair Bolsonaro e catapultou o principal interlocutor de Huck na legenda, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), para fora do partido. O PSDB, cada vez mais liberal e menos social-democrata, também não é alternativa, embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso goste de Huck, porque o governador João Doria (SP) dá demonstrações efetivas de que vai disputar a Presidência da República.
Restam o Cidadania, com três senadores e sete deputados, cujo presidente, o ex-deputado Roberto Freire, é um entusiasta de sua candidatura, e o Podemos, liderado pela deputada Renata Abreu, com nove senadores e 10 deputados, que namorava o ex-juiz Sérgio Moro, que optou pela advocacia empresarial. Os dois partidos, como a família de Tejve, correm risco de diáspora; precisam de um candidato para chamar de seu e, com isso, ultrapassar a cláusula de barreira. Entretanto, podem ficar a ouvir o violinista no telhado, porque a aposentadoria do apresentador Faustão abriu a possibilidade de Huck se tornar o dono das tardes de domingo na TV Globo.
Merval Pereira: Reforma necessária
Agora que a reportagem da Rede Globo sobre funcionários fantasmas na Assembléia Legislativa do Rio foi indicada para o Emmy, o maior prêmio internacional da televisão, ao mesmo tempo que a investigação sobre o sistema de “rachadinha” salarial dos funcionários de diversos gabinetes de deputados estaduais, entre eles o hoje senador Flavio Bolsonaro, vai chegando a resultados concretos, é mais que hora de repisar a necessidade de uma revisão da organização dos gabinetes parlamentares em todos os níveis, do federal ao municipal.
Por sua própria natureza, a “rachadinha” demonstra que os parlamentares têm assessores em excesso, cujos salários são também supervalorizados diante do praticado pelo mercado profissional. O assessor Fabricio Queiroz era, segundo está sendo demonstrado nas investigações, o responsável por receber e redistribuir parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flavio Bolsonaro.
O valor total da soma dos vencimentos mensais de cada gabinete da Assembléia Legislativa do Rio é de R$ 160 mil, para ser distribuído entre possíveis 40 assessores. Até mesmo auxílio-alimentação é fraudado, segundo denunciou o deputado Luiz Paulo. Segundo ele, seria melhor adotar o ticket-refeição, para evitar o que muitos servidores fazem: devolvem o dinheiro referente ao auxílio-alimentação aos deputados que os empregam, ou para a “caixa” do partido.
A reportagem da Globo mostrou que vários assessores não aparecem para trabalhar, alguns foram flagrados pela reportagem em casa em dia de semana, e uma funcionária mora em Orlando, na Flórida. Depois de a reportagem ser exibida, foram abertas duas investigações, uma da própria Assembléia e outra do Ministério Público estadual, e até agora, oito meses passados, nada foi resolvido. Marli Regina de Souza Costa continua vivendo na Flórida e, mesmo à distância, trocou de deputado, mantendo a mordomia de R$ 23 mil mensais.
Dois dos servidores denunciados aposentaram-se, ganhando mais do que na ativa e com uma vantagem, não precisam mais dar parte de seu salário para ninguém. Na Câmara dos Deputados em Brasília o valor mensal da verba de gabinete é R$ 111.675,59, e cada deputado pode contratar de 5 a 25 secretários parlamentares para “prestar serviços de secretaria, assistência e assessoramento direto e exclusivo nos gabinetes dos deputados, em Brasília ou nos estados”.
Foi num desses cargos que Nathalia Melo, filha de Queiroz foi registrada no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, embora trabalhasse no Rio como personal trainer. No Senado, a questão é mais complicada, um “emaranhado de leis” segundo o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, que impede que se tenha noção clara dos critérios e salários.
A Transparência Brasil dividiu estados e capitais em grupos de maiores e menores PIBs per capita, e confrontou os tamanhos das economias com os gastos parlamentares – que incluem salários, verbas e auxílios diversos a deputados estaduais e vereadores. “O que se revelou foi uma inversão lógica: segundo dados coletados junto a Assembléias e Câmaras, estados mais pobres gastam em média 20% mais do que os ricos; capitais mais pobres, 16% a mais”.
O Pará, por exemplo, que tem um terço do PIB per capita de São Paulo, gasta 30% a mais por deputado estadual. “A irracionalidade é a mesma quando se comparam as capitais: Natal tem a metade do PIB per capita de Curitiba, mas empenha com seus vereadores o dobro da capital paranaense. No entanto, as Câmaras Municipais destas gastam por vereador 16% a mais com salários, auxílios e verbas indenizatórias do que as capitais com os maiores índices de PIB per capita”.
O mesmo ocorre, segundo o relatório da Transparência Brasil, nas Assembleias Legislativas. Enquanto os 12 estados da base seus gastos com salários e verbas são 20% mais altos do que os dos 12 estados do topo.
Na reforma administrativa que se pretende fazer, este seria um tema prioritário, não apenas para impedir que esse sistema de “rachadinha” se perpetue com o desvio do dinheiro público para os partidos políticos ou o bolso do parlamentar. Também como exemplo de que prevalecerá entre os representantes do povo a postura ética que lhes é exigida pelos cargos para os quais foram eleitos.