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Alê Garcia: A presença do cinema negro no Oscar 2021
Vimos, no final de 2020, como o Emmy estabeleceu um recorde ao nomear o maior número de atores negros em 72 anos de história. Foram 35 das 102 atuações indicadas.
Corta pra o Globo de Ouro, em fevereiro de 2021: a despeito da chamada “invasão do cinema afro-americano” teve um número pífio de negros na premiação, com a falta de importantes nomes, tanto em artistas como em produções.
De tempos em tempos, temos a oportunidade de nos tornarmos espectadores de importantes mudanças estruturais. Achávamos que teríamos isto este ano.
Em 2015 e 2016, o Oscar só nomeou atores brancos nas categorias de atuação, mesmo com diversos nomes negros merecedores de estarem na corrida. Que o digam Will Smith por “Um Homem Entre Gigantes”, Idris Elba por “Beasts of no Nation” e Samuel L. Jackson por “Os 8 Odiados”. Naquele momento teve início o movimento #OscarSoWhite, levante extremamente necessário que contou com o apoio de nomes como Spike Lee e Jada Pinkett Smith, que boicotaram a cerimônia.
Desde então foram anunciadas medidas para as próximas premiações, como a entrada de novos membros dos mais diversos países, idades e raças. Além do desligamento de votantes que nem estão mais na ativa na indústria cinematográfica.
No entanto, somos obrigados a assistir, todo ano, a este sobe e desce dos indicados, sempre iludidos sobre um equilíbro entre negros e não-negros no Oscar, normalizando nossa presença na maior premiação da indústria cinematográfica do mundo.
Mas a normalização ainda não chegou.
Pensávamos que este ano teríamos no mínimo sete atores e atrizes negros indicados, o que — então sim — bateria o recorde de 2017, ano em que a Academia se viu pressionada a indicar o máximo possível de negros.
O máximo possível foram seis.
Tivemos Denzel Washington e Viola Davis disputando por “Um Limite entre Nós”, além de Mahershala Ali e a Naomi Harris, por “Moonlight”. Ruth Negga disputou por “Loving” e Octavia Spencer por “Estrelas Além do Tempo”. Entre os seis indicados, só Viola Davis e Mahershala Ali levaram suas estatuetas, como Coadjuvantes.
Mas este ano continuamos com seis indicados. Quando vamos ultrapassar este número? E quando pararemos de contar, já que será algo tão normalizado que nem mais celebraremos o fato?
Enquanto isso não acontece, temos, entre os indicados: como Melhor Ator, Chadwick Boseman, que concorre postumamente por sua sensível interpretação em “A Voz Suprema do Blues”. E, considerando que o ator falecido em 2020 já foi premiado no Globo de Ouro, no Screen Actors Guild e no Critics Choice Awards, temos o favorito para ganhar o Oscar nesta edição. Por seu talento óbvio, mas também porque é praxe a premiação póstuma como última consagração — que o diga Heath Ledger e seu Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2009, ano seguinte à sua morte.
Pelo mesmo filme, temos a incrível Viola Davis, concorrendo a Melhor Atriz e entrando para a história do Oscar como a atriz negra mais indicada de todos os tempos, com quatro indicações. É com isso que comemoramos, enquanto Meryl Streep, atriz do mesmo patamar, já conta com vinte e uma indicações!
Andra Day também vem concorrendo como Melhor Atriz por “Estados Unidos VS Billie Holyday”. E foi ela quem levou o prêmio de Melhor Atriz em Drama no Globo de Ouro. Ao ser indicada com Viola Davis, temos a segunda vez na história do Oscar em que duas mulheres negras são indicadas no mesmo ano nesta categoria principal. A última vez em que aconteceu foi em 1973, quando Cicely Tyson foi indicada por “Sounder”, lançado no Brasil como “Lágrima de Esperança” e Diana Ross por “Lady Sings the Blues”, aqui intitulado “O Ocaso de Uma Estrela”.
Outra estreia digna de nota é o fato de Mia Neal e Jamika Wilson serem indicadas por “A Voz Suprema do Blues” como as primeiras mulheres negras na categoria Maquiagem e Penteado.
Já nas categorias de coadjuvante, Leslie Odom Jr concorre por “Uma Noite em Miami”. Ele, também cantor fenomenal, é o intérprete de “Speak Now”, do mesmo filme, que concorre como Melhor Canção Original.
Por “Judas e o Messias Negro”, temos ainda Lakeith Stanfield, conhecido por seu papel na série “Atlanta” e que, surpreendentemente, concorre com seu colega de filme, Daniel Kaluuya — que deveria estar concorrendo como Melhor Ator. Kaluuya, que já levou o prêmio do SAG Awards, Globo de Ouro, Critics Choice Awards e Bafta, tem, neste papel, a melhor performance da sua carreira, como Fred Hampton, o líder da unidade de Illinois dos Panteras Negras. Temos um favorito?
“Judas e o Messias Negro” conta a história real de Bill O’Neal, papel de Lakeith Stanfield, militante negro infiltrado pelo FBI para espionar e sabotar o movimento dos Panteras Negras.
A obra, que concorre a Melhor Filme, tornou-se o primeiro indicado nesta categoria a ter uma equipe totalmente negra de produtores: Shaka King, que também o dirige, além de Ryan Coogler, diretor de “Pantera Negra” e Charles D. King.
O filme recebeu um total de seis indicações, incluindo também Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia e Melhor Canção Original, a música “I Will Fight For You”, interpretada por H.E.R.
Outro filme que poderia estar no páreo, “Uma noite em Miami”, sensível estreia de Regina King na direção, não está entre os indicados a Melhor Filme. Concorre por Melhor Roteiro Adaptado, focando na história dos quatro ícones negros norte-americanos, o pugilista Muhammad Ali, o jogador de futebol americano Jim Brown, o cantor Sam Cooke e o ativista Malcolm X, que se reúnem para uma noite de conversas sobre como as suas condições de figuras de destaque poderiam ajudar a população de negros do país.
O filme foi descrito por sua diretora como “uma carta de amor aos homens negros e as suas experiências” e traz um olhar delicado e generoso sobre estes líderes negros também repletos de insegurança e hesitação.
Indicado nas categorias Melhor Animação, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Som, vem “Soul”, da Disney Pixar, primeira animação desta produtora com um protagonista negro. Um filme sobre morte, jazz, saudade, propósito de vida e limitação. Com abordagens tão profundas que trouxe alguns questionamentos válidos sobre sua adequação infantil.
Concorrendo com “Soul” em Melhor Trilha Sonora Original, temos “Destacamento Blood”, do Spike Lee, sobre quatro ex-veteranos da Guerra do Vietnã que voltam à nação asiática pra recuperar um tesouro escondido e rever os restos mortais do líder de seu esquadrão, Norman Holloway, interpretado por Chadwick Boseman, em um dos seus últimos papéis. E esta é a única indicação deste filme, uma análise profunda de como a Guerra do Vietnã foi uma empreitada do governo dos EUA cujo resultado foi uma tragédia com muitos mortos, feridos e traumas que precisarão de gerações para serem superados.
Domingo estaremos na torcida por todos estes filmes. E numa torcida ainda maior para que a quantidade de indicados negros, um dia, seja tamanha que fiquemos divididos entre quais filmes negros são nossos favoritos.
Alê Garcia – Escritor e criador do podcast “Negro da Semana”. Garcia figura na lista do 20 Creators Negros Mais Inovadores do País pela Forbes.
El País: A bênção de Edir Macedo para Jair Bolsonaro na TV
Candidato participou de sabatina amigável na Record, emissora do bispo da Universal, onde mentiu em ao menos duas ocasiões
Dias após receber o apoio do todo-poderoso bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) recebeu do líder religioso uma espécie de bênção: 30 minutos de palanque na TV nesta quinta-feira. Enquanto os outros candidatos à presidência se enfrentavam no debate da TV Globo, o último antes do primeiro turno das eleições, foi ao ar na Record, que também é de propriedade de Macedo, uma entrevista exclusiva com o capitão reformado do Exército. Sentado na sala de sua casa no Rio de Janeiro, onde termina de se recuperar do atentado que sofreu em setembro, Bolsonaro se sentiu à vontade. Não teve de lidar com questionamentos duros e viu sua imagem ser suavizada. Em ao menos dois momentos o presidenciável mentiu sem ser questionado - sobre os protestos #EleNão e sobre declarações machistas, racistas e homofóbicas feitas por ele.
A equipe jurídica de Fernando Haddad (PT) e de Ciro Gomes (PDT), respectivamente o 2º e o 3º colocados nas pesquisas, tentaram impedir na Justiça que o rival fosse beneficiado com o palanque na Record. Eles argumentaram que a entrevista configuraria “falta de tratamento isonômico” por parte da emissora, uma vez que os demais concorrentes não tiveram o mesmo espaço no canal. O ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral Carlos Horbach negou os pedidos de suspensão, afirmando que “não se pode caracterizar eventual tratamento anti-isonômico (...) a partir de notícias veiculadas em um único dia e em um único telejornal da programação da emissora”. Não é a primeira vez que o presidenciável aparece em espaço privilegiado nas TVs abertas. Na sexta-feira, antes de receber alta do hospital em São Paulo onde se recuperou da facada, Bolsonaro deu entrevistas exclusivas à Band e à Rede TV. As três aparições colocam de volta no debate o papel das emissoras: podem exibir Bolsonaro sem chamar os demais?
Jogando em campo favorável
Jogando em campo favorável, Bolsonaro aproveitou a entrevista para rebater as críticas que vem sendo alvo desde o início da campanha. “Onde tem um vídeo onde eu ataco negros? Onde tem um áudio meu atacando mulheres?”, questionou o candidato, tomando as rédeas de sua entrevista e omitindo os casos documentados onde ofende negros, mulheres e homossexuais. “Sou acusado de disseminar ódio e quem leva facada sou eu!”, afirmou.
Por duas vezes a conversa foi interrompida para que Bolsonaro pudesse “descansar”, informou o repórter, uma vez que “por recomendação médica ele não deve falar por mais de 10 minutos seguidos”. Nestes momentos um enfermeiro negro da equipe médica que acompanha sua recuperação o examinava. Em entrevista anterior, ao apresentador José Luis Datena, o capitão falou por mais e 45 minutos ininterruptos.
Durante a conversa, Bolsonaro mentiu ao dizer que o movimento multitudinário #elenão é composto por “artistas que estão mamando há anos na Lei Rouanet” - os atos foram convocados por grupos de mulheres contrárias a ele, e reuniram milhares de pessoas em várias marchas pelo Brasil, contando com a adesão de alguns artistas. Os comentários do candidato provocaram uma enxurrada de críticas nas redes sociais: participantes das manifestações indagavam ironicamente quando iriam “receber o cheque”. Horas antes o presidenciável fez uma transmissão ao vivo em sua página do Facebook no qual usou um broxe com o símbolo da campanha Outubro Rosa, de combate ao câncer de mama. Seu filho fez questão de mencionar que era para "mostrar respeito" a todas as mulheres, em uma clara tentativa de amenizar sua rejeição com as eleitoras, que é de 50%.
O tema mais espinhoso tocado foi sobre fake news. Acusado pelos adversários de usar a seu favor uma poderosa máquina de fake news em suas redes sociais e grupos de WhatsApp, ele inverteu o jogo: “É duro combater [fake news], por que a esquerda vai em todos os locais pregando essas fake news contra nós, de que vamos acabar com Bolsa Familia”, respondeu. No passado, Bolsonaro criticou o programa social, mas ele não defende mais a extinção do benefício. Questionado novamente sobre eventuais notícias falsas propagadas por seus seguidores, o capitão tergiversou: “Eu não tenho controle sobre os milhões de pessoas que me seguem. Uma ou outra pessoa acaba extrapolando (...), mas nós não pregamos fake news”. Tanto Bolsonaro quanto seus filhos já foram flagrados postando e compartilhando material inverídico nas redes.
Bolsonaro também questionou a investigação envolvendo Adélio Bispo, que se tornou nesta quinta-feira réu com base na lei de segurança nacional por ter atacado o capitão em 6 de setembro. “Este processo está sendo conduzido por um delegado de confiança de Fernando Pimentel [governador mineiro do PT, Estado onde ocorreu o crime] (...) Isso não parte de forma isolada. Não quero me precipitar, nessa equipe que investiga tem gente isenta e simpática à minha causa”.