Recife
Chuvas no Nordeste afetam mais de 1,2 milhão de pessoas em 6 meses
BBC News Brasil
Os efeitos do excesso de chuvas afetaram mais de 1,2 milhão de pessoas na região Nordeste desde dezembro de 2021 até agora, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com base nos dados das Defesas Civis municipais.
A entidade aponta que, apesar dos desastres terem sido causados pelas chuvas, muitos dos problemas são resultado da falta de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura.
O levantamento considera o total de mortos e outras pessoas afetadas pelas chuvas, categoria que inclui tanto quem perdeu sua casa de forma definitiva quanto aqueles que precisaram deixar suas casas de forma temporária.
Houve 132 mortes por este mesmo motivo no mesmo período, que vai até 30 de maio.
A maioria delas ocorreu na última semana em Recife, capital de Pernambuco, na última semana, após o grande volume de chuvas que causou deslizamentos e alagamentos. Até o momento, ao menos 91 pessoas morreram e 26 pessoas estão desaparecidas.
Estados mais afetados
Nos últimos seis meses, 48.182 casas foram danificadas e 5.347 casas foram totalmente destruídas no Nordeste, aponta a CNM.
Segundo a confederação, além de Pernambuco — onde foram registradas mais mortes — os Estados mais afetados foram Bahia, Maranhão e Ceará.
"As chuvas do final de 2021 e o início deste ano na Bahia mataram ao menos 26 pessoas, desalojando quase 150 mil, com mais de 1 milhão de pessoas afetadas", diz a entidade.
O Maranhão teve mais de 20 mil desalojados e 158 mil pessoas afetadas. No Ceará, 53 mil pessoas foram afetadas.
A região também teve pelo menos R$ 3 milhões em prejuízo nos últimos seis meses, com danos à pecuária, à agricultura, à indústria, ao comércio, aos sistemas de geração energia, de abastecimento de água, de esgoto, de limpeza, de segurança pública, de controle de pragas, de transportes e de telecomunicações, segundo cálculos da CNM.
410 mortes no país
O Brasil todo teve um total de 7,9 milhões de pessoas afetadas pela chuva até abril de 2022, segundo o levantamento nacional mais recente da confederação — ou seja, esse número não inclui as recentes chuvas de maio.
No final de 2021 e início de 2022, tempestades causaram 25 mortes em Minas Gerais, afetando 990 mil pessoas.
Em fevereiro, 233 pessoas morreram em Petrópolis, no Rio de Janeiro, devido a deslizamentos e alagamentos causados pela chuva.
O Rio de Janeiro também foi fortemente afetado em abril, quando as chuvas causaram deslizamentos que deixaram 11 mortos em Angra dos Reis, 7 em Paraty e 1 em Mesquita.
Se incluídas as 132 mortes no Nordeste, foram ao menos 410 mortes no país todo por causa de chuvas nos últimos seis meses.
Falta de políticas públicas
Segundo a CNM, apesar dos desastres terem sido causados por fenômenos da natureza, muitos dos problemas na verdade são resultado da falta de "políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes".
"Os diversos desastres ocorridos, a despeito de sua natureza, como chuvas torrenciais e consequentes deslizamentos de terra e inundações, escondem muitas vezes a ausência de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes e deixam claro a precariedade da articulação de políticas de prevenção de desastres pelos entes federados", afirma a entidade no relatório.
Além dos desastres desencadeados pela chuva em alguns meses do ano, diversos municípios têm que lidar com a seca nos outros meses.
Segundo a CNM, a seca está "a cada ano mais intensa e duradoura", trazendo graves problemas aos municípios.
Embora o problema afete principalmente o Nordeste, ele também pode atingir outras regiões do país, diz a CNM.
"Por exemplo, desde 2019, a seca vem castigando a região sul do Brasil, com efeitos devastadores, colapso de abastecimento de água potável e grandes prejuízos econômicos e financeiros no agronegócio e na pecuária", afirma a confederação no relatório.
*Texto publicado originalmente no BCC News Brasil
Luiz Carlos Azedo: Três cidades
Em São Paulo, Bruno Covas é assediado por Boulos; no Rio de Janeiro, Eduardo Paes está praticamente eleito; em Recife, Marília e João Campos têm disputa acirrada
Muito interessante a disputa nas três principais capitais onde há segundo turno: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Apontam tendências políticas completamente diferentes. A única conclusão que podemos inferir em relação a 2022, com segurança, é o fato de que o presidente Jair Bolsonaro caiu do cavalo nas três cidades. Seus candidatos não emplacaram. A queda de sua popularidade em quase todo o território nacional, em razão da pandemia de coronavírus, das altas taxas de desemprego e das suas patacoadas em relação a alguns temas relevantes, como a política externa e o meio ambiente, fez com que seu apoio se tornasse irrelevante.
Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) mantém a liderança, mesmo caindo de 48% para 47%. Guilherme Boulos (PSol) estacionou nos 40%, segundo o DataFolha. Como o candidato de Bolsomaro, Celso Russomano (Republicanos), virou mosca morta no segundo turno, a disputa reflete uma guinada à esquerda na capital paulista. Bruno Covas é um tucano de raiz, com uma narrativa que não nega a herança familiar do ex-governador Mario Covas. É falsa a acusação de que seria um bolsonarista, sua candidatura se posiciona no campo da centro-esquerda.
O que acontece é que Boulos, candidato do PSol, está à esquerda do PT, o que está contingenciando sua candidatura. Não deixa de ser um fenômeno de implicações nacionais, pois sinaliza a quebra de hegemonia do PT e a emergência de uma nova liderança política em São Paulo com projeção para outros estados. Também é falsa a tese de que seria uma espécie de lulismo sem Lula, quando nada porque o transformismo do PT ocorreu no exercício do poder e não à margem dele. Não se pode confundir o aggiornamento de Boulos com isso.
Boulos tem ampla vantagem entre jovens de 16 a 24 anos (61% a 27%); Covas, entre quem tem 60 anos ou mais (61% a 28%). Os mais jovens, porém, pesam menos (12%) no eleitorado do que os mais velhos (23%). Entre os mais pobres, com renda familiar de até dois salários, o candidato do PSDB tem 46% das intenções de voto, ante 39% do adversário. Também lidera entre quem tem renda familiar de dois a cinco salários (48% a 38%). Boulos vence na faixa de renda de cinco a 10 salários (48% a 42%). Entre os mais ricos, com renda superior a 10 salários, Covas tem 53%, e Boulos, 42%. No total de votos válidos, Covas tem 54% e Boulos, 46%.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, a situação é completamente diferente da de São Paulo. O segundo turno virou uma disputa entre o centro e a direita. A novidade é o maciço apoio da esquerda ao candidato do DEM, Eduardo Paes, que passou de 54% para 55%. O prefeito Marcelo Crivella, um dos raros candidatos de Bolsonaro no segundo turno, mostra resiliência na sua base evangélica, mas avançou apenas de 21% para 23% dos votos, segundo o DataFolha. Em termos de votos válidos, Paes venceria Crivela por 70% a 30%.
A vitória de Eduardo Paes repercute no cenário nacional porque fortalece o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a ala do partido que namora a eventual candidatura a presidente da República do apresentador Luciano Huck. A disputa também aponta uma tendência de convergência de forças contra o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022.
A segmentação da pesquisa também mostra uma derrota profunda do projeto político da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, de quem Crivella é sobrinho. Sua narrativa conservadora em relação aos costumes esbarrou na vida mundana dos cariocas. O aparelhamento da administração da cidade pelos pastores evangélicos também se revelou um fracasso político.
Não é à toa que Paes ampliou a vantagem sobre Crivella entre as mulheres (74% contra 26%); entre os que têm 60 anos ou mais (75% a 25%); entre os mais instruídos (75% a 25%); entre os com renda familiar mensal acima de 10 salários mínimos (85% a 15%); entre os funcionários públicos (83% a 17%); entre os católicos (84% a 16%); e entre os simpatizantes do PT (93% a 7%). Crivella manteve-se em vantagem apenas entre os evangélicos (64% contra 36%).
Recife
A eleição no Recife está eletrizante e virou a política de Pernambuco de pernas para o ar. Marília Arraes (PT) subiu de 41% para 43%, mas João campos (PSB) tem uma curva de crescimento melhor: passou de 34% para 40%. Nos votos válidos, a petista venceria por 52% a 48%, uma diferença que caiu de 10 para quatro pontos, apenas. O mais inusitado da disputa é que ela se dá praticamente no mesmo campo, em todos os sentidos. PT e PSB são partidos de esquerda, socialistas, os dois candidatos pertencem ao clã da família do ex-governador Miguel Arraes e disputam a sua herança.
Curioso é o fato de a direita pernambucana apoiar maciçamente a candidata petista, com objetivo de enfraquecer o governador Paulo Câmara e o jovem deputado federal João Campos, neto de Arraes e herdeiro político do falecido governador Eduardo Campos, que morreu num desastre aéreo na Baixada Santista, em plena campanha eleitoral de 2014.
Marília Arraes leva vantagem entre os homens (46% a 36%); entre as mulheres, fica um pouco atrás (41% a 43%). Entre os mais jovens, de 16 a 24 anos, abre 14 pontos (47% a 33%). Na faixa seguinte, de 25 a 34 anos, tem 43%, ante 41% do candidato do PSB. Entre os eleitores de 35 a 44 anos, Campos lidera (45% a 37%), mas perde entre quem tem de 45 a 59 anos, faixa na qual a petista abre vantagem de 14 pontos novamente. No grupo de eleitores mais velhos, com 60 anos ou mais, o candidato do PSB tem 44% e Marília, 43%.
Ascânio Seleme: Filhos e netos se apropriam do capital político da família para pedir votos
Em Recife, onde uma neta e um bisneto de Miguel Arraes disputam o segundo turno
A história eleitoral brasileira está repleta de casos de filhos e netos que se apropriam do nome e do capital político do patriarca da família para pedir votos e quem sabe passar o resto da vida pagando suas contas com dinheiro público. Quanto mais próximo do primeiro político, melhor. Foi assim com os três zeros pouco qualificados de Bolsonaro, que se elegeram vereador, deputado e senador. Nas eleições municipais deste ano, há um caso que não chega a ser inédito, mas prova que as pessoas apostam mesmo no nome da família para ganhar um cargo. Trata-se de Recife, onde uma neta e um bisneto de Miguel Arraes disputam o segundo turno.
A neta, a deputada petista Marília Arraes, já tem um pouco de estrada e tentou uma outra vez ocupar um cargo executivo. Em 2018, mesmo liderando as pesquisas, teve sua candidatura abortada pelo diretório nacional do PT. O bisneto, João Campos, tem apenas 26 anos. Além de ser neto de Arraes, ele é filho do falecido governador Eduardo Campos. Ungido por dois sobrenomes, foi o deputado federal mais votado em 2018, aos 24 anos, e agora quer ser prefeito. Sua qualificação? É engenheiro, mas nunca exerceu a profissão. Graduou-se em 2016, mas aí já era secretário do governador que sucedeu seu pai dois anos antes.
Em São Paulo, outro neto disputa a eleição. Bruno Covas, neto do ex-governador Mario Covas, está no segundo turno e pode acabar eleito para um mandato inteiramente seu. No primeiro, foi vice de João Doria, que saiu para se candidatar a governador. Bruno foi deputado estadual, deputado federal e secretário estadual de Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. Mas aí, nenhum mérito. Até o nefasto Ricardo Salles foi secretário de Meio Ambiente de Alckmin. No Rio, o sobrenome Garotinho não rendeu votos para Clarissa, que chegou em 11º lugar com apenas 12.178 votos. No caso, o sobrenome mais atrapalha do que ajuda a deputada filha de dois ex-governadores encrencados.
Muito raramente os filhos e netos são tão eficientes ou bons quanto a quem deu origem à estirpe política. Há um caso emblemático no Brasil que mostra ser possível passar qualidade política geneticamente. Estou falando do presidente Tancredo Neves e de seu neto, o deputado Aécio Neves. Tancredo foi político de habilidade incomum e tornou-se um dos mais importantes brasileiros de todos os tempos. Artífice da redemocratização do Brasil em 1985, morreu sem tomar posse, virando quase um mártir político. Seu neto elegeu-se deputado, governador e senador. Muito eficiente e quase tão hábil quanto o avô, conseguiu ser eleito presidente da Câmara, o que não é trivial, e foi candidato a presidente. O problema é que seu futuro desapareceu quando descobriu-se que ele era um escroque.
Há diversos casos de transmissão familiar de prestígio político no país. Exemplos: Nelson Marchezan e Nelson Marchezan Jr., no Rio Grande do Sul; Esperidião Amin, Angela Amin e João Amin, em Santa Catarina; José Richa e Beto Richa, no Paraná; Antônio Carlos Magalhães, Eduardo Magalhães e ACM Neto, na Bahia; Jader e Helder Barbalho, no Pará; Renan Calheiros e Renan Filho, em Alagoas; Nelson e Nelsinho Trad, no Mato Grosso do Sul; os incontáveis Alves de Melo, no Rio Grande do Norte; e os inacreditáveis Iris e Iris Rezende (marido e mulher), em Goiás. E no Rio há ainda os Maia, o pai Cesar e o filho Rodrigo.
Embora a prática se espalhe pelo Brasil de maneira incontrolável, a herança política não é uma jabuticaba genuína. Nos Estados Unidos, desde a mais tenra idade da maior democracia da terra, pais já passavam prestígio para seus filhos. John Adams, um dos fundadores da pátria, foi o segundo presidente dos EUA sucedendo George Washington. Seu filho John Quincy Adams foi o sexto presidente americano. A dinastia Kennedy foi forjada pela tenacidade do patriarca da família e emancipada pelo lendário presidente John F. Kennedy. Até os Bush fizeram escala familiar, com George e George W. E os Clinton, Bill e Hillary, também tentaram, mas foram malsucedidos.
Filhos, netos e outros familiares têm o direito de exercer cargos eletivos depois que o patriarca fez sucesso na política? Legalmente, sim, porque a todos é dado o acesso a uma função pública, desde que cumpridos os requisitos de idade e idoneidade e que tenham concorrido democraticamente para o cargo. Moralmente, não, porque a beleza da democracia é que ela deve dar a todos as mesmas chances e oportunidades, e os que vão para uma disputa ocupando orgulhosamente o papel de filhinho do papai ou de netinho do vovô, já saem na frente e quase sempre com vantagem que todos os demais concorrentes não têm.
Bernardo Mello Franco: Duelo em família no Recife
Para quem gosta de acompanhar uma disputa em família, a eleição do Recife é diversão garantida. Os primos João Campos e Marília Arraes travam uma batalha renhida pela prefeitura. Eles duelam pelo espólio político de Miguel Arraes, governador de Pernambuco por três mandatos.
O filho de Eduardo Campos é candidato pelo PSB. Ele encarna o papel do príncipe herdeiro. Sua coligação reúne uma dúzia de partidos e conta com as máquinas do estado e da prefeitura.
Marília, a ovelha desgarrada, rompeu com o pai do rival em 2014. Acusava Eduardo de controlar a legenda com “mão de ferro” e de fazer tudo pelo poder. Ele se aliou a adversários históricos do avô e chegou a governar praticamente sem oposição.
Depois do acidente que matou o presidenciável, a dinastia acelerou a preparação do sucessor. Aos 22 anos, João virou chefe de gabinete do governador Paulo Câmara. Aos 24, tornou-se o deputado mais votado do estado. Aos 26, tenta se eleger prefeito.
A escalada pode ser interrompida por Marília, que migrou para o PT em 2016. Aos 36 anos, ela já mostrou que é boa de briga. Desafiou a direção regional do partido e se lançou com o aval do ex-presidente Lula, que havia vetado sua candidatura ao governo na eleição passada.
Ontem os primos se enfrentaram no primeiro debate do segundo turno. Quase saiu faísca. João acusou Marília de prometer cargos a figurões do PT sem mandato. Marília chamou João de “imaturo” e sugeriu que ele cumpre ordens da mãe. “Quem é que vai mandar na prefeitura? Comigo, as pessoas sabem. Com você, a gente fica sempre na dúvida”, provocou.
Os dois trocaram estocadas sobre alianças à direita. “Causa estranheza você estar se aliando com aqueles que chamam Lula de ladrão”, disse ele. “O palanque salada russa é o seu, tem do PCdoB ao partido dos filhos de Bolsonaro”, devolveu ela.
O candidato do PSB foi o mais votado no primeiro turno. Ontem o Datafolha informou que o vento virou no Recife. Marília ultrapassou João e agora lidera com dez pontos de vantagem: 55% a 45% em votos válidos.
Ricardo Noblat: Arraes é o novo!
Na guerra dos primos, Marília, candidata do PT, sai na frente com apoio da direita
O novo virou velho e o velho o novo na guerra pela prefeitura do Recife travada por João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) – ele, filho do ex-governador Eduardo Campos que morreu em um acidente aéreo em agosto de 2014; ela, filha de um dos 10 filhos de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes. Portanto, João, bisneto de Arraes, e Marília, neta.
Se a idade pesasse na definição de quem seria o novo, João venceria Marília. Ele tem 26 anos, ela 36. Mas na política, o novo e o velho se alternam a depender do que cada candidato representa. Coube a João representar um conjunto de forças que ocupa há 14 anos o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, desde que ali chegou seu pai, neto de Arraes.
João foi o candidato mais votado no primeiro turno com 29,13% do total de votos válidos. Marília, o segundo com 27,90%. Pesquisa do Ibope aplicada entre a última segunda-feira e ontem conferiu a Marília 53% das intenções de voto e a João, 47%. Para Marília migrou parte dos votos de Mendonça Filho (DEM) e da Delegada Patrícia (PODEMOS), terceiro e quarto colocados.
Se a direita não tivesse se dividido no primeiro turno, ela estaria no segundo. Somados, Mendonça Filho e a Delegada Patrícia obtiveram 40% do total dos votos válidos. O PT só disputa o segundo turno em duas capitais – Vitória e Recife. Deve perder em Vitória e ganhar no Recife onde o PT e a direita se uniram para derrotar o PSB de Eduardo Campos e de João, seu herdeiro.
Marília foi três vezes vereadora do Recife– uma pelo PSB e duas pelo PT. Sua votação cresceu a cada eleição. Lançou-se candidata pelo PT a governadora há dois anos, mas na última hora, o partido passou-lhe a perna e apoiou o atual governador do PSB Paulo Câmara. Ela então disputou uma vaga de deputada federal. Elegeu-se como o segundo nome mais votado – o primeiro foi João.
Criada pelos pais livre e solta, Marília meteu-se na política desde cedo e à sombra do avô. João começou a despontar para a política quando apareceu no alto de um carro do Corpo de Bombeiros que conduzia o caixão com o corpo do seu pai. Foi uma das cenas mais comoventes que o Recife testemunhou. Menos de 2 anos depois, foi nomeado chefe de gabinete de Câmara.
Sob o comando do senador Humberto Costa, o PT de Pernambuco tentou barrar a candidatura de Marília a prefeita. Desta vez, a direção nacional do PT bancou a candidatura. O PT de Costa tem cargos no governo estadual e torce sem discrição para que Marília perca. Lula gravou mensagem pedindo votos para ela e prometeu comparecer à sua eventual posse como prefeita.
O PODEMOS da Delegada Patrícia e o PTB do senador Armando Monteiro Neto que apoiou Mendonça Filho anunciaram o apoio a Marília. O Cidadania, que votou em Patrícia, mas faz dura oposição ao PSB, deverá ir pelo mesmo caminho. O bolsonarista Anderson Ferreira (PL), prefeito reeleito de Jaboatão, município vizinho ao Recife, aderiu a Marília. O PL votou em Mendonça Filho.
João conseguiu no primeiro turno esconder o apoio dos dois maiores caciques locais do PSB – Câmara, o governador, e Geraldo Júlio, prefeito do Recife. É grande a reprovação aos dois. Esse será um dos trunfos de Marília no horário de propaganda eleitoral e nos debates de televisão com João. O PSB foi amplamente derrotado nas eleições para prefeito nas maiores cidades do Estado.
Se ocorrer de fato, a vitória de Marília poderá marcar o início do declínio do PSB como partido nacional de médio porte. Em 2012, liderado por Eduardo, pai de João, o PSB conquistou 433 prefeituras. Em 2016, sem Eduardo que morrera, 405. Agora, 250.
El País: Os rebeldes sem armas emboscados por um agente duplo da ditadura
Em tempos de delação premiada, obra de jornalista retrata o massacre da granja São Bento, de 1973, e traz a história de um dos famosos dedos-duros da ditadura, cabo Anselmo
Quantas pessoas você trairia para se livrar da prisão e de sessões de torturas? Quantas delas entregaria as vidas para assassinos vestidos de fardas e uniformes policiais? José Anselmo dos Santos, ex-marinheiro brasileiro conhecido como cabo Anselmo, foi um dos principais agentes duplos da ditadura militar e delatou ao menos 200. Sendo que cerca de cem perderam suas vidas. Seis delas durante uma chacina no então município de Paulista, em Pernambuco. É a história deste assassinato múltiplo que é retratada no livro O Massacre da Granja São Bento, lançado no último dia 29, em Recife.
Os minuciosos detalhes deste caso, ocorrido em janeiro de 1973, finalmente vieram à tona na obra assinada pelo jornalista e mestrando em antropologia Luiz Felipe Campos. Justamente em um momento em que os delatores são apontados no Brasil como uma espécie de heróis. A diferença, é que nos dias de hoje, eles desvelam casos de crimes de colarinho branco envolvendo a cúpula política e empresarial. Nos anos da ditadura militar, contribuíram para o cometimento de centenas de homicídios e torturas de presos políticos.
No livro, o autor relata como cabo Anselmo articulou uma falsa reestruturação de um grupo revolucionário armado em Pernambuco e os entregou para serem aniquilados por policiais e militares na área rural da então cidade de Paulista. Entre os assassinados estava a mulher com quem Anselmo viveu maritalmente em Recife, a militante paraguaia Soledad Barret Viedma.
Motivado por contar um caso regionalmente conhecido, mas pouco explorado por jornalistas e historiadores nacionalmente, Campos juntou cerca de 2.000 páginas de documentos em cinco anos de investigações que resultaram na obra. Ao menos 50 pessoas foram entrevistadas no período. Os principais relatos foram dados por um dos sobreviventes da chacina, o paraguaio Jorge Barrett, cunhado de Anselmo. “Percebi que essa era uma história que não estava bem contada. Tinha muito da versão oficial, algumas tentativas de desconstruir a versão de que chamava as vítimas de terroristas, mas nada que tentasse juntar todos os elos”, afirmou o jornalista ao EL PAÍS.
No livro, ele vai além: “No caso da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) em Pernambuco, a guerrilha nunca chegou a existir: desde sempre teve suas pernas amputadas e uma sentença de morte sobre as costas. Com os seis mortos foram enterrados também os sonhos de toda uma geração de guerrilheiros que, a seu modo, buscavam uma Sierra Maestra para chamar de sua no Brasil”.
Em um ritmo de thriller policial, a obra orbita em torno do cabo Anselmo. Mostra como ele reuniu no Pernambuco seis militantes contrários à ditadura sob a justificativa de reiniciar a luta armada urbana contra o regime. Segundo essa aprofundada pesquisa que gerou o livro, o ex-militar queria dar um tiro de misericórdia na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e em todo outro grupo que tentasse se articular contra os ditadores. “Em 1971, a luta armada de esquerda estava desmobilizada. Anselmo concordou em ser usado pelo regime para dar esse tiro de misericórdia. Era para passar um sinal para os outros grupos de que a luta armada não valeria a pena”, explica o autor. Um dos “comandantes” de Anselmo nessa trama foi o famoso delegado torturador Sergio Paranhos Fleury, um obstinado perseguidor de rebeldes que atuou no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo.
As vítimas do massacre da granja São Bento foram Soledad Barret, Jarbas Marques, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, Pauline Reichtsul e José Manoel da Silva. Todos foram traídos por Anselmo. Por quase um ano articularam maneiras de como unir forças para combater o regime militar. Não conseguiram adquirir uma só arma. Mas morreram identificados como terroristas, conforme estamparam em suas manchetes os jornais Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, em uma clara adesão à versão oficial.
Entre os dias 7 e 8 de janeiro de 1973, os seis foram presos. Seus corpos foram encontrados crivados de balas nas proximidades da chácara São Bento, no dia 9. Dos 32 projéteis encontrados nos corpos, 14 estavam alojados nas cabeças das vítimas. Diversas armas foram espalhadas ao redor dos cadáveres. A polícia, na ocasião, disse que desbaratou um congresso de militantes da VPR. Trocou tiros com eles. Matou todos. E nenhum policial saiu ferido, nem de raspão.
Uma das razões para a chacina ter ocorrido foi que o jogo duplo de Anselmo começou a ser desvendado. Na antevéspera do massacre, Soledad, a mulher dele, recebeu uma carta em que o comando da VPR que estava exilado no Chile alertava sobre a possibilidade da traição de Anselmo. Ingenuamente, ela mostrou a carta para o ex-militar. Foi sua sentença de morte e dos outros cinco companheiros dela. Assim que o sexteto foi preso, Anselmo deixou Recife da mesma forma que chegou, clandestinamente.
Na obra, o jornalista Campos também relata a luta das famílias em conseguir a reparação do Estado brasileiro e o reconhecimento de que todos foram vítimas da ditadura. Vários conseguiram, mas as marcas deixadas em alguns, jamais foram apagadas.
O LIVRO
O Massacre da Granja São Bento
Autor: Luiz Felipe Campos
Editora: CEPE – Companhia Editora de Pernambuco
Preço: 30 reais
Páginas: 214