recessão
José Roberto Mendonça de Barros: Implicações do PIB do segundo trimestre
Definitivamente, o País não estava “voando”
Os resultados da evolução do PIB foram muito variados, mas o pior de tudo é que o índice do produto voltou dez (isto mesmo: 10) anos atrás. É melancólico.
Outra surpresa que se observou foi que o período de janeiro a março foi revisado para baixo: ao invés de uma queda de 1,5%, o que se viu foi um encolhimento de 2,5%. Definitivamente, o País não estava “voando” no começo do ano, como tantas vezes mencionou o ministro da Economia.
Será muito difícil conseguirmos repetir uma queda de tal magnitude (-9,7%), decorrente de uma causa totalmente inesperada vinda da área da saúde, que provocou uma parada súbita no sistema econômico.
Os segmentos que mais sofreram foram aqueles dependentes de aglomerações, tais como restaurantes, viagens e serviços correlatos (a chamada cadeia da hospitalidade, que inclui os serviços criativos), que caiu mais de 40%, e, de outro lado, os segmentos industriais que foram obrigados a fechar as fábricas, como automotivo, máquinas e equipamentos.
O tombo da indústria de transformação reforça a crescente fragilidade do setor, o que torna mais longe ainda a possibilidade de que ele volte a liderar o crescimento. Chama a atenção a elevação da assimetria entre empresas, em que uma nata de companhias ajustadas e capitalizadas segue avançando e aproveitando a desvalorização cambial para reforçar sua competitividade, enquanto a maioria das empresas vê seus balanços piorarem e seus produtos envelhecerem, sem fôlego para competir com a importação, mesmo descontando-se a perda de valor da moeda brasileira.
Só os setores de recursos naturais tiveram desempenho favorável: o agronegócio e o petróleo. O agronegócio, em qualquer comparação, e o petróleo, quando comparado com o mesmo trimestre do ano anterior, uma vez que a Petrobrás suspendeu a produção em mais de 40 plataformas no início da pandemia. Além deles, apenas setores que sempre investiram bastante em tecnologia foram bem no período. Menciono aqui o setor financeiro e as empresas preparadas para venda pela internet.
Sem nenhuma surpresa, o investimento, que já vinha fraco, foi desastroso. Vai ser difícil retomar um crescimento sustentado, após a natural ocupação da capacidade de produção depois da liberação das unidades de produção.
As transferências recebidas por mais de 70 milhões de pessoas alavancaram, a partir de maio, o setor de cimento (reformas), móveis e utilidades domésticas. Isso nos levou a uma leve melhora em nossa projeção de crescimento para o ano: de -5,4 para -4,8%.
Olhando adiante, não dá para ver uma recuperação em V, uma vez que as transferências irão começar a cair nestes próximos meses e serão ainda mais reduzidas no ano que vem, quando o coronavoucher estará encerrado. Além disso, muitas empresas ainda irão sair do mercado e/ou diminuir ainda mais o contingente de seu pessoal. Com isso, a renda das famílias provavelmente será reduzida quando comparada com o auge de maio a agosto e o emprego líquido não crescerá muito. Assim, projetamos uma expansão de apenas 2,2% para o ano que vem.
A demanda internacional de alimentos está aquecida. O ponto forte decorre dos grandes volumes de transferências para as famílias, que ainda ocorre em praticamente todos os países do mundo. Com isso, a procura por alimentos se mantém forte.
Ademais, muitos países, perante a pandemia, tentaram elevar suas importações para constituir estoques de emergência. Do lado da oferta, tanto China como Estados Unidos têm tido problema nos últimos anos. Gripe suína, guerra comercial e problemas climáticos estão prejudicando a produção deste ano, pressionando a oferta e provocando uma apreciável elevação nas cotações de Chicago. Tudo isso se traduz em preços e renda bastante elevados no Brasil.
Isto sugere que os setores de recursos naturais continuarão a puxar nosso crescimento e, por conta disso, temos que levar adiante importantes avanços da bioeconomia, de sorte a contribuir para o fim das queimadas ilegais e para a criação de novos produtos, inclusive materiais, vindos do setor agropecuário.
Este caminho exige uma integração entre o setor agro, a indústria e os serviços de tecnologia. Uma consequência importantíssima é que temos que mudar a lógica da representação empresarial: de federações para coalizões em torno de projetos específicos.
Voltaremos a esses pontos num futuro próximo.
*Economista e sócio da MB Associados.
Míriam Leitão: O raio de abril e outras histórias
Antes de o raio cair em abril, o país já estava despencando. É o que ficou claro nos dados de ontem. No primeiro trimestre, o PIB encolheu 2,5% segundo dado revisto pelo IBGE. Isso é impressionante porque só na segunda quinzena de março o país começou a fechar as portas por causa da pandemia, e mesmo assim houve essa queda forte. Não podem ser só os 15 dias, a economia já vinha mal. Então o que o ministro Paulo Guedes disse ontem — “é o impacto de um raio que caiu em abril” — é verdade, mas há mais informações nos dados. O PIB caiu 9,7% no segundo trimestre, mas sem o auxílio emergencial o PIB poderia ter caído cinco pontos a mais, segundo cálculo da MB Associados. Há unanimidade de que o terceiro trimestre será de recuperação e haverá outra alta, mais leve, no quarto trimestre. Mesmo assim, a crise está longe do fim.
O dado divulgado ontem pelo IBGE é um desses acontecimentos que já nascem históricos. Sempre que olharmos para a série estatística haverá esse colapso do segundo trimestre de 2020 como uma cicatriz. Foi mais penoso pela maneira como o governo lidou com tudo, com o presidente criando conflitos, disparando ameaças às instituições, ofensas à imprensa e ataques aos governadores. Isso não está nos números, mas aumentou a infelicidade do Brasil.
Olhando para os índices é possível ver que há gradações no tombo. Dentro da indústria, o setor de construção caiu 5%, a indústria de transformação, 17%. Os serviços foram puxados para baixo pela queda do consumo das famílias. O agronegócio e o setor exportador tiveram números positivos. Um está ligado ao outro, e ambos ao dólar, que subiu muito, elevando a remuneração das vendas ao exterior. Nosso maior comprador foi a China, que apesar disso ouviu críticas disparadas pela política externa.
A MB Associados alertou para dois fatos importantes. Há mais desigualdade regional e mais pobres no Brasil. A consultoria fez uma conta entre 2015 e 2021, o que já ocorreu e a projeção futura. Ao fim desse período, o Nordeste terá queda de 7,5%, e o Centro-Oeste, alta de 3,2%. “O Nordeste, de novo, será o centro da disputa política regional em 2022.” Brigam pelo coração do Nordeste, mas o país empobreceu e ficou mais desigual. A distribuição de renda está piorando, diz a MB. As classes D e E, as de renda mais baixa, estão aumentando em 11,9 milhões de pessoas. A classe média está encolhendo.
Os economistas ouvidos pela coluna concordam em vários pontos. O número veio um pouco pior no segundo trimestre, mas houve aqui e ali um resultado melhor do que o esperado. Mesmo assim, há muita gente melhorando as projeções do ano. Fernando Honorato, do Bradesco, acha que não muda a visão de recuperação que vinha desde maio. Ele acredita que as projeções continuarão entre –5,5% e -4,5%. A MB refez a previsão, de uma queda de 5,3% para -4,8%. Mas houve também quem piorasse as estimativas.
O presidente Bolsonaro anunciou quase que na mesma hora da má notícia do PIB a extensão do auxílio emergencial até o fim do ano. É um truque antigo para criar uma agenda positiva num dia ruim. Tudo foi feito de tal forma a ser mais um momento do culto à personalidade. Cercado dos seus líderes, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), o deputado Ricardo Barros (PP-PR) e o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), Bolsonaro deu a notícia da extensão do auxílio. Depois, com o olhar parado no horizonte, ouviu os elogios. Paulo Guedes repetiu que “o presidente não deixou ninguém para trás”. Dos parlamentares, alguns velhos conhecidos, o mais eloquente foi Bezerra.
— Todos vão se surpreender com os dados da economia no final do ano, porque o Brasil acertou, o presidente Bolsonaro acertou. Alguns falavam em retração de 10% e será menor que 4,5% — disse Bezerra, acrescentando que depois do auxílio vem o Renda Brasil. “É o presidente Bolsonaro protegendo os mais pobres.”
Para o mercado financeiro também foi enviado um auxílio emergencial: o anúncio de que a reforma administrativa sairá da gaveta do presidente para o Congresso. O ministro Paulo Guedes disse que “as reformas” voltarão à pauta. A bolsa subiu, e o dólar caiu. A proposta só muda a situação para os futuros servidores, avisou Bolsonaro. Isso, segundo a economista Ana Carla Abrão terá impacto imediato zero nas contas públicas. Ela disse que esse é o problema: “não há ganho fiscal nem para o curto, nem para o médio prazos.”
Cenário brasileiro na economia para 2021 é ‘assustador’, diz José Luiz Oreiro
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, professor da UnB aponta risco de queda de renda significativa no último trimestre do ano
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A pandemia do coronavírus está produzindo a maior contração coordenada do nível de atividade econômica em nível global, desde a grande depressão de 1929. Na avaliação do economista José Luiz Oreiro, professor da UnB (Universidade de Brasília), o caso brasileiro é particularmente grave. “O cenário para 2021 é assustador”, alerta, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de agosto, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições podem ser acessadas, gratuitamente, no site da entidade.
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Em seu artigo, Oreiro lembra que a média das previsões do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico e da Comissão Europeia aponta para uma queda de 6,5% da economia mundial, em 2020. As economias avançadas podem apresentar recuo mais forte, de 7,5%.
Já as economias em desenvolvimento devem apresentar retração mais suave, de “apenas” 3,0%. “Claro está, contudo, que boa parte da queda mais suave das economias em desenvolvimento relativamente às economias avançadas se deve à projeção média de queda de 0,6%, em 2020, para a economia da China”, analisa o economista.
No caso brasileiro, segundo o professor da UnB, o cenário para 2021 é assustador, já que os programas do governo federal, de manutenção de renda e de emprego, devem ser terminados no final do terceiro trimestre de 2020. “Se nada for posto em seu lugar, teremos queda de renda significativa no último trimestre do ano, o que deverá produzir uma segunda contração do nível de atividade econômica e novo mergulho recessivo”, analisa.
Além disso, de acordo com o economista, se o teto de gastos não for flexibilizado em 2020, com a exclusão dos investimentos públicos do teto a partir de 2021, o governo federal será obrigado a recomeçar o ajuste fiscal. “Mas com uma economia que deverá registrar índices cavalares de ociosidade da capacidade produtiva”, diz Oreiro.
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O Globo: ‘Países com controle do vírus terão investimento', diz Monica de Bolle
Para professora da Universidade Johns Hopkins, países como EUA e Brasil, que não conseguiram conter pandemia, serão mais afetados na economia
Henrique Gomes Batista, O Globo
SÃO PAULO - Professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, Monica de Bolle, avalia que os resultado econômicos pelo mundo começam a mostrar que é falsa a dicotomia entre salvar vidas ou a economia.
Países que controlaram melhor a pandemia, como os europeus, estão se saindo melhor que EUA, Brasil ou o México. E a incerteza não afeta apenas comércio e serviços neste momento, tende a piorar o investimento e as contas públicas.
Já é possível dizer que os países que controlaram melhor a pandemia estão em melhor situação econômica?
Com os dados do segundo trimestre de 2020 vimos que, no período, tanto os países europeus como os Estados Unidos tiveram quedas muito expressivas. Os resultados foram praticamente iguais, por exemplo, olhando a queda do PIB da Alemanha ou dos Estados Unidos.
Mas o que diferencia a Alemanha dos EUA, olhando dois países maduros, é que na Alemanha a situação hoje está sob controle e a vida está voltando ao normal há algum tempo. Nos EUA, como a epidemia continua em expansão e fora de controle, a gente vai ver efeitos ainda muito pronunciados na economia.
O terceiro trimestre irá refletir esta diferença?
Sim. Temos que levar em conta que a Europa, nesta época, pode ser muito afetada pela redução da atividade do turismo, há uma questão sazonal importante. Mas há indicadores na Europa, de uma maneira geral, mostrando esta retomada. Nos EUA já está sendo discutido um novo pacote fiscal, o terceiro. Na Europa ninguém está fazendo isso.
Nos EUA os pedidos de seguro-desemprego voltaram a crescer. E há outro problema: seguro-desemprego é por pouco tempo, o governo tinha feito um ajuste para pagar um adicional de US$ 600 semanais até o fim de julho, isso acabou, e agora há 30 milhões de desempregados que vão parar de receber estes cheques.
Há uma disputa política pela prorrogação deste seguro-desemprego. Os pequenos negócios estão reabrindo, mas as vendas não estão bem. Se os EUA tivessem feito um lockdown mais consistente, com regras e comunicação claras, talvez estivesse reabrindo como na Europa.
E os outros países?
A China é um caso à parte, por ser o primeiro país afetado, tem uma capacidade de fazer medidas como testes em massa, rastreamento de casos, isolamento total, controlar a circulação da população que nenhum outro país tem. Não é replicável em outros países. Mas Nova Zelândia, Vietnã, Coreia do Sul, países menores cuja atuação foi muito determinada para controlar rápido a epidemia, logo em seguida começaram a retomar a economia.
E em países de renda baixa?
É a mesma situação. Se olharmos para a América Latina, há países que conseguiram fazer algum controle da epidemia. Além do Uruguai e da Costa Rica, que são países pequenos, há a Colômbia e o Chile, por exemplo, que fizeram algum controle da epidemia, muito maior que o Brasil ou o México. E a economia nesses países tende a reagir muito melhor que no Brasil, pois é possível reabrir de forma mais consistente, sem a incerteza enorme.
Isso afeta os investimentos?
No comércio e nos serviços isso é evidente. Mas, ao olharmos os dados mais macroeconômicos, a incerteza leva ao fim dos investimentos. Países como o Brasil não terão investimento, enquanto os países com controle do vírus terão algum investimento. O descontrole com o vírus afeta a capacidade de recuperação futura.
É falso o dilema entre salvar pessoas ou a economia?
Este sempre foi um falso dilema. A economia só funciona com pessoas. Se elas não puderem circular livremente, estiverem em risco ou com incertezas, a economia não funciona. O que para a economia é o vírus, não as medidas de controle. A definição mais perfeita disso foram os frigoríficos. Você viu a quantidade deles que fecharam as portas devido a surtos de Covid? Como serviços essenciais, tinham a autorização para funcionar, mas, por causa do vírus, tiveram de parar.
Quando conheceremos os vencedores e perdedores da pandemia?
Nos resultados do terceiro trimestre vamos começar a ver uma diferenciação e até o fim do ano vamos ter uma ideia muito clara. Até porque países como EUA, Brasil e México não têm mais capacidade de controle da pandemia, eles têm alguma capacidade de mitigação, mas controlar como algumas nações europeias fizeram, não têm como fazer.
Podemos ter um momento econômico ainda pior que o do segundo trimestre?
É difícil dizer, pois no segundo trimestre tivemos o fechamento da economia, todo o impacto inicial da pandemia. Agora acho que nem faz mais sentido fazer lockdown, a pandemia está descontrolada. Acredito que os números altos da epidemia vão continuar, variando por regiões, e isso vai afetar a economia americana, mas de forma diferente do lockdown, não será tão concentrado.
O descontrole da pandemia também gera impacto fiscal?
Sim, já é irreversível a pressão para se aumentar a carga tributária no Brasil. O que o governo gastou para lidar com a crise foi absolutamente ineficaz, com a exceção do auxílio emergencial. A gente já tem uma situação crítica de déficit público, tanto pelo gasto extraordinário do governo como pela queda da arrecadação. Sem ter como cortar gastos, há o aumento da carga.
Agora, que aumento de carga? Na minha opinião não é esta nova CPMF que o Paulo Guedes quer fazer. Para mim, isso passa por aumento da alíquota do Imposto de Renda e tributação de lucros e dividendos, coisas que podem ser feitas por lei complementar e que têm efeito relevante sobre carga e progressividade. O retorno da CPMF pode ser um complicador para a recuperação da economia, é um imposto que gera ônus, de grande ineficiência.
Míriam Leitão: Sinais de melhora no mundo em crise
Há cinco semanas tem melhorado a previsão da recessão deste ano, no Boletim Focus do Banco Central, e o tamanho da queda ficou quase um ponto percentual menor. A mediana era uma retração de 6,5%, agora é de 5,6%. A confiança empresarial subiu. A bolsa acumula alta de mais de 60% desde o seu piso em março. O que significa tudo isso? O país está vivendo a maior crise da sua história, os ativos variáveis sobem por falta de opção de rentabilidade, mas a economia tem tido pequenos alívios. Está, contudo, muito longe do fim desse túnel no qual entrou com a pandemia. O mundo todo está com uma recuperação muito desigual e volátil.
A alta das bolsas dá a falsa impressão de que a economia voltará rapidamente ao que era antes da crise, até porque as ações costumam antecipar os movimentos futuros da conjuntura. Mas o que está acontecendo tem a ver com outro fenômeno. É resultado de uma injeção de recursos nunca vista por parte dos bancos centrais mundo afora. Para se ter uma ideia, na crise de 2008, o banco central americano demorou cinco anos para elevar em 8,2 pontos percentuais o seu balanço monetário. Desta vez, em apenas quatro meses o volume de dólares despejados pelo Fed na economia chegou a 13,7 pontos do PIB dos EUA. É essa montanha de dinheiro, que foge dos juros baixos em todo o mundo, que corre em direção às bolsas. E também ao ouro — considerado um ativo de proteção — que na semana passada bateu novo recorde. No Brasil, a bolsa já subiu 61% desde o seu pior momento em 23 de março, mas ainda está 16% abaixo do que estava em 23 de janeiro.
Várias instituições estão revendo os dados da queda do PIB, atenuando a recessão prevista antes. Isso é bom, evidentemente. Mas não se pode perder a visão de que se for 4,7%, como o governo prevê, ou 5,6%, que é a atual mediana do mercado, continua sendo a maior recessão da história. E o país ainda não havia se recuperado das quedas de 2015 e 2016.
Na balança comercial, a corrente de comércio do Brasil em julho ficou 18% abaixo do mesmo mês do ano passado. As exportações tiveram uma queda leve, de 3%, na mesma comparação, porque houve forte aumento nas vendas de produtos agropecuários e da indústria extrativa, especialmente para a China. A exportação para os chineses, diga-se de passagem, cresceu 24%, enquanto para os EUA despencou 37%. Já a venda de produtos manufaturados teve forte recuo de 12%. A queda de 35% nas importações sugere que o consumo interno continua fraco, e a indústria permanece sem fôlego para importar matéria-prima. Foi pela queda mais intensa da importação que se atingiu o saldo de US$ 8 bilhões na balança.
Esta semana vão sair diversos indicadores, indústria, desemprego, inflação e o Banco Central decidirá o que fazer com os juros que estão em 2,25%. Há uma parte do mercado que acredita em nova queda de 0,25%, mas há quem aposte em permanência apesar de a inflação dos últimos 12 meses estar bem abaixo da meta de 4%. O IBGE divulga hoje o resultado da indústria em junho, que deve vir com uma forte alta, na comparação com maio, mas uma grande queda em relação ao mesmo período do ano passado. A estimativa do banco ABC Brasil é de crescimento de 9% de um mês para o outro, mas um recuo de 10% sobre o mesmo período do ano passado. Isso tudo quer dizer que o setor recuperou apenas parcialmente as perdas que teve com a pandemia. Entre março e abril, a retração na produção industrial chegou a 26%. Em maio, houve alta de 7%. O crescimento de junho será o segundo consecutivo.
Dados positivos apenas atenuam a grande crise vivida no país e no mundo. Mais do que a coleção de números de cada semana, o fundamental é que o Brasil e o mundo ainda vivem os rigores de uma pandemia e a enorme incerteza que isso traz. A economia mundial está superando seu pior momento, mas não se sabe quando voltará a ser o que era antes da pandemia. Na Europa, países industriais como a Alemanha estão melhores do que os que são mais dependentes do turismo, como França, Espanha e Itália. A recuperação por lá está sendo assimétrica. Os Estados Unidos estão discutindo um novo socorro de um trilhão de dólares, no meio da polarização do processo eleitoral no qual o presidente Trump, em queda nas pesquisas, cria conflitos para ver se melhora nas intenções de voto.
Míriam Leitão: Economia global em escombros
De Genebra, o embaixador Roberto Azevêdo me disse ontem que o comércio no mundo vai cair 13% em 2020. Em volume, o comércio encolheu 18% no segundo trimestre e ele acha que a recuperação será modesta nos próximos meses. Ao final, o mundo terá no ano uma crise maior do que a de 2008/2009. Ficou claro esta semana o tamanho do tombo. O número americano parece cataclísmico, mas o 32,9% é anualizado. O PIB americano diminuiu, na verdade, 9,5% em relação ao trimestre anterior, no indicador a que estamos acostumados.
A Alemanha caiu 10,1%, ou seja, um pouco mais do que os 9,5% dos Estados Unidos. Nos EUA, a maneira de apresentar o número é pegar o resultado do trimestre e extrapolá-lo para o ano inteiro, como se aquele resultado fosse se repetir por quatro trimestres. Aí deu esse fim de mundo. Mas a queda, mesmo vista na comparação com o trimestre anterior, já assusta. O PIB americano havia encolhido no começo do ano. A dúvida é se as tensões entre os Estados Unidos e a China vão aprofundar ainda mais a recessão.
— O impacto da pandemia, com a virtual paralisia das principais economias, é tão expressivo que o efeito das tensões entre Estados Unidos e China, ainda que importante, fica apequenado. A redução das tensões entre as duas potências terá um papel bem mais importante durante a etapa de recuperação econômica. Uma distensão entre os dois países ajudaria a economia global a crescer mais fortemente no pós-pandemia — diz Azevêdo.
No Brasil, há vários problemas extras. Um deles é qual é o limite dos erros que o governo Bolsonaro pode cometer na sua relação com a China? Na quinta-feira, houve a demonstração pública de desprezo por parte do presidente. Ele elogiou a vacina que está sendo desenvolvida, mas avisou que falava da Universidade de Oxford, “e não daquele outro país”. Bom, aquele outro país é o responsável por ter amortecido o tombo do nosso comércio no primeiro semestre. O mundo comprou menos 15% do Brasil, a China comprou mais 15%. A economia chinesa apresentou números positivos no segundo trimestre, de 3,2%. Depois de ter encolhido 6,8%.
Do ponto de vista de investimentos, eles são importantes também. Esta semana mesmo o Ministério da Infraestrutura começou um roadshow virtual para atrair investidores para a Ferrogrão, projeto que liga Sinop (MT) a Mirituba (PA). Dois dos investidores contatados foram a CCCC e a CRCC. Chinesas.
Não é a primeira vez, não será a última, que o governo Bolsonaro lança ofensas gratuitas sobre os chineses. Parece um teste para saber até que ponto eles aguentarão. Mas nessa roleta chinesa nós somos a parte vulnerável. Dos ataques racistas de Abraham Weintraub aos delírios persecutórios de Ernesto Araújo, passando pelas grosserias de Bolsonaro&Filhos, o governo agride diariamente o nosso maior parceiro.
Na saída dos escombros deste ano difícil, o Brasil precisará também dos organismos financeiros multilaterais. Abraham Weintraub é inimigo confesso das boas maneiras, do foco em questões relevantes, e do que ele define como “globalismo”. Os bancos multilaterais seriam instrumentos desse inimigo. O ministro Paulo Guedes cedeu às pressões para indicá-lo. Ele ficará no cargo até outubro, pelo menos.
Ontem saíram os dados de outras economias europeias. No segundo trimestre, a França caiu 13,8%, acumulando 19% de queda no ano, a Itália, 12,4%, a Espanha, 18,5%, acumulando 22%. Na Espanha, o único setor a crescer foi a agricultura, como aqui no Brasil. A zona do euro encolheu 12%. Segundo o “Financial Times”, a retomada está sendo ameaçada pelos riscos de novas ondas e será “lenta e desigual”.
O ano está difícil para todos. A China, que teve indicadores melhores no segundo trimestre, voltou a ter alta de casos de Covid-19 em algumas áreas. Diante desse quadro, Azevêdo disse à Christiane Amanpour, na CNN, que o mundo está assistindo à maior contração em tempos de paz desde os anos 1930. E a grande questão que está posta é quão rapidamente o mundo pode se recuperar. Perguntei ao embaixador, que está deixando a OMC, como ele vê a situação do Brasil:
— Com muita preocupação, porque o desempenho econômico do país no futuro imediato estará inevitavelmente ligado à sua capacidade de controlar a pandemia, cujo quadro atual no país é muito inquietante.
El País: Queda dos PIBs de EUA e Alemanha prenunciam tombo da economia brasileira
Pessimismo tomou conta das principais bolsas globais nesta quinta. Mercado financeiro estima um recuo de 5,77% da atividade no Brasil neste ano. FMI calcula recuo de mais de 9%
Heloísa Mendonça, do El País
O tamanho do impacto econômico inicial causado pela pandemia do coronavírus começa pouco a pouco a emergir, e os números não são alentadores. A economia dos Estados Unidos, a maior do mundo, encolheu a uma taxa anualizada de 32,9% entre abril e junho, a maior contração desde a Grande Depressão, na década de 1930, segundo dados divulgados pelo Departamento de Comércio na manhã desta quinta-feira. Um colapso da economia sem precedentes. Os efeitos da paralisia da atividade também são sentidos em outros indicadores. A onda de demissões causada pela crise sanitária continuou a avançar nos EUA, onde novos pedidos de seguro-desemprego aumentaram pela segunda semana consecutiva.
Na Alemanha, a maior potência econômica da Europa, o tombo da economia também foi histórico. O Produto Interno Bruto (PIB) alemão de abril a junho recuou 10,1% em relação ao trimestre anterior, de acordo com a agência de estatística do governo federal. É a queda trimestral mais acentuada desde 1970, quando os registros começaram. Se comparado ao mesmo período do ano passado, o recuo foi de 11,7%. Diante dos números divulgados, o pessimismo tomou conta das principais bolsas globais que operaram com perdas. O dia também foi de resultados negativos de balanços de empresas importantes, como o banco Lloyds, a AirBus e a Volkswagen. No Brasil, chamou a atenção a queda de 40% do lucro do banco Bradesco no segundo trimestre.
Os dados do PIB brasileiro de abril a junho ― período em que grande parte das atividades foi paralisada para conter a disseminação do coronavírus ― só serão divulgados no início do setembro, quando a extensão da crise gerada pela pandemia no país começará a se materializar em números. Mostrará um retrovisor do provável pior trimestre de 2020, segundo analistas. Por enquanto, as previsões sobre o tamanho do tombo da economia variam. A projeção do boletim Focus, desta semana, fala em um recuo de 5,77% no fim de 2020, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o PIB brasileiro irá despencar mais de 9%.
“Há ainda muita divergência sobre o que acontecerá até o fim do ano, porque não há certezas sobre como será de fato a retomada econômica e como irá evoluir o enfrentamento ao coronavírus no país. O que temos de fato agora é uma quebradeira muito grande das empresas no Brasil”, afirma o economista Mauro Rochlin, da FGV. Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, 716.000 empresas fecharam as portas, de acordo com a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE e publicada neste mês.
“Nos Estados Unidos, vimos uma leve melhora com a abertura das atividades, mas alguns Estados americanos começaram a ter que fechar parte das atividades e as empresas outra vez com o avanço de novos casos”, diz Rochlin. Os EUA registravam nesta quinta-feira 4,4 milhões de casos de coronavírus e mais de 151.000 mortes pela doença. Embora as piores perdas econômicas tenham se concentrado em abril, a ameaça de pausas na reabertura reduz as esperanças de uma recuperação mais robusta da maior economia do mundo. “Como os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil, essa retomada mais lenta da economia americana pode chegar a comprometer as nossas exportações e ainda mais o PIB brasileiro”, diz o professor.
Na avaliação do economista André Perfeito, da corretora Necton, a ação de enfrentamento à covid-19 por parte do presidente Jair Bolsonaro e governadores não foi suficiente para frear o coronavírus e fez com que as próprias reaberturas das atividades econômicas também fossem menos eficientes. “Não basta liberar a abertura da economia, porque as pessoas estão constrangidas e inseguras. Em vários locais os casos estão aumentando. Países que foram mais duros na quarentena, estão colhendo mais louros, com famílias mais confiantes em sair e consumir”, diz. Para Perfeito, nem a política liberal do ministro Paulo Guedes, que aposta no investimento privado para a retomada da economia, nem reformas, como a tributária que começa a tomar forma, serão capazes de gerar um efeito no curto prazo. “Infelizmente não temos uma evidência de melhora, por isso ainda projeto uma queda de cerca de 7%, 7,5%”.PUBLICIDADE
Também pessimista é a projeção da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal) para a economia da região: um tombo de 9,1% com desemprego e pobreza aumentando. A expectativa da Cepal é de que o número de pessoas desempregadas aumente de 18 milhões para 44 milhões em toda a região, enquanto a pobreza deve subir 7 pontos percentuais, alcançando mais 45 milhões de pessoas.
Míriam Leitão: Redução de salário e mais recessão
Redução de jornada com corte de salário vai agravar a recessão. Governo e economistas dizem que a alternativa seria o fechamento das empresas
O Brasil aprofunda a recessão e os primeiros cálculos começaram a aparecer. Dependendo da dimensão da pandemia, pode ser a maior queda do PIB da nossa história. A proposta do governo sobre a redução dos salários produzirá uma diminuição forte na renda dos trabalhadores do mercado formal e, consequentemente, do consumo. Alguns economistas lembram que a alternativa seria o desemprego e que essa flexibilidade é a única saída.
É preciso, contudo, ver todo o impacto dessa proposta de redução da jornada de trabalho, porque a queda dos salários pode ser quase de 60%. Em simulações feitas por Alvaro Gribel e publicados ontem no blog, os cortes no salário de um trabalhador que recebe até três salários mínimos, R$ 3.135, podem ser de 10%, 21% ou 29%, dependendo do percentual acertado com o empregador. Ou seja, a parcela do seguro-desemprego não cobre a renda diminuída mesmo nos salários mais baixos. Para quem ganha R$ 10.000 pode ser de 20%, 40% ou 57%.
A grande pergunta é se haveria uma saída menos indolor. Ricardo Paes de Barros disse que a alternativa do desemprego é pior:
–Certamente não é o melhor cenário, mas perder as empresas, se elas falirem, pode ser pior. Se elas perderem o caixa e o capital produtivo e não conseguirem se manter, esses trabalhadores formais ficarão sem emprego.
O secretário Bruno Bianco, líder da equipe que desenhou o programa, diz que ele tem a vantagem de dar a estabilidade para quem entrar nele até passar o pior momento da crise. O trabalhador conserva o emprego e tem alguma renda.
– O que estamos fazendo é pagar parcelas do seguro-desemprego, para elevar o valor da hora trabalhada. O programa só pode ser feito por acordo individual até três salários mínimos porque nesse grupo a perda não será grande. Até dois tetos do INSS terá que ser através de acordo coletivo, o que já existe hoje.
Esse que é o ponto, na opinião do advogado Fabio Chong, sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados. Será que pode ser negociação individual? Ele chama atenção para a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que a Rede ingressou ontem no Supremo Tribunal Federal sobre as negociações individuais entre empresa e empregado. Segundo ele, a Constituição exige que seja por acordo coletivo, mas a dúvida é se o estado de calamidade permite essa mudança na regra via Medida Provisória.
– Uma das grandes novidades desta MP é poder fazer essa negociação individual. Fazer via sindicato é muito mais complicado para as empresas. Se o governo for obrigado a voltar atrás, a MP nesse aspecto perde a relevância, porque isso já é permitido via acordo coletivo – explicou.
Acima de R$ 12 mil, volta a ser negociação individual, mas o economista Bruno Ottoni, especialista em mercado de trabalho, acha que os trabalhadores com renda mais alta tendem a não ser atingidos pela redução da jornada, com perda salarial. Ele explica que são empregados mais qualificados, muitas vezes com cargos de confiança e que exercem posições mais valorizadas pelas empresas.
– É um trabalhador mais qualificado e mais raro no Brasil. As empresas tendem a tratá-lo de forma diferente. É mais difícil conseguir fazer uma reposição. Então não me preocupo muito com esse grupo. Em linhas gerais, gostei do programa – explicou.
O governo ressalta que vai gastar R$ 51 bilhões nesse benefício para o mercado formal e que não poderá gastar mais porque tem outras frentes mais urgentes, como a dos informais e mais vulneráveis cujo programa, ao ser ampliado no Congresso, passou a ter um custo de R$ 98 bilhões. Os diferimentos de impostos concedidos às empresas vão representar, segundo as contas do Tesouro, uma queda de arrecadação nos próximos meses de R$ 100 bilhões. Ontem, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, anunciou que o déficit primário deve ficar em 5,55% do PIB este ano. Mas eles ainda estão com a conta de que o PIB ficará em 0,02%, o que ninguém mais acredita. Ou seja, o número pode subir.
Isso não significa que a solução é sair para a rua já e retomar a atividade. Isso nos levaria ao colapso da saúde. A redução generalizada dos salários do mercado formal aprofundará a recessão. O governo deveria ter desenhado um programa que sustentasse o valor nominal pelo menos dos menores salários.
Vinicius Torres Freire: Mundo discute como evitar recessão, Brasil trata de baderna autoritária
Brasil promove gritaria autoritária e mal toma cuidados para evitar recaída ou prevenir contágio
É difícil chamar a atenção do respeitável público para a economia internacional quando o governo incita manifestações de rua contra o Congresso, para dizer o menos. No entanto, senhoras e senhores, a coisa está feia até onde a vista alcança, que não é muito longe, embora o desânimo já seja visível aqui dentro.
Pode ser pior. Esse tombaço da Bolsa é espuma se considerado o problema real no horizonte próximo: redução ainda maior de exportações industriais, baixa de preços de produtos que fazem o grosso da exportação brasileira, medo puro e simples do rolo que pode dar lá fora.
Quem olhar para os números do mercado financeiro americano vai perceber facilmente que, no mínimo, os donos do dinheiro de lá e do mundo esperam que o banco central dos EUA reduza as taxas de juros —no mercado, as taxas já mergulharam para mínimas históricas.
Essa baixa também é também mero sinal de medo genérico, da finança fugindo para seu refúgio habitual. Mas há expectativa razoável de desaceleração no ainda centro econômico do mundo.
Noutras partes importantes do planeta, a coisa vai de fraca a pior. No final do ano passado, a economia europeia cresceu no menor ritmo desde 2013, quando estava em recessão. Então veio a ameaça ou o medo do novo coronavírus.
O alarme é tão alto que o governo habitualmente muquirana e fundamentalista fiscal religioso da Alemanha pensa em gastar mais. Para tanto, vai precisar mudar a Constituição a fim de, pelo menos, suspender o teto de déficit primário, o que não vai ser fácil (um limite de déficit miserável, de 0,35% do PIB).
O plano do governo, que apareceu vagamente nos jornais europeus, é assumir dívida de cidades de modo a permitir que prefeitos gastem mais em rodovias, escolas e hospitais.
O fanatismo de certos políticos alemães contra o gasto público é forte, em particular no partido conservador da chanceler Angela Merkel, que governa em coalizão com os apenas um tico menos conservadores da social-democracia.
"Vão abrir as comportas da política fiscal." "Vamos nos tornar um país endividado." "Suspender o limite do endividamento quando dá vontade é como suspender direitos fundamentais." Pois é: é o que dizem parlamentares alemães.
A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, que não nasceu ontem, é pragmática, conhece os rolos da vida e, enfim, é francesa, diz o contrário.
“Medidas fiscais [gasto extra] a fim de dar apoio à economia são certamente muito bem-vindas, nas atuais circunstâncias”, disse aos jornais. Pois é: uma presidente de banco central dizendo o contrário de deputados.
Quais circunstâncias? Risco de recessão. Juros baixos. Na prática, o governo alemão pode pegar dinheiro emprestado de graça (a taxa anual de juros de empréstimos de dez anos é de MENOS 0,47%. Sim, negativa. Quem empresta ao governo recebe menos de volta). Não é apenas Lagarde que diz tal coisa.
O ex-economista-chefe do FMI (2008-2105) e reputadíssimo economista Olivier Blanchard, mas não apenas, tem praticamente feito campanha a favor de aumento de dívida e investimento públicos no caso de países com crédito, custo baixo de financiamento e com economia estagnada.
Em suma, o centro do mundo e o mundo rico estão discutindo como evitar um novo atoleiro global, que nem sabem se é certo. Por aqui, estamos fazendo concurso de mergulho na lama, um tumulto no lodo que pode enfraquecer uma economia que mal conseguia sair da cama.
Míriam Leitão: O risco chinês entra na projeção
Vários indicadores apontam um forte impacto do coronavírus na economia da China. Risco é de desaceleração também no Brasil
A paralisia econômica na China, por causa do coronavírus, está entrando com força nos modelos econômicos de projeção do que acontecerá em 2020. Há indicadores impressionantes: a atividade nos portos chineses continua 50% mais baixa do que há um ano. O consumo de carvão também caiu 50%, o que o planeta até agradece. A movimentação de pessoas mostra queda de 60% a 80%, dependendo do meio de transporte. A lentidão do PIB que se viu em janeiro continua em fevereiro e isso significa que os efeitos sobre a economia mundial podem ser mais fortes. O departamento econômico do banco BNP Paribas que opera na China cortou para 4,5% a projeção para o PIB chinês. Logo em seguida, a equipe que trabalha aqui reduziu o número do PIB brasileiro para 1,5%.
Ontem foi dia de recordes nas bolsas dos EUA e de alta também no Brasil, depois que o BC chinês falou em impacto curto e localizado do vírus, e o FMI afirmou que a economia mundial terá aceleração este ano, na comparação com o ano passado. O Fundo, no entanto, fez a ressalva de que o vírus é a grande ameaça a esse cenário. O economista-chefe do banco Itaú, Mário Mesquita, em conversa com jornalistas ontem em São Paulo, falou em um choque duplo na China: pelo lado da demanda, com queda do consumo chinês de matérias-primas a artigos de luxo, e pelo lado da oferta, com a redução da exportação do país, afetando as cadeias globais.
Apesar das avaliações positivas do BC chinês e do FMI, o que tem acontecido com mais frequência é uma visão negativa sobre o impacto do Convid-19. Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas no Brasil diz que os números que vêm da China são “dramáticos”.
— O corte na projeção da China foi do time que a gente tem lá em Pequim. A percepção é que o tamanho do impacto do coronavírus é maior do que as pessoas imaginam. Em alguns dados que temos acompanhando, é dramático. Quando a gente olha para o trânsito nas cidades, é como se a China estivesse parada — explicou.
Os efeitos sobre o Brasil podem comprometer todo o primeiro semestre, na visão do BNP. O banco estima crescimento de 0,2% no primeiro trimestre e alta de apenas 0,1% no segundo. Ou seja, praticamente uma estagnação. O Itaú prevê 0,3% de alta no primeiro trimestre, mas não descarta um número negativo, por causa do impacto chinês. O banco manteve a projeção de alta do PIB deste ano, de 2,2%, mas disse que o viés é de baixa e não só por causa da crise chinesa:
— Vamos esperar o número final de 2019, que o IBGE divulga no mês que vem, para rever a projeção deste ano. Na nossa visão, não é só a China. Temos redução dos efeitos do FGTS sobre o consumo, vários países da América Latina, para onde o Brasil exporta, ainda com baixo crescimento, como a Argentina — explicou Mesquita.
Houve uma queda forte dos casos reportados em Hubei, epicentro da crise, de 1700 novos casos na terça para 349 novos casos. Mas isso se deveu a nova mudança na metologia de registro. O fato de a China ser tão opaca eleva bastante o nível de insegurança. A redução de novos casos de coronavírus fora da província de Hubei foi o melhor sinal até agora. Esses dados foram vistos como um fortalecimento da possibilidade de o melhor cenário se confirmar, que é o de a China começar a voltar à normalidade em abril. Vários economistas no mercado financeiro, contudo, começam a se preocupar também com os problemas internos que podem afetar a recuperação do Brasil.
— Qualquer fator de disrupção no crédito pode colocar em risco o crescimento. Crédito é o principal vetor de recuperação da demanda. E a recuperação do mercado de trabalho também é importante, principalmente do mercado formal, porque facilita o acesso ao financiamento mais barato — explicou Mesquita.
As cadeias globais de produção estão todas sendo afetados de uma forma ou de outra pelo que acontece na China, principalmente as da Ásia. O Japão, que teve forte queda do PIB no último trimestre de 2019, pode ter novo trimestre negativo. A Apple emitiu um alerta de que não vai atingir as metas do trimestre que termina em março por causa do impacto do Convid-19 nas suas atividades na China. O Brasil é afetado porque a China é grande para o nosso comércio, seja de exportação e importação. E há ainda os fatores internos, políticos e econômicos que tornam as projeções otimistas do começo do ano mais incertas.
Nelson de Sá: Crescimento 'fraco, frustrante, débil, desbotado, desapontador'
Brasil desacelerou bruscamente no quarto trimestre, diz Bloomberg, e deve reforçar viés negativo para 2019
No título do francês Le Figaro, “Brasil: crescimento baixo”. Abrindo o texto, “crescimento fraco”, com “número desapontador”. A agência chinesa Xinhua apontou que “ainda está abaixo do nível de 2014”.
Os argentinos Clarín e La Nación, lembrando ser “o maior sócio comercial da Argentina”, publicaram que no Brasil “a expansão continua débil” e “em ritmo lento”. Mais, “as esperanças se viram frustradas”.
O Wall Street Journal falou em “crescimento desbotado”, no título. Abrindo a reportagem, “desapontou”. O jornal ouve de um analista financeiro que “está difícil encontrar empresas para investir aqui”.
A Bloomberg preferiu sublinhar que a “Economia do Brasil desacelerou bruscamente no quarto trimestre”. E que a Capital Economics soltou em nota que “o PIB desaponta aqueles que esperavam que o crescimento iria acelerar após a vitória de Jair Bolsonaro”.
A analista da própria Bloomberg Economics acrescentou que o resultado “deve reforçar o viés negativo do mercado para crescimento em 2019”. O número “fraco” já teria levado o banco Goldman Sachs a cortar a previsão de crescimento do país neste ano para 2%.
Tanto WSJ como Bloomberg responsabilizam, em parte, o “mercado de trabalho mais fraco do que se esperava” pela economia “mais fraca”.
INVESTIDOR NÃO VEM
A Reuters entrevistou em Londres o economista-chefe do Institute of International Finance, a associação global dos bancos, sobre o fluxo de investimentos aos emergentes. Ele cita China, Indonésia e México como “destinos mais populares” e:
“Talvez a maior surpresa para mim seja que os fluxos para o Brasil continuem bastante fracos, mesmo após anos difíceis e com uma agenda interessante de reformas.”
RECEITA RUIM
A nova Economist publica o editorial “Receita ruim”, tendo como segundo enunciado “3G Capital descobre os limites do corte de custos”.
Escreve que “o que aparentava ser uma estratégia bem-sucedida de repente parece ser um fiasco”. E que, “com suas raízes no Brasil, a 3G trouxe torções próprias ao barbarismo” das últimas décadas. “Funcionou por algum tempo”, avalia, mas agora “é preciso encontrar o mix certo entre cortar despesas e investir por crescimento”.
#EUANOBRASIL
Como tuíta há dias com a hashtag acima, Kimberly Breier, secretária-assistente de Estado dos EUA, fez reuniões de trabalho com o chanceler Ernesto Araújo, com o ministro Sergio Moro, com quem tratou de "ameaças à segurança regional", e com o autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó (acima).
Também com Fiesp e Escola Superior de Guerra.
Vinicius Torres Freire: Brasil, líder mundial em recessão
Crise sem fim coloca o país no topo do ranking dos que mais empobreceram desde 2013
O Brasil se tornou um país de ponta em termos de recessão. A economia brasileira foi uma das que mais andaram para trás nesta década. De certo modo, foi a que mais regrediu no mundo inteiro.
Entre 2013 e 2017, em apenas 18 países o PIB per capita regrediu mais do que no Brasil. PIB per capita: o tamanho da economia (da produção ou da renda nacionais) dividido pela população. É uma medida relativa de pobreza/riqueza (de nível de renda, na verdade).
Por que não incluir o ano de 2018? Porque ainda não há dados disponíveis para a maioria dos países.
Por que medir a crise em cinco anos? É um tempo comprido o suficiente para atenuarmos os efeitos de acidentes de percurso, um ou outro ano de recessão excepcional. Por falar nisso, o crescimento brasileiro no quinquênio 2014-2018 apenas não foi pior do que naquele encerrado em 1992, desde que se tem notícia (desde 1901). O PIB per capita de 2018 ainda era 8,1% menor que o de 2013.
Como se dizia, entre 193 países, apenas 18 regrediram mais que o Brasil em termos de PIB per capita.
Oito deles têm economias muito dependentes dos preços do petróleo, que afundaram a partir de 2014 (Guiné Equatorial, Timor Leste, Kuait, Brunei, Omã, Angola, Suriname e Trinidad e Tobago).
Três países do grupo hiper-recessivo estavam ou estão em guerra civil (Iêmen, República Centro-Africana e Líbia, que também apanhou com o petróleo).
Outros três padecem de conflitos crônicos, como Burundi, Palestina (Cisjordânia e Faixa de Gaza) e Chade.
Líbano e Jordânia sofrem os efeitos de vasto tumulto regional: guerra na Síria, crise em parceiros comerciais etc. (além de zorra macroeconômica, no caso jordaniano).
Os demais são Samoa Americana e Dominica, dois países-ilha que, juntos, têm uma população de umas 130 mil pessoas e cabem em metade da cidade de São Paulo.
Essas comparações são ridículas? É verdade. Não tem muito cabimento comparar o Brasil com esses países. O Brasil tem muito mais tamanho, recursos materiais, naturais e humanos.
O Brasil é, pois, uma aberração nesse grupo de países de crises aberrantes. Chegamos ao topo do ranking mundial de regressão econômica sem precisarmos passar por colapso estatal, guerra ou ruína de preços de exportação.
Sim, a economia sofreu um pouco com a perda do valor de exportações (piora nos termos de troca, para ser mais preciso). Mas o Brasil regrediu muito mais do que países comparáveis e com problema de magnitude similar. Basta analisar a vizinhança, com exceção da demencial Venezuela. Por falar nisso, Síria e Venezuela não estão nesse ranking porque não apresentaram estatísticas razoáveis, se alguma.
É bom ressaltar que se trata aqui de crescimento econômico, não de nível de vida. Obviamente, mesmo viver no Brasil desta crise excepcional é desgracinha mínima perto daquela que as pessoas enfrentam na miséria de Burundi ou da República Centro-Africana, por exemplo.
Do mesmo modo, as depressões de 1988-92 e 2014-18 têm dimensões similares no que diz respeito ao retrocesso do PIB per capita, mas efeitos sociais diferentes. Na desgraça do quinquênio encerrado em 1992, o país era mais pobre, havia hiperinflação e muito menos serviços e assistência sociais.
Resumo desta opereta: ainda assim, vivemos crise excepcional, raríssima na nossa história e na comparação com o restante do mundo. O acúmulo das nossas perversões explodiu nesta década de modo especialmente sinistro.