recessão
Míriam Leitão: O risco maior do ano é interno
O risco do Brasil este ano não é externo, é brasileiro mesmo, diz o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do banco Goldman Sachs. “Não tem vacina e se tivesse não teria seringa”, disse. De fato, a crise aqui está pior do que a do mundo. Nos Estados Unidos a primeira semana do ano começa num alto grau de tensão institucional. Donald Trump transformou eventos que são apenas protocolares em atos tardios da eleição que já perdeu. Na política, a semana começa intensa na disputa da Câmara dos Deputados com o apoio do PT a Baleia Rossi (MDB-SP).
O que nos aflige é que dezenas de países já começaram a vacinar e o Brasil está parado. Ontem, a boa notícia, postada no meu blog por Ana Carolina Diniz, é que a indústria fornecerá 30 milhões de seringas e agulhas. E na próxima semana sairá o edital de 300 milhões de seringas.
— O Brasil tem um problema pandêmico e outro que é endêmico — falou o economista Alberto Ramos, de Nova York, ao jornalista Alvaro Gribel.
O pandêmico será resolvido mais cedo ou mais tarde, quando o país for vacinado. O endêmico é a lentidão das reformas macro e micro e o baixo crescimento crônico.
— A última vez que o Brasil cresceu mais de 3% foi em 2013. Já são quase 10 anos — disse Ramos.
O Congresso começou o ano intensamente por causa da disputa para a presidência da Câmara dos Deputados. Durante a manhã de ontem, vários parlamentares do PT receberam ligações de Baleia Rossi e nessas conversas ficou claro que haveria uma divisão na votação, mas que a maioria ficaria a favor de apoiar a candidatura de centro contra o candidato de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL). Parlamentares que ouvi contam que o acordo da candidatura de Baleia Rossi com a esquerda não passou pelas reformas, mas sim nos pontos de defesa institucional e autonomia do legislativo. Contudo, a reforma tributária já havia sido discutida antes. A esquerda quer, com toda razão, que a estrutura de impostos seja mais progressiva e por isso pediu aumento de impostos sobre heranças e cobrança de tributos sobre lucros e dividendos. E isso foi incluído no projeto.
Da perspectiva do mercado, o Brasil teria que aprovar este ano ainda a reforma administrativa, apesar de Alberto Ramos considerar que a proposta do governo “deixou muita gente de fora”. A reforma tributária ele define como “minimalista”. A do governo, de fato, é. A proposta é apenas a unificação de PIS e Cofins:
— Há um grau de frustração muito grande com as reformas que não avançam e o conteúdo deixa a desejar. A da previdência deixou de fora os estados e municípios e manteve privilégios dos militares.
Ele acha que o Brasil pode crescer 3,8% este ano, grande parte por efeito estatístico da queda do primeiro semestre do ano passado. Mas o país tem chance de se beneficiar do cenário externo porque a vacina pode virar o jogo na recuperação econômica do mundo, os preços das commodities estão em alta, os estímulos monetários e fiscais de vários governos continuam. O problema brasileiro é que a pandemia agravou muito a crise fiscal e as respostas são fracas.
Nos Estados Unidos, o mercado já olha para o governo Biden, que começará no dia 20. Segundo Ramos, no curto prazo o presidente democrata significa mais atividade, porque haverá mais estímulo. A médio prazo, pode representar mais impostos e mais regulação. Mas ele disse que, sem expressar preferência política, o mercado reagiu bem à vitória de Biden porque Trump gerava ruído com o resto do mundo.
Os Estados Unidos deveriam estar vivendo agora apenas a formalidade da transição, mas está numa crise. O estarrecedor telefonema do presidente Donald Trump para o secretário de Estado da Georgia, Brad Raffensperger, que o jornal “Washington Post” divulgou, mostra como o país mais poderoso do mundo democrático está nesses últimos dias do governo Trump a um passo do abismo institucional. Trump queria que a autoridade estadual fraudasse a eleição. Ontem, analistas estavam avaliando, segundo o “Post”, se Trump violou as leis da Georgia. Ora, ele violou as regras básicas da democracia. Os Estados Unidos viveram, nestes quatro anos, tantos absurdos que ainda têm dúvidas se esse caso viola ou não a lei. Esse é o risco no Brasil de Bolsonaro. O país se acostumar com a anomalia institucional.
Alex Ribeiro: BC começa a retirar estímulos ao crédito
Não é só o “abismo fiscal” que ameaça a retomada em 2021
O fim das medidas de estímulo fiscal, entre as quais a mais importante foi o pagamento do auxílio emergencial, não é a única força que poderá conter o crescimento da economia neste começo de 2021. Cumprindo o cronograma que havia estabelecido, o Banco Central deixou expirar no fim de 2020 alguns dos programas de crédito direcionado que havia criado na primeira onda da covid-19 para manter o fluxo de crédito na economia.
Saiu de cena uma linha que liberou R$ 51,7 bilhões em depósitos compulsórios sobre depósitos em poupança, que estavam retidos no BC, para operações de crédito a micro, pequenas e médias e empresas. Essa mesma iniciativa canalizou outros R$ 7,6 bilhões dos grandes bancos para as instituições financeiras de menor porte, que em geral são especializadas em dar crédito aos pequenos negócios.
Também expirou uma linha de assistência financeira de liquidez que injetou R$ 69,5 bilhões em 49 bancos, com foco nos pequenos. Esse programa ajudou a reciclar a carteira de crédito das instituições financeiras, porque usa como colateral papéis (as chamadas LFGs) que são lastreados por empréstimos, garantindo assim o fluxo de novas operações.
Chegou ao fim em novembro outra iniciativa que liberou capital dos bancos, antes imobilizado para dar suporte a créditos tributários, que permitiu a realização de R$ 14,4 bilhões em financiamentos para micro, pequenas e médias empresas. Essa facilidade acabou antes do esperado porque a medida provisória (MP) que deu origem a ela não foi aprovada no Congresso. Mas, pelo cronograma original, expiraria de qualquer forma no dia 31 de dezembro.
Uma rara iniciativa voltada às empresas de menor porte que ganhou sobrevida é o bem-sucedido Pronampe, em que o Tesouro deu garantia de 85% dos empréstimos. No finzinho do ano, foi realizado um aporte extra de R$ 10 bilhões no fundo que lastreia o programa. Mas esse é um programa fiscal. As medidas de crédito direcionado que usam exclusivamente o balanço do Banco Central acabaram no prazo previsto.
Seguem em vigor, por hora, medidas mais gerais que injetaram liquidez no mercado financeiro como um todo, sem um carimbo que obrigue os bancos a aplicarem o dinheiro num setor ou no outro. É o caso, por exemplo, da redução temporária, de 25% para 17%, da alíquota dos compulsórios sobre depósitos a prazo. O BC definiu que, em abril, a alíquota seja elevada a 20%, mas sem retornar a 25%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a recomendar, no seu relatório de avaliação do país, que a alíquota fosse mantida em 17%. Mas o BC respondeu que só avaliará essa possibilidade depois que colocar para funcionar seu novo mecanismo de assistência financeira de liquidez.
A importância do crédito direcionado é, em geral, pouco reconhecida pelos economistas na resposta do governo à crise, que evitou uma recessão mais profunda. Como muitos dos programas se sobrepõem, é difícil medir o seu efeito exato. Mas alguns dados ilustram o seu alcance. As concessões dos chamados “outros créditos direcionados”, que incluem algumas dessas linhas, somaram R$ 99,048 bilhões no período de janeiro a novembro de 2020, ante R$ 10,490 bilhões no mesmo período do ano anterior. O acréscimo equivale a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
O crédito bancário cresceu 15,6% no período de 12 meses até novembro graças ao “renascimento” dos direcionamentos. Sem ele, teria avançado algo como 8,5%, atendendo basicamente as grandes corporações, que sugaram o caixa dos bancos depois que o mercado de capitais ficou paralisado. Com o fim de vários programas, o Banco Central estima que o crédito vá crescer apenas 7,8% em 2021. O crédito direcionado a empresas vai encolher 5,3%, ou perto de R$ 35 bilhões.
É compreensível a determinação do Banco Central em extinguir os programas de crédito direcionado no prazo combinado. No Brasil, essas iniciativas temporárias costumam se tornar permanentes. A crise econômica do governo Dilma Rousseff se deve, em grande medida, às ações tomadas como resposta à crise financeira mundial. O aporte emergencial de R$ 100 bilhões no BNDES em 2009 virou uma espécie de orçamento, que se repetiu todos os anos. Nos anos 1960 e 1970, o BC tinha dentro de si um banco de fomento para crédito agrícola. Deu na grande inflação dos anos 1980.
A manutenção do cronograma do fim dos programas de crédito direcionado da pandemia é uma aposta do Banco Central de que o sistema financeiro já pode caminhar com as suas próprias pernas, fornecendo linhas para quem precisa, e de que o mercado de capitais vai reengatar, com volumes mais expressivos de captações em debêntures e notas promissórias. A liquidez internacional está favorável, mas o Brasil não deverá aproveitar muito. O BC espera que as empresas rolem apenas 85% das captações no exterior.
Esse, porém, é um cenário ainda muito incerto. A crise não acaba com o ano-calendário, no dia 31 de dezembro, como previu o Banco Central em junho, quando criou alguns dos principais programas. A segunda onda da covid-19 e o atraso do governo em providenciar a vacinação da população representam riscos relevantes. Nos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, cortou verbas que sustentam as linhas de financiamento aos pequenos negócios do Federal Reserve (Fed). Embora, por lá, essas linhas tenham sido utilizadas bem menos do que o esperado - o Brasil se saiu melhor nesse aspecto -, dirigentes do Fed reclamaram, sustentando que preferem ter essa ferramenta creditícia ao alcance das mãos se a situação voltar a piorar.
Ao contrário do Brasil, porém, os Estados Unidos têm espaço fiscal e emitem moeda de reserva - estão colocando na rua mais um pacote de estímulo neste ano. Por aqui, o BC reconhece os riscos de que, com o fim do auxílio emergencial, a economia possa ter um novo mergulho recessivo, embora o cenário central não seja esse. O único ponto de conforto é que, se a coisa piorar, o BC pode rapidamente reinstituir os programas que expiraram.
Pedro Fernando Nery: A vida de milhões de pessoas vai piorar em 2021
Com o fim do auxílio emergencial, expectativa é que pobreza e desigualdade vão aumentar no País
Mafalda caminha com Susanita pela rua. A amiga pergunta: “Como será o ano que vem?”. “Muy valiente” responde Mafalda. “Porque, como andam as coisas, se animar a vir...”
A tirinha de Quino, uma das vítimas de 2020, me veio à mente depois de ler coluna de Leandro Karnal no último domingo. Nela, Karnal provoca o leitor a imaginar 2020 como “um ano admirável, maravilhoso”. Entre suas reflexões, a de que de 2020 não se pode piorar. Afinal, estão no horizonte as vacinas, fruto do extraordinário avanço da ciência, e a própria recuperação econômica. O ano que se inicia seria um ano de potencial.
Como o título deste texto sugere, eu discordo. 2021 vai ser pior. Talvez não para o leitor, mas para muitos brasileiros. Até a semana passada, eles podiam contar com a ajuda do auxílio emergencial para pagar as contas. O auxílio não só segurou o aumento da pobreza e da desigualdade, como temporariamente fez com que diminuíssem. Mas ele acabou, e a vida de milhões de brasileiros vai piorar.
Com a pandemia, parte dos brasileiros foi para uma outra forma de trabalho: o teletrabalho. Parte dos brasileiros foi para uma outra forma de desemprego: o desemprego oculto. Oculto porque não aparece na estatística divulgada como taxa de desemprego. Eles não trabalham e gostariam de trabalhar, mas, como não procuraram ativamente um trabalho, não são considerados desempregados. A alta do desemprego oculto em 2020 é explicada pelo temor de contaminação do vírus e pelo recebimento do auxílio emergencial, que assegurou a quarentena.
Como se sabe, o auxílio foi generoso, pagando benefícios a quem normalmente não recebe nenhuma transferência de renda, e em valores muito maiores que o dos programas sociais permanentes. Isso fez até com que milhões de famílias mais pobres na verdade experimentassem ganhos de renda em 2020, pelo menos até setembro, quando o auxílio foi reduzido.
Sem ele, muitas famílias brasileiras passarão a participar de uma grave crise que foi represada pelo auxílio. Milhões de informais, empregados ou trabalhadores por conta própria, terão uma vigorosa queda de renda. Como a pandemia não acabou – pior, parece mesmo entrar em uma segunda onda –, não conseguirão recuperar seus rendimentos mesmo que tentem voltar a trabalhar. É o ambulante na rua vazia, a atendente que fazia bicos em um restaurante. Para muitos, os primeiros meses de 2021 vão ser os com maior privação dos últimos anos.
O desemprego vai aumentar, um movimento de brasileiros saindo do tal desemprego oculto para o desemprego aberto, a taxa oficial. É bastante provável que a um nível ainda maior que o da última recessão de 2015 e 2016. Se as principais estimativas se realizarem, devemos ver em breve manchetes noticiando desemprego perto de 17% no Brasil.
Por conta do auxílio, não apenas o desemprego aberto não aumentou, como a taxa de pobreza caiu e os níveis de desigualdade de renda também. O inverso deve se observar com o seu fim: alta da pobreza e alta da desigualdade, para níveis maiores aos que aconteciam antes da crise. Esses números refletirão a realidade das famílias brasileiras para quem 2021 será pior.
A extrema pobreza, situação de potencial privação calórica, pode subir para uma taxa acima de 10% dos brasileiros – nas projeções da Daniel Duque (Ibre-FGV). Um retrocesso de uns 15 anos, e não é possível descartar que o aumento seja ainda maior. Duque projeta retrocesso semelhante para a taxa de pobreza, esperada em até 30%.
O contraste com 2020 é marcante. Visualize a trajetória nos dados de Duque: a extrema pobreza de 7% antes da pandemia caiu a 2% com o auxílio em 2020, e poderá subir para mais de 10%. A pobreza caiu de 25% antes da pandemia para 18% durante 2020, e poderá subir a 30%.
São trajetórias que lembram o V desejado para o crescimento econômico (queda rápida e forte do PIB em 2020, alta rápida e forte em 2021). Mas estes Vs não seriam nada auspiciosos: extrema pobreza em V, pobreza em V, desigualdade em V. Não seria surpreendente se outro V chamar atenção em 2021: em países como o nosso, o desemprego está associado à violência.
É evidente que o auxílio emergencial foi caro e que as condições de endividamento da União não são nada boas. Mas era, sim, possível adotar uma transição mais longa para o seu fim, especialmente diante da possível segunda onda. Mesmo nos países que já iniciaram a vacinação, a imunidade de rebanho demorará pelo menos bons meses a ser conquistada. Até que o vírus seja vencido, a economia não se recuperará. E, até lá, os mais pobres precisam de apoio.
Um auxílio, ainda que menor e mais restritivo, poderia ser pago sem afetar a dívida se houvesse tido disposição de brigar com outros gastos diretos e indiretos, inclusive direcionados aos mais ricos, como gastos com funcionalismo e gastos tributários que beneficiam a elite do setor privado. Políticas de emprego, para ajudar o acesso ao mercado de trabalho formal, também seriam úteis e precisariam de recursos, mas absolutamente nada foi discutido nos últimos tempos.
2021 começará com uma gigantesca recessão no PIB dos mais pobres. Se para várias famílias – talvez a do leitor – 2021 pareça mais auspicioso, a perspectiva certamente não é compartilhada por muitas outras. Neste primeiro domingo de 2021, podemos falar de uma nova desigualdade: a desigualdade de otimismo.
* DOUTOR EM ECONOMIA
Conteúdo Completo
- A vida de milhões de pessoas vai piorar em 2021
- Os desafios da economia em 2021
- Nunca estivemos tão perto e tão longe da reforma tributária
- Política ambiental é entrave ao crescimento
- Privatização mesmo só veremos nos governos estaduais
- Reforma administrativa é a agenda que precisa caminhar
- O governo Bolsonaro precisaria se reinventar, mas isso é muito improvável
- O grande risco para o Brasil este ano é interno, e não externo
- Política antiglobalista de Bolsonaro tem um preço
- O que é bom para os EUA nem sempre é bom para o Brasil
Celso Ming: Os fatores que evitaram o maior desastre em 2020
São quatro as razões que evitaram a queda de dois dígitos do PIB brasileiro
E o pior não aconteceu. No segundo trimestre, em plena pandemia, as projeções para o desempenho da economia do Brasil foram terríveis. Algumas chegavam a indicar um mergulho do Produto Interno Bruto (PIB) de quase 10% para todo o ano.
As novas previsões falam de uma queda de 4,4% (veja o gráfico). Essa é a última projeção do Banco Central, que coincide com a do mercado, como consta no Boletim Focus desta semana.
São quatro as explicações para esse tombo menos acentuado.
A primeira delas é a de que o Tesouro despejou R$ 322 bilhões em auxílios emergenciais para a população (66 milhões de pessoas), recursos que permitiram uma sustentação da demanda de bens essenciais – especialmente alimentos, medicamentos e moradia – durante o isolamento social necessário para combater a covid-19. Foi uma demanda que permitiu que a atividade econômica não entrasse em colapso. O efeito colateral foi o avanço inesperado da inflação, que, no entanto, tende a ser limitado.
O segundo grande fator de sustentação da economia foi o excelente desempenho do agronegócio. Como mostram as últimas projeções do IBGE e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção física de grãos na safra de 2020/21 deverá ter um aumento de 3,5%, para alguma coisa em torno dos 266 milhões de toneladas. Os preços também ajudaram, seja pelo aumento da demanda interna de alimentos, como mencionado acima, seja pela forte importação da China.
A alta do dólar em reais também trabalhou na mesma direção. O impacto desses resultados no PIB ainda é relativamente baixo porque a agropecuária pesa apenas 5,6% na renda nacional.
O maior estrago aconteceu no setor de serviços (mais de 70% do PIB), especialmente nas viagens, no turismo, nos grandes eventos, no ensino, na saúde, no ramo dos bares e restaurantes e em grande parte no comércio varejista. Salvaram-se as vendas pela internet e os escritórios, graças aos serviços prestados em casa, o home office.
As avarias macroeconômicas foram enormes: investimentos adiados, obras paralisadas, um desemprego de 14,3% da força de trabalho e de outros 5,5% no desalento (desistiram de procurar emprego) e, mais que tudo, o alastramento do rombo fiscal e o avanço da dívida pública. Até agora, o governo não mostrou como vai enfrentar as exigências da lei do teto dos gastos nem como vai reequilibrar as contas públicas em 2021. Nem mesmo o Orçamento de 2021 foi aprovado.
As apostas se concentram agora na recuperação da atividade econômica, que já começou a mostrar as caras no último trimestre deste ano. O maior trunfo está na aplicação da vacina.
Cinco instituições internacionais já mostraram que superaram a terceira e decisiva fase de testes. O Instituto Butantã espera começar a vacinar ainda em janeiro e a Fiocruz tem planos para iniciar a aplicação das doses no fim de fevereiro. É provável que, já no primeiro semestre de 2021, boa parcela da população tenha sido atendida. Mas não será preciso esperar até que a maior parte da população tenha sido imunizada contra o novo coronavírus para contar com avanços na economia.
E há, também, sinais de excelente recuperação da economia mundial, especialmente da China e da Europa, também fortemente influenciados pela distribuição das vacinas. São fatores que indicam bons resultados na balança comercial do Brasil, especialmente ancorados pelo novo recorde de produção de commodities agrícolas.
A perspectiva de que a vacina esteja próxima e o afastamento da ameaça de novas ondas da pandemia, no Brasil e no resto do mundo, podem mudar corações e mentes. E esse novo ânimo tende a ser a melhor energia para revitalizar a atividade econômica.
Gustavo H. B. Franco: Um acordo de transição
Não, o mercado financeiro não está enxergando nenhum golpe, ou descontinuidade, mas vislumbra ao menos oito boas razões para presumir que a Presidência Bolsonaro iniciada em 2018 vai terminar diferente do que começou
Mesmo antes da derrota de Donald Trump parecia que o Brasil passava por uma transição, como se a segunda metade da Presidência Jair Bolsonaro fosse uma mudança de governo, uma sensação curiosa e paradoxal, pois mudança mesmo só teremos mais adiante, depois das eleições de 2022, ou não.
Entretanto, a “sensação de transição” foi se acentuando nas últimas semanas.
O problema começou com dificuldades com (a rolagem de) a dívida pública (os deságios nas LFTs), um clássico sinalizador de problemas em transições (o sujeito não quer comprar um título de um governo que vai ser pago, ou não, pelo próximo).
O Tesouro e o BCB têm experiência nesse assunto, sabem trabalhar de forma tópica, mas não são capazes de eliminar as dúvidas ensejadas por uma transição. Só o novo governante é capaz de fazê-lo.
Bem, como o novo governante é o mesmo, não deveria ser tão complexo. Porém, é fato que estamos experimentando a “sensação de transição” no meio do mandato presidencial. O que pode estar produzindo essa distorção?
Não, o mercado financeiro não está enxergando nenhum golpe, ou descontinuidade, mas vislumbra ao menos oito boas razões para presumir que a Presidência Bolsonaro iniciada em 2018 vai terminar diferente do que começou:
- O ocaso do populismo em escala global, iniciado nos EUA e criando um vento de fim de festa na Hungria como em Brasília;
- Uma segunda onda de covid, ou simplesmente o desdobramento da primeira, com amplos impactos em escala global, e impactos relevantes na recuperação que o País vinha experimentando;
- Mudanças nas lideranças das duas Casas legislativas e, consequente, revisão da equação de apoio parlamentar do governo. Talvez mesmo com reforma ministerial para atender ao “Centrão”.
- O ministro da Fazenda parece uma sombra de si mesmo, não é mais o “infiltrado liberal”, mas alguém mais organicamente ligado ao projeto de poder da família Bolsonaro. O ministro não vai cair, mas não é mais o mesmo, ou ao menos, não é mais atacante nas pautas reformistas, mas um “meia de contenção”, focado em evitar retrocessos. O casamento arranjado com os liberais terminou, pois as entregas em matéria de privatização, abertura e reformas mais profundas foram pífias;
- O fim dos auxílios emergenciais, sem que se saiba o que vem no lugar;
- O fim das linhas especiais, e de outras tantas providências dependentes da vigência do estado de calamidade que se encerra oficialmente em 31 de dezembro;
- Novos patamares de déficit primário e de dívida pública, o primeiro ultrapassando R$ 800 bilhões, e a segunda se aproximando de 100% do PIB.
- Recrudescimento da inflação que, em novembro, pelo IGPM, alcançou estonteantes 24,52% no acumulado de 12 meses;
Portanto, é como se a segunda metade tivesse se convertido no segundo governo Bolsonaro, e com desafios econômico aterradores.
Bem, o Brasil possui uma larga experiência em transições turbulentas, normalmente de um governo para o outro, não dentro do mesmo, para as quais a receita canônica é um acordo com o FMI. Uma das funções mais importantes, e menos faladas, desse tipo de acordo é a de terceirizar culpas, bem como responsabilidades sobre medidas que precisam ser tomadas, que se tornam imperativos de um tratado internacional, e que seriam inexecutáveis fora disso.
Será que é o caso?
Bem, é claro que o FMI, nesse caso, funciona apenas como um exercício retórico.
Nosso problema agora é fazer um acordo com o FMI, sem o FMI, um acordo do Brasil com ele mesmo. É fácil em tese, mas dificílimo de fazer, no atual estado de polarização, quando o governo está tão isolado que não consegue fazer acordo nem com ele mesmo.
Há sobre a mesa um desafio gigante e urgente, no terreno fiscal, de conciliar uma versão prática e socialmente aceitável da ideia de responsabilidade fiscal, que compreenda a preservação do teto (uma “última defesa” já bastante combalida), com iniciativas que coíbam um aumento catastrófico do desemprego e a volta da inflação.
O verbo aqui é conciliar, um que o governo não costuma conjugar, e para o qual não estava preparado.
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS
Bolívar Lamounier: O primeiro passo é conhecer o Brasil
No atual cenário social, econômico e político, hipótese de retrocesso não pode ser descartada
Se você acredita que o Brasil está progredindo a um ritmo medíocre, está certo; se pensa que estamos na iminência de um retrocesso grave, é provável que esteja certo também.
Só estará errado se achar que dispomos do tipo e do montante de conhecimentos de que vamos precisar para sair desta enrascada em que há anos nos vimos arrastando. Afirmação arrojada, bem o sei. No transcurso das últimas três ou quatro décadas, as pesquisas de opinião e os levantamentos do IBGE têm nos proporcionado uma montanha de informações de altíssimo valor. O problema, creio eu, é que tais informações não respondem em sua inteireza às indagações que se imporão quando nos depararmos com o inexorável desafio de reformar a sério nossa sociedade e nossas instituições políticas.
Ao dizer “inexorável”, peço permissão para passar ao largo do mar de mazelas que debatemos dia sim e outro também: estagnação econômica, desigualdades abissais, nível médio de escolaridade abaixo da crítica e condições sanitárias cujas deficiências conhecíamos de longa data, mas sobre as quais agora, com a pandemia, não cabe mais discussão. Tampouco me parece caber dúvida quanto à persistente perda de consistência das instituições: da alta administração pública, civil e militar, assim como do Legislativo e do Judiciário.
Volto aos conhecimentos de que necessitamos. A montanha de informações de que dispomos se compõe basicamente de dados “atomizados”, quero dizer, colhidos por meio da aplicação de questionários a indivíduos isolados e depois agrupados em categorias (classes A, B, C, D, diferenças entre grandes e pequenos municípios, etc.). Os resultados de tais operações não são grupos reais. Se nosso objetivo é evitar retrocessos e construir um sistema político capaz de impulsionar o desenvolvimento, informações desse tipo não são suficientes. Sociedades e sistemas políticos assentam-se sobre estruturas, vale dizer, sobre tramas de relações interindividuais e intergrupais, por sua vez amalgamadas por valores e crenças que não se dão a conhecer ao primeiro estímulo de um entrevistador.
Quem deu um passo adiante foi o antropólogo Roberto DaMatta, ao dissecar a expressão “você sabe com quem está falando?”. De fato, a proverbial “carteirada” é um retrato da estratificação autoritária que permeia nossa sociedade. Penso, no entanto, que a necessidade de um indivíduo de status superior se dirigir a um de status inferior ordenando-lhe pôr-se “em seu lugar” indica que a estratificação já está sendo questionada. Não precisaria fazê-lo caso se tratasse de uma estratificação estática, imemorial.
Façamos uma comparação com a França. Em 1920, em sua maravilhosa Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust evoca “... a ideia um tanto indiana que os burgueses (de algum tempo atrás) formavam a respeito da sociedade, considerando-a composta de castas fechadas, onde cada qual se via, desde o nascimento, colocado na posição que ocupavam seus pais, e de onde nada os poderia tirar para que penetrassem numa casta superior, a não ser raros acasos de uma carreira excepcional ou de um casamento inesperado” (vol. 1, pág. 21).
Vinte anos mais tarde, em sua igualmente maravilhosa Suíte Francesa, Irène Némirovsky trafega por um labirinto praticamente igual, o da França invadida pelos nazistas. Claro, não tendo tido escravidão, os pobres franceses não eram miseráveis desprovidos de tudo, como os nossos, nem precisavam as camadas mais altas de recorrer à “carteirada”. A estratificação, os limites prescritos nas interações e nos modos que os indivíduos observavam ao se dirigirem uns aos outros, tudo era rígida e minuciosamente regulamentado.
Voltando ao Brasil, o que mais chama a atenção é a inexistência sequer de uma classe média claramente delineada, com valores e padrões próprios de comportamento. Nunca tivemos uma petite bourgeoisie assentada sobre a pequena propriedade urbana ou rural. A maioria das camadas que têm o privilégio do vínculo empregatício vive de empregos instáveis e de má qualidade. Na área educacional do atual governo tivemos três ministros, mas nenhum plano.
Tampouco temos elites no sentido positivo da palavra, ou seja, grupos de pessoas (com ou sem recursos econômicos vultosos) com vocação de exemplaridade, devotados em alguma medida ao bem comum, e capazes de transitar pelos diferentes setores funcionais da sociedade, agregando atitudes e balizando o modo de agir dos três Poderes. Não estranha, pois, que estejamos presenciando um processo de “desinstitucionalização”, com sinais bem perceptíveis de deterioração em toda a extensão do tecido político.
Sem uma classe média robusta, sem elites no sentido que acabo de expor, com um ritmo pífio de crescimento econômico e um sistema de ensino de péssima qualidade, a hipótese do retrocesso não pode ser descartada. Nas condições aventadas, as instituições democráticas tendem a perder respaldo e robustez, permanecendo incapazes de impulsionar a economia, vulneráveis às formas de corrupção mais obscenas e aumentando a possibilidade de crises graves.
*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Benito Salomão: Após o vírus, a dívida
O título deste artigo é uma alusão à capa da revista britânica The Economist da última semana de abril de 2020, quando já se sabia que a doença que ganhou escala de pandemia no mundo exigiria um elevado esforço financeiro dos Tesouros mundo afora. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o esforço para fortalecer os serviços de saúde, proteger pobres e desempregados, além de salvar negócios da bancarrota somam US$12 trilhões em todo o mundo. Se considerarmos o PIB mundial de US$87.7 trilhões em 2019, o esforço fiscal empenhado em salvar as economias consiste em 13,6% do PIB Global. Isto fatalmente levará o mundo a uma nova dinâmica macroeconômica sobre a qual ainda se sabe pouco.
Olhando para a economia brasileira, o panorama é ainda mais desanimador. As medidas de expansão do gasto público e o consequente endividamento que isto causa, não foram capazes de evitar as mais de 150 mil mortes pelo COVID-19, ou ainda de evitar uma queda histórica de aproximadamente 6% no Produto Interno Bruto. Entre fevereiro e agosto de 2020, o Tesouro Nacional já gastou R$366.4 bilhões em despesas relacionadas ao Coronavírus e autorizadas em caráter excepcional pela PEC 10/2020 popularmente conhecida como “orçamento de guerra”. Isto deslocou a dívida pública do governo brasileiro de 76,1% do PIB em janeiro, para 88,8% do PIB em agosto deste ano.
Uma projeção em um dado cenário base da dívida pública, mostra que ela deve estar em 95,6% do PIB em dezembro de 2020. Para 2021 ainda não está claro para onde vai a política fiscal e, portanto, a dívida pública, isto porque ela depende de um conjunto de fatores. Primeiro, ela depende do resultado primário do governo que segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit de 2021 deve ser de aproximadamente R$265 bilhões. Segundo, a dívida pública depende da taxa de juros pela qual o Tesouro conseguirá financiar novas dívidas. A SELIC está em mínimos históricos, no entanto, é uma taxa meramente de curto prazo e o custo financiamento de títulos do Tesouro com vencimentos mais a longo prazo estão subindo. Terceiro, a relação dívida/PIB depende também do comportamento do PIB e o histórico das previsões relacionadas a este indicador não são confiáveis, ano após ano, o mercado financeiro “vende” comportamentos do produto que não se verificam.
Há ainda, outros complicadores. O governo não inspira confiança no que se refere à condução da política fiscal, o programa de renda mínima parece ter se tornado uma obsessão a ser perseguida a qualquer custo pelo executivo em Brasília. Para viabiliza-la, o governo sugere manobras que drenam a transparência da política fiscal, tais como a inclusão da renda mínima no FUNDEB e o atraso do pagamento de precatórios. O governo não demonstra firmeza também no que se refere ao futuro institucional da política fiscal, normas institucionais recentes fundamentais para a sustentabilidade da dívida pública como o teto de gastos, recebe um tratamento hostil por parte da “ala desenvolvimentista” do Planalto e não estão garantidas. Ademais, parte da equipe econômica flerta com a ideia da recriação da CPMF, o que poderia exercer um efeito positivo de curto prazo sobre o resultado primário e, consequentemente, a dívida, porém pode também exercer um efeito prejudicial ao crescimento do PIB e ter um efeito dívida/PIB negativo por vias da queda no denominador.
Prever, portanto, um cenário para a dívida pública em 2021 não é tarefa trivial, ainda assim vale a pena tentar. No melhor cenário (e pouco provável), supondo manutenção e respeito ao teto de gastos, que o governo não tenha que socorrer inesperadamente Estados e municípios, e que a taxa de financiamento dos títulos públicos seja pelo menos igual ao crescimento do PIB, a relação dívida/PIB de 2021 deverá depender exclusivamente do resultado primário, o que a levaria para algo próximo de 98% do PIB. Infelizmente o mundo não é o ideal e nada garante que novos programas assistenciais não sejam incluídos no orçamento, que socorros a Estados e municípios não sejam necessários e que o custo de financiamento do Tesouro não exceda a taxa de crescimento do PIB. Portanto, é possível haver uma relação dívida/PIB próxima dos 105% em dezembro de 2021.
Se isto acontecer, o Brasil entrará em 2022 (ano eleitoral) como entrou em 2014, precisando imprimir uma agenda de ajuste fiscal ainda mais dura e com o chefe do executivo buscando ampliar gastos públicos buscando sua reeleição. Na linguagem weberiana, 2022 deverá ser um ano de choque entre a ética da responsabilidade de realizar um ajuste mesmo que isto custe a reeleição versus a ética da convicção do Presidente em que a expansão eleitoreira de gastos é o atalho mais curto para permanecer no emprego, ainda que a conta seja paga no futuro. Não é difícil prever qual será a escolha do mandatário do Poder Executivo.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Luiz Carlos Trabuco Cappi: Superar a acomodação
Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão
Um dos pensadores mais influentes do século 20, Jean Piaget definiu o termo acomodação como uma etapa natural do processo evolutivo. Podemos dizer que é nessa fase em que nos encontramos, com a economia paralisada diante das atuais circunstâncias.
Passada a fase mais crítica da covid-19, chegou a hora de pensar no futuro que queremos para o Brasil, a economia e a nossa cidadania. Vamos deixar de lado, por enquanto, a hipótese de uma segunda onda da pandemia. O País sairá dessa crise sanitária com problemas econômicos sérios, mas que podem ser resolvidos, e com o desafio de voltar a crescer num ritmo robusto e duradouro. Temos os alicerces para isso: instituições sólidas, democracia, sociedade civil ativa e influente, boas universidades, boas empresas, bons profissionais.
O Brasil não é um país pobre, pequeno ou irrelevante no plano mundial. Já é tempo de reorganizar todos esses ativos com a finalidade de reingressar num ciclo de desenvolvimento econômico e de progresso social compatível com a nossa história e com as nossas possibilidades.
Devemos nos levantar e seguir em frente.
Entre os problemas a resolver está a grave questão fiscal. Os gastos essenciais feitos pelo governo em saúde e no auxílio emergencial provocaram um déficit que deve elevar a dívida pública a algo próximo de 100% do PIB. A parada repentina da economia em 2020 fez subir o número de desempregados para 14 milhões e provocou o fechamento de empresas. É preciso um programa de assistência a vulneráveis, responsabilidade da qual não podemos fugir.
Os manuais de economia têm soluções para crises fiscais, insolvência, desemprego, mas a resposta definitiva é o crescimento econômico consistente. Essa é a pauta que devemos colocar no topo das prioridades do País e fazê-la avançar com foco e energia.
A primeira barreira a ultrapassar, como já vimos, é a da acomodação, um fenômeno natural depois de décadas de programas de estabilização e ajustes, seja por causa da hiperinflação e das crises cambiais, seja, como agora, o descontrole fiscal.
Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão. Com essa situação, damos as costas às nossas desigualdades sociais. Sem crescimento, é impossível combater a miséria e acirram-se os conflitos de interesses.
A primeira coisa a resgatar, portanto, é a ambição de assumir o crescimento como meta central. Na virada das décadas de 1930 e 1940, o País optou pela industrialização e urbanizou-se. A renda per capita dobrou nas primeiras quatro décadas do século 20 e quintuplicou nos 40 anos seguintes.
No referido ciclo, surgiram a moderna indústria brasileira, as grandes obras de infraestrutura e a expansão das fronteiras agrícolas. O sistema financeiro ganhou escala, capilaridade e capacidade de fomentar a economia. Foram anos de crescimento contínuo e a taxas muito mais altas do que as que vemos hoje.
Entre 1946 e 1957, o PIB brasileiro cresceu, em média, 6,33% ao ano. No ciclo seguinte, entre 1958 e 1978, a taxa média anual atingiu patamares chineses: 7,39%.
A partir desse ponto, lidando com fatores como hiperinflação e crise da dívida externa, perdemos a perspectiva do crescimento. A estabilização econômica passou a ser a tônica. Entre 1979 e 2003, a taxa média anual retrocedeu para 2,26% e chegou a 3,80% no período entre 2004 e 2012. Os piores resultados se deram em 2015 e 2016, quando o PIB ficou negativo respectivamente em 3,55% e 3,31%. Desde 2017 não crescemos além de 1,1% ao ano.
Assim como a hiperinflação foi resolvida com o Plano Real, agora precisamos superar a estagnação com um programa abrangente de desenvolvimento e modernização que priorize a educação, a inovação, a tecnologia e a infraestrutura, sem as quais nossas iniciativas serão efêmeras, parciais e isoladas.
Dificuldades fazem parte da evolução humana – não podemos nos vitimizar em razão das ilusões perdidas. É hora de afirmar nossa vocação para o desenvolvimento.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS
José Roberto Mendonça de Barros: Vamos bater no muro?
A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal
Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavírus foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferido para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrado a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.
Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalidade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeração. Essa situação não mudará de forma substancial, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.
Em consequência, o mercado de trabalho vem se recuperando com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanentes. Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitalização e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanentes, processo que se verifica no mundo inteiro. Isso mostra a dificuldade de uma recuperação em “V”. Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessárias como resultado do inacreditável avanço do “home banking” e da digitalização dos meios de pagamento – isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistência técnica, ensino etc.
Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavoucher deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operacionalizada, porque cairá drasticamente o número de beneficiários. Essa queda de renda, como já argumentado, não será compensada pela criação de novos empregos permanentes. Além disso, a forte elevação do custo da alimentação, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.
Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimentos públicos ou privados. Ao contrário, continuamos a ver uma queda nos investimentos estrangeiros. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatório (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizações que simplesmente não existem…
Tudo indica que o crescimento de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano. Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matérias-primas industriais básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperação da demanda. Por baixo dessas pressões está a desvalorização do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.
A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal. Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentária para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.
Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos – e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativo e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).
No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.
Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro?
*Economista e sócio da MB Associados
Luiz Carlos Mendonça de Barros: Roteiro para a recuperação da economia
Aumento brutal na necessidade de rolar a dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo
Os últimos dados econômicos divulgados para o mês de setembro consolidam, de forma inquestionável, a recuperação da economia brasileira. Para efeito de ilustração desta afirmação vejam ao lado a evolução do índice IBC-Br que mimetiza por antecipação a evolução do PIB no Brasil. Mas não é apenas o IBC-Br que mostra uma recuperação em V com uma pequena inclinação, mas outros indicadores relevantes. Cito outros, como a evolução da arrecadação de impostos pela Receita Federal, consumo aparente de bens industriais monitorado pelo Ipea, vendas ao comércio restrito e ampliado e atividade na indústria que apontam que entraremos em 2021 com a economia de volta ao seu leito normal do ciclo econômico.
Estamos agora no início de um processo analítico de olhar para os estragos de longo prazo que vão aparecer nas economias nacionais, e mais importante ainda, de como supera-los para voltar a normalidade perdida com a pandemia. Neste sentido é muito bem-vindo o texto produzido por técnicos do FMI no “October 2020 Fiscal Monitor - Fiscal Policy for Unprecedented Crisis” sobre o que chamaram de “Road Map” para o futuro próximo. Nele seus autores defendem que a política anticíclica tomada pela grande maioria dos governos respondeu com eficiência aos desafios que a crise trouxe para as economias nacionais por eles analisadas. Citam entre elas as seguintes;
Medidas de saúde pública para conter a expansão da pandemia;
Benefícios extraordinários para os afetados pelo desemprego
Transferências de recursos dos Tesouros nacionais para indivíduos dos grupos de risco;
Suporte de liquidez para empresas mais atingidas pela recessão.
O trabalho menciona ainda a importância do apoio dado pelos bancos centrais das economias desenvolvidas, e em algumas poucas economias emergentes, via compra maciça de títulos públicos que criaram um espaço para juros muito baixos e para os governos aumentarem seu endividamento. Uma linguagem pouco comum para os que conhecem a história desta instituição de crédito. Em outras palavras, a política anticíclica no Brasil tem todo o apoio do FMI, aliás como mostrou também a presidente desta instituição em entrevista recente citada pelo jornalista Celso Ming em sua coluna no Estadão.
Os autores concluem suas reflexões com o que chamaram de “Um roteiro fiscal para a recuperação econômica” e do qual retirei as seguintes observações;
Para as economias em que o controle da pandemia (EUA e Europa por exemplo) ainda não chegou a seu final os governos não devem retirar muito cedo seu apoio fiscal;
Entretanto eles devem ser mais seletivos na escolha dos beneficiários de suas ações;
Mas nos países em que o desemprego ainda é muito relevante devem continuar a fortalecer as empresas mais vulneráveis em seu processo de reabertura.
O Brasil, pelos critérios dos autores deste trabalho, está à frente da grande maioria das outras economias em função da conjugação de uma ação fiscal eficiente do governo (Tesouro e Banco Central) e de governos estaduais e municipais na gestão do chamado isolamento social. Apesar de ao custo de um número de mortes ainda muito elevado, foi levado adiante o processo de normalização da atividade econômica com exceção de alguns setores do mercado de serviços.
Certamente antes da virada do ano a atividade econômica no Brasil já deve ter voltado ao nível anterior a pandemia, mas com sequelas importantes na infraestrutura econômica do país. A mais grave, e que já chegou ao dia a dia da economia, é o alto endividamento do governo criado pelo esforço fiscal brutal no combate aos efeitos da covid-19.
Neste aspecto, o Brasil talvez seja o caso mais crítico dado o tamanho do mercado interno de títulos públicos que o coloca como ponto fora da curva entre as economias emergentes. Em um primeiro instante esta característica foi fundamental para o sucesso das ações fiscais do governo, mas agora com o aumento brutal na necessidade de rolar sua dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo.
Em função dos volumes de rolagem da dívida mobiliária, os investidores estão começando a exigir juros mais elevados alegando os riscos envolvidos pela dívida de curto prazo e superior a 100% do PIB. Embora outros países desenvolvidos tenham aumentado também o seu nível de endividamento, no caso de uma economia emergente como a brasileira, as tensões que este endividamento provoca sobre o mercado é de outra natureza.
Não acredito que no curto prazo possa ocorrer uma perda de funcionalidade do mercado de títulos públicos no Brasil, mas certamente o custo de rolagem da dívida criada adicionalmente em 2020 vai aumentar pela pressão dos intermediários na sua colocação junto a investidores. Como dizem os operadores financeiros, “isto é da regra do jogo” nos mercados financeiros. Mas o governo terá que mostrar uma agenda para tratar da estabilização desta dívida com um plano de ação adicional à já longeva promessa de reformas estruturais.
E para obter credibilidade terá que envolver a criação de novos impostos, a serem cobrados dos maiores beneficiários de seu esforça fiscal, mesmo que por um finito espaço de tempo, como aumento do IR da pessoa física e estender sua cobrança no pagamento de dividendos pelas empresas.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
Sergio Lamucci: O cenário para 2021 está mais nublado
As indefinições não se limitam ao front fiscal; há também incertezas em relação à reforma tributária e na área ambiental
Os indicadores econômicos de agosto confirmaram uma retomada mais forte da economia brasileira no terceiro trimestre, com crescimento firme na indústria e no comércio e um desempenho mais modesto nos serviços. O PIB pode ter avançado 8% em relação ao segundo trimestre, de acordo com várias estimativas. Para 2020, a expectativa é de uma queda na casa de 5%, bem menos intensa que o tombo de 8% a 9% que chegou a ser projetado por algumas instituições. O auxílio emergencial teve grande peso para o melhor resultado do período de abril a junho.
As perspectivas para o fim deste ano e em especial para o ano que vem, porém, estão contaminadas por incertezas, principalmente em relação às contas públicas, elevando os juros futuros e mantendo o câmbio excessivamente desvalorizado. As indefinições, contudo, não se limitam ao front fiscal. Há incertezas quanto ao que vai ocorrer com as propostas de reforma tributária, o que também contribui para segurar investimentos, por falta de clareza sobre o sistema de impostos que vai prevalecer no país dos próximos anos. Além disso, a política ambiental do governo segue desastrosa, afastando parte do capital estrangeiro do Brasil.
Esses fatores nublam o cenário para 2021. O quadro para o mercado de trabalho não é animador e o auxílio emergencial, cujo valor já caiu à metade, deverá deixar de existir no ano que vem. Ainda que o governo coloque de pé um programa de transferência de renda amplo, os valores envolvidos e o número de beneficiários serão bem menores que os do auxílio. Para que a retomada da economia seja firme, é preciso reduzir essas incertezas, aumentando a segurança para o setor privado investir e tirando pressão dos juros futuros e do câmbio.
O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getulio Vargas (FGV) segue em nível elevado, apesar de estar em queda desde maio. Em abril, o índice atingiu o nível recorde de 210,5 pontos, devido ao choque produzido pela pandemia da covid-19. O IIE-Br tem recuado, mas a trajetória declinante perde força. Divulgada na semana passada, a prévia do indicador para outubro aponta para uma queda de 1,8 ponto no mês, para 144 pontos. Se confirmada, será a menor baixa desde maio, com o indicador permanecendo acima da máxima pré-pandemia, de 136,8 pontos, alcançado em setembro de 2015, quando a agência de classificação de risco Standard and Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento do Brasil. Um nível elevado de incerteza afeta principalmente o investimento, que necessita de um horizonte previsível para se materializar.
A grande incógnita é o que vai ocorrer com as contas públicas a partir de 2021. Para combater os efeitos da pandemia, o governo elevou os gastos e viu as receitas caírem, como resultado da recessão. O problema é que o Brasil já partiu de uma situação fiscal pouco confortável, com uma dívida bruta de 75,8% do PIB no ano passado. O endividamento bruto deve fechar 2020 na casa de 95% do PIB, enquanto o déficit primário (excluindo gastos com juros) ficará próximo a 12% do PIB.
Para financiar um programa de transferência de renda mais amplo, o presidente Jair Bolsonaro não quer promover a fusão de programas sociais como o abono salarial, o seguro-defeso e o salário família com o Bolsa Família, o que não levaria ao rompimento do teto de gastos, mas exige medidas impopulares. Nesse cenário, surgem ideias para tentar driblar o mecanismo, como usar parte do dinheiro do pagamento de precatórios para bancar o Renda Cidadã.
A economia em 2021 deverá ter como vento contrário uma redução expressiva do estímulo fiscal, depois de um déficit primário superior a dois dígitos em 2020. Uma contração muito forte dos gastos tende a produzir efeitos negativos sobre a atividade, num quadro em que o investimento e o consumo das famílias não têm perspectivas favoráveis. A questão é que os indicadores fiscais são de fato preocupantes e o governo não dá mostras de que vai enfrentar o crescimento dos gastos obrigatórios. Um ajuste mais gradual no ano que vem precisaria ser comunicado com muito cuidado, reforçando o compromisso com medidas estruturais de contenção das despesas. O governo, contudo, caminha direção oposta. Há uma disputa entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, escancarando a falta de coesão na questão fiscal.
Com o panorama para as contas públicas incerto em 2021, o câmbio se desvaloriza e os juros futuros disparam - o dólar está acima de R$ 5,60, enquanto a taxa dos contratos de DI para janeiro de 2027 fechou na sexta-feira em 7,56% ao ano, muito acima dos 2% da Selic. Hoje, os índices ao consumidor mostram uma alta forte dos preços de alimentos, mas a expectativa é que esse movimento seja temporário, não levando a pressões inflacionárias mais disseminadas. Novas rodadas de depreciação do câmbio, contudo, podem mudar esse quadro, colocando em risco a Selic na mínima histórica.
Há dúvidas ainda quanto ao avanço de uma das propostas de reforma tributária hoje em discussão. O assunto não vai deslanchar antes das eleições. Qualquer progresso, se houver, ficará para 2021. O governo ainda não apresentou a segunda parte da sua proposta, que deve incluir um imposto sobre transações financeiras para bancar uma desoneração mais ampla da folha de pagamento. Em resumo, não se sabe se alguma das iniciativas em debate vai caminhar, e qual será a natureza da reforma. Uma redução da tributação das empresas - hoje mais alta no Brasil do que em muitos outros países -, acompanhada da taxação da distribuição de dividendos, seria bem vinda, mas não parece estar no radar. Com isso, há incertezas sobre qual será o desenho do sistema tributário nos próximos anos, o que também colabora para segurar os investimentos privados, num momento de enorme ociosidade de recursos na economia.
Há ainda a política ambiental. Além do retrocesso em si, a imagem do governo Bolsonaro nessa área é péssima, o que atrapalha a ratificação do acordo comercial fechado entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e afugenta parte dos investidores estrangeiros do país. É mais obstáculo para o investimento, assim como a condução da crise sanitária pelo governo federal.
Esse conjunto de incertezas dificulta a retomada em 2021. O consenso de mercado indica por enquanto um crescimento de 3,5% no ano que vem, mas alguns analistas já projetam um resultado mais fraco, na casa de 2%, o que seria muito ruim para um país com 14 milhões de desempregados.
Míriam Leitão: Melhora pontual e o mar de incerteza
O Brasil ainda está na pior crise econômica da sua história, e a saída do dilema fiscal nem está esboçada. O temor das contas públicas pode estimular a inflação mesmo num quadro recessivo. Os bancos e as consultorias estão diminuindo a projeção de recessão este ano. Há dados surpreendendo positivamente, outros que confirmam a expectativa. Mesmo no melhor cenário, é uma recessão forte e a volta está se dando de forma desigual e incerta. O que a atenuou foi o auxílio emergencial que não é sustentável.
Ontem foram divulgados os números de atividade do setor de serviços em agosto e repete-se o mesmo quadro de dupla temperatura. Cresce 2,9% em relação julho, cai 10% em relação a agosto do ano passado. O segmento que mais subiu, serviços prestados à família, com alta de 11,4%, foi também o que mais caiu em relação a agosto do ano passado, com queda de 43,8%. Não está fácil entender o que está acontecendo na economia. A incerteza volta a aumentar com notícias como a de ontem, de Portugal entrando em novo estado de calamidade e Paris em novo toque de recolher.
O economista Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV, define o que estamos vivendo como um “novo não normal”:
— Acho que a pandemia vai ficar como está nos próximos 12 meses, até ter vacina testada, provada e aplicada em todo mundo. Vamos viver esse clima dos últimos meses no qual (a pandemia) não está explodindo, mas não vai embora. Esse novo “não normal” mostra vendas de comércio recuperando bastante pela internet, com menos gente nos shoppings. Em São Paulo, tem gente vendendo imóvel pela internet, incorporadoras fazem filme, e o comprador fecha negócio sem visitar.
O economista Vitor Vidal, da XP Investimentos, diz que nos últimos dois meses o comércio surpreendeu positivamente, a indústria, também, mas em menor intensidade. Os serviços vieram dentro do esperado, com uma recuperação mais lenta e gradual. A XP projeta recessão de 4,8% do PIB em 2020 e alta de 3% no ano que vem, mas deve divulgar hoje números um pouco melhores para os dois anos. Vidal lembra que tudo dependerá da evolução da pandemia no país e de como o governo vai resolver as disputas internas sobre o financiamento do novo programa social.
— Os serviços só vão recuperar mais fortemente quando a pandemia permitir uma reabertura maior da economia. É um setor com pequenos negócios e que emprega muito. Mas é difícil que o dono de um bar da esquina volte a contratar sem ter a certeza de que terá uma clientela firme. O que vai determinar isso vai ser a pandemia — explicou.
O cenário positivo, para Vitor Vidal, é de que em janeiro, quando o auxílio emergencial chegar ao fim, a pandemia já esteja mais controlada e permita uma recuperação mais forte desse setor. Com isso, a perda da renda das famílias seria compensada por uma recuperação mais forte dos pequenos negócios. Outra boa notícia, na visão do economista, é a construção civil, que está com saldo positivo este ano pelo Caged e pode continuar empurrando o PIB em 2021.
Analisada em partes, a economia brasileira tem algumas boas notícias, mas são ilhas num mar de incerteza. O cenário da recuperação no ano que vem só se confirma se não houver uma nova onda de aumento da contaminação e das mortes. Armando Castelar diz que a projeção do PIB deste ano oscila ainda entre uma recessão de 4,5% a 5,5%. E uma alta em torno de 2,5% em 2021.
— Sobre a inflação, eu estou mais preocupado do que estava antes. Os índices de atacado estão altos. A situação fiscal está dando medo e muita gente pode se antecipar e reajustar preços. Mesmo com recessão, a incerteza fiscal pode levar ao aumento de preços. O real está desvalorizado e perdeu muito mais este ano em relação a outras moedas emergentes. O fiscal é o grande problema. A dívida está altíssima, tirar a âncora do teto de gastos é suicídio — diz Castelar.
Mesmo no melhor cenário, o que se terá quando esta crise acabar é um país mais pobre, com grande queda do PIB per capita, e um governo muito mais endividado. O Ministério da Economia ainda não tem um plano para a saída da crise e para fortalecer as finanças públicas. Até agora, o que houve foi briga entre ministros sobre a estratégia de recuperação, algumas ideias lançadas como balão de ensaio e projetos enviados a conta-gotas ao Congresso.