recessão
Cristina Serra: Nossos representantes são como um 'clube dos cafajestes'
É como se chamava um grupo de ricaços boêmios do Rio nos anos 50
Um ano depois do primeiro caso de Covid no Brasil, vivemos o momento mais grave da pandemia. Um ano inteiro de sacrifícios, dor e morte não serviram para nada. Caso único no mundo. Estaca zero. Andamos em círculos. Falta vacina. Falta leito. Falta ar. E vai piorar.
Mas nada disso tira o sono do dinheiro grosso no Brasil, que só chiou com a intervenção militar na Petrobras. Para compensar a corda esticada, Bolsonaro oferece a Eletrobras e os Correios na bacia das almas.
No campeonato de canalhice da República, é difícil superar Paulo Guedes e a pressão pela aprovação da PEC emergencial, tentativa de assalto aos direitos sociais inscritos na Constituição.
A lógica da negociação é perversa: o governo só voltaria a pagar o auxílio emergencial em troca do fim dos gastos públicos obrigatórios com saúde e educação. A chantagem faz todo sentido para essa gente oculta sob a alcunha de "mercado": onde já se viu pobre receber auxílio e ainda ter saúde e educação gratuitas?
O investimento obrigatório em educação só foi eliminado no auge de duas ditaduras, a do Estado Novo e no regime militar de 1964. Os gastos foram sacramentados na Constituição de 1988 e, ao que parece, serão mantidos em virtude das reações à PEC. Mas os cães hidrófobos a serviço do extremismo liberal não irão descansar.
A Câmara deu mais uma contribuição ao festival de tapas na cara da sociedade ao articular a tal PEC da impunidade, digo, da imunidade de suas excelências. Confundem exercício do mandato e liberdade de expressão com licença para cometer crimes. O Judiciário não poderia ficar de fora desse "e daí ?" geral, com o benevolente acolhimento dispensado ao senador e primeiro-filho.
Nos anos 1950, um grupo de ricaços boêmios do Rio de Janeiro ficou conhecido como o "Clube dos Cafajestes". A crônica carioca de então registra que eles aprontavam em festas de arromba com muita bebida e mulheres. Cafajestes??? Que injustiça com os playboys de outrora.
Hélio Schwartsman: Na redução de acidentes, Bolsonaro e Doria vão na contramão da lógica
Autoridades têm enormes dificuldades para fazer o óbvio
Sempre brinco que o jeito mais fácil de salvar vidas é baixar um decreto reduzindo a velocidade máxima permitida para veículos. Reportagem da Folha corroborou meu chiste, mostrando que após uma década de reduções, os óbitos em acidentes caíram 44% na cidade de São Paulo. É claro que a diminuição da velocidade não foi a única medida adotada, mas é uma das variáveis-chaves, a julgar pela literatura internacional.
Outras fórmulas eficazes para evitar mortes no atacado, como o saneamento básico, demoram a apresentar resultados e envolvem custos altos, mas, no caso da velocidade, o efeito é imediato e não gera despesa. Considerando as multas, pode até ser lucrativa para o poder público.
Assim, num mundo racional, todo novo prefeito deveria baixar mais a velocidade máxima na cidade, de modo a poder dizer, na campanha para a reeleição, que salvou x vidas no trânsito. Nossa preocupação deveria ser com o risco cumulativo, que nos levaria ao imobilismo.
O que vemos no mundo real, porém, é que autoridades têm enormes dificuldades para fazer o óbvio. Em São Paulo, João Doria, que hoje proclama seguir a ciência, fez campanha à prefeitura (2016) prometendo aumentar a velocidade nas marginais.
Mais recentemente, o presidente Jair Bolsonaro mandou tirar os radares de rodovias federais e bancou um pacote de leis que promove a irresponsabilidade dos motoristas. O que está acontecendo?
Minha hipótese é que, da mesma forma que o público não resiste ao imediatismo econômico, não consegue contrapor-se ao populismo viário. O motivo é matemático. Na esmagadora maioria dos deslocamentos que as pessoas fazem acima da velocidade permitida, nada de grave acontece. É só numa pequena fração deles que ocorre um óbito ou acidente grave. Com isso, o perigo da velocidade passa ao largo de nossas consciências. O conceito de vida estatística poupada tem baixíssimo apelo emocional.
Folha de S. Paulo: Apoio evangélico em 2022 indica Bolsonaro na ponta e entraves a Doria, Huck e PT
Pastores que marcharam junto com governador de SP agora dizem que o tucano perdeu moral com as igrejas
Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo
Num grupo de WhatsApp, um pastor brinca que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu imunidade de rebanho no eleitorado evangélico. Estaria protegido, assim, contra o "vírus de esquerda" por contar com a ampla maioria de uma fatia que representa cerca de 30% dos brasileiros.
Mas não é só o campo progressista que precisa se preocupar com a fidelização ao bolsonarismo dos principais líderes evangélicos do país —estima-se que 70% do segmento tenha aderido a ele em 2018.
Muitos pastores que marcharam junto com o governador João Doria (PSDB) agora dizem que ele perdeu moral com as igrejas. E isso, apostam, sairá caro na eleição de 2022, caso ele consiga pôr de pé uma candidatura presidencial.
No dia 19 de novembro de 2020, o pastor Silas Malafaia postou uma foto: ele, o apóstolo César Augusto, da Igreja Apostólica Fonte da Vida, e Bolsonaro, "num bate-papo sobre o Brasil agora à tarde". Duas pontes entre o presidente e essa parcela religiosa, eles dizem que o tucano não é sequer cogitado no pastorado.
"Nunca vi tanto o Doria quanto o [Luciano] Huck se posicionarem a favor dos valores que defendemos. Como disse, evangélicos apoiam os valores conservadores. Bolsonaro até então é o único que os tem", afirma Augusto à Folha.
Sobre o "mocinho engomado", como Malafaia chama o governador, tem a dizer: "A ideia que a liderança tem é a de que ele é traíra. O cara que você não pode confiar, o verdadeiro escorpião. Traiu Alckmin, depois Bolsonaro".
Em 2018, Doria escanteou seu padrinho político no PSDB, o ex-governador Geraldo Alckmin, e se elegeu pregando o voto BolsoDoria. Agora, faz oposição feroz ao titular do Palácio do Planalto. Se muito, conseguirá "arrumar algum pastor aí pra enfeite" em 2022, diz Malafaia.
Augusto e ele já tiveram um lugar no coração para o governador. Em 2017, o pastor carioca disse à Folha que, embora preferisse Bolsonaro, o tucano —então prefeito paulistano— faria "um bem danado ao Brasil" e daria um "ótimo presidente", isso "se não descambar".
Já Augusto começou aquela campanha endossando Alckmin, que acabaria em quarto lugar no primeiro turno, contrariando o favoritismo inicialmente previsto.
Um ano antes do pleito, o apóstolo foi recebido pelo tucano, que à época controlava o Palácio dos Bandeirantes. Ali o instigou: Deus o convocaria a concorrer à Presidência de novo (já havia perdido em 2006, para Lula). O pastor mudou de lado perto da reta final, quando a vitória de Bolsonaro se avizinhava.
A simpatia por Doria, então aposta de Alckmin, veio por extensão. Augusto diz que nutria a esperança de que "ele abraçaria os valores que apoiamos", e que o tucano ganhou pontos por se acoplar ao bolsonarismo antes da eleição.
Fato é que, ao se mudar para o Bandeirantes, Doria diminuiu o contato com pastores. "O distanciamento, além da pandemia, também se configura pelo próprio cargo: políticas públicas são mais fáceis de serem implementadas no âmbito municipal do que estadual", diz Carolini Gonçalves, presidente do Núcleo Cristão do PSDB em São Paulo.
Coordenador de Assuntos Religiosos do grupo tucano, o pastor Luciano Luna lembra que Doria foi muito próximo, enquanto prefeito, dos evangélicos. "Ele e Bruno [Covas, seu sucessor] conseguiram muitas conquistas pras igrejas, em relação a alvarás e licenciamentos."
Os humores eleitorais sempre foram fluídos na liderança evangélica. Malafaia é um bom estudo de caso.
Em 1989, apoiou Leonel Brizola e, no segundo turno, Lula, por então vê-lo como "um cara que vem da classe baixa, do sofrimento do pobre". Depois, ladeou com FHC (PSDB), voltou a exaltar o lulismo, então defendeu os tucanos José Serra e Aécio Neves.
Debates progressistas aceleraram o divórcio entre o PT e os pastores evangélicos de maior alcance nacional —como Edir Macedo e José Wellington Bezerra da Costa.
O desgaste gerado por um projeto que combatia o bullying homofóbico nas escolas, apelidado por conservadores de kit gay, é um ponto de inflexão. Formulado por ONGs a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o material foi acompanhado pelo Ministério da Educação sob guarda de Fernando Haddad. Acabou suspenso após ser bombardeado por vozes religiosas.
Em 2018, um católico com fortes laços no pentecostalismo brasileiro conseguiu a proeza de reunir em torno dele um segmento tão pulverizado quanto o evangélico.
Jair Bolsonaro, casado com uma evangélica e batizado ele próprio, de forma simbólica, nas águas do rio Jordão pelo hoje presidiário Pastor Everaldo, permanece como predileto no que podemos chamar de nata do pastorado nacional.
Se já era de se esperar o azedume com que se referem a políticos da esquerda, outro nome malquisto é o de Luciano Huck. O apresentador, figura mais ao centro e com entrada na direita, nunca oficializou sua intenção de se candidatar, mas essa hipótese circula livremente em Brasília.
Com sogros evangélicos, Huck nunca teve uma relação azeda com o segmento. Já recebeu estrelas da música gospel em seu programa de TV e tem bom trânsito em estratos mais carentes do país, onde a participação evangélica é forte.
Com a polarização dos últimos anos, contudo, sua ligação com a Globo virou vidraça —muitos pastores reproduzem o discurso de "Globo Lixo" que Bolsonaro dissemina.
Seu posicionamento em temas morais, mais progressista, também joga contra ele. Há ainda quem resgate imagens dele com Tiazinha e Feiticeira, personagens sensuais do programa que apresentava na Band nos anos 1990.
A possibilidade de a esquerda voltar a abocanhar votos evangélicos em massa é vista com descrença, o que se estende a outros atores do campo, como Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL). Mas o fogo maior é contra o petismo.
"Com todo o respeito, em 2018 o PT pegou uma meia dúzia de gente sem nenhuma expressão no mundo evangélico", diz Malafaia. "Dá até vergonha os caras que apoiaram, não tem expressão."
Refere-se aos pastores que se alinharam a Haddad em 2018 —que pode repetir a candidatura ano que vem, caso condenações judiciais impeçam mais uma vez que Lula entre no páreo.
Coordenador no núcleo evangélico do PT, Luis Sabanay afirma que o partido perdeu votos sobretudo na população pobre, "onde a presença evangélica é significativa". A "divinização da imagem de Bolsonaro" somada a artifícios "para destruir a imagem do PT" agravaram o quadro.
Pastor presbiteriano, ele questiona se líderes como Macedo e Malafaia estão a fim de papo. "Não digo que foram aliados dos governos petistas, mas eles tinham canais de diálogos abertos. Romperam porque tinham outro projeto."
Sabanay prefere focar em fronts socioeconômicos para reconquistar esse eleitor. Defende "um maior diálogo com as classes empobrecidas nas periferias urbanas e rurais, onde os impactos do desmonte das políticas sociais e da crise sanitária [a pandemia] são devastadores".
O PT explorou bem esse ângulo em 2002, quando lançou a Carta aos Evangélicos. Nela, Lula enfatizou "projetos de promoção social" e de "resgate dos marginalizados", para depois agradecer "o amor cristão que vocês têm demonstrado por nós".
O amor acabou? Talvez não na base, pondera Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião.
"Importante lembrar que no primeiro turno de 2018, quando o Lula ainda era o candidato, liderava as intenções de voto no segmento evangélico, sempre seguido de perto por Bolsonaro. Não por acaso as lideranças evangélicas também demoraram para declarar seu apoio [a Bolsonaro]."
Dados da última eleição revelam que esse eleitorado elegeu representantes "a partir de pautas que se relacionavam com a forma pela qual as crises econômicas e de segurança pública afetavam suas vidas, não apenas por orientação religiosa", afirma.
"Ao mesmo tempo, também é uma base que vem se movendo por valores cada vez mais conservadores, não apenas morais, mas na educação e na segurança pública."
Os pastores "estarão onde estiver o poder e a chance de vitória, não importando em qual espectro", diz Evangelista. "A história mostra isso."
O Estado de S. Paulo: André Brandão coloca cargo à disposição e abre corrida política por sua vaga
Saída do presidente do Banco do Brasil, ainda não confirmada oficialmente, movimenta alguns dos principais grupos políticos em Brasília; Bolsonaro já havia ameaçado demitir o executivo após anúncio de plano de reestruturação
Adriana Fernandes, Marcelo de Moraes e Murilo Rodrigues Alves, O Estado de S.Paulo
O presidente do Banco do Brasil, André Brandão, avisou o presidente Jair Bolsonaro que colocou o cargo à disposição, o que deflagrou uma corrida política pela sua vaga. Brandão deu "carta branca" para a escolha do seu substituto, já que não houve entendimento entre ele e Bolsonaro desde quando o presidente criticou o plano de enxugamento de agências e corte de pessoal do banco. Nos bastidores, a "fritura" de Brandão continuou mesmo após Bolsonaro ter sido convencido pela equipe econômica em mantê-lo.
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Oficialmente, o banco afirmou a investidores que não houve pedido de renúncia de Brandão. Embora a saída não seja confirmada e não tenha ainda data para ocorrer, a disputa pelo posto movimenta alguns dos principais grupos políticos da Esplanada.
Integrantes da ala militar gostariam de ver no cargo o atual secretário-executivo do Ministério da Cidadania, Antônio Barreto Junior, que pode deixar o posto com a posse do novo ministro João Roma. Ele é funcionário de carreira do Banco do Brasil e também foi secretário-executivo da Casa Civil.
Na equipe econômica, a movimentação é em torno de deslocar o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, para o BB. Além de ter passado pela presidência do BNDES substituindo Joaquim Levi ainda no primeiro ano do governo, Montezano também é amigo do ministro Paulo Guedes e dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.
Dentro do banco, o nome do vice-presidente de agronegócio e governo, João Rabelo Júnior, também é bem visto internamente e tem simpatia de integrantes da bancada do agronegócio. Outro nome que está no radar é o do presidente do Banco de Brasília, Paulo Henrique Costa, que tem apoio do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e de integrantes do Centrão.
Desde a semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, e ameaçou com novas mudanças do tipo “tubarão e não bagrinho", os olhos se voltaram para André Brandão. O presidente do BB já tinha sido demitido extraoficialmente por Bolsonaro, que depois recuou da decisão. No rastro da Petrobrás, os aliados políticos do presidente aumentaram a pressão.
Segundo apurou o Estadão, uma nova movimentação em torno da saída de Brandão começou nessa sexta-feira, logo no início da manhã, depois que começaram a circular informações de que ele tinha sinalizou intenção de deixar o cargo ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O presidente do BC é amigo de Brandão e padrinho da indicação do seu nome para a presidência do BB.
Assessores de André Brandão no BB contam que a gestão dele banco ficou fragilizada desde o episódio com o presidente Bolsonaro por conta da política de fechamento das agências, que recebeu críticas de políticos bolsonaristas.
Fontes ouvidas pelo Estadão informaram que Brandão quer evitar um desgaste público como o ocorrido com o presidente da Petrobrás. Antes da gestão de Rubens Novaes, que antecedeu Brandão, o BB tinha duas vice-presidências das nove ocupadas por políticos. Novaes cortou esses cargos e alimentou a pressão contra o BB da ala política.
Além de Castello Branco, Bolsonaro já mandou demitir dois auxiliares de Guedes que bateram de frente com ele. No primerio ano de mandato, o presidente decidiu demitir o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, porque considerou que a discussão sobre a criação de um imposto nos moldes da CPMF se tornou "pública demais". Embora tivesse apoio da equipe econômica, o assunto gerou polêmica e não agradou os seus apoiadores.
Bolsonaro também influenciou na mudança de comando de outro banco público ainda em 2019. Ele disse que o então presidente do BNDES, Joaquim Levy, estava com "a cabeça a prêmio" durante conversa com jornalistas. No dia seguinte, Levy pediu demissão do cargo.
Fora da economia, os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich deixaram o cargo em razão de divergências com o presidente na estratégia para enfrentar a pandemia.
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O Globo: Ex-ministros da Saúde recomendam lockdown para evitar colapso do país
Serra, Temporão, Padilha e Mandetta reivindicam agilidade na campanha transparente de conscientização e agilidade na aplicação de vacinas
Ana Beatriz Moda*, Constança Tatsch, Raphaela Ramos e Renato Andrade, O Globo
RIO — José Serra (1998-2002), José Gomes Temporão (2007-2011), Alexandre Padilha (2011-2014) e Luiz Henrique Mandetta (2019-2020) comandaram o Ministério da Saúde e, à frente do cargo, conheceram os principais desafios do SUS e os esforços para criar campanhas de alcance nacional, como a vacinação. Agora, porém, veem o país caminhar a passos largos para um colapso diante da disseminação do coronavírus, que já provocou mais de 250 mil mortes desde sua chegada ao Brasil, em março do ano passado.
Serra, Temporão, Padilha e Mandetta, ministros de quatro governos distintos, defendem medidas em comum, como a necessidade de divulgar medidas de distanciamento social e fechar estabelecimentos comerciais, ao menos nas próximas semanas, para evitar um aumento descontrolado no número de internações e óbitos. Da mesma forma, condenam o presidente Jair Bolsonaro, que ainda menospreza os efeitos da pandemia e parece mais preocupado em alardear factoides, e o atual ocupante do ministério, Eduardo Pazuello, por não contestar os desmandos do Palácio do Planalto e falhar na logística da campanha da vacinação.
O agravamento da pandemia está levando os sistemas hospitalares de diversos estados ao colapso, assim como o SUS. O que é preciso fazer para evitar a paralisação da saúde no país?
José Serra: O Ministério da Saúde deveria estar muito mais ativo, com campanhas de conscientização, alertando a população 24 horas por dia a respeito do momento crítico e de altíssimo risco para todos. Os brasileiros sempre responderam ao chamado do Estado com responsabilidade, como na época do apagão ou da crise hídrica. Mas o Ministério parece distante e perdido. Por isso mesmo não vejo outro caminho diferente de um lockdown total de 14 dias, ao menos, para que se avalie, a partir daí, os resultados.
José Gomes Temporão: As pessoas não estão se protegendo, o distanciamento caiu drasticamente, novas cepas surgiram, as pessoas não usam máscara e se aglomeram, autoridades se omitem. A capacidade de atendimento é limitada, e se o profissional não é experiente a taxa de letalidade aumenta. Então tem que ir na raiz do problema, a circulação do vírus. Como resolve? Fechando tudo, por três semanas. Restringir horários não adianta. Todas as medidas têm que ser cumpridas: lockdown, máscara, higiene das mãos e vacinação, ampliar drasticamente o ritmo.
Alexandre Padilha: O mais importante é acelerar a vacinação, não faz sentido o Brasil estar com esse número de mortes e o sistema de saúde privado e público colapsado e o governo federal não estar acelerando as vacinas. Em segundo lugar, o ministério precisa coordenar as restrições, adaptando às realidades regionais. Não dá para adotar uma decisão única de fechamento num país heterogêneo assim. Mas, em algumas regiões, ou se faz lockdown ou será insustentável o colapso do sistema de saúde em duas semanas. E as decisões têm que ser regionais. PUBLICIDADE
Luiz Henrique Mandetta: Primeiro é preciso colocar o SUS no centro da solução, ter liderança em saúde, senão vai continuar essa terra de ninguém. O segundo passo é estabelecer a velocidade de contaminação da nova cepa e simular para ver se as capitais aguentam. Se não aguentar, tem que criar mais leito, mais equipe, mais oxigênio. E vai ter que ter mais afastamento. Em alguns lugares vai ter que botar lockdown absoluto mesmo.
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O ministro Pazuello (Saúde) reconheceu a piora da situação. Não caberia ao ministério organizar uma campanha nacional de conscientização, para que os cidadãos evitem circular e, com isso, reduzir as chances de contraírem a Covid?
Serra: Se ele fosse um ministro com autonomia e tivesse liberdade para tomar as decisões necessárias e urgentes, sim. Até o momento, infelizmente, ele tem seguido o roteiro do presidente, que, já sabemos, não é o aceitável para o combate à pandemia.
Temporão: Tudo teria que vir acompanhado de uma campanha de comunicação, porque as pessoas estão perdidas. A conduta do presidente é permanente, ele tem um projeto, não se trata de omissão, ele está executando um enfrentamento da doença que levou a 250 mil mortes, e o ministro participa por omissão. As próximas semanas serão terríveis. Vai ter que vacinar todo mundo, chegar a 80% da população brasileira. São necessárias 352 milhões de doses de vacina. O cenário é o pior possível, não vamos dispor disso em prazo curto.
Padilha: Tem que constituir um gabinete de crise com técnicos para estabelecer um conjunto de ações, como destravar o problema da testagem e fazer uma campanha de comunicação. É preciso envolver as equipes de saúde da família, que têm sido desprezadas pelo governo.
Mandetta: Tinha que fazer uma campanha transparente: temos uma ameaça nova, não aglomere, use máscara, o sistema de saúde não aguenta. Tinha que ter uma fala do presidente, do ministro. Propaganda nacional, com mea culpa.
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Especialistas defendem que os governos estaduais criem uma comissão para encontrar soluções para o problema. É um caminho viável?
Serra: É viável e ajudaria. Mas de nada adiantará se continuarmos tentando equilibrar saúde e economia. É prioridade absoluta para a saúde.
Padilha: Defendo um comitê nacional de crise, que pode ser convocado pelo Congresso, com secretarias municipais, estaduais, o governo federal. É preciso ter uniformidade nas decisões, mas reconhecidas as diferenças regionais. É necessária participação do Judiciário, porque vão chegar ações contra o lockdown. Tem que haver mobilização nacional pela vida.
Temporão: Politicamente é pouco provável que a ideia prospere. O que realmente funcionaria seria o afastamento do presidente e a instituição de um governo de salvação nacional.
Mandetta: Para se defender da morte pode surgir um comando informal paralelo, mas que não vai ter os instrumentos que o governo legítimo tem. É perigoso ter um duplo comando nacional, e seria extremamente complexo. No final de tudo isso tem o povo, que se pergunta: escuto quem? Teremos 60, 90 dias extremamente duros, uma megaepidemia de Norte a Sul.
Existe alternativa de curto prazo para acelerar a vacinação?
Serra: Sim. Precisaríamos de mudança radical na posição do governo federal, que deve buscar comprar vacinas sem criar entraves burocráticos! Só a vacina nos tirará desse caos. Já são mais de 250 mil brasileiros mortos. O governo não pode continuar indiferente.
Padilha: Há três alternativas: aquisição imediata de vacinas da Pfizer e Janssen; autorização emergencial para incorporação da Sputnik 5; e fazer uma solicitação emergencial para ampliar sua cota de vacinas da Covax junto à OMS, passando de 10% a 30% da população.
Temporão: A Anvisa tem que ser respeitada, mas a decisão do Supremo de que governos e municípios possam adquirir vacinas, se for feita de forma articulada, poderia funcionar.
Mandetta: Estamos vacinando aos soluços porque a estratégia foi errada. Só em agosto vamos ter boa quantidade de vacina. Até lá, é liderar, explicar, dar segurança. Temos 340 mil agentes de saúde, tem que trazer esse povo pro seu lado. Tem que verificar geladeira, capacitar pessoal, trazer quem tem visibilidade nacional, abrir igrejas para vacinar, todo mundo tem que participar. O vírus está de Ferrari, e nós de carroça. Em junho teremos um Fusca.
*Estagiária, sob supervisão de Eduardo Graça
Sérgio C. Buarque: A milícia do presidente
O presidente Jair Bolsonaro parece inspirar-se no seu grande desafeto ideológico, o populista autoritário presidente Nicolás Maduro (que sucedeu o falecido coronel Hugo Chavez) na missão muito bem sucedida de destruição da Venezuela. Os dois decretos assinados por Bolsonaro, facilitando a posse de armas de fogo pela população, é um instrumento a mais de formação de grupos armados, que pode levar à escalada de violência e intimidação na política brasileira.
A simplificação do acesso a volumes mais amplos de armas, fora do controle das Forças Armadas, facilita o armamentismo dos grupos criminosos que atuam e controlam amplas áreas das cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro (narcotraficantes e milicianos), e permite a formação das milícias bolsonaristas com os fanáticos seguidores do presidente. Esta é a intenção de Bolsonaro. “Eu quero todo mundo armado!”, disse ele mais de uma vez. Quando diz isso, Bolsonaro sabe quem vai comprar armas e organizar pequenos arsenais: os caçadores e atiradores (autorizados a comprar até 60 armas sem necessidade de autorização do Exército), numa fachada para todo tipo de criminoso e fanatismo político.
O governo autoritário da Venezuela, segundo declaração recente de Maduro, já conta com “3,3 milhões de milicianos organizados, treinados, armados e dispostos a defender a união da Venezuela”. O dado é exagerado, segundo especialistas, mas esta Milicia Nacional Bolivariana supera em muito os 123 mil homens do contingente das Forças Armadas. Este é o povo armado dos sonhos de Bolsonaro, milicianos bolsonaristas, para copiar, no Brasil, o modelo bolivariano de intimidação e violência política contra os adversários, que mantém o governo no poder, apesar da devastadora crise econômica, social e política.
Mas o presidente brasileiro diz que pretende armar o povo brasileiro porque não quer uma ditadura. Logo ele, que não cansa de defender e louvar a ditadura militar brasileira, e que afirmou, lá atrás (1999), que o Brasil só iria mudar “quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil!”
Raul Jungmann tem razão quando adverte, em carta aberta aos ministros do STF-Supremo Tribunal Federal, que os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas estimulam uma guerra civil no país. “Ao longo da história, diz ele, o armamento da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo italiano e do nazismo alemão”.
O povo armado nunca serviu à democracia. Muito pelo contrário, empurra a política para o terreno pantanoso da violência, substitui os argumentos e a negociação política pela disputa armada, quebra o monopólio da força pelo Estado, e permite a formação de milícias e exércitos partidarizados. Tem sido assim na Venezuela de Chavez e Maduro. Pode vir a ser assim também no Brasil, se Bolsonaro continuar com seu projeto de armar o “seu” povo para o enfrentamento político que se avizinha com as eleições de 2022, lembrando que, seguindo o exemplo de Donald Trump, ele já antecipou que podem vir a ser fraudadas, se ele não for reeleito.
O mais absurdo e chocante desta iniciativa armamentista de Bolsonaro é o seu lançamento num momento em que morrem cerca de mil brasileiros por dia por Covid-19, em grande parte por conta de sua irresponsabilidade na condução (ou ausência de condução) da política sanitária do Brasil. Já são mais de 250 mil mortos, que se somam às 60 mil vítimas anuais de homicídios, quase sempre por arma de fogo. O presidente Jair Bolsonaro é o senhor das armas, e parece ter um desprezo especial pela vida dos brasileiros.
*Economista com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.
Marco Aurélio Nogueira: A hora mais amarga
É quando despontam as grandes lideranças, os estadistas, os talentos emergentes
Não há por que esconder que o ano de 2021 seguirá em marcha de desastre e tragédia.
Já seria complicado se tivéssemos um bom governo e um estoque generoso de vacinas. Seria um alívio, uma injeção de ânimo. Mas o Programa Nacional de Imunizações e o SUS estão soterrados por falhas e incúria, funcionam a duras penas, sem coordenação do Ministério da Saúde e tendo muitas vezes de se contrapor a ele. O “apagão” de vacinas é parte disso.
Não temos vacinas porque os responsáveis pela aquisição simplesmente viraram as costas para a pandemia, trataram-na como coisa sem importância e não se preocuparam em agir quando os imunizantes se tornaram disponíveis. Por essa desfaçatez criminosa e pelos exemplos e atitudes que adotou desde março de 2020, o governo impulsionou a disseminação do vírus e a contaminação serial. Convidou parte da população a não seguir protocolos sanitários básicos. Continua a fazer isso, em que pesem os discursos oficiais que, agora, no auge do desespero, soam em tom apaziguador. Chegamos a 250 mil mortos e tudo indica que o número continuará crescendo.
Há um cortejo de sócios dessa tragédia. Não perdemos o controle da pandemia só porque o governo não soube e não quis agir. Houve a colaboração de médicos que endossaram (ou não condenaram) a prescrição de tratamentos ineficazes. Os militares coonestaram tudo, desonrando a farda que envergam. A ignorância geral, a desvalorização da ciência e de seus instrumentos de pesquisa, a má consciência cívica de parcela da população, a falta de condições sociais para o distanciamento formaram um circuito que foi sufocando o País.
O governo federal barbarizou, mostrou-se mais interessado em “defender a economia” e fazer campanha do que em preservar vidas. Manipulou o auxílio emergencial. Hospitais lotaram e entraram em colapso sem que a irresponsabilidade retrocedesse. As deficiências do sistema de saúde ficaram expostas. O respeito à ciência foi substituído pela agitação ideológica. Não se compreendeu que o vírus veio para ficar, que teremos de reforçar nossas defesas daqui para a frente, mudar atitudes, prioridades e valores.
Hoje, na hora mais amarga, é como se o País tivesse entregado os pontos. O governo anda de costas, seguindo a mesma rota cínica, fomentando confusão, jogando uns contra os outros. Anseia-se pela volta da “vida normal” sem que se tenha monitorado o vírus. O caos se instalou, não há liderança, não há uma política. Nenhum tema é mais importante do que este: como fazer para que a desgraça não se apodere do País, o medo, a angústia e a insegurança não corroam a sensatez e a esperança?
Há indícios de que se está a esboçar um novo “pacto” entre os Poderes: em nome da representação democrática, da legalidade e do “enquadramento” da Lava Jato, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) se disporiam a conter a Presidência e a fazer o que ela não faz, abrindo caminho para a adoção de medidas sanitárias emergenciais e que iniciem a reativação da economia, por exemplo. O presidente manteria suas bizarrices e seu teatro nas redes. Continuaria com a caneta na mão, nomeando e demitindo segundo critérios obscuros. Protegeria a família e ficaria livre para se entregar à reeleição. Permaneceria burilando sua mente paranoica, afrontando a Constituição e atiçando sua turma.
Mas nada está dado. Com a “PEC da impunidade” a Câmara quer blindar os parlamentares, o que atrita o STF. Este, por sua vez, está em pleno realinhamento de suas vertentes. E o presidente, bem, o presidente é Bolsonaro...
Os ataques do deputado Daniel Silveira ao STF repuseram em cena a sombra do autoritarismo regressista. A Câmara agiu com rapidez, receosa de sua própria desmoralização. Mostrou que o governo pode muito, mas não pode tudo. Como observou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Casa, o bolsonarismo extremo precisa ser contido porque atrapalha o funcionamento regular dos Poderes constituídos e impede que haja governo no País. Se a Câmara seguirá essa pauta é uma incógnita.
Numa democracia, não há cooperação sem conflito e competição. É de crer que os principais partidos democráticos desejem colaborar para resguardar a democracia e forçar o governo a governar. Mas não é por isso que deixarão de brigar pelas próprias causas e ideias. Ganham quando cooperam entre si e também ganham quando demarcam suas diferenças. Para eles, há mais coisas em jogo do que a formação de uma “frente” contra o governo.
Pontes que facilitem a adoção de uma “competitividade cooperativa” passam pela formulação de programas com consensos mínimos consistentes, que dialoguem com o desastre em que estamos. Passam, também, por uma “fulanização” bem compreendida: em torno de quem, afinal, o programa acordado poderá ganhar materialização?
É na hora mais amarga que despontam as grandes lideranças, os estadistas, os talentos emergentes. É nela que as zonas de conforto são substituídas pela entrega à comunidade política, com suas causas e suas exigências.
Que assim seja.
*Professor titular de teoria política da Unesp
Fábio Alves: Perdendo o bonde
Brasil está perdendo o bonde do crescimento acelerado da economia global
É cada vez maior o número de fundos de investimentos nacionais que está alocando uma parcela grande de suas carteiras em ativos no exterior, diante da percepção de que o Brasil está perdendo o bonde da elevada liquidez internacional, dos estímulos fiscais em países desenvolvidos e do maior otimismo com o crescimento acelerado da economia global em 2021.
Por enquanto, se esses gestores nacionais ainda não migraram em massa para posições apostando na derrocada de ativos domésticos, muitos deles reduziram significativamente a tomada de risco no Brasil, deixando de aproveitar uma possível alta da Bolsa brasileira ou valorização do câmbio. Ou seja, os ativos brasileiros estão ficando para trás e podem não aproveitar o vento a favor dos mercados globais.
Na semana passada, por exemplo, o Ibovespa caiu 2,47%, acumulando uma perda de 6,25% em apenas duas semanas. Enquanto isso, os índices das principais Bolsas americanas renovaram recordes históricos de alta no período, com o S&P 500 subindo 1,94% na semana e o Nasdaq saltando 4,19%. Já o dólar valorizou-se 3,30% na semana passada, elevando os ganhos a quase 6% em apenas 22 dias de janeiro e deixando o real brasileiro como a moeda com pior desempenho entre as emergentes.
O temor que vem se alastrando nas últimas semanas entre os gestores nacionais é o de que a retomada da economia brasileira poderá se frustrar neste ano em meio ao descontrole da pandemia do coronavírus no País, ao atraso no programa de vacinação, à maior pressão política no Congresso para a renovação do auxílio emergencial e, por tabela, à ameaça ao teto de gasto, a única âncora fiscal a sustentar a confiança dos investidores.
O consenso das estimativas aponta para um crescimento do PIB brasileiro de 3,49% neste ano, segundo a Pesquisa Focus, do Banco Central. Mas o banco BNP Paribas, por exemplo, reduziu recentemente sua projeção para o PIB de 2021 de 3,0% para 2,5%. Enquanto isso, o banco Goldman Sachs elevou sua previsão de expansão do PIB dos EUA para 6,6% neste ano. E o Barclays projeta um crescimento de 5,7% da economia mundial.
“Estamos mais reticentes com os ativos brasileiros por achar que a relação risco retorno está pior do que a dos ativos lá fora, pois ainda que vejamos, por exemplo, maior potencial de alta na Bolsa brasileira do que as de países desenvolvidos, o risco aqui é de piora enquanto lá fora esse risco é menor”, diz Fabiano Godoi, sócio fundador e diretor de investimentos da Kairós Capital, fundo que passou a aplicar em ativos no exterior nada menos do que 95% dos R$ 520 milhões sob gestão.
Para ele, a ameaça iminente é de uma crise fiscal. “Nas últimas semanas, tudo o que a gente escuta dos políticos, seja no Executivo, seja no Congresso, é que é preciso voltar com o auxílio emergencial, o que indica uma direção de piora fiscal”, diz.
No curtíssimo prazo, o foco dos investidores estará na aprovação do Orçamento de 2021. Se o Congresso aprovar um Orçamento que respeite o teto de gastos, sem incluir jeitinhos para gastos extras fora do teto, a sinalização será positiva para o mercado de que o País não caminha para um precipício fiscal.
Mas a eleição para a presidência da Câmara e do Senado, no dia 1 de fevereiro, vem turvando essa perspectiva, uma vez que os principais candidatos para o comando das duas Casas vêm fazendo declarações em apoio à prorrogação do auxílio emergencial.
“Independentemente do mérito, fazer mais gastos fiscais sem ter aprovado reformas como a PEC Emergencial ou a administrativa é um risco muito importante no médio prazo e o que está causando essa divergência entre o desempenho dos ativos brasileiros e de outros países”, diz Godoi. Ele espera que o Orçamento de 2021 possa ser aprovado até o fim de março, mas que apenas a PEC Emergencial, entre as reformas que têm impacto fiscal imediato, possa sair até o fim do ano.
“Não quero estar vendido em Brasil, pois os preços dos ativos domésticos estão convidativos – o real é uma das moedas mais baratas do mundo –, mas só não quero estar em Brasil neste momento, pois o equilíbrio é instável: ou o mercado vai melhorar muito ou a piora será rápida”, afirma Godoi.
Correio Braziliense: Lira crê em vitória no primeiro turno; Maia aposta em virada final
Aliados do candidato apoiador por Bolsonaro estimam que conseguirão aproximadamente 300 votos. Para isso, contam com diversas traições entre os partidos que apoiam Baleia Rossi
Jorge Vasconcellos e Wesley Oliveira, Correio Braziliense
Faltando menos de uma semana para a eleição da Mesa Diretora do Legislativo, aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidência da Câmara, apostam na vitória no primeiro turno. A eleição ocorre em 1º de fevereiro e, para vencer, o postulante precisa reunir no mínimo 257 votos entre os 513 parlamentares.
O grupo do candidato do Progressistas e líder do Centrão estima ter 300 votos no primeiro turno. O bloco de Lira é composto por 11 partidos, que, juntos, somam 230 deputados. Seus aliados apostam nas “traições” contra Baleia Rossi (MDB-SP), principal adversário na disputa.
A maioria dessas dissidências, segundo apoiadores do deputado alagoano, deverá ocorrer na bancada do Democratas, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), padrinho da campanha de Rossi. Dos 29 deputados do DEM, cerca de 18 já teriam sinalizado apoio a Lira. Entre eles, os deputados Elmar Nascimento (BA) e Luís Miranda (DF).
O presidente do DEM, ACM Neto, e a bancada de cinco deputados da sigla na Bahia estiveram, ontem, reunidos com Lira. Os parlamentares baianos sinalizaram que pretendem apoiar o nome do Centrão, o que foi visto como um atrito entre o ex-prefeito de Salvador e Maia dentro da cúpula do partido.
Apesar disso, o presidente da Câmara minimizou o encontro e, mais uma vez, reforçou que Lira é o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. “Esse jogo que a candidatura patrocinada pelo presidente da República faz, é um jogo que nunca vi aqui na Câmara, de trabalhar para criar conflito interno dentro dos partidos. Todo mundo, aqui, tem maturidade. O DEM estará no bloco (de Baleia), é isso que o ex-deputado e ex-prefeito ACM Neto vai informar ao deputado Arthur Lira. Falei com ele mais cedo, que o partido vai formar parte do bloco do deputado Baleia”, disse Maia.
Aliados do emedebista e do presidente da Câmara no DEM afirmam que as dissidências na bancada devem chegar a oito, incluindo os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura), que pedirão exoneração dos cargos para a votação. Ambos são deputados licenciados de seus mandatos.
Além do DEM, o PSDB é outro partido que está no bloco de Baleia, mas que poderá render uma boa quantidade de votos para o candidato do PP. O partido soma 33 votos, mas Lira deverá receber a chancela de 15 parlamentares tucanos. Além disso, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) lançou seu nome na disputa de forma independente.
Tebet expõe compromisso para gestão do Senado
Os candidatos à Presidência do Senado Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) aprofundaram as articulações para atrair apoios. Ela protocolou, ontem, uma carta-compromisso dirigida aos colegas em que prega a união de forças no apoio ao plano nacional de vacinação contra a covid-19 e defende a aprovação de reformas importantes para o país enfrentar a crise. A parlamentar também se comprometeu a “assegurar a soberania do plenário, com a participação democrática de cada uma das senadoras e dos senadores” e “democratizar a deliberação das pautas, com implantação efetiva e representativa do Colégio de Líderes”. Até o momento, Pacheco, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, é apontado como favorito na disputa, contando com o apoio de nove partidos (DEM, PSD, PP, PL, PT, PDT, Republicanos, Pros e PSC), que reúnem 41 parlamentares. Tebet, por sua vez, conta com apoios do MDB, Podemos, Cidadania e PSB, que somam 28 senadores.
Enquanto os aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL) estão otimistas com a vitória no primeiro turno, o grupo de Baleia Rossi (MDB-SP) acredita na vitória no segundo turno. O bloco do emedebista conta com 11 partidos, que somam 238 votos, mas estima-se que ele deverá receber cerca de 220 votos.
Mesmo sem o número mínimo para vencer a disputa, a pulverização de candidatos –– nove nomes estão na disputa até o momento –– deverá fragmentar as escolhas no primeiro turno, fazendo com que Lira não alcance os 257 votos necessários. Com isso, os aliados afirmam que será possível virar contra o deputado do PP. O PSol, que lançou Luiza Erundina (SP) na disputa, se juntaria às demais legendas da oposição na campanha por Baleia.
Segundo aliados de Rossi, muitos deputados que estão no bloco partidário de Lira pretendem votar em Baleia, no entanto, não pretendem declarar voto por medo de represálias por parte do governo. Durante a campanha, a articulação do Palácio Planalto sinalizou liberação de emendas e distribuição de cargos para os parlamentares que embarcassem na candidatura de Lira.
“Nossas projeções caminham para um segundo turno, no qual Baleia termina o primeiro turno em primeiro lugar. Acho que, hoje, pelas nossas projeções, Baleia já passou a ser favorito”, estimou Rodrigo Maia. Ele projeta que seu candidato tem, atualmente, 230 votos e disse que Lira teria menos de 200, perdendo espaço para o candidato avulso Fábio Ramalho (MDB-MG).
O presidente da Câmara voltou a criticar a decisão dos aliados de líder do Centrão de fazer a eleição de forma presencial. Ele disse que deputados de grupo de risco da covid-19 estão preocupados, mas que não há mais tempo para preparar o pleito para um sistema híbrido.
“Alguns deputados que estão no grupo de risco me mandaram mensagem, questionando, preocupados. Qualquer servidor ou deputado que esteja no grupo de risco, e venha a ser contaminado saindo da sua cidade para cá, e tenha algo mais grave, quero deixar claro que essa responsabilidade não é minha e não será minha porque votei contra”, salientou.
Maia também criticou a decisão de fazer a eleição para a Presidência da Câmara em 1º de fevereiro –– defendia que fosse dia 2. Para ele, isso fará com que a votação ocorra por volta das 21h30, já que os blocos partidários devem ser registrados no mesmo dia.
O Estado de S. Paulo: Líderes religiosos reforçam pressão por impeachment de Bolsonaro
Representantes católicos e evangélicos decidem formalizar na Câmara um pedido de afastamento do presidente, por negligência na condução da pandemia de covid-19
Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Líderes evangélicos e católicos vão aumentar a pressão pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Em um movimento que será apresentado como uma “frente de fé”, um grupo de religiosos formalizará nesta terça-feira, 26, na Câmara dos Deputados, um pedido de afastamento de Bolsonaro, sob o argumento de que ele agiu com negligência na condução da pandemia de covid-19, agravando a crise. É a primeira vez que representantes desse segmento encaminham uma denúncia contra o presidente por crime de responsabilidade.
O pedido de impeachment é assinado por religiosos críticos ao governo. Na lista estão padres católicos, anglicanos, luteranos, metodistas e também pastores. Embora sem o apoio formal das igrejas, o grupo tem o respaldo de organizações como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a Aliança de Batistas do Brasil.
“Uma parcela da igreja deu um apoio acrítico e incondicional ao Bolsonaro independentemente do discurso que ele defendia. Queremos mostrar que a fé cristã precisa ser resgatada e que a igreja não é um bloco monolítico”, disse ao Estadão/Broadcast o teólogo Tiago Santos, um dos autores do pedido de impeachment.
As falhas do governo durante a crise do coronavírus, na esteira de idas e vindas sobre a importação de vacinas da China e da Índia, elevaram a temperatura política. Partidos de esquerda como PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB, além da Rede, também vão protocolar na Câmara, nesta quarta-feira, 27, um outro pedido de afastamento de Bolsonaro, desta vez com o mote “Pelo impeachment, pela vacina e pela renda emergencial”. As siglas adiaram a formalização da denúncia, antes prevista para esta terça-feira, justamente a pedido dos religiosos, que temiam confusão entre os dois movimentos.
“A palavra é ‘emergencial’. O que é emergencial? Não é duradouro, vitalício. Não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento está no limite”, afirmou Bolsonaro, nesta segunda-feira, 25, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada.
Em uma aliança que juntou partidos de esquerda à centro-direita, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também tomou a frente de um movimento que pode ser a prévia da nova articulação para tentar derrotar Bolsonaro em 2022, quando ele pretende disputar a reeleição.
A decisão de dar ou não o pontapé inicial no impeachment cabe ao presidente da Câmara, que também pode engavetar os pedidos – desde o início do mandato de Bolsonaro foram protocoladas 61 ações desse tipo contra ele, das quais 56 estão ativas.
O Palácio do Planalto faz campanha para emplacar o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, na cadeira de Maia, com a expectativa de que, nesse cenário, uma denúncia contra ele não avançará no Congresso. Adversário de Lira, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo presidente da Câmara, promete analisar “com equilíbrio” os pedidos de afastamento de Bolsonaro se vencer a disputa. A eleição que vai renovar as cúpulas da Câmara e do Senado está marcada para 1º de fevereiro.
No pedido que será formalizado nesta terça, os líderes religiosos acusam o presidente de agravar a crise do coronavírus e, consequentemente, o número de mortes. Para eles, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e desrespeitou princípios constitucionais e o direito à vida e à saúde. Mais de 200 mil pessoas já morreram em decorrência de covid-19.
Declarações de Bolsonaro durante a pandemia, como chamar o novo coronavírus de “gripezinha”, são citadas no pedido de impeachment a ser apresentado pelos religiosos. “As ações e omissões de Jair Bolsonaro, que seguem em repetição e agravamento, levaram e seguem levando a população brasileira à morte e geraram danos irreparáveis. Isso é crime de responsabilidade. Crime contra os direitos e os princípios constitucionais mais primários: à vida e à saúde”, diz a peça.
O bispo primaz da Igreja Anglicana do Brasil, Naudal Alves Gomes, a presidente da Aliança de Batistas do Brasil, Nívia Souza Dias, e os teólogos Lusmarina Campos Garcia, Leonardo Boff e Frei Betto também estão entre os signatários da ação.
A posição desses líderes vai na contramão de pastores evangélicos que defenderam a eleição de Bolsonaro, em 2018, e integram a base de apoio ao governo. Entre os defensores do chefe do Planalto estão Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, José Wellington Bezerra da Costa, da Assembleia de Deus Belém, Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Durante a crise, Bolsonaro chegou a ser cobrado por esses aliados para reagir a decretos de prefeitos e governadores que determinaram o fechamento de igrejas, em função do isolamento social necessário para evitar a covid-19.
Pastores pediram ao presidente que investisse na vacinação em massa para que o País voltasse às atividades econômicas. Sem cultos nos templos, que estão fechados, a arrecadação também cai para essas igrejas.
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Alon Feuerwerker: Lacrou
Agora, quando a pandemia dá sinais de pretender durar mais tempo que o inicialmente projetado, e quando os efeitos globais mais abrangentes da vacinação estão previstos apenas para o final deste ano, governos e sociedades veem-se às voltas com a pergunta clássica: o que fazer?
No cenário utópico, a vida social seria congelada até atingir-se a taxa de imunes que inviabilizaria a circulação viral. Porém, dado ser uma impossibilidade prática, governantes são empurrados a fazer algo, qualquer coisa, mesmo que apenas para dizer que estão fazendo.
Por enquanto, quem lidera a corrida dos factoides é o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, que enfrenta em março (mais) uma dura eleição. Na era da lacração, ele literalmente decidiu lacrar o país por uma semana. Ninguém entra. Para evitar a chegada de novas variantes do SARS-CoV-2, diz (leia).
Como não há estudo científico que preveja o desaparecimento delas daqui a algumas semanas, depreende-se que o movimento de Bibi (apelido dele) é para dar uma freada que lhe permita chegar no dia da urna com números não tão ruins.
Israel é líder mundial em vacinação, mas o resultado não é imediato. Nem seria sensato esperar uma solução instantânea. E Israel acaba de passar o Brasil na taxa de novas mortes proporcionalmente à população.
Depois de ultrapassada a eleição, aí será menos custoso dar a real ao eleitor, como aliás fez estes dias Joe Biden. Na campanha, ele dissera "ter um plano" (sempre lembro do filme "Parasita" quando alguém diz ter um plano). Agora informa que nada pode mudar a trajetória da pandemia nos EUA nos próximos meses (leia).
E isso porque lá se está vacinando em massa. Como aliás deve mesmo ser feito. Mas sem enganar o povo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Luiz Carlos Mendonça de Barros: A covid 19 contra-ataca
No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres
Confesso ao leitor do Valor que meu otimismo estrutural com a ação do ser humano diante de uma crise grave que atinge, de tempos em tempos, nossa sociedade está sendo fortemente questionado neste início de 2021. Esperava eu que com o início da vacinação em grande número de países, a crise da saúde - e sua derivada econômica - poderiam continuar a ser enfrentadas com as armas hoje à disposição de governos e sociedade. Com a redução das medidas de afastamento social testadas ao longo de vários meses e as medidas de natureza keynesianas implantadas na maioria das economias de mercado, a profunda recessão que se seguiu foi controlada e, nos últimos meses de 2020, iniciamos a volta de um ciclo econômico de normalidade.
Os dados econômicos conhecidos até o mês de novembro mostram uma recuperação em V com o braço ascendente da curva da atividade econômica na maioria dos países chegando quase ao mesmo nível de março passado, quando a crise chegou aos mercados mais importantes do mundo. Apenas os indicadores das atividades do setor de serviço - principalmente as de refeições fora do domicílio e mobilidade aérea - tiveram uma recuperação mais lenta e terminaram 2020 bem abaixo de antes do início da crise.
Meu otimismo com 2020/2021 vinha exatamente da abrangência das medidas econômicas implantadas pelos governos nacionais e da certeza que as reações dos agentes econômicos diante de tantos estímulos fiscais que chegaram a mais de 10% do PIB e uma postura altamente expansionista dos Bancos Centrais seria a de acelerar seus negócios.
Me ajudou muito, na compreensão do que iria acontecer, o acompanhamento da crise vivida pelos Estados Unidos em 2008 e que, posteriormente, se transformou em uma depressão mundial que durou quase dez anos. A recessão da covid-19, pelas suas características particulares, me parecia ser ainda mais fácil de ser superada pelas ações de política fiscal e monetária tomadas rapidamente pelas autoridades econômicas. Em 2008, pelas circunstância das eleições americanas e de um novo governo democrata, apenas em 2010 é que as primeiras medidas para enfrentamento da recessão foram implantadas. Além disto, em 2008 tivemos uma crise bancária de grandes proporções nos Estados Unidos o que sempre torna muito mais difícil a volta da confiança aos mercados e a recuperação da atividade econômica.
Este modelo de recuperação da recessão econômica que tracei em função da teoria econômica disponível e do acompanhamento por vários anos dos acontecimentos vividos entre 2008 e 2020 tinha, entretanto, uma falha grave. Não incorporava os riscos associados a uma pandemia como vivíamos, por falta de conhecimento meu e da grande maioria dos analistas que serviam como referência para seu acompanhamento. Não tínhamos conhecimento de uma pandemia da natureza que estamos vivendo e as referências já conhecidas como a da Saar em 1997 - e que provocou a crise econômica conhecida como “crise da Asia” - se revelaram enganosas pela rapidez como foi superada.
Em 1998 a economia mundial já tinha se recuperado da curta recessão vivida e os negócios no mundo tinham voltado à plena atividade. Dou aqui um exemplo marcante deste fato pois fui o responsável pela maior privatização já realizada na América Latina - 12 empresas do sistema Telebrás - em junho de 1998 pelo valor de US$ 20 bilhões.
Esta diferença entre uma pandemia geograficamente mais localizada como foi a Saar - embora da mesma natureza viral como a covid-19 - e a que estamos vivendo é um alerta grave para o potencial destruidor que as crises provocadas pela Natureza podem ter sobre a Humanidade. Mesmo com o potencial cientifico que acumulamos hoje, o arsenal de uma natureza agredida pode se revelar muito maior.
A violência como o vírus da covid-19 contra-atacou uma sociedade acostumada com uma liberdade quase sem limites para organizar suas cadeias de negócios, como se a distância entre mercados e empresas espalhadas pelo mundo não existisse, foi a arma mais poderosa que a covid-19 encontrou para se espalhar pelo mundo. Por outro lado, a incrível capacidade que mostra o vírus para mudar sua natureza é uma advertência vigorosa para a dimensão de seu potencial destruidor.
Hoje a dúvida se uma vacina identificada e testada vai servir para qualquer nova mutação do vírus assusta a todos, mas principalmente os cientistas do setor. A mensagem a toda a humanidade está feita e cabe agora aos governos nacionais o desenvolvimento não só de programa de vacinações com o material que temos hoje, mas, principalmente, de um sistema logístico com um protocolo protetor de outra natureza.
No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres para acomodar uma nova rodada de isolamento social, talvez até mais intenso do que já vivemos entre março e junho de 2020. Mesmo que isto cause calafrios nos economistas que formam hoje o pensamento dominante nos mercados financeiros.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.