recessão

Ricardo Antunes: 1º de Maio – O que comemorar?

Chegamos neste 1º de Maio de 2021 com o pior retrato de toda a história republicana. Nem durante a Primeira República vivenciamos uma situação tão trágica.

desemprego hoje, segundo o IBGE, é de mais de 14 milhões. E, se a ele somarmos quase 6 milhões em desalento, ultrapassamos 20 milhões. Em fins de 2019, somávamos 17 milhões de desempregados e desalentados. Assim, é ilusório imaginar que tudo isso foi causado pela pandemia. A praga sanitária desnudou e exasperou uma realidade que vem se acumulando há tempos, mas se acentuou com Michel Temer e Jair Bolsonaro, com suas visíveis afinidades destrutivas.

 

O principal causador dessa devastação social se encontra na vigência de uma pragmática neoliberal perversa, que vem derrogando, um a um, a totalidade dos direitos sociais do trabalho. Flexibilização, terceirização, informalidade, negociado sobre o legislado, trabalho intermitente e uberizado, enfraquecimento dos sindicatos e da Justiça do Trabalho: foi este o cenário que a Covid-19 encontrou.

Outro exemplo emblemático: segundo o IBGE, no primeiro trimestre de 2020, constatou-se uma redução na taxa de informalidade quando comparada ao trimestre anterior, o que parecia positivo. Mas, ao contrário, essa constatação estampou outro vilipêndio, uma vez que houve aumento do desemprego dentro da informalidade. Nem isso o “Posto Ipiranga e seu chefe conseguiram impedir, aflorando mais um descalabro do desgoverno: o informal-desempregado. Para “comemorar” restou a explosão do desemprego, o “descobrimento” dos milhões de “invisíveis”, o aumento da fome e da miserabilidade, além do empobrecimento de amplos setores da classe média, que estão cada vez mais endividados e engrossando as fileiras dos sem-teto.

Mas é bom recordar que há quem esteja ganhando muito. As grandes plataformas digitais que se utilizam do trabalho intermitente e uberizado não param de crescer no tabuleiro do capital. Quanto mais “incluem” trabalhadores (que redenominaram “empreendedores” para excluí-los da legislação protetora do trabalho), maior é a intensidade do trabalho, mais longevas suas jornadas e menor a remuneração percebida. Os bancos, todos sabemos, seja na bonança ou na crise, garantem sempre o seu quinhão.

Como escrevi neste mesmo espaço (“De novo a Belíndia”; 24/10/16), naquele momento já estávamos caminhando para nos tornar uma nova Índia na América Latina, contando desemprego, informalidade, precarização e miséria aos muitos milhões, seguindo os passos do imenso país asiático

Será difícil, então, imaginar como irão sobreviver aqui os trabalhadores e as trabalhadoras, os negros e as negras, os indígenas, a juventude das periferias, os imigrantes etc.

Algum desavisado poderá afirmar: mas o governo algo fará!

Sua primeira ação já está definida: proibir o novo Censo Demográfico do IBGE. Com o apagão dos dados, pensa que será mais fácil esconder o tamanho do desastre social neste país tão desventurado. Será?

Tudo isso demonstra que, no Brasil de Bolsonaro, o 1º de Maio é um dia de luto. Mas é bom recordar que, historicamente, é também um dia de luta.

*Ricardo Antunes é professor titular de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH/Unicamp); autor, entre outros, de ‘Os Sentidos do Trabalho’ (ed. Boitempo)

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/1o-de-maio-o-que-comemorar.shtml


Felipe Salto: Remendo novo em tecido velho

É a PEC Emergencial. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária

No melhor cenário, a chamada PEC Emergencial mudará muito pouco a gestão das contas públicas. Costumo dizer que o Brasil é pródigo em criar regras fiscais, mas nem tanto em cumpri-las. Desta vez, nem mesmo a criação foi promissora. Eventual ajuste decorrente da proposta de emenda à Constituição só virá em 2025. No caso dos Estados e municípios, as medidas serão facultativas e sua aplicação, incerta.

O teto de gastos foi mantido, mas ficou sem sanção para o caso de burla. Rompê-lo poderia ensejar, a partir de agora, crime de responsabilidade. Os gatilhos – medidas automáticas de ajuste –, que já estavam previstos na regra do teto, serão acionados quando as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias (não incluem juros da dívida), ambas sujeitas ao teto. Os gatilhos impedem reajuste salarial a servidores, criação de despesas, correção do salário mínimo acima da inflação e contratação de pessoal (a não ser para repor aposentadorias).

As contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), contudo, mostram que os 95% só seriam atingidos em 2025. Em 2020 o indicador ficou em 92,6% e em 2021 a projeção é de 93,4%. Assim, levando em conta que o objetivo era tomar medidas “emergenciais”, o porcentual proposto foi mal calibrado. Algumas áreas poderão acionar gatilhos mais cedo, já que a regra será aplicada por Poder e por órgão, mas sem efeito agregado relevante.

Então, não haverá reforço do ajuste fiscal. A ideia do Ministério da Economia era trocar o auxílio emergencial pela aprovação de um programa de consolidação fiscal. Isso não ocorreu. O auxílio foi viabilizado pela PEC, mas não haverá contenção adicional do gasto ou geração de novas receitas em horizonte de quatro anos.

Mais do que isso, em 2022, ano eleitoral, a porta para reajustes salariais estará aberta. O teto de gastos precisará ser observado, mas um eventual espaço orçamentário poderá ser canalizado para beneficiar certas categorias do serviço público. Essa não é uma tendência nova sob o atual governo. Basta ver que a reforma da previdência dos militares, em 2019, garantiu reajustes com custo de R$ 7,1 bilhões já em 2021. O restante dos servidores não ganhou o mesmo tratamento.

Durante a votação da PEC Emergencial na Câmara dos Deputados, o governo firmou acordo que enfraqueceu os gatilhos. A possibilidade de barrar as chamadas progressões e promoções dos servidores, no cenário de gatilhos acionados, saiu do texto. Em live do dia 11 de março, o presidente da República destacou essa blindagem, citando servidores da área de segurança pública e das Forças Armadas. A mudança abrange todos, mas essa revelação de preferência é digna de nota.

Na parte que trata do auxílio emergencial, constitucionalizou-se a permissão para financiá-lo por crédito extraordinário. Essa prerrogativa já estava prevista na Constituição, justificadas a imprevisibilidade e a urgência do gasto. Dado o ritmo lento da vacinação, as medidas restritivas à circulação e ao comércio terão de ser mantidas para preservar vidas e evitar o colapso total do sistema hospitalar. Isso retardará a recuperação da renda e do emprego. O risco é claro: para editar um provável novo crédito extraordinário, fora do teto, outra PEC será requerida.

A PEC Emergencial trata também dos chamados gastos tributários, hoje em torno de R$ 308 bilhões – ou 4,3% do produto interno bruto (PIB). São as desonerações, os regimes especiais e as isenções tributárias que o Estado carrega há décadas sem nenhuma revisão ou avaliação. O texto aprovado obriga o governo a enviar ao Congresso, em até seis meses, um plano para redução dessas renúncias. No entanto, foram ressalvados programas que correspondem a 50% do volume total. No primeiro ano ele teria de diminuir 10% e em até oito anos, a 2% do PIB. Não há sanção prevista para o caso de o plano não ser aprovado, como alertou a jurista Élida Graziane.

As regras criadas para os Estados e municípios contemplam gatilhos iguais aos da União, mas o critério é distinto. Se a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente, as medidas poderão ser tomadas. A escolha será do prefeito ou do governador. Quem não se ajustar não terá mais aval do Tesouro Nacional em operações de crédito, a exemplo de empréstimos em bancos ou organismos multilaterais. No cálculo do Tesouro, 14 Estados já estariam em condição de acionar os gatilhos (95%). Contudo, pelos dados dos Estados, conforme mostrou a economista Vilma Pinto, nenhum governo estadual atingiu 95% em 2020.

Em resumo, o auxílio sairá do papel, autorizado pela PEC, mas poderá ser insuficiente. As compensações, em termos de redução de despesas ou aumento de receitas, não vieram. O arcabouço fiscal ficará mais complexo e, no caso da União, dificilmente produzirá efeitos concretos antes de 2025, véspera do ano em que a regra do teto poderá ser alterada, conforme prevê a Constituição. A PEC é um remendo novo em tecido velho. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária.

*Diretor Executivo da IFI e professor do IDP


Pedro Fernando Nery: O que o PIB não vai contar sobre a realidade do País

Crescimento em 2021 não vai refletir situação material de boa parte da população nos próximos meses

Brasil deve crescer em 2021. Possivelmente a alta do PIB será a maior em mais de dez anos. Entretanto, de forma incomum, o crescimento do PIB nos próximos meses deve coincidir com elevações do desemprego e da pobreza – a recordes. O PIB não vai contar boa parte da história.

Vale entender melhor como o PIB tem se comportado. A atividade econômica no Brasil, em 2020, sofreu uma queda menor que a de outros países – em boa parte pelos efeitos do auxílio emergencial. O País chegou a subir posições na lista de maiores economias do mundo, para o 8.º lugar – segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI)

A imprensa deu grande ênfase a outro resultado, o de que o Brasil teria na verdade perdido posições nesse ranking, e inclusive saído do top 10. Isso só ocorre em uma comparação menos apropriada, que refletisse menos a variação do PIB e mais a forte queda do real, que diminuiria o valor do nosso PIB em outras moedas.

A comparação mais comum, porém, levando em conta o poder de compra das moedas, teria o Brasil ganhando posições – como nas estimativas do FMI em que supera França e Reino Unido. Afinal, em um dia em que o dólar sobe muito os brasileiros não ficam necessariamente mais pobres.

Se o Brasil ganhou posições na comparação internacional do PIB em 2020, e em 2021 deve crescer bem mais do que na média da última década, qual é então o problema? 

O problema é que o crescimento da economia nos próximos meses não deve alcançar tanto os trabalhadores informais, os desempregados, os fora da força de trabalho. O agravamento da pandemia afetará o emprego informal e também o formal. E o orçamento do auxílio emergencial será um sexto do que foi em 2020. 

Mesmo quando a curva de mortes voltar a níveis menores, muitos ainda estarão afetados pela crise. São trabalhadores de ocupações que demorarão para registrar a normalidade de 2019, ou de empresas que já não existem mais. Ainda que se beneficiem pelo auxílio emergencial reduzido, o novo valor só será pago por alguns meses. Depois, voltaremos ao Bolsa Família, que na ausência de reformas é uma rede incapaz de segurar a alta da pobreza extrema que vai ocorrer. 

A divergência entre a situação mostrada por indicadores da atividade econômica como o PIB e indicadores do mercado de trabalho e renda já ocorre há alguns meses. Com a redução do auxílio emergencial ao fim de 2020, e a sua suspensão na virada do ano, milhões de famílias tiveram uma queda significativa de renda. A situação da pandemia manteve o mercado de trabalho difícil. Mas tudo que indicava que o PIB vinha crescendo.

O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), divulgado ontem e considerado uma prévia do PIB, sugere que em janeiro deste ano a economia já estava em patamar próximo do de janeiro de 2020. Mas pelo menos alguns milhões não recuperaram seus empregos, e a pobreza está em alta (o que melhorará um pouco, é verdade, com o novo auxílio, ainda que reduzido).

Veja o leitor que o mero retorno da economia ao nível pré-pandemia, por ocorrer depois de uma queda, significa uma variação positiva: crescimento. Essa espécie de “efeito sanfona” do PIB também acontecerá em outros países, que apresentarão crescimento forte sem que haja melhora das condições de vida em relação a 2019. 

Em especial, PIB crescendo com pobreza crescendo significa aumento da desigualdade. A sociedade deve querer então outras bússolas para este ano que não o PIB. Ele certamente vale a torcida, mas por condições atípicas não vai refletir a evolução da situação material de boa parte da população nos próximos meses.

Para onde devemos olhar então? A taxa de desemprego é agora outro indicador problemático, porque muitos que deixaram de trabalhar não estão necessariamente procurando ativamente uma vaga – porque não querem se contaminar pelo vírus. Eles não são computados na taxa de desemprego. Pelos dados do Google, a procura por vagas até subiu após o fim do auxílio emergencial, mas a piora da covid e as medidas restritivas devem continuar mantendo parte dos sem emprego em casa. 

Assim, a taxa de desemprego tradicional, mesmo aumentando, ainda não vai absorver todo o drama. A imprensa deve passar a divulgar mais estimativas da taxa que contemplem essa população que queria trabalhar, mas não está na busca (desemprego oculto, sombra). Idealmente, o IBGE poderia já fazer essa projeção ao divulgar os resultados da Pnad.

Devemos dar ênfase também às estimativas de taxas de pobreza e de pobreza extrema, que não foram preocupantes em 2020 por conta do amplo auxílio emergencial – que, sabemos, acabou naquele formato. O complicador aqui é outro: essas não são projetadas mensalmente pelo governo. Vale ficar de olho, portanto, no trabalho da academia – como o da FGV Social.

Com a bússola errada será mais difícil chegarmos ao lugar certo.

*Doutor em economia 


Monica de Bolle: Pandemia é chance para país desenvolver tecnologia de saúde

Para economista, Brasil tem potencial para ser referência em mundo no qual convivência com vírus será permanente

Eduardo Cucolo, Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Brasil tem potencial para desenvolver uma indústria de ponta na área de saúde e utilizar a pandemia para se tornar um player global nessa área, de forma a se destacar em um “novo mundo pandêmico”, no qual a convivência com o novo coronavírus seria permanente.

Essa é a visão da economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University (EUA). Com especialização em Escola de Medicina de Harvard, de Bolle afirma, em entrevista à Folha, que não voltaremos à normalidade pré-pandemia e que a convivência com o vírus irá alterar a forma de funcionamento da economia global.Mundo pandêmicoA realidade que a gente tem pela frente não é uma realidade em que vai poder declarar um fim da pandemia. A fase aguda da pandemia vai passar, a gente não vai ficar no estágio em que está agora, mas esse estado de alerta permanente vai continuar conosco. Isso tem implicações em como os países, as pessoas e a economia vão se adaptar. Mercado de trabalho, ambiente de trabalho, aglomerações de todos os tipos, como eventos esportivos, viagens, todas essas coisas estão alteradas, e a gente não vai voltar ao que tinha antes.

No segundo semestre de 2021, a gente vai relaxar medidas restritivas, medidas sanitárias, em várias partes do mundo. Mas, supondo que todas essas vacinas deem conta dessas variantes, as que existem e as que vão surgir, a gente só consegue ter um contingente no mundo vacinado em quantidade suficiente para conseguir respirar com algum alívio, com certo otimismo, lá para o final de 2022.

Eu passei os últimos dois anos fazendo uma série de especializações em medicina em Harvard e calhou da pandemia acontecer. Para mim, pela natureza desse vírus, ele vai permanecer entre nós. A gente vai ter de se adaptar a conviver com isso, passar por surtos, por várias vacinas que vão ter de ser atualizadas recorrentemente e continuar com algum grau de cautela nas nossas vidas. Você vai ter sempre um repositório de Sars-Covid-2 em algum lugar do mundo sofrendo mutações.Mudança na economiaO setor de serviços vai ter de se reinventar. Já havia uma pressão para se pensar novos modelos de trabalho e na pandemia isso teve de acontecer. Você pode pensar pelo lado negativo, algumas pessoas vão perder permanentemente os empregos que tinham porque eles vão desaparecer. Por outro lado, há mudanças que geram uma flexibilidade maior, muitas pessoas não voltarão aos escritórios, e isso gera um ganho de eficiência enorme.

Para um país poder se sair melhor que outro vai ter de investir muito na área de saúde. Em tudo: testagem, equipamento de proteção pessoal, capacidade de vigilância genômica, que requer vários laboratório com equipamentos de ponta e uma rede que converse entre si e esteja rastreando no país inteiro.Nova agenda para o BrasilA agenda para mim no Brasil hoje, se tivesse um governo com visão estratégica, seria a saúde pública. É onde a gente tem uma vantagem natural, pelo sistema de saúde que a gente tem.

Você vê a Índia exportando vacina para muitos países e também exportando medicamente, produtos químicos. A China, a mesma coisa. A Rússia está tendo o mesmo tipo de posicionamento. Se você olhar para esses países [do Brics], tirando o B [de Brasil], o resto dos Brics estão todos fazendo esse reposicionamento. O Brasil teria uma posição muito privilegiada para fazer isso. Já fomos grandes produtores de medicamentos e vacinas, mas abrimos mão dessa vantagem.

A agenda de longo prazo deveria ser essa. Dessas coisas começam a vir inovações, tecnologias, inserção global, capacidade de estar mais envolvido nas cadeias de produção globais, tudo pela via da saúde pública.

Quais são as reformas que a gente precisa fazer para alcançar esses objetivos? Aí você faz as reformas com esses objetivos em mente. Vamos fazer uma reforma administrativa que atenda a esse objetivo, uma reforma tributária de modo a alcançar esse objetivo.EUAColocar a saúde pública no centro das discussões faz com que essas oportunidades fiquem mais visíveis e você começa a mudar um pouco o debate no Brasil. Aqui nos EUA, vai acontecer a mesma coisa. O setor de saúde aqui tem uma precariedade que o Brasil não tem. Tem muitas escolas de medicina de ponta, mas o sistema de saúde vai ter de ser reinventado.

O envelhecimento populacional é outro aspecto importante do porquê investir em saúde pública. E tem as sequelas da própria Covid. O número de pessoas que vão precisar dessa área para continuar sendo produtivas... Algumas vão ter sequelas para sempre, que as torna dependentes de centros de reabilitação.

Aqui nos EUA, todos os hospitais têm centro de reabilitação para quem teve Covid. A gente já tinha essa realidade de envelhecimento populacional somada a uma carga de doenças crônicas cada vez maior. Agora, além disso, tem o efeito que vem com as sequelas da Covid.


Míriam Leitão: Em reunião difícil, BC deve subir juros

O Banco Central começa hoje a reunião mais difícil feita no atual governo. A inflação de fevereiro foi mais alta do que o previsto e pode chegar perto de 8% em junho, em 12 meses. A expectativa é que caia depois, mas ontem a sondagem do BC mostrou que, de uma semana para outra, as projeções para o ano saíram de 3,98% para 4,6%. Os juros estão em 2%. A maioria dos economistas de bancos e consultorias acha que o Copom subirá a Selic em meio ponto percentual. O problema é que a economia ainda está em ambiente recessivo e o desemprego aumentou. Desapareceram em um ano 8,4 milhões de postos de trabalho. Se os juros não subirem, confirma-se a expectativa de alta da inflação. Se eles subirem, pode-se esfriar ainda mais a economia.

A inflação atual é bem complicada. Sobem alimentos, produtos industriais e há falta de algumas peças e insumos na indústria. Tudo ao mesmo tempo e no meio de uma recessão. Os alimentos e bebidas subiram 15% nos últimos 12 meses. Alguns itens deram saltos enormes, como as carnes, com alta de 29%, e frutas, 27%. Os combustíveis subiram 9,37% nos dois primeiros meses deste ano. A produção industrial está sendo atingida por gargalos e choques de preços. Aço subiu 30%. O gás natural, 40%. O setor de plásticos só tem conseguido entregar 50% dos pedidos. Algumas indústrias estão parando por falta de peças. Há dificuldades na compra de resinas e na produção de papelão. Isso afeta as embalagens, o que faz com que vários setores tenham dificuldades de produção.

O dólar subiu 8,14% só este ano. O real está entre as moedas que mais se desvalorizaram no mundo, ao lado do peso argentino. As commodities que o Brasil exporta também subiram. O índice CRB, que faz uma média das cotações internacionais das matérias-primas, mostra valorização de 14% este ano. Como a soja e o minério de ferro tiveram alta nas cotações, o Brasil está recebendo mais dólares. Isso, em qualquer tempo, geraria queda da moeda americana em relação ao real. Mas a incerteza sobre o país fez com que houvesse esse fenômeno raro, em que as matérias-primas que exportamos e o dólar sobem ao mesmo tempo.

É o custo dos erros do governo no combate à pandemia e do intervencionismo econômico do presidente. Além disso, foi necessário ampliar muito os gastos públicos para mitigar os efeitos da crise sanitária e econômica. A dívida pública é de 89% do PIB, num país que está há seis anos com déficits primários e assim permanecerá pelos próximos anos. O risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS), saltou de 142 pontos no início do ano para 199 pontos, ontem. Essa é uma medida de percepção de risco sobre uma economia.

Na equipe econômica admite-se que essa alta da inflação é o grande problema agora, porque se as expectativas forem de descontrole das contas públicas as tendências inflacionárias vão permanecer. Por isso, a aprovação da PEC Emergencial era considerada fundamental nesse esforço para “ancorar as expectativas”. Mas o problema é que o projeto foi tão desidratado que poucos economistas de fora do governo acreditam que ela fará diferença. Oficialmente o Ministério da Economia divulgou nota chamando a PEC de “a maior reforma fiscal dos últimos 22 anos”. Isso foi motivo de piada entre os especialistas em contas públicas.

Diante desse quadro, o Copom vai se reunir hoje e amanhã. Inflação alta, ambiente recessivo, choque de preços, desvalorização cambial e falhas no abastecimento afetando a cadeia produtiva. Além do cenário de piora das contas públicas. No mercado, a maior parte dos economistas aposta que o Banco Central anunciará uma elevação de meio ponto percentual. Um grupo menor acha que o aumento será de 0,25%.

Começa a fechar a janela de oportunidade que se abriu com os juros mais baixos da nossa história. Nesse meio tempo o país poderia ter aprovado mudanças que apontassem para uma redução do déficit público no futuro. Mas nada anda porque o governo tem uma agenda caótica e uma calamitosa forma de administrar o país. As trapalhadas, nas últimas horas, para a escolha do quarto ministro da Saúde na pandemia mostraram isso. Que sentido faz o filho do presidente sabatinar uma médica e perguntar o que ela acha da liberação das armas. Em que governo do mundo isso é pré-requisito para alguém assumir o comando do Ministério da Saúde, em um país onde já morreram quase 280 mil pessoas?


Marcus Pestana: Congresso Nacional e imunidade parlamentar

O parlamento é o centro de gravidade no funcionamento da democracia. Ali está presente a representação plural da sociedade para a construção permanente dos marcos constitucionais e legais que regram a vida da sociedade, do Estado e da economia e um contrapeso ao poder, que não é absoluto, do governo de plantão.

No Brasil, o abismo existente entre a sociedade e o Congresso não é novidade. De 1999 a 2002, tive acesso a pesquisas nacionais de opinião pública que testavam a confiança da população em 42 instituições. Os resultados foram quase os mesmos nos quatro anos. Nos primeiros lugares vinham os Correios e o Corpo de Bombeiro, nos últimos, o Congresso Nacional e os partidos políticos. A população tende a avaliar bem individualmente o deputado que atua na sua região e mal a instituição como um todo.

Há picos de rejeição em casos como a CPI dos anões do orçamento, mensalão, Lava Jato, rejeição da Emenda das Diretas, e momentos de aproximação como na eleição de Tancredo Neves, na Constituinte de 1986, nos impeachments de Collor e Dilma.

Esta relação entre Congresso e sociedade está sendo testada mais uma vez. A votação da manutenção ou não da prisão do deputado Daniel Oliveira (PSL/RJ) que agrediu de forma violenta e desqualificada membros do STF e fez apologia da ditadura, do AI-5 e do fechamento do Congresso e do Judiciário, se desdobrou na manutenção da prisão por 305 contra 154 e na discussão da emenda constitucional sobre imunidade e inviolabilidade do mandato parlamentar.

Entre os que 154 votos contra a manutenção da prisão existem dois grupos. Os que são a favor da impunidade sempre e os que entenderam que o Supremo exorbitou de suas prerrogativas e feriu a Constituição na caracterização da flagrância do crime cometido. Mas houve crime inequivocamente. Não se pode evocar o direito à liberdade de opinião e expressão individual contra o direito coletivo à democracia e à liberdade. A questão política se colocou dentro do atual clima de polarização radical, colocando em jogo a defesa da democracia contra o golpismo autoritário. Sugiro aos incautos lerem o livro COMO AS DEMOCRACIA MORREM e assistirem o filme clássico O OVO DA SERPENTE.

Do ponto de vista jurídico a questão é mais complexa. A imunidade parlamentar e a inviolabilidade do mandato foram inseridas na Constituição como proteção à liberdade de expressão, opinião e ação política dos representantes do povo, mas nunca em relação a crimes bem tipificados na legislação penal. Os parlamentares só podem ser presos em flagrante delito de crimes inafiançáveis. O Supremo decretou a prisão do deputado Daniel com base na Lei de Segurança Nacional, que merece ser revista. O STF não é formado por analfabetos jurídicos, ao contrário, é de se pressupor que ali estão alguns dos maiores constitucionalistas e juristas do país. E, por unanimidade, viu fundamentos jurídicos para a prisão em flagrante.

A complexidade é que se tratava de um crime no ambiente da internet, um vídeo nas redes sociais, que permanecia no ar no momento da prisão, portanto o crime estava sendo cometido naquele exato momento. É diferente de um assalto ou um homicídio, quando o criminoso é preso em flagrante. Fato é que o evento ressuscitou o tema do golpismo contra a democracia e suas instituições. A violência e irresponsabilidade do deputado mereciam uma resposta firme e forte das instituições democráticas.

Ato contínuo a Câmara dos Deputados colocou em discussão a PEC que propõe novo regramento do assunto, reduzindo os poderes dos magistrados, submetendo a aplicação de medidas cautelares e mesmo a avaliação de materiais aprendidos em operações policiais à prévia deliberação do plenário do STF, tipificando os crimes que permitirão prisão em flagrante (tortura, tráfico, crimes hediondos, racismo e ações armadas). A pressa na votação não se justifica em matéria tão complexa.

Mesmo sem conhecer o texto final da relatora e o resultado que poderá ter ocorrido na última quinta, fico preliminarmente com a visão do deputado Beto Pereira (PSDB/MS): “O critério de imunidade vigente hoje é suficiente para garantir o pleno exercício da atividade parlamentar. A alteração proposta peca ao transformar parlamentares em privilegiada casta, protegida pela impunidade. Como efeito colateral seremos contaminados pela indignação do povo”.       

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Míriam Leitão: Bancos e corretoras pioram projeções para o Brasil

O mercado financeiro continua fazendo contas e piorando as principais projeções para a economia brasileira. Há uma mudança de humor recente do ambiente externo, com o aumento dos juros futuros dos títulos americanos, e uma crescente desconfiança com o intervencionismo do governo Bolsonaro em empresas estatais.

O banco Itaú subiu de 4% para 5% a projeção para a taxa Selic, e piorou de -2,1% para -2,5% a estimativa para o resultado primário, por causa do pagamento do auxílio emergencial. Mesmo que a PEC Emergencial seja aprovada, as medidas de contenção de despesas só começariam a ter algum efeito a partir de 2023, segundo o banco. Ainda assim, o Itaú manteve estimativa de alta de 4% no PIB deste ano.

O Bradesco subiu a projeção de inflação de 3,5% para 3,9% e para o dólar, de R$ 5,00 para R$ 5,30 no final do ano. Segundo o banco, as sondagens setoriais apontam para retração no PIB do primeiro trimestre, com o agravamento da pandemia e o aumento das medidas de restrição à circulação de pessoas. Para o PIB do ano, o banco manteve expectativa de crescimento de 3,6%.

Já a Ativa Corretora está mais pessimista. A projeção para o PIB de 2021 caiu de 3,1% para 2,9%, e para o ano que vem, de 2,5% para 2,4%. Também houve aumento nas estimativas para inflação e para a taxa Selic em 2021.

Na semana que vem, o IBGE vai divulgar o PIB do quatro trimestre, que deve ficar em torno de 2,5%, na comparação com o terceiro, segundo o Bradesco. Será um olhar pelo retrovisor, porque já houve desaceleração da atividade neste início de 2021.

Saída de Brandão era previsível, ficarão apenas os submissos

O Banco do Brasil negou agora à noite a renúncia de André Brandão do Banco do Brasil. Mas, na verdade, o que se pode dizer da saída dele é que são favas contadas porque ficarão apenas os integrantes da equipe econômica que sejam submissos ao comando do presidente Jair Bolsonaro. Se não estava claro antes para alguns, ficou absolutamente explícito pela maneira como foi defenestrado o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.

André Beltrão foi indicado após a saída de Rubem Novaes e para dar um sinal de que o banco seria independente. Não durou muito. Na primeira proposta que fez de fechamento de agências e demissão voluntária, Bolsonaro teve mais um dos seus ataques. Ameaçou de público. O ministro Paulo Guedes tentou segurar. A maneira como Bolsonaro investiu contra Castello Branco, inclusive criticando o economista, diante do silêncio de Paulo Guedes, ficou claro para a equipe que o ministro da Economia não defende ninguém.

O primeiro de uma longa lista de demitidos foi Joaquim Levy. Numa manhã de sábado, Bolsonaro disparou contra ele numa fala rápida para os seus apoiadores. Disse que ele não abria a caixa preta do banco. Na verdade, ele queria colocar no colar o jovem economista, amigo dos filhos, Gustavo Montezano. Que também não achou a tal caixa preta, mas não se falou mais nisso.

O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, não precisa sair. Ele aceitou o papel de seguir fiel de Bolsonaro. Frequenta todas as lives, mesmo as que não aparece em cena. Viaja com o presidente e inventa qualquer linha de crédito e abre qualquer agência que o presidente manda. O que se diz em Brasília é que ele aguarda na fila para assumir a cadeira de Paulo Guedes. Se é que algum dia o Posto Ipiranga vai se cansar das humilhações diárias.

Caixa é diferente de Banco do Brasil e Petrobras. A Caixa não tem capital aberto. Então a manipulação lá não gera oscilação em mercado porque não há ações. Tem apenas um detalhe, usar politicamente a Caixa para gastos orçamentários já deu impeachment. No BB e na Petrobras o intervencionismo do presidente pode provocar outros problemas, como por exemplo ações de minoritários na Justiça.


Ascânio Saleme: A infâmia

O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário

A tragédia foi anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente. Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara para se proteger e proteger os demais.

O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.

O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.

Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.

No Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio continuam abertas?

A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.

A infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do capitão para solapar os brasileiros.

Francamente

Ao anular as quebras de sigilo aprovadas pelo juiz Flávio Itabaiana, o STJ atrasou por pelo menos três anos o andamento na Justiça do caso das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro na Alerj. Ficará tudo para depois das eleições de 2022. Um belo serviço prestado ao capitão. Todas as evidências dos crimes cometidos estão no inquérito, com testemunhas, operadores e pessoas beneficiadas. Até Michelle, a mulher do presidente, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz. O dinheiro era desviado dos salários de funcionários do gabinete e caía nas contas do zerinho, da sua mulher e da sua madrasta. Os servidores do gabinete pagavam até a escola dos netos de Bolsonaro. Mas três de quatro juízes, orientados pelo voto de João Otávio de Noronha, não aceitaram a quebra do sigilo que revelou a corrupção porque suas excelências não enxergaram “fundamentação” para tanto.

Vai ter que remar

Depois desta semana, Augusto Aras vai ter que fazer muito esforço e malabarismo para voltar a se destacar na corrida pela vaga de Marco Aurélio Mello no STF. Ainda restam alguns meses, tempo suficiente para o capitão e sua turma aloprada aprontarem mais uma. E então, Aras voltará a ser útil.

Bittar na história

Há duas categorias de abilolados. A primeira é formada pelos que se envergonham da sua condição e tentam não fazer muito barulho para passarem despercebidos. A segunda reúne gente que fala o que lhe dá na telha e tenta tocar ideias malucas sem se preocupar com o impacto que podem causar em sua imagem, como o senador Márcio Bittar, relator da PEC do auxílio emergencial. O senador propõe suspender os gastos mínimos com Saúde e Educação, desviando parte desse dinheiro para os gastos emergenciais. A ideia, que não é dele, contempla o pacote liberal de Paulo Guedes. Não deve passar, mas com esse Senado nunca se sabe. Se a PEC passar, Bittar será eternamente lembrado como a tesoura de Saúde e Educação.

Se está sobrando...

De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 6.157 militares das três Forças Armadas servem em postos civis no governo Bolsonaro. Destes, 3.029 são da ativa, segundo o Ministério da Defesa. Com o contingente desviado de função, dá para montar uns cinco ou seis batalhões de infantaria do Exército. Se esse volume de gente não faz falta às Forças Armadas, não seria o caso de reduzir o tamanho do aparato todo e economizar recursos? Olha uma oportunidade aí, Bittar.

Flamengo

Difícil falar de qualquer coisa importante depois do octacampeonato do Flamengo. Pretendia usar minha coluna para, além de declarar meu total apoio ao mais querido, enaltecer a conquista de quinta-feira. Mas, aí apareceu o nosso capitão.

Não toquem nas Laranjeiras

O prefeito Eduardo Paes pediu ao governador Cláudio Castro que desista da ideia de transformar o Palácio Laranjeiras em museu. Jurou que ele mesmo cuidará do assunto mais adiante, mas antes disso quer morar na residência oficial do governo estadual. Claro que antes ele tem que ser eleito governador. O prefeito, que adora uma residência oficial, morou seus dois primeiros mandatos na casa da Gávea Pequena, para onde voltou agora. No Laranjeiras, todo mundo sabe, habitam muitos fantasmas, mas Paes não se importa.

Claro, prefeito

O museu terá de esperar. O governador não vai desagradar o prefeito, sobretudo porque ele poderá ser o seu principal cabo eleitoral para uma eventual candidatura pela reeleição. Castro é de longe a melhor opção para Paes, que não vai se desincompatibilizar da prefeitura para concorrer em 2022. Ele calcula que se outro for eleito no ano que vem, será um adversário forte em 2026, ano em que o prefeito quer se eleger governador para ir morar no Laranjeiras. Com Castro no lugar, o caminho fica mais fácil.

Melhor que o paraíso

O ex-senador Darcy Ribeiro costumava dizer que o Senado é melhor do que o paraíso, porque não é preciso morrer para dele usufruir, basta ter um mandato. E olha que na época de Darcy não se discutia a total e absoluta impossibilidade de a Justiça punir um parlamentar, como prevê a PEC da Impunidade. Imagina o que o senador diria hoje, lembrando que pela emenda, o paraíso terrestre passa a ser acessível também aos deputados. Todos terão liberdade para delinquir à vontade.

Coronel Fan Coil

A comunicação do Planalto vai mudar. O civil Fábio Wajngarten dá lugar ao almirante Flávio Rocha. Do primeiro nunca se obteve uma informação relevante que fosse. Do segundo pode-se esperar menos. São os legítimos sucessores do “coronel Fan Coil”, do governo do general João Figueiredo. Fan Coil é um sistema de refrigeração central. Grande, exige espaço amplo e exclusivo. No Planalto de Figueiredo havia uma sala para o equipamento com o seu nome numa placa na porta. Todo jovem jornalista que iniciava a cobertura do Planalto era instruído pelos mais velhos a procurar o coronel Fan Coil no quarto andar, que ele sempre tinha boa informação. Era só chegar, bater na porta e esperar ele abrir. Poderia demorar, mas valia a pena. Mesmo os que caíram no trote tiveram com Fan Coil mais informação do que conseguiriam com a turma de hoje.


Pablo Ortellado: Bolsonarismo entranhado

As articulações políticas para derrotar Bolsonaro estão olhando para as urnas e se esquecendo da sociedade —estão preocupadas demais com Bolsonaro e pouco preocupadas com o bolsonarismo.

Talvez seja perfeitamente exequível derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022, mas ainda será necessário lidar com o pesado fardo do bolsonarismo.

A comparação com o trumpismo, espécie de contrapartida americana do bolsonarismo, pode ser instrutiva. Trump foi derrotado nas urnas e tentou sem sucesso pressionar a Justiça e o Congresso a não reconhecer o resultado —o trumpismo, porém, segue vivo.

Quarenta e três por cento de todos os eleitores americanos e 74% dos republicanos acreditam que as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos foram fraudadas. Mesmo após a divulgação das chocantes imagens de violência, num episódio que deixou 5 mortos, 21% de todos os eleitores e 45% dos republicanos aprovam a invasão do Congresso americano.

Um episódio recente do podcast “The Daily”, do jornal “The New York Times”, entrevistou trabalhadores e donas de casa, eleitores comuns de Donald Trump, para saber o que pensavam da invasão do Congresso americano. Embora geralmente tenham condenado a violência, muitos falaram de uma “guerra civil” contra os progressistas que, embora indesejada, lhes parecia inevitável.

Qualquer passeio pelos fóruns republicanos na internet está recheado de menções à guerra civil emergente, para a qual é preciso se preparar e se armar. Uma pesquisa publicada duas semanas atrás mostrou que assustadores 36% dos americanos (e 56% dos republicanos) acreditam no uso da força para defender o estilo de vida americano.

É por esse motivo que o bom desempenho eleitoral não é suficiente para enfrentar o desafio do bolsonarismo.

Em carta aberta ao STF, o ex-ministro da Segurança Pública e da Defesa Raul Jungmann, muito acertadamente, alertou para o risco de guerra civil na política de Bolsonaro orientada ao armamento da sociedade.

Bolsonaro tem reiteradamente enfatizado que a população precisa se armar para defender sua liberdade e se proteger de ditadores —não se referindo, claro, àqueles ditadores que cultua. Tudo sugere que, por “ditador”, se refere a qualquer adversário que venha a ser eleito. É a maneira como os bolsonaristas já se referem, aliás, aos governadores que adotam políticas de isolamento social ou fazem oposição ao governo federal.

Bolsonaro está fazendo um jogo duplo. De um lado, está minando a confiança popular na Justiça (inclusive na Justiça Eleitoral), no Congresso e na imprensa. De outro, está cooptando setores da sociedade, consolidando seu apoio entre policiais e militares e ampliando sua influência sobre médicos, juristas e órgãos da imprensa, inclusive da grande imprensa.

Uma crise econômica profunda, o aumento das mortes na pandemia ou um adversário carismático e com apelo junto ao eleitorado podem derrotar Bolsonaro em 2022. Mas, assim como os alemães precisaram desnazificar a sociedade depois da Segunda Guerra, precisaremos ainda extirpar o bolsonarismo entranhado na sociedade brasileira. 


Adriana Fernandes: Congresso antecipa votação da PEC da imunidade, mas adia análise da PEC do auxílio

Congresso fala em urgência das votações para as medidas de combate à covid-19, mas age com o mesmo negacionismo do presidente Jair Bolsonaro diante do quadro devastador da pandemia no Brasil.

É inaceitável que, na pior semana desde o início da pandemia, os deputados tenham parado qualquer discussão para tirar de supetão uma proposta de mudança na Constituição para blindagem parlamentar, apelidada de PEC da "impunidade". Numa operação a jato, a PEC, se transformou no assunto de "maior relevância'' para os deputados.

Nada, absolutamente nada, tem mais importância do que enfrentar com foco e determinação a pandemia. Parlamentares têm a responsabilidade de não apenas votar projetos voltados para o combate da pandemia, mas também atuar como instrumento de pressão sobre os governos federal, estaduais e municipais agirem.

Para votar a PEC da imunidade parlamentar, ritos de tramitação foram sendo atropelados e subjugados à vontade soberana das lideranças congressistas. Suas Excelências, as majestades, reis intocáveis, como bem batizou a senadora emedebista Simone Tebet ao comentar as negociações políticas para aprovação da PEC.

Já para a PEC do auxílio, o Congresso enrola e adia a sua tramitação na esteira de “bodes na sala” colocados no substitutivo do relator, senador Marcio Bittar, como o fim dos pisos de saúde e educação. Dois pesos e duas medidas. Ou melhor, duas PECs, dois pesos.

Também não houve movimentação forte no Parlamento para garantir mais recursos para hospitais que se encontram com falta de leitos de UTIs. Cadê a votação do Orçamento de 2021? Também não é importante, nem ao menos para arrumar dinheiro para a saúde.

Não cabem desculpas dos deputados. O certo teria sido a Câmara se envolver mais diretamente nas discussões da PEC do auxílio e junto com o Senado avançado na votação do Orçamento. Inclusive na busca de um acordo político de fatiamento com o Senado para deixar o texto mais compacto, sem todas as medidas fiscais, para agilizar o processo.

Mais uma semana perdida. Sem antes o presidente da Câmara, Arthur Lira, ter reclamado da falta de articulação para a votação da proposta, e das críticas que a PEC recebeu, inclusive do apelido dado.

Lira não conseguiu nessa sexta fechar um acordo para votação da proposta mais rapidamente e acabou decidindo que o tema deverá ser discutido em uma comissão especial. Uma derrota para ele, mas não deixa de ser mais uma proposta a concorrer com a prioridade da guerra contra a pandemia. O jogo vai seguir, mesmo com esse revés.

Longe de ser a pandemia, o que agita mesmo o mundo político é o apetite por cargos nas mudanças prometidas pelo presidente Bolsonaro de tubarões. Um deles já se sabe é o presidente do Banco do BrasilAndré Brandão, que colocou o cargo à disposição antevendo mais fritura e o risco de humilhação. Esse é o assunto em Brasília e será nos próximos dias com a cobiça por outros cargos, inclusive do ministério de Paulo Guedes.

Tem muita disputa interna, de construção de espaço com o Centrão. Desenho já pronto de divisão do Ministério da Economia, separando Previdência e Emprego já circula a pressionar a equipe do ministro.

Enquanto o efeito Petrobrás segue alimentando a desconfiança, o governo dança na corda bamba: quer que o mercado seja fiador, agora centrando na PEC do auxílio e contrapartidas, com os “enfeites” das privatizações da Eletrobrás e Correios. Ao mesmo tempo, dança com o Centrão, que é a política do dia a dia. Não tem nem auxílio e nem reforma.

Nesse meio termo, a economia mergulha com a pandemia em seu pior momento e a vacinação desorganizada. E Bolsonaro dificulta ainda mais ao ameaçar os governadores, que anunciarem lockdown, de ficarem sem o auxílio daqui para frente.

A poucos dias de completar um ano da pandemia, o Brasil parece o filme Feitiço do Tempo. A diferença é que no retorno do tempo o cenário é pior ainda. Acelerem o passo, suas Excelências, parlamentares!


João Gabriel de Lima: Um país com três desastres aéreos por dia

É fundamental que o Brasil da inteligência suplante o Brasil da ignorância

A tragédia brasileira na gestão da pandemia atingiu, nesta semana, um número macabro: 250 mil mortes. Enterramos o equivalente a três Maracanãs lotados. Tal cifra poderia ser evitada? Há meses a ciência diz que só há duas maneiras de controlar uma pandemia: vacinação em massa (que, infelizmente, vai demorar) ou isolamento social. Em Portugal, onde vivo, o auge do coronavírus foi em meados de janeiro. O país tinha os piores números da Europa – 300 mortes por dia e risco de colapso da saúde pública. O governo decretou quarentena. Na quinta-feira 25, foram registradas 49 mortes – a ciência funciona. Na mesma data, o Brasil contabilizou 1.582 óbitos, o equivalente às vítimas três desastres aéreos num único dia. 

A tragédia brasileira, no entanto, poderia ser ainda pior. Em artigo publicado no Estadão, o economista Pedro Nery lembrou que o México, governado por uma esquerda negacionista, apresenta uma taxa de 1.400 óbitos por covid por milhão de habitante, a maior da América Latina. Segundo estudos citados por Nery, uma das razões do desastre mexicano é a inexistência de algo equivalente a um auxílio emergencial. Os mexicanos vulneráveis foram obrigados a sair de casa para batalhar o sustento, expondo-se ao vírus mortal. 

O Executivo brasileiro também é negacionista, mas o Congresso, com o apoio de 163 organizações da sociedade civil – em movimento registrado nesta coluna – colocou de pé o auxílio emergencial. O benefício permitiu que vários cidadãos brasileiros se protegessem do vírus ficando em casa. 

A proeza mostra o impacto de curto prazo de uma política pública bem desenhada. No longo prazo, o impacto pode ser muito maior. O mesmo México que reagiu tão mal à pandemia foi, no passado, referência em transferência de renda. Estudos mostram que o programa Prospera gerou oportunidades para uma geração inteira, livrando-a da indigência. Criadas na mesma época, políticas brasileiras similares, implantadas nos governos Fernando Henrique e Lula, começam a despertar o interesse dos acadêmicos. 

Os novos estudos sobre programas de transferência de renda no Brasil miram justamente os efeitos de longo prazo. O economista Naercio Menezes, professor do Insper e personagem do mini-podcast da semana, defende uma reforma do Bolsa Família que privilegie famílias com crianças de zero a seis anos. Segundo suas contas, o uso de instrumentos já existentes – o cadastro e o aplicativo – permitirão otimizar os recursos do benefício. Sem rombo no orçamento público, famílias brasileiras poderão receber até R$ 800 por criança pequena, garantindo o desenvolvimento delas – e seu futuro – na fase mais crítica.

Os estudos de Naercio e outros especialistas já municiam congressistas brasileiros, como a senadora Eliziane Gama, do Cidadania. Os projetos de transferência de renda da deputada Tabata Amaral (PDT) e do senador Tasso Jereissati (PSDB) têm igualmente a virtude de olhar para o futuro.  

Confirma-se mais uma vez o clichê dos “dois brasis”. Um é o do populismo e do descaso, responsável pela tragédia da pandemia. O outro é o da universidade cheia de boas ideias e dos gestores capazes de implantá-las – a ponto de alguns de nossos programas sociais tornarem-se referência internacional. É fundamental que o Brasil da inteligência suplante o Brasil da ignorância. A alternativa é enterrar, todos os dias, o equivalente às vítimas de três desastres aéreos. 


Sérgio Augusto: Vacinas, valores e velórios

Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, mas atingimos a marca de 250 mil

Já estava me preparando para ser vacinado quando as vacinas acabaram. Foi aí que descobrimos que, na estupefaciente gestão do general Placebo no Ministério da Saúde, a vacinação é regida por dois calendários, como o tempo já foi em priscas eras. Pelo calendário juliano, quando há vacinas disponíveis, e pelo calendário gregoriano, quando elas acabam e ainda não têm data para chegar. Daí a máxima romana “sine vaccinus, sine die”, cunhada antes da invenção da primeira vacina. 

E assim as vacinações no Rio foram jogadas para as calendas. Ainda bem que para as calendas romanas, não para as gregas. Será que nas calendas de março saberemos quando, pelo calendário gregoriano, levaremos nossa redentora picada? 

Pior do que essa espera, possivelmente passageira, e as justificadas incertezas relativas à segunda dose foi tomar conhecimento das descaradas mentiras sobre a performance de Bolsonaro durante a pandemia que a ministra Damares e o chanceler Ernesto Araújo tentaram vender na ONU. Ficaram só na tentativa porque ninguém lá fora acredita mais em nada que diga, faça ou prometa fazer de bom o ogro que nos governa, exaspera, envergonha, e concentrou no extermínio seu mais eficaz programa de corte de gastos na Previdência. 

Não menos desalentadora foi a constatação de que a Bolsa de Valores se sensibiliza muito mais com uma troca no comando da Petrobrás pelo presidente da República que seus investidores ajudaram a eleger do que com as ininterruptas e recordistas altas na contagem de mortos e infectados pela covid, no País. Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, basofiou o capitão negacionista em abril do ano passado. Atingimos a marca de 250 mil mortos esta semana; 50 mil só nos últimos 48 dias – e vacinamos apenas 3% da população.

Se alguma coisa o presidente sabe fazer, e bem, é mentir e tirar o dele da reta. “Não sou coveiro”; “Não sou profeta”; “Não compro seringas”. Pilatos ao menos lavava as mãos. O capitão nem sequer usa máscara.

A fulminante queima de ações da BR também veio corroborar a teoria de que a matança em curso, se não faz parte de um maquiavélico projeto político e econômico do bolsonarismo, como a aniquilação da cultura e da educação, desmoralizou em definitivo o chavão de que “as nossas instituições estão funcionando”. Se estivessem, ou pelo menos o STF estivesse, a pleno vapor, o nosso Napoleão de hospício já estaria na ilha de Elba da nossa imaginação. 

Verdade que o ministro Alexandre de Moraes se tem comportado com o destemor que seu cargo exige, mas Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes, conforme salientou na terça-feira o comentarista político Bernardo de Mello e Franco, facilitaram o serviço para a chicana que culminou com a anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro, no inquérito das rachadinhas. Toffoli e Fux travaram a investigação por cinco meses, e Mendes abriu a gaiola para Fabrício Queiroz, o factótum da familícia. 

Comprado o Legislativo, cooptadas e neutralizadas as Forças Armadas mediante cargos, subsídios, promessas, leite condensado e claque em formaturas de cadetes, pergunto: quais instituições ainda funcionam normalmente nestas bandas? 

Por encarnar e afiançar a “ultima ratio” de qualquer país que as possua, as Forças Armadas (sim, mais de dez nações sobrevivem sem o seu concurso) deveriam preservar-se de aventuras como foram os golpes de que participaram desde a Proclamação da República. O que pretendia impedir a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, foi só uma (ou a) exceção à regra justamente porque um oficial do Exército, o marechal Henrique Teixeira Lott, e sua excalibur da legalidade melaram a tempo a conjura udenista. 

Quando vejo, leio ou ouço alguém lamentar a escassez ou mesmo ausência, hoje, de políticos e outros figurões civis de alto nível, sempre me vem à lembrança a figura do marechal. Com ele, nenhum golpista tirava farofa. Que reação lhe provocaria um confesso autogolpista como Bolsonaro? Que atitude teria face à fascistoide ameaça do general Villas-Boas ao STF, em abril de 2018? 

O ator, humorista e cronista Gregório Duvivier desenvolveu uma tese que, em outras cabeças, inclusive na minha, já andou caraminholando. Ao contrário do que se pensa, o presidente não protege e prestigia além da conta os seus ex-colegas de farda, notadamente os da arma em que fez carreira, o Exército, mas, na verdade, os rebaixa e desmoraliza. Ao lhes dar emprego e funções que exigem especial capacitação, expõe-lhes a incompetência e engorda as desconfianças de que suas nomeações são menos frutos de uma ineludível promiscuidade corporativista do que das limitações sociais impostas pela vida em caserna. Azar nosso se o capitão só se dá com milicos. 

Para Duvivier, Bolsonaro está se vingando do coronel que o humilhou, reprovando-o por sua “falta de lógica, racionalidade e equilíbrio”, de outro oficial que condenou sua “excessiva ambição em realizar-se financeiramente” e, acrescento eu, do general Ernesto Geisel, que o considerava “um mau militar”. 

Não sei se concordo com a hipótese de que nem décadas de propaganda antimilitar da esquerda causaram mais estrago na imagem do Exército do que a sanha empregatícia do presidente, mas é possível que sim. Já a suspeita de que só agora, com meio século de atraso, o capitão cumpre uma missão que lhe teria sido delegada pelo capitão Carlos Lamarca, não é, como toda blague, para ser levada a sério. É para rir.

Ria, enquanto o golpe não vem. 

*É jornalista e escritor, autor de ‘Esse mundo é um pandeiro’