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Bernardo Mello Franco: O acordão de Temer com o Supremo

O presidente trocou o aumento dos ministros pelo fim do auxílio-moradia. Foi um acordão explícito, daqueles que são fechados quando ninguém se importa com as aparências

Saiu tudo conforme o combinado. A cinco semanas de deixar o poder, Michel Temer sancionou o aumento dos salários do Supremo. No mesmo dia, o ministro Luiz Fux revogou a própria liminar que garantia a farra do auxílio-moradia dos juízes. Foi um acordão explícito. Daqueles que só são fechados quando ninguém mais se importa em manter as aparências.

Temer chancelou o aumento dos capas-pretas para R$ 39,2 mil, além das mordomias do cargo. O Supremo prometeu compensar o gasto extra com cortes no orçamento da TV Justiça. Será uma medida cosmética. O problema está no efeito cascata do reajuste, estimado em R$ 4 bilhões por ano.

O presidente acendeu o pavio e vai deixar o palácio pela porta de emergência. A bomba explodirá no colo do sucessor. Ele dividirá a conta com os novos governadores, incluindo os que herdarão estados falidos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Ao assumir o cargo, Temer pediu sacrifícios para equilibrar as contas. Seu último gesto vai na contramão do discurso de austeridade. É mais um sinal de que ele está menos preocupado com os cofres públicos do que com o próprio futuro.

Em janeiro, o presidente perderá o foro privilegiado e a blindagem negociada com os deputados. As denúncias da Procuradoria-Geral da República deverão ser remetidas à primeira instância. Um bom motivo para não negar o agrado natalino dos juízes.

Do lado do Supremo, a canetada de Fux escancarou que houve uma troca. Ao revogar o benefício que ele mesmo havia estendido aos colegas, o ministro restabeleceu o óbvio: não faz sentido o Estado pagar auxílio-moradia a juízes que têm imóvel próprio na comarca em que trabalham.

O curioso é que Fux não via problema no penduricalho até ontem. Bastou o aumento sair para que ele passasse a considerá-lo inadequado. “A Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e ressignificação”, justificou o ministro. Pode ser, mas certas autoridades são mais vivas do que qualquer documento.


Leandro Colon: Não há garantia de fim do auxílio-moradia em troca de reajuste para juízes

Lobby de magistrados cresce e STF não sinaliza fim de benefício injustificável

Sob o lobby escancarado do Judiciário, o presidente Michel Temer tem até quarta-feira (28) para decidir se sanciona ou veta o aumento de 16,38% nos salários dos juízes.

Se o bom senso e o zelo pelas contas públicas prevalecessem nos bastidores do poder em Brasília, o reajuste não teria passado a toque de caixa no Congresso —no Senado, em uma votação relâmpago, às pressas.

Político não gosta de ter problema com juiz e juiz sabe disso. Temer negociou em encontro noturno (prática nada incomum no atual governo) no Alvorada com os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux a aprovação da medida que, segundo estudo de técnicos legislativos, pode ter um impacto de R$ 4 bilhões por ano.

Em troca de engordar o contracheque dos juízes, haveria um compromisso do STF de enfim colocar em julgamento o fim do auxílio-moradia de R$ 4.377 mensais pago aos magistrados, mordomia injustificável a uma classe abastada, bem remunerada na realidade brasileira e que já desfruta de outras regalias.

Pois, bem. O reajuste passou no Congresso e depende agora de uma canetada de Temer. Na semana passada, Toffoli e o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, aproveitaram almoço com o chefe da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, para defender a elevação salarial.

No caso de um ministro do STF, o valor subirá de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil. Haverá um efeito cascata, classificado por Noronha de “papagaiada”, na remuneração dos juízes das instâncias inferiores.
O lobby não ocorre apenas nos almoços fechados com chefes das altas cortes. Não satisfeita com um salário maior, a categoria arma um contragolpe para impedir o fim do auxílio-moradia. Na sexta-feira (23), a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entrou com pedido para que Fux, relator das ações sobre o benefício, não o revogue imediatamente.

Fux foi quem sentou em cima do tema por longo período. Não há, até agora, garantia de que os intocáveis de toga vão perder a ajuda de custose Temer ceder e sancionar o aumento.


Rogério Furquim Werneck: Desatino tucano

É fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar aumento salarial dessa proporção ao STF

Não há como subestimar a gravidade da irresponsável decisão do Senado de aprovar a concessão de um aumento salarial de mais de 16% aos ministros do Supremo Tribunal Federal, com o país na alarmante situação fiscal em que está.

O episódio merece atenção por ter deixado mais do que claras as colossais dificuldades que terão de ser superadas para que o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário seja levado a bom termo. Não há como ter ilusões. Nem quanto à extensão da inconsequência que ainda permeia boa parte da elite do Legislativo e do Judiciário, nem quanto à voracidade das corporações mais bem aquinhoadas do funcionalismo público.

É preciso não perder de vista as reais proporções da crise fiscal com que se defronta o Brasil. A cada ano, os três níveis de governo vêm extraindo da economia cerca de 33% do PIB em tributos e gastando mais de 40% do PIB. Na esteira do aumento recorrente de endividamento que tal desequilíbrio vem exigindo, a evolução da dívida pública como proporção do PIB tornou-se insustentável. Desarranjo fiscal tão grave vem condenando a economia a um crescimento anêmico e mais de 12 milhões de pessoas, ao desemprego.

Para que esse processo possa ser sustado e revertido, será necessário um esforço de ajuste fiscal de nada menos que 5% do PIB. Algo da ordem de R$ 350 bilhões. Se houver um plano de jogo crível, é perfeitamente possível que o ajuste possa ser feito ao longo de vários anos. Mas, para que isso seja viável, é preciso pôr em marcha um programa abrangente de austeridade fiscal em que cada bilhão fará diferença.

Visto dessa perspectiva, é fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar um aumento salarial dessa proporção que, computado o efeito cascata, poderá engendrar gastos fiscais adicionais de até R$ 4 bilhões. Sem falar nas dificuldades que a tal prodigalidade trará a qualquer esforço mais amplo de contenção das folhas salariais dos três níveis de governo.

Não foi surpreendente que, em meio ao amadorismo com que a equipe do presidente eleito vem acompanhando a tramitação de matérias de seu interesse no Congresso, a suposta bancada bolsonarista no Senado tenha votado alegremente a favor da medida.

Mas o mais espantoso foi a decisão ter contado com o apoio maciço do PSDB. Dos 12 senadores tucanos, só Fernando Flexa Ribeiro (PA) não estava presente. O único que votou contra foi Ricardo Ferraço (ES) que, lamentavelmente, deverá deixar a Casa em breve, por não ter conseguido se reeleger. Os dez senadores restantes votaram todos a favor do aumento.

Diria um cínico que, entre esses dez, há gente enrascada que, de modo algum, consideraria a possibilidade de fazer qualquer desfeita ao Judiciário. Pode até ser. Mas o que dizer dos votos favoráveis de senadores que não padecem de dificuldades desse tipo, como Tasso Jereissati (CE) e Antonio Anastasia (MG), dois ex-governadores perfeitamente aptos a entender o impacto nefasto que a medida deverá ter sobre as contas da União e, indiretamente, sobre as combalidas finanças dos Estados?

O PSDB não se emenda. Voltou a apoiar pautas-bom bano Congresso. Desta vez, no Senado. O partido precisa entender que, se perder de vez o respeito do seu eleitorado mais ilustrado, não há muito que o futuro possa lhe reservar. É fundamental que se engaje de forma séria e determinada no gigantesco esforço de ajuste fiscal que o país tem pela frente.

Em entrevista concedida em meio à euforia da vitória de Bolsonaro, Paulo Guedes anunciou que pretende “enterrar o modelo social-democrata” (“Exame”, 28/10). É pouco provável que consiga. Mas tudo indica que, na toada em que vai, o PSDB não lhe será um problema. Muito pelo contrário.

Parte importante do partido parece tomada de incontrolável furor adesista, pronta a obliterar qualquer linha divisória que possa separar os tucanos do bolsonarismo, seja lá o que isso signifique ou vieras ignificar. Outra parte, como se viu, parece entregue ao desatino e em modo de autodestruição. Até quando?