racismo
Ana Flauzina: Chacina do Jacarezinho impõe que STF dê uma resposta
No último dia 05 de maio, o presidente Jair Bolsonaro declarou no Palácio do Planalto que poderia editar um decreto contra as medidas restritivas impostas por governadores e prefeitos como forma de controle da pandemia. De forma taxativa, disse que a medida não poderia ser “contestada por nenhum tribunal”. À tarde, se encontrou com um de seus aliados políticos, o governador do Rio de Janeiro Cláudio Costa (PSC), no palácio das laranjeiras em reunião a portas fechadas.
No dia seguinte, um banho de sangue inundou a favela do Jacarezinho. Com a justificativa de cumprir mandados de prisão contra 21 suspeitos de envolvimento com tráfico de drogas, a operação se transformou em um massacre após um dos policiais envolvidos na ação ser assassinado. Dos 27 homens mortos pelas forças policiais, apenas 4 eram alvos iniciais da operação. Relatos de testemunhas indicam que o alegado confronto que integra a narrativa policial não se verificou em todos os casos, com pessoas implorando para serem presas e sendo executadas a sangue frio.
Conectar esses dois eventos me parece fundamental para compreendermos o cenário político atual. De um lado, temos um pronunciamento presidencial que dá um recado claro ao Supremo Tribunal Federal, seguindo com a lógica de desgaste institucional que a todo tempo flerta com imposição de um governo militar. De outro, uma cena aterradora de desrespeito a parâmetros constitucionais básicos, em uma ação deflagrada à despeito da decisão do Supremo na ADPF 635, que impõe restrições à realização de operações policiais nas comunidades do Estado do Rio de Janeiro durante o período da pandemia.
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Há claramente uma linha de continuidade entre o pronunciamento e o massacre realizado no curral eleitoral do presidente por agências policiais que contam com muitos de seus adeptos. Fica claro que o recado abstrato que paira no ar clamando por ditadura no plano federal, vai sendo experimentado e publicitado com o aprofundamento do genocídio negro na capital fluminense. Se há ainda dificuldade de se impor uma agenda totalitária em nível nacional, essa toma cada vez mais fôlego em propagandas letais de caráter racista como as que ocorreram no Jacarezinho. O recado dado no pronunciamento se materializa indiscutivelmente na operação policial: quem controla e governa os destinos do povo são as armas, não as togas. O que é sussurrado indiretamente por Bolsonaro é concretizado de forma aberta pelo racismo, com o Supremo sendo exposto por sua incapacidade de conter a barbárie.
A verdade é que a atuação desse governo miliciano, para usar a palavra que qualifica tanto suas práticas quanto os indivíduos que ocupam seus principais cargos institucionais, está assentada em um amplo laboratório de produção de violências. Violências essas produzidas pela adesão histórica das forças institucionais, incluindo o Judiciário, no fortalecimento do apetite genocida contra a população negra: dando base para a formação das milícias, sustentando o discurso social do ódio, garantindo a naturalização do ataque à vida e à liberdade das pessoas negras como um dado quotidiano.
A questão que agora parece se impor é que as consequências perversas do racismo começam a também atentar contra os parâmetros democráticos que protegem as elites. Há muito se denuncia o fato de que o racismo é uma estrutura de poder que foi fabricada e é cultivada para controlar e trucidar pessoas negras. Até aí não há novidades. O que parece escapar à compreensão é que para se conduzir ações genocidas, há uma energia que transforma as instituições em agências de letalidade e restrições de direito. Ao fim e ao cabo, trata-se da construção de um aparato público, em associação a forças privadas, autorizadas a ameaçar, torturar, silenciar, e, claro, matar pessoas, sem maiores consequências entre nós. É esse ethos do racismo, que atropela padrões éticos básicos, direitos e vidas que começa a querer extrapolar para fora das periferias e dar o tom da atuação pública de forma mais ampla nas ameaças presidenciais dirigidas ao Supremo.
Diante disso, só se pode constatar que se opor a esse Governo e suas posturas despóticas é, antes de tudo, se opor ao racismo. Há um pacto de solidariedade entre as elites de todos os espectros políticos que sustenta o massacre das pessoas negras como um dado para a manutenção das desigualdades no Brasil. O problema é que o racismo é um cachorro raivoso que gera instituições e práticas perversas. Logo, se os efeitos mais cruéis dessas dinâmicas são sempre sentidos por negros e negras, em tempos de democracia, ditadura oficiosa ou oficial, fato é que as lógicas de tortura, da censura da e morte, tão comuns no dia a dia das periferias brasileiras, tendem a ser também usadas seletivamente contra grupos políticos em momentos de ruptura institucional.
Por isso, no atual contexto político, enfrentar o genocídio negro é uma demanda que passa tanto pela defesa da vida e dignidade das pessoas negras quanto pela preservação do pacto constitucional que salvaguarda a segurança e os privilégios dos setores de elite que se opõe ao governo de Jair Bolsonaro. Isso porque as ameaças do bolsonarismo estão se concretizando, se enraizando e avançando todos os dias para cercear fundamentalmente os direitos dos que habitam as periferias negras nesse país.
Assim, a resposta ao massacre do Jacarezinho, a maior chacina policial da história do Brasil, pauta o poder Judiciário e, consequentemente a democracia, em duas frentes. A primeira, já muito conhecida, é a que questiona se, uma vez mais, a justiça vai atuar de forma conivente e anistiar os responsáveis pelas execuções. A segunda, é a que mede a força do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, diante do claro desacato do bolsonarismo frente às suas determinações.
Conforme já declarou Eduardo Bolsonaro, “bastam um soldado e um cabo para fechar o STF”. Ao que tudo indica, o tempo de se verificar a validade dessa afirmação chegou e a forma com que se vai lidar com o caso de Jacarezinho é um termômetro preciso da força ou do completo descrédito do Supremo e da democracia no Brasil.
Ana Flauzina é doutora em Direito e professora da Universidade Federal. Dirigiu o documentário ‘Além do Espelho’, que estabelece uma ponte entre os movimentos negros nos EUA e no Brasil.
Fonte:
El País
Cristovam Buarque: Lei incompleta
A Lei Áurea é considerada um marco social, pela extinção do regime escravocrata, e marco legal pela simplicidade de apenas um artigo: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Nada mais do que 12 palavras e acabou a infâmia de tratar pessoas como mercadoria.
Esta simplicidade deixou a lei incompleta e de certa forma inócua para o propósito de ir além da proibição da venda, compra e propriedade de pessoas, e de servir também para a garantia da liberdade, promoção social e progresso dos afrodescendentes no Brasil. Aquele artigo simples foi capaz de acabar com os grilhões, mas não de incorporar a população negra à sociedade brasileira. Manteve-se a desigualdade, a exclusão, a pobreza e, consequentemente, o racismo.
Teria sido diferente se a Lei Áurea tivesse mais um artigo: “Fica estabelecido no Brasil um sistema único, público, de educação para todos”. Mas a lei ficou incompleta. Ao longo dos 134 anos de sua vigência, comemorados na semana que passou, o Brasil sem escravismo manteve a escravidão, porque sem educação as algemas físicas que aprisionavam os escravos se transformaram em algemas mentais que amarram todos os pobres brasileiros. Não apenas os negros, mas sobretudo estes, por formarem a maior parte dos pobres do País.
Ao longo destes 134 anos, desde 1888, o Brasil manteve uma desigualdade abismal entre a educação dos que podem pagar por uma boa educação e aqueles que não podem. Se desde aquela época os descendentes dos escravos e seus senhores estudassem em um mesmo sistema escolar com qualidade para todos brasileiros, ao longo destas três ou quatro gerações, a desigualdade que ainda existisse, além de pequena, seria graças ao talento dos que se dedicam aos estudos. A desigualdade não seria herança financeira, que termina sendo também herança racial. Sem o segundo artigo, a Lei Áurea ficou incompleta.
Além da lei incompleta de 1888, atravessamos toda a história pós-abolição e republicana sem acrescentar o artigo e outras ações que faltam. Por 40 anos depois da Lei, nem ao menos criamos um Ministério da Educação; quando criado já nos anos 1930, serviu para coordenar a educação da minoria dos filhos da população branca e rica, ou quase rica, nas poucas escolas de base que foram criadas ao longo das décadas. A obrigatoriedade de vaga aos seis anos só veio em 1988 com a Constituição; aos 4 anos, em 2013; a obrigatoriedade de vaga até os 17 anos, só em 2016; o Piso Nacional Salarial para o Professor, em 2008.
Até hoje, o Brasil deixa a educação nas mãos dos pobres e desiguais municípios. Foram feitas leis como a Merenda Escolar (1955), Emenda Calmon (1983), Livro Didático (1985), Fundef (1996), PNE-I (2001), Fundeb (2007), Piso Salarial do Professor (2008), PNE-II (2011), BNCC (2020), e o Brasil continua com educação entre as piores do mundo e provavelmente a mais desigual entre todos os países.
Até hoje, o Brasil não decidiu completar a Lei Áurea criando um Sistema Nacional de Educação de Base. A sociedade brasileira, seus eleitores e líderes continuam com a mesma visão da Princesa Izabel e do Primeiro-Ministro João Alfredo – basta o primeiro e único artigo da Lei Áurea, a educação de cada criança é assunto da família ou do prefeito, não do país. O resultado é que um século e meio depois da Lei Áurea, temos duas vezes mais adultos analfabetos do que no ano da abolição incompleta, todos eles pobres e quase todos afrodescendentes.
Na verdade, todos os governos seguintes, ditadura ou democracia, de direita ou esquerda, negaram-se a assumir a educação de nossas crianças como uma questão nacional: levar a sério o artigo da Constituição que assegura a educação como um direito de todos os brasileiros e tornar a educação como o vetor do progresso do país.
Nos navios negreiros, havia marujos com a tarefa de impedir os escravos desesperados pularem no mar, já que a morte deles era uma perda financeira para o proprietário. Hoje, não oferecemos escolas que assegurem a seus alunos quererem permanecer nelas, e se eles quiserem pular no mar da deseducação, aceitamos que o façam sem percebermos a perda que isso representa para o futuro de cada um deles, para suas famílias e para todo o País.
Faz 134 anos que demos alforria aos escravos, mas não os libertamos, porque não lhes demos a educação, sem a qual a liberdade é apenas uma ilusão. Por falta de um artigo a mais na Lei Áurea, mantivemos uma última trincheira da escravidão, mantivemos os descendentes dos escravos em um novo tipo de servidão e amarramos o progresso do país.
*Professor Emérito da Universidade de Brasília
Fonte:
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/05/4925679-lei-incompleta.html
Folha de S. Paulo: Um ano após Floyd, Minneapolis busca reforma policial ampla e preservar luto
Marina Dias, Folha de S. Paulo
Em um posto de gasolina desativado em Minneapolis, Eliza Wesley improvisou uma cabine de vigilância para tentar proteger o luto e a dor. Do outro lado da rua, ela vê o cruzamento onde George Floyd foi assassinado, há um ano, e intervém aos berros quando entende que alguém não está respeitando as homenagens ao homem que gerou a maior onda de protestos antirracismo nos EUA desde Martin Luther King.
“Este é um lugar sagrado”, explica Eliza, que se voluntariou para fazer a guarda diária do local cheio de velas, flores e cartazes coloridos. “As pessoas vêm aqui e querem fazer vídeos, fotos. Tudo bem, mas não é só disso que se trata. É sobre comunidade, sobre o que significa a gente continuar aqui, refletindo sobre o que aconteceu com um homem negro.”
De óculos escuros modelo aviador, jaqueta amarela florescente e boné, a americana de 52 anos se intitula encarregada da praça criada e mantida por moradores em memória do que aconteceu em 25 de maio do ano passado.
Ali, misturam-se certo alívio pela recente condenação do ex-policial branco Derek Chauvin —que sufocou Floyd com o joelho por quase dez minutos— e a espera exaustiva pela reforma no sistema policial, que parece longe de acontecer.
Enquanto Minneapolis abraça a volta à normalidade após os protestos e o fim das restrições da pandemia, o memorial sob os olhos de Eliza não quer normalizar nada. Logo na entrada de um dos quatro quarteirões interditados, a placa anuncia que aquele é um “estado livre”, espécie de santuário resguardado por pessoas negras que se revezam dia e noite, inclusive no rigorosíssimo inverno da cidade, que pode chegar a temperaturas de -15 ºC.
Um dos avisos é direcionado aos visitantes brancos: “Não faça ser sobre você. Venha escutar, aprender, lamentar e testemunhar. Lembre-se que você está aqui para apoiar, e não para ser apoiado.”PUBLICIDADE
Não há ódio, diz Eliza, mas pedido de respeito, como se aquele espaço fosse a forma de lembrar a todos que a luta continua. “Não dá para respirar, porque ainda não acabou.”
Durante os 22 dias do julgamento que condenou Chauvin em três categorias de homicídio, ao menos 64 pessoas foram mortas por policiais nos EUA. Duas delas eram o jovem negro Daunte Wright, baleado em uma abordagem de trânsito a poucos quilômetros de Minneapolis, e Ma’Khia Bryant, adolescente negra morta a tiros em Ohio, uma hora antes do anúncio do veredito.
Um ano depois do assassinato de Floyd, as mudanças estruturais na polícia avançaram pouco não só na cidade onde o crime aconteceu —e onde as promessas políticas eram mais ousadas—, mas também em termos de legislações federais.
Em março, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou a chamada Lei George Floyd de Justiça no Policiamento, que proíbe táticas policiais controversas, como o estrangulamento, e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos de suspeitos. Mas a medida parou no Senado, onde precisa de 60 dos 100 votos da Casa para ser efetivada.
Os senadores estão divididos hoje entre 50 votos para os democratas e 50 para os republicanos —com desempate nas mãos da vice-presidente Kamala Harris—, e analistas são céticos quanto ao apoio de ao menos dez republicanos a um projeto como este.
Em Minneapolis, a Câmara Municipal chegou a prometer no ano passado desmantelar o Departamento de Polícia e reconstruir o sistema de segurança com a ajuda da comunidade, mas a proposta acabou naufragando.
O prefeito Jacob Frey, do Partido Democrata, é contrário à ideia, e vereadores, que antes defendiam a ideia, recuaram diante da pressão de moradores.
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Pesquisa realizada em agosto pelo jornal local Star Tribune mostra que diminuir o tamanho do Departamento de Polícia não conta com apoio maciço da população. Cerca de 40% dos moradores de Minneapolis eram favoráveis à ideia, e, entre residentes negros, o índice era de 35%.
Até agora, a cidade aprovou um projeto de lei que proíbe estrangulamentos e coloca em prática novos requisitos para diminuir a violência nas abordagens da polícia, mas ativistas e especialistas querem mais.
Vice-presidente da Fundação Minneapolis, Chanda Smith Baker diz que o caso de Floyd foi um marco histórico, mas ainda não é possível dizer que as manifestações produziram resultados significativos e permanentes na estrutura policial.
“É claro que, pela quantidade de atenção e o quão perturbado o mundo estava com a morte de Floyd, algo diferente aconteceu. Mas isso só vai importar se continuarmos a pressionar por mudanças em todos os níveis”, afirma. “Só porque houve vitória em um lugar não significa que transformamos o sistema.
A polícia americana mata cerca de mil pessoas por ano, sendo que os negros têm probabilidade quase três vezes maior de serem as vítimas em comparação aos brancos. Segundo levantamento da Universidade Estadual de Bowling Green, 104 policiais não federais foram presos por acusações de homicídio do início de 2005 a junho de 2019. Destes, apenas 35 foram condenados.
Chanda diz que o racismo sistêmico, a falta de compreensão dos americanos sobre o problema e a pouca vontade política em impulsionar mudanças explicam parte desse cenário difícil de ser revertido.
“As comunidades não são ingênuas. Ter um oficial [Chauvin] responsabilizado não indica que outros também serão. Há um reconhecimento de que não podemos permitir que o julgamento e seu veredito sejam o fim da história.”
Morador de Minneapolis, Damien Markham afirma que a condenação de Chauvin veio “apenas para a gente não colocar fogo na cidade de novo”.
Aos 33 anos, ele ajuda na manutenção da praça em homenagem a Floyd e diz que a solução para acabar com “o ciclo sem fim” de assassinatos de pessoas negras por policiais é inclusão econômica. “Eles não matam pessoas negras com dinheiro, matam pessoas negras pobres. Se tivermos dinheiro, eles vão nos deixar em paz.”
O memorial de Floyd virou ponto turístico e foco de disputa entre ativistas e a prefeitura de Minneapolis, que quer reabrir a rota para carros e ônibus no cruzamento entre as movimentadas rua 38 e avenida Chicago, onde o crime aconteceu. Moradores dizem que, desde que a praça foi montada, com uma escultura de punho fechado no meio —símbolo de solidariedade e resistência—, o policiamento na região diminuiu.
Na terça (11), Cory S. estava mostrando o local para a mãe, que vive no Texas. “Tem menos policiamento agora, mas também mais consciência sobre racismo e desigualdade social.”
Especializada em trabalhos com populações marginalizadas, Chanda afirma que “sempre vai haver necessidade de algum nível de policiamento”, mas é possível chegar a um meio termo entre o que existe hoje e o desmantelamento total da corporação. “Violações de trânsito, problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias químicas, por exemplo, não devem ser atendidas com estratégias de policiamento.”
Parlamentares de Minnesota, onde fica Minneapolis, estudam proposta que permitiria a equipes de saúde mental responderem, em alguns casos, a chamados de emergência. Mas o Senado do estado, controlado por republicanos, não parece disposto a aprovar a medida.
As divergências políticas sobre o tema se espalham por todo o país. Legisladores nos 50 estados americanos apresentaram mais de 2.000 projetos de lei relacionados ao policiamento no ano passado, e só cerca de 12 deles conseguiram chancelar medidas mais abrangentes.
O presidente Joe Biden tem pressionado os parlamentares a aprovarem a reforma no sistema policial, e o Departamento de Justiça decidiu investigar se a polícia de Minneapolis tem “padrão ou prática” de discriminação ou uso de força excessiva nas abordagens, o que foi considerado um progresso.
Diante de um sistema historicamente racista, Biden precisa fazer da questão racial prioridade se quiser avançar com mudanças que nem mesmo Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, conseguiu implementar.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Abolição não significa libertação do homem negro, diz historiador e documentarista
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O historiador e documentarista Ivan Alves Filho, licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris em História, diz que “o 13 de Maio deixou marcas profundas na vida nacional”, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (edição 31), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
“A passagem da ordem escravista para a capitalista se processara a duras penas, após três séculos e meio de trabalho compulsório”, afirma ele, na publicação. Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, gratuitamente, no portal da FAP.
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De acordo com o documentarista, a passagem ocorreu em um período de transição relativamente longo até o capitalismo, quando, segundo ele, formas não capitalistas ainda se apresentavam em diferentes pontos do país, entre os séculos 19 e 20. “Estou-me referindo à meia, ao colonato, ao aviamento e ao barracão”, pondera.
“Mas se a abolição libertou o homem escravizado, isso não significa que tenha libertado o homem negro. Uma vez livre, o negro de todos os quadrantes do país encontrara inúmeras dificuldades para se integrar à nova realidade marcada pela dominação cada vez mais acentuada do capital”, analisa o autor, no artigo publicado na revista Política Democrática Online.
Segundo Ivan, em 1823, ao propugnar por uma ruptura gradual com o modo de produção escravista, José Bonifácio já havia advertido para a necessidade de, paralelamente, realizar uma reforma agrária que possibilitasse a inserção social do negro.
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“Ele não só não seria ouvido, mas também D. Pedro II regulamentaria, em 1850, uma Lei das Terras que praticamente impediria o aceso do trabalhador negro à propriedade no campo. Essa lei foi sancionada exatamente no mesmo ano da supressão do tráfico negreiro, anunciando o começo do fim da escravidão”, analisa
Na avaliação do historiador, se, por um lado, o negro não seria mais escravizado, por outro, permaneceria atrelado ao latifúndio. “Ou seja, a terra deixava de ser doada no Brasil, só podendo ser obtida mediante compra a partir daí. E era muito difícil ao descendente de escravos, naturalmente, reunir recursos suficientes para adquirir uma gleba para trabalhar”, acentua.
A íntegra da análise do historiador está disponível, no portal da FAP, para leitura na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.
O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.Leia também:
Santos Cruz: ‘Instituições não aceitarão ações aventureiras do governante’
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Fonte:
Combate ao racismo é tema de podcast da FAP; ouça episódio especial
O programa Rádio FAP desta semana entrevista o juiz de direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Fábio Esteves, referência nacional no combate ao racismo. Homem preto e de origem pobre, o magistrado destaca que suas conquistas profissionais exigiram esforço, suor e muita superação.
Ouça o podcast!
O podcast conta com a participação do jornalista Sionei Ricardo Leão, membro do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira.
Os 133 anos da Lei Áurea, a abolição inacabada no Brasil e a importância do debate sobre a igualdade racial estão entre os principais assuntos. O episódio conta com áudios da TV Câmara dos Deputados, canal Fora dos Autos (Youtube) e da página do Olodum no Facebook.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, Youtube, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.
RPD || Ivan Alves Filho: 13 de Maio, um ponto de convergência
Como única revolução social brasileira até o momento, ao consagrar juridicamente uma mudança que já vinha se operando no modo de produção, o 13 de Maio deixou marcas profundas na vida nacional. A passagem da ordem escravista para a capitalista se processara a duras penas, após três séculos e meio de trabalho compulsório. E ocorreu um período de transição relativamente longo até o capitalismo, quando formas não capitalistas ainda se apresentavam em diferentes pontos do país, entre os séculos XIX e XX. Estou-me referindo à meia, ao colonato, ao aviamento e ao barracão.
Mas se a Abolição libertou o homem escravizado, isso não significa que tenha libertado o homem negro. Uma vez livre, o negro de todos os quadrantes do país encontrara inúmeras dificuldades para se integrar à nova realidade marcada pela dominação cada vez mais acentuada do capital.
Lá atrás, ou seja, em 1823, ao propugnar por uma ruptura gradual com o modo de produção escravista, José Bonifácio já nos advertira para a necessidade de, paralelamente, realizar uma reforma agrária que possibilitasse a inserção social do negro. Ele não só não seria ouvido, mas também D. Pedro II regulamentaria, em 1850, uma Lei das Terras que praticamente impediria o aceso do trabalhador negro à propriedade no campo. Essa lei foi sancionada exatamente no mesmo ano da supressão do tráfico negreiro, anunciando o começo do fim da escravidão. Se, por um lado, o negro não seria mais escravizado, por outro, permaneceria atrelado ao latifúndio. Ou seja, a terra deixava de ser doada no Brasil, só podendo ser obtida mediante compra a partir daí. E era muito difícil ao descendente de escravos, naturalmente, reunir recursos suficientes para adquirir uma gleba para trabalhar.
Outro ponto que me parece fundamental tem que ver com uma certa incompreensão do caráter das transformações sociais entre nós. Ainda que tivesse combinado diferentes formas de luta, que iam dos embates armados dos quilombolas às manifestações na imprensa e no próprio Parlamento, prevaleceria a saída institucional. A Abolição, nunca é demais lembrar, foi uma luta nacional, de negros e brancos. Nem o Estado tinha força suficiente para barrar as mudanças nem a sociedade civil conseguia alterar tudo de chofre ou colocar o Estado abaixo. Daí a via negociada. Nem revolução nem conciliação: negociação.
Eis o que nos desnorteia um pouco. A isso vem se somar outra particularidade do processo histórico brasileiro: a escravidão teve por aqui um conteúdo étnico, o que já não ocorria na escravidão antiga. Durma-se com um barulho desses.
Por outro lado, talvez caiba recordar a lição dada pelo samba de enredo da Vila Isabel, em 1888: é preciso um certo “jogo de cintura…(para fazer) valer seus ideais”. Dir-se-ia que a Abolição entendeu essa nossa particularidade, logrando convergir todas as lutas para o campo institucional.
*Ivan Alves Filho é historiador, licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris em História; jornalista e documentarista brasileiro. É autor de mais de uma dezena de livros.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Fonte:
Nelson de Sá: New York Times alerta contra capa falsa pró-Bolsonaro
O perfil de relações públicas do New York Times no Twitter publicou uma mensagem, em português, com um aviso sobre a imagem abaixo, de uma capa adulterada do jornal. Diz o NYT:
“Estamos cientes de que uma versão manipulada da primeira página do New York Times circula na internet com matérias falsas e uma imagem de manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro. O New York Times não publicou essa capa.”
O jornal sugere acompanhar a cobertura de Brasil aqui. A capa já havia sido objeto de serviços de verificação no Brasil, como Lupa.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2021/05/nyt-alerta-para-capa-falsa-pro-bolsonaro.shtml
Rodrigo Augusto Prando: O bolsonarismo na mira da CPI
Teve início, no Senado, a CPI que investigará as responsabilidades do Governo Federal, bem como de estados e municípios, no que tange à crise pandêmica que ora vivenciamos. Embora outros entes federativos possam ser trazidos à tona, não nos enganemos, pois, a comissão parlamentar de inquérito mira, sim, o bolsonarismo no bojo do Governo.
Há, neste sentido, um bolsonarismo militante – nas redes e nas ruas – e o bolsonarismo governamental, daqueles que, ideologicamente e nos valores, ocupam funções na estrutura estatal e imprimem, em suas falas e ações, facetas do presidencialismo de confrontação. Nos primeiros meses do mandato do presidente Jair Bolsonaro, após sucessivas declarações, principalmente, do próprio presidente, asseverei, alhures, que as vontades e suas realizações trazem consequências. A situação em tela: quase 400 mil mortos e uma CPI em funcionamento são, portanto, os resultados de uma escolha deliberada de Bolsonaro e seus ministros de alicerçar discursos e condutas sobre os pilares do negacionismo, do desprezo à ciência, das teorias da conspiração e das fake news.
A CPI, como se sabe, é instrumento político das minorias parlamentares e que objetivam desnudar determinadas responsabilidades, podendo estas serem, também, políticas, jurídicas, e até criminais. No conjunto dos senadores que compõem a comissão, o governo se encontra em minoria e, por isso, a situação já é, na largada, difícil. Manobras jurídicas tentaram impedir que Renan Calheiros fosse indicado como o relator, cuja posição é de suma importância dado ao fato de produzir o relatório final. No palco da CPI, os atores serão: o presidente eleito Omar Azis (PSD-AM), o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e, na sequência, Azis indicou Renan Calheiros (MDB-AL) como relator. Há, ainda, os senadores Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Marcos Rogério (DEM-RO), Eduardo Braga (MDB-AM), Eduardo Girão (Podemos-CE), Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorginho Mello (PL-SC).
Renan Calheiros é, na política, daqueles adversários que ninguém deseja. Um amigo e interlocutor frequente nos assuntos atinentes à política disse-me que “Renan é dos poucos que sabem fazer o mal com tanto carinho”. Na instalação da CPI, a fala de Calheiros foi dura. “Não foi o acaso ou o flagelo divino que nos trouxe a este quadro. Há responsáveis, há culpados, por ação, omissão, desídia ou incompetência e eles serão responsabilizados”, disse. E, ainda: “Os crimes contra a humanidade não prescrevem jamais […]. O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes. E eles devem ser punidos imediatamente e emblematicamente”. Se muitos políticos, metaforicamente, podem atirar para todos os lados, Renan é um atirador de elite, um sniper.
Senadores aliados do governo buscaram, no Supremo Tribunal Federal, barrar a função de Renan na relatoria da CPI. E isto indica que o senador alagoano é deveras temido pelo Planalto. Muito se comentou acerca de um relatório produzido pelo governo que, para antecipar sua defesa, destacou ações e omissões que nem mesmo se tinha aventado na CPI e, pior, foi este relatório ter vazado. Mas, para quem acompanha a cena política, lê os jornais e revistas e, ainda que panoramicamente, frequente as redes sociais, Bolsonaro, seus ministros, seus filhos, aliados políticos já produziram material fartamente registrado sobre praticamente todas as falas, entrevistas, lives e ações, desde março de 2020 até agora.
O ponto alto em toda a CPI é, sem dúvida, tirante o relatório final, as sessões com depoimentos aos parlamentares. E, neste caso, os parlamentares, dotados de retórica política, submetem os depoentes a um ambiente de tensão, enorme exposição e saraivada de perguntas e argumentações que podem produzir peças explosivas. Deem um microfone ao ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, médico e político e, depois, ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Submetam os dois à pressão. Já conseguem imaginar o resultado? Coloquem cientistas e pesquisadores como, por exemplo, Natalia Pasternak, Atila Iamarino, Margareth Dalcolmo e Miguel Nicolelis de um lado e, do outro, Ernesto Araújo, Paulo Guedes, Carla Zambelli e Flavio Bolsonaro. É, por isso, que muito se afirma que todos sabem como começa uma CPI e nunca como ela termina.
O presidente Bolsonaro e o seu governo serão desgastados ao longo deste processo de investigação. O resultado, por enquanto, será difícil de prever, todavia, numa perspectiva de construção de cenários futuros, nenhum deles é favorável para o bolsonarismo. Acuado, Bolsonaro continua a atacar, ameaçar e menosprezar a CPI, chamando-a de “carnaval fora de época”. Felizmente, para o governo, não é carnaval e, por conta disso, não há o povo nas ruas. Dialeticamente, a pandemia que fragiliza o governo também o protege de protestos massivos.
*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia, pela Unesp
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-bolsonarismo-na-mira-da-cpi/
Ricardo Antunes: 1º de Maio – O que comemorar?
Chegamos neste 1º de Maio de 2021 com o pior retrato de toda a história republicana. Nem durante a Primeira República vivenciamos uma situação tão trágica.
O desemprego hoje, segundo o IBGE, é de mais de 14 milhões. E, se a ele somarmos quase 6 milhões em desalento, ultrapassamos 20 milhões. Em fins de 2019, somávamos 17 milhões de desempregados e desalentados. Assim, é ilusório imaginar que tudo isso foi causado pela pandemia. A praga sanitária desnudou e exasperou uma realidade que vem se acumulando há tempos, mas se acentuou com Michel Temer e Jair Bolsonaro, com suas visíveis afinidades destrutivas.
O principal causador dessa devastação social se encontra na vigência de uma pragmática neoliberal perversa, que vem derrogando, um a um, a totalidade dos direitos sociais do trabalho. Flexibilização, terceirização, informalidade, negociado sobre o legislado, trabalho intermitente e uberizado, enfraquecimento dos sindicatos e da Justiça do Trabalho: foi este o cenário que a Covid-19 encontrou.
Outro exemplo emblemático: segundo o IBGE, no primeiro trimestre de 2020, constatou-se uma redução na taxa de informalidade quando comparada ao trimestre anterior, o que parecia positivo. Mas, ao contrário, essa constatação estampou outro vilipêndio, uma vez que houve aumento do desemprego dentro da informalidade. Nem isso o “Posto Ipiranga“ e seu chefe conseguiram impedir, aflorando mais um descalabro do desgoverno: o informal-desempregado. Para “comemorar” restou a explosão do desemprego, o “descobrimento” dos milhões de “invisíveis”, o aumento da fome e da miserabilidade, além do empobrecimento de amplos setores da classe média, que estão cada vez mais endividados e engrossando as fileiras dos sem-teto.
Mas é bom recordar que há quem esteja ganhando muito. As grandes plataformas digitais que se utilizam do trabalho intermitente e uberizado não param de crescer no tabuleiro do capital. Quanto mais “incluem” trabalhadores (que redenominaram “empreendedores” para excluí-los da legislação protetora do trabalho), maior é a intensidade do trabalho, mais longevas suas jornadas e menor a remuneração percebida. Os bancos, todos sabemos, seja na bonança ou na crise, garantem sempre o seu quinhão.
Como escrevi neste mesmo espaço (“De novo a Belíndia”; 24/10/16), naquele momento já estávamos caminhando para nos tornar uma nova Índia na América Latina, contando desemprego, informalidade, precarização e miséria aos muitos milhões, seguindo os passos do imenso país asiático
Será difícil, então, imaginar como irão sobreviver aqui os trabalhadores e as trabalhadoras, os negros e as negras, os indígenas, a juventude das periferias, os imigrantes etc.
Algum desavisado poderá afirmar: mas o governo algo fará!
Sua primeira ação já está definida: proibir o novo Censo Demográfico do IBGE. Com o apagão dos dados, pensa que será mais fácil esconder o tamanho do desastre social neste país tão desventurado. Será?
Tudo isso demonstra que, no Brasil de Bolsonaro, o 1º de Maio é um dia de luto. Mas é bom recordar que, historicamente, é também um dia de luta.
*Ricardo Antunes é professor titular de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH/Unicamp); autor, entre outros, de ‘Os Sentidos do Trabalho’ (ed. Boitempo)
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/1o-de-maio-o-que-comemorar.shtml
Zulu Araújo: Primeira prefeita negra de Cachoeira (BA) é ameaçada de morte
Considerada uma joia do Patrimônio Cultural Brasileiro, desde 1971, com belos casarões e igrejas e com bens tombados pelo IPHAN desde 1940, Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo Baiano, vive hoje momentos de terror. A prefeita Eliana Gonzaga, primeira mulher e primeira negra eleita para governar a cidade está sendo ameaçada de morte por milicianos políticos. O caso é tão grave que o Governo do Estado da Bahia determinou que a mesma tivesse escolta militar dia e noite.
O drama da prefeita e da cidade começou no dia 15 de novembro de 2020, quando ela, juntamente com sua vice Cristina Pereira, venceram as eleições para a prefeitura com mais de 2.500 votos de vantagem, num universo de 18 mil votos, numa vitória histórica. O derrotado que concorria pela quarta vez a prefeitura foi um grande empresário da região e que continua inconformado. Por conta dessa vitória, Cachoeira não teve mais sossego desde então.
Para quem não sabe, a cidade tem uma importância histórica para a Bahia e o Brasil. Em 25 de junho de 1822, por meio da Câmara Municipal de Cachoeira foi declarada a verdadeira Independência do Brasil e o inicio das sangrentas batalhas que culminaram com a expulsão dos portugueses da Bahia e a declaração de sua independência no dia 2 de Julho de 1823. Por conta dessa atitude corajosa a Cachoeira é conhecida como “Cidade Heroica”.
Se não forem adotadas medidas urgentes e rigorosas contra esses milicianos, Cachoeira pode viver mais uma tragédia. Pois as ameaças não são de brincadeira. Dois dos apoiadores da campanha eleitoral da prefeita já foram assassinados em plena luz do dia sem que até o momento se tenha conhecimento dos autores. São eles, Ivan Passos (morto dois dias após as eleições e Gerolando Silva, assassinado com 10 tiros, em frente à delegacia local.).
Importante dizer que Cachoeira é uma cidade eminentemente negra, com mais de 80% da população de origem africana. Onde os terreiros de candomblés tem uma forte presença, assim como a famosa Irmandade da Boa Morte que é liderada por negras sexagenárias da cidade e encanta o mundo inteiro. Ainda assim, nunca uma mulher negra havia sido eleita para dirigi-la. Ao que parece o racismo e a misoginia se juntaram para impedir que a vontade da população seja respeitada.
“Eu não vou renunciar. Eu não tenho medo. Junto com os meus ancestrais, aqui também pulsa a veia sindical, e muito forte e não sou covarde. A veia do sindicalista não recua”, disse a prefeita, que já foi feirante, líder sindical e vereadora na cidade por dois mandatos. Ela também tem recebido apoios importantes, tanto de entidades do movimento negro baiano, a exemplo da Unegro, do Movimento de Mulheres e de parlamentares de todas as matizes, como a deputada federal Lidice da Mata, que denunciou as ameaças durante audiência na Procuradoria da Mulher da Câmara Federal. Enfim, essa luta também é nossa, afinal, não podemos permitir que uma nova Marielle Franco se materialize na nossa querida Cachoeira.
Folha de S. Paulo: Foco em testes tem sido devastador para crianças não brancas, diz pesquisadora
Para professora da Universidade Columbia (EUA), educação antirracista pede currículo mais abrangente
Angela Pinho, Folha de S. Paulo
Grande tema do debate educacional na pandemia de coronavírus, a desigualdade na área castiga muito mais crianças pobres e negras. Repetir o diagnóstico à exaustão, porém, não tem contribuído para nada, diz Sonya Douglass Horsford, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.
Pelo contrário. Em sua visão, o foco excessivo em avaliações educacionais de larga escala estigmatizou crianças não brancas e prejudicou seu bem-estar emocional. É como atestar que a pressão arterial de um paciente é alta e nada fazer, diz.
Professora de liderança educacional e diretora do grupo de pesquisa Black Education na Universidade Columbia, ela participou recentemente de painel promovido pela Fundação Lemann sobre os desafios da equidade racial na educação.
À Folha ela falou também sobre o papel dos pais e professores no combate ao racismo e contou qual pensador brasileiro é uma referência em seu trabalho.
Você acha que a desigualdade na educação deve aumentar após a pandemia, em termos de acesso e aprendizagem? Há muita discussão sobre perda de aprendizagem, mas nós devemos fazer perguntas diferentes: o que podemos aprender com a pandemia? Como as grandes desigualdades que vemos na educação podem ser abordadas à medida que a reinventamos como parte da recuperação? Não acho que a gente deve necessariamente focar nas lacunas ou nas comparações, mas decidir o que queremos que as nossas escolas sejam capazes de oferecer às crianças.
Qual seria a sua resposta? Precisamos dos melhores e mais bem preparados professores e dirigentes escolares, de um currículo de alta qualidade que inclua basicamente a verdade sobre a história do país e sobre as realidades que nossas crianças devem enfrentar. Precisamos de um currículo mais holístico, que inclua questões sobre justiça social e meio ambiente, sobre o seu papel em uma sociedade democrática, além de leitura e matemática.
Nos Estados Unidos e em diversos países, muitas avaliações têm constatado quão desigual é a educação. Esses diagnósticos produzem consequências práticas? O foco em testes nos Estados Unidos teve consequências devastadoras, especialmente para a educação de crianças não brancas. É como testar a pressão arterial repetidas vezes só para saber que ela não está boa, e não para usar o resultado para fazer o que é preciso, ou seja, diminuir a pressão arterial ou prevenir que ela aumente. Quando o resultado da avaliação está nas mãos dos educadores para a prática profissional, ela é muito necessária e importante, mas usá-la da forma punitiva como tem sido usada nos Estados Unidos é certamente é algo que criou mais problemas para a educação do que os resolveu.
Que problemas? Ficamos tão obcecados em testar que esquecemos do bem estar social e emocional das nossas crianças. Reduzimo-nas a um número em um teste e ainda escolhemos compará-las por raça —o que é um aspecto de quem elas são, mas a identidade racial não deveria ser um fator preditivo de qual será a sua pontuação. Então eu acho que temos que ser mais responsáveis no uso de métricas, usá-las para apoiar a aprendizagem em vez sermos punitivos e declararmos alguns grupos inferiores a outros.
De que forma os testes têm sido usados como punição? O uso punitivo das avaliações de alto impacto ["high stakes testing", o equivalente às avaliações de larga escala no Brasil] nos Estados Unidos vinculou os resultados dos testes por raça ao desempenho do professor e da escola.
Isso criou um emblema de inferioridade para crianças não brancas, ao enfatizar seu baixo desempenho nos testes, muitos dos quais são tendenciosos. Quando esses dados são usados para avaliar o desempenho de professores e escolas, eles alimentam a divisão e a competição, em vez de servir como uma forma de determinar como melhorar a qualidade do currículo e do ensino ministrado aos alunos não brancos.
O que deve-se fazer para avançar na equidade racial na educação? Temos que valorizar a educação como um direito civil e humano e como uma profissão, recompensando e respeitando os professores pelo trabalho que eles fazem. A pandemia nos mostrou quão difícil é ensinar. Devemos abraçar a educação como uma responsabilidade coletiva: não é apenas o papel do professor, mas é também da família, dos membros da comunidade e dos formuladores de políticas.
Que consequências do racismo que uma criança negra sofre dentro da escola, depois de já superadas as barreiras de acesso? Uma criança negra pode ter que enfrentar um ambiente hostil. Se os professores não esperam que você seja capaz de aprender da mesma maneira que seus colegas com base em sua raça, isso tem consequências devastadoras para a sua auto-estima. É por isso que é tão importante ter uma cultura de liderança relevante, sabermos quem são as crianças para quem estamos ensinando, valorizarmos e termos grandes expectativas em relação a elas.
É importante para isso que as crianças tenham professores negros? Professores negros são importantes, mas não proponho uma correspondência racial necessariamente [entre alunos e professores]. Só acho que é preciso ter um professor que entenda a formação, as experiências, a cultura e as perspectivas das crianças para quem estão ensinando. Muitas vezes acontece de essa pessoa ser alguém que compartilha sua identidade racial e cultural, mas um professor branco pode fazer isso também.
Pais de escolas particulares no Brasil têm adotado programas de bolsas para aumentar a presença de alunos negros nas instituições. O que acha de iniciativa como essas? Temos programas semelhantes nos EUA. Alguns alunos têm experiências positivas, e outros têm dificuldades, porque a questão é muito maior do que apenas os recursos financeiros, é também o clima da escola. Acho que todos têm uma escolha a fazer em relação a como educam os filhos e apoiam os outros, mas seria bom se pudéssemos construir espaços onde pudéssemos aprender uns com os outros, o que penso ser a verdadeira definição de diversidade. Talvez, em vez de bolsas de estudo, haja uma maneira de reunirmos as pessoas para aprenderem juntas.
E fora da escola, o que pais tanto brancos como negros podem fazer para contribuir para uma educação antirracista? Se educar e entender história do país. Raça não é algo apenas sobre diferentes tipos de pessoas ou de cor de pele, mas é sobre uma estrutura de poder e um sistema que foi posto em prática desde a escravidão e negou a plena cidadania aos negros. É uma prática social que cria um padrão duplo e tudo o que estamos tentando fazer é defender a justiça. As crianças sabem o que é injustiça, então nós, adultos, também temos que apontar isso, abraçando um compromisso com a equidade e a justiça.
Tem algum pensador ou pesquisador brasileiro que tenha sido importante na sua trajetória acadêmica? Paulo Freire. Ele é muito lido, está na base de nossa pedagogia crítica. O que ressoa para mim é essa noção de que a educação é a prática da liberdade. Minha visão de educação emancipatória é que não é apenas para a equidade, mas para a libertação e emancipação. A reflexão é como criamos o espaço para que as crianças se vejam dessa forma e sejam capazes de usar a aprendizagem como um ferramenta de liberdade. Não apenas como pensamos, mas o que fazemos para mudar as condições ao nosso redor.
Ancelmo Gois: 'Os racismos brasileiros são perversos', diz o historiador Alberto da Costa e Silva
Dia 12 de maio, agora, o historiador Alberto da Costa e Silva completará 90 anos. Vai comemorar lançando, mais uma vez, um livro sobre sua paixão: a África. A “A África e os africanos na história e nos mitos”, pela Nova Fronteira, inclui Mansa Musa, rei do Mali, que em pleno século XIV acreditava que o Atlântico tinha outra margem, o Brasil.
Aqui, na semana em que foi condenado o policial branco que matou George Floyd, o grande historiador aborda o racismo nos EUA e no Brasil:
“Os racismos brasileiros não possuem as mesmas formas que os dos norte-americanos. Pode-se escrever um livro grosso, para mostrar as diferenças. Mas os racismos brasileiros são perversos, ainda quando dissimulados ou indesejados. Ouçamos o que dizem os negros, e até mesmo os poucos que consentimos serem bem sucedidos na vida. Uma das diferenças é definir quem é negro. No Brasil, é predominante uma questão de aparência; nos EUA, de ascendência.
Faz algum tempo, um importante político brasileiro, um daqueles de quem temos saudade, me dizia, a propósito, o seguinte: ‘Eu sempre fui considerado branco, e tratado como tal; meu irmão, que é escuro, sempre foi tido por negro. Somos ambos mulatos, com o mesmo pai e a mesma mãe’. Outro exemplo: um artista norte-americano que viveu alguns anos no Brasil, enviava os seus trabalhos semanalmente para os Estados Unidos e de lá recebia o pagamento em dólares.
Perguntei-lhe certo dia, numa roda de amigos, por que estava vivendo no Brasil. E ele respondeu prontamente: ‘Porque nos EUA sou negro, e no Brasil, sou branco, e é enorme a diferença. Aprendemos a ser racistas quando crianças. A escola fortalece (ou até bem pouco fortalecia), ao fazer um retrato negativo do africano, de sua arte e de sua história e do papel fundamental dos africanos na formação do Brasil’’’.