queimadas
Ricardo Noblat: No país do presidente capitão a Amazônia está intacta
Apologia da mentira
As edições desta quarta-feira dos principais jornais do país ofereceram espaço tão generoso ao discurso de Bolsonaro durante a 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia pela Amazônia que só pude imaginar uma coisa: ficaram tão chocados quanto eu fiquei, e e irão refutá-lo ponto por ponto. Isso não aconteceu.
Sem tirar nem pôr, o discurso foi uma defesa apaixonada da mentira. Bolsonaro disse que “não há nenhum foco de incêndio, nem um quarto de hectare desmatado” na floresta. “É uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo”. Segundo ele, a floresta amazônica permanece “intacta”.
Afirmou que em julho último, o Brasil apresentou redução de 28% no desmatamento em relação a 2019, mas não mencionou que os números totais indicam avanço de 34% no desmate. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alvo de críticas do presidente no passado.
Repetiu a conversa de que convidou embaixadores e representantes de outros países que defendem a proteção da Amazônia a sobrevoarem região entre Manaus e Boa Vista para confirmar que está tudo bem. E reforçou que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia “não pega fogo”. Sim, “não pega fogo”.
Como se não bastasse, referiu-se ao seu como um governo que não tolera e muito menos incentiva a prática de crimes ambientais. Assegurou: “Nossa política é de tolerância zero, não somente para o crime comum, mas também para a questão ambiental. Combater os ilícitos é essencial para a preservação da nossa Amazônia”.
O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro próximo será muito maior que o de 2019. As projeções indicam que a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma escalada de aumento de destruição da maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua história.
Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no mês de setembro.
Um levantamento do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução mais baixa dos últimos anos.
A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em do governo Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, observou-se uma redução de 17% das multas ambientais.
Guedes tenta assustar Bolsonaro com o fantasma do impeachment
O apagão do ex-Posto Ipiranga
De público, pelo menos, ninguém da equipe do presidente Bolsonaro jamais ousara admitir que ele pudesse correr o perigo de ser deposto por meio de um processo de impeachment. Paulo Guedes, ministro da Economia, admitiu. Logo ele, tido como uma das colunas de sustentação do governo. A outra coluna ruiu desde que Sérgio Moro demitiu-se do Ministério da Justiça.
Foi Bolsonaro que chamou Guedes de seu Posto Ipiranga, onde nada falta e tudo se resolve. Poderia tê-lo chamado de ministro número 1, tamanha a importância que lhe conferiu antes e depois de se eleger presidente. Pois bem: o posto vem sofrendo sucessivos apagões. E se alguma vez foi o número 1, já não é mais. O título está sendo disputado por outros ministros em ascendência.
O plano de Guedes para arrumar o governo e fazer a economia crescer deu em pouca coisa por culpa do próprio ministro, das hesitações de Bolsonaro em bancá-lo, e dos efeitos da pandemia do coronavírus. Resultado natural: os principais auxiliares de Guedes começaram a debandar. Foram embora frustrados e à procura de novos desafios. Guedes poderá segui-los em breve.
Nas últimas semanas, Mansueto Almeida deixou a Secretaria do Tesouro, Caio Megale a diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda e Rubem Novaes a presidência do Banco do Brasil. Por fim, Salim Matar largou a Secretaria da Desestatização, e Paulo Uebel a da Desburocratização. A perda de tanta gente em tão pouco tempo foi batizada por Guedes de debandada.
Embora tenha dito que a reação do governo à debandada será “avançar com as reformas”, Guedes passou todos os sinais de quem nem ele acredita mais no que diz. Na mesma ocasião, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e empenhado tanto quanto ele em aprovar as reformas, Guedes comentou como se tirasse o seu da reta e apontasse para o alto:
– Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro. Quem manda não são os secretários, e o secretário quando o negócio não tiver andando, ele pode desistir ou ele pode insistir. Então, é simplesmente isso que aconteceu.
Contou o que ouviu dos dois mais recentes demissionários: “Em nome da transparência, o Salim hoje me disse o seguinte: ‘A privatização não está andando. Eu prefiro sair’. E o Uebel me disse o seguinte: ‘A reforma administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair’. Esse é o fato. Essa é a verdade”. A estocada final de Guedes teve endereço certo:
– Se tentarmos [em 2021] seguir com o [atual] padrão de gastos iremos para o caos. Os conselheiros do presidente que o [instigam] a pular cerca e a furar teto o levarão para uma zona de incerteza, uma zona sombria. Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal e o presidente sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado.
Não, Bolsonaro não tem apoiado Guedes como ele esperava. Como seu único objetivo é se reeleger, deixou-se seduzir pela ala militar e civil do governo que quer gastar mais com obras de infraestrutura e programas assistencialistas. Tudo por mais votos no curto prazo. Teto de gastos? Dá-se um jeito de driblá-lo. Reforma administrativa? Fica para depois.
E não adianta o choro do mercado financeiro, nem as críticas dos que acreditaram no discurso das reformas. Nos cálculos de Bolsonaro e dos que roubaram seu coração, em 2022 os chorões e os críticos estarão condenados a votar nele para barrar a volta da esquerda ao poder. É prego batido e ponta virada. Se quiser sobreviver, Guedes terá de abrir o cofre. Vida que segue.
Míriam Leitão: Floresta no chão e fumaça no ar
O ministro do Meio Ambiente quer floresta no chão e fumaça no ar. Em plena crise de imagem do Brasil por causa do desmatamento, que gerou uma onda de alertas dos investidores contra o país, ele propõe suspender a meta de diminuição de queimada e desmatamento ilegais. O que o Brasil perde se Ricardo Salles ganhar? Riqueza natural, qualidade do ar, investidores internacionais, biodiversidade, futuro. Além de Salles, quem ganha com o desmatamento? Alguns poucos criminosos, como mostrou a revista “Veja” na edição desta semana, dando seus nomes e endereços.
A impressionante reportagem fez o ranking dos dez maiores desmatadores segundo as multas do Ibama. Imagens de satélite indicaram o antes e o depois. O campeão é Edio Nogueira, da Fazenda Cristo Rei, em Paranatinga, Mato Grosso, onde ele derrubou 24 mil hectares de mata nativa, equivalente a 22 mil campos de futebol. Ele usou aviões para jogar gigantescas quantidades de agrotóxico para matar as árvores, o que faz o fogo espalhar mais rapidamente.
Edio recebeu uma multa de R$ 50 milhões, que dificilmente pagará, até porque o presidente Bolsonaro critica isso que ele chama de “indústria da multa”. A empresa de Nogueira, a Agropecuária Rio da Areia, coloca no site que fornece para a JBS, Marfrig e Minerva. A “Veja” procurou os frigoríficos, que negaram compras recentes. A Minerva disse que a última compra foi feita em 2015, a JBS admite que comprou, mas de outra empresa do mesmo grupo em Mato Grosso do Sul. A Marfrig parou de comprar deles em 2017. Seja como for, está lá no site. E como disse a revista, na reportagem de Edoardo Ghirotto e Eduardo Gonçalves, “é esse tipo de confusão que está estraçalhando a imagem do Brasil lá fora”.
O ponto é: quem ganha com o abandono da meta de reduzir o desmatamento e as queimadas ilegais? Esse empresário, que joga agrotóxico para matar as árvores antes de queimá-las, ganha. Não é o único, a revista dá a lista dos 10 maiores. No Pará, Amapá e Mato Grosso. Quem perde? O resto da sociedade brasileira.
O repórter Mateus Vargas, do “Estado de S. Paulo”, teve acesso ao documento em que Salles tenta contornar a meta de reduzir até 2023 o desmatamento e a queimada ilegais em 90%. Em troca, ele quer a aprovação do seu projeto, que definiu de Floresta+. Seria melhor chamá-lo de Floresta-, porque é proteger uma área de 390 mil hectares. O documento quer urgência na aprovação dessa ideia. Os técnicos do Ministério da Economia não gostaram. Oficialmente, o Ministério concordou com a proposta de redução da meta. A lorota que eles contam é que será para “adequar aos compromissos de zerar o desmatamento ilegal até 2030”. Ou seja, o plano plurianual pode ir mais devagar, em vez de ter a meta de reduzir a 90% em 2023 o desmatamento ilegal.
No Acordo de Paris, o Brasil propôs zerar em 2030, mas tem metas intermediárias. Em 2020, o Brasil teria que ter derrubado o desmatamento para o nível de 3 mil km2. Hoje, está em 10 mil e subindo. Mesmo se tivesse cumprindo o compromisso que firmou com outros países, destruiria uma área equivalente a duas vezes a cidade de São Paulo. O Ministério da Economia deveria pensar duas vezes antes de concordar.
Ricardo Salles também completou o trabalho de desmonte da presença de qualquer representação nos conselhos ambientais. Desta vez foi reduzida a participação de entidades civis e conselhos estaduais e municipais na comissão executiva para o controle do desmatamento ilegal e recuperação de vegetação nativa, Conaveg. Eles poderão ir, se convidados, mas sem direito a voto.
Esse é só mais um passo do programa “mais Brasília e menos Brasil” em cada conselho ambiental. Uma das decisões acabou travando o Fundo Amazônia. Salles tirou todas as ONGs, entidades científicas, empresariais e representantes dos nove estados amazônicos do conselho. Resultado: demoliu a governança.
O vice-presidente Hamilton Mourão recebe educadamente os investidores, empresários, banqueiros. Promete a todos que o governo vai melhorar o combate ao desmatamento ilegal. Com isso, ele ganha tempo e tenta reconstruir a credibilidade do governo. Quando saem propostas assim, de reduzir a meta que foi estabelecida no plano plurianual de redução do desmatamento ilegal, Mourão fica falando sozinho. Ou ele está falando só para inglês ver?
El País: Boicote por crise dos incêndios na Amazônia chega ao mercado financeiro e acende alerta
Banco nórdico, Nordea, suspende compras de títulos do Governo brasileiro por incêndios. Onda de queimadas provoca cautela diante dos fundos que levam em conta práticas ambientais, sociais e de governança, que estão em alta
Os reflexos da crise ambiental desencadeada pelo aumento das queimadas na Amazônia chegou nesta semana ao mercado financeiro. O Nordea, o maior banco dos países nórdicos, afirmou que decidiu suspender as compras de títulos do Governo brasileiro, devido a preocupação com as respostas do Governo de Jair Bolsonaro dadas até agora aos incêndios na Amazônia. Banco nórdico, Nordea, suspende compras de títulos do Governo brasileiro devido ao aumento de incêndios.
A instituição financeira sediada em Helsinque, na capital da Finlândia, informou que está adotando uma "quarentena temporária" para a compra de bônus brasileiros denominados em dólar e real. "O que significa que não há compras adicionais e apenas ações potenciais de venda", afirmou à agência Reuters Thede Ruest, chefe de dívida dos mercados emergentes do Nordea. “Se avaliarmos desenvolvimentos positivos, podemos suspender a quarentena antes de uma data definida – igualmente se a situação piorar, talvez tenhamos que excluir os títulos do Governo brasileiro do nosso universo”, acrescentou. A Nordea Asset Management disse que sua exposição atual a esses títulos do Brasil é de aproximadamente 100 milhões de euros.
A decisão do banco nórdico é um alerta de que a questão ambiental ainda pode trazer implicações maiores ao Brasil, segundo o economista Lívio Ribeiro, da Fundação Getúlio Vargas. "Essa gestora é muito grande e o tema é bastante relevante, um sinal importante. Se esse episódio do Nordea for replicado, ele pode trazer implicações negativas importantes. A decisão não pode ser menosprezada. A última coisa que precisamos é de mais ruído para a economia brasileira", explica.
A responsabilidade ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) é um critério crescente nos portfólios de fundos de investimentos pelo mundo, como reflexo dos grupos de pressão na sociedade organizados em torno do combate ao aquecimento global ou contra a exploração do trabalho. Veículos especializados noticiaram nesta semana que outros grupos orientados pelo ESG disseram que a onda de queimadas entrou no radar, mas nenhum deles havia anunciado ainda o passo tomado pelo Nordea.
De acordo com a Reuters, outros investidores nórdicos também têm demonstrado preocupações sobre o tema, incluindo o KLP, um fundo de pensão norueguês com mais de 80 bilhões de dólares em ativos sob gestão. O fundo disse estar em contato com empresas norte-americanas - com a quais possui investimentos- que fizeram negócios com produtores agrícolas para solicitar "ações concretas".
“Também analisaremos as empresas norueguesas que importam produtos de soja do Brasil para avaliar isso e pedimos que façam o possível para proteger as florestas tropicais”, afirmou Jeanett Bergan, chefe de investimentos responsáveis da KLP, em comunicado, segundo a Reuters.
O anúncio do banco nórdico é a mais recente reação aos milhares de incêndios no norte brasileiro, que, há semanas, geram uma crise internacional para o país, com protestos da população e de líderes mundiais preocupados com a forma em que o Governo de Bolsonaro está conduzindo a situação. A avaliação é que o presidente brasileiro teve uma reação tardia e pouco faz para proteger a maior floresta tropical do mundo.
Ambientalistas defendem grande parte dos incêndios foi ilegalmente provocada por grileiros e fazendeiros que procuram expandir pastagens na Amazônia e que se sentem encorajados pelas críticas do presidente a excessivas proteções ambientais. Bolsonaro nega, no entanto, que os incêndios sejam deliberados.
O banco nórdico afirmou, em nota, que o modo que ao Governo lida com a questão poderia afetar a estabilidade política no Brasil, ameaçando inclusive o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, e potencialmente levar companhias internacionais a boicotar produtos agrícolas brasileiros.
Multinacionais já ameaçam suspender a importação de produtos do Brasil caso a situação não se resolva. A empresa dona de marcas populares entre a classe média do país, como Kipling, Timberland e Vans, confirmou a jornais brasileiros que não utilizará mais o couro vindo do Brasil até que tenha absoluta segurança da origem dos produtos. Já a maior produtora norueguesa de salmão avalia boicotar a soja brasileira, enquanto a empresa Nestlé afirmou que está revisando a compra de subprodutos de carne e cacau da região amazônica "para garantir que esteja alinhada ao padrão de fornecimento responsável".
Além do risco de um boicote aos produtos agropecuários brasileiros, outro revés financeiro já está em curso. A Noruega e a Alemanha suspenderamrepasses de quase 300 milhões de reais ao Fundo Amazônia, entidade responsável por fomentar e gerir projetos ambientais na região. Os dois países acusam Bolsonaro de falta de compromisso com a preservação. Recursos internacionais são responsáveis por quase 99% do dinheiro do fundo, que é utilizado pelos governos estaduais para a compra de viaturas e aeronaves de combate a incêndio, e também por ONGs conservacionistas.
"Europa não tem lições para nos dar"
Apesar de ter ido à TV falar sobre seu compromisso com a floresta, Bolsonaro segue insistindo em rever reservas indígenas, que coincidem com as áreas amazônicas mais preservadas, ou prometendo liberar atividade econômica como garimpo nas áreas. Mesmo diante da forte pressão internacional, Bolsonaro continua confrontando os países críticos de sua política ambiental.
Na manhã desta sexta-feira, ele afirmou que a Europa "não tem nada a ensinar" ao Brasil sobre preservação ambiental, enquanto novos incêndios foram detectados na região amazônica no primeiro dia em que passou a valer um decreto do presidente que proíbe queimadas por 60 dias, salvo em situações permitidas pelos órgãos de fiscalização. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde janeiro até a última terça-feira foram registrados 83.329 focos de incêndios no Brasil, sendo mais da metade (52,1%) na selva amazônica.
O presidente brasileiro acusa a Alemanha e a França de tentarem "comprar" a soberania do Brasil após o G7, bloco que reúne as maiores potências ocidentais, oferecer 20 milhões de dólares em ajuda para combater o fogo e se negou a receber ajuda até o presidente francês, Emannuel Macron, retirar seus comentários críticos e de internacionalizar a proteção da Amazônia.
"Europa toda junta não tem lições para nos dar no tocante ao meio ambiente", afirmou Bolsonaro a jornalistas em Brasília. Mais tarde, no entanto, o presidente fez um aceno mais amigável a Alemanha e disse ter tido uma conversa por telefone "bastante produtiva" com a chanceler alemã Angela Merkel. "A pedido do Governo Alemão, o Serviço Europeu de Ação Externa foi mobilizado para avaliar a situação das queimadas na América do Sul. Segundo o SEAE, as informações de satélite do Sistema Copernicus demonstram que a área com queimadas no Brasil teve um decréscimo entre janeiro e agosto de 2019, levando-se em conta o mesmo período de 2018, o que prova o compromisso do nosso Governo com a questão ambiental", escreveu o presidente brasileiro em sua conta do Twitter.
A aliança preferencial do presidente brasileiro segue sendo com Donald Trump, a quem disse ter pedido ajuda sobre a Amazônia. Eduardo Bolsonaro, indicado pelo pai para ser embaixador do Brasil em Washington, algo que ainda depende da aprovação no Senado, esteve nesta sexta em reunião express na Casa Branca para agradecer Trump pelo apoio na crise. O presidente norte-americano também foi notícia nesta semana por ter tem tomado medidas que afrouxam a política de combate ao aquecimento global nos EUA.
Com agências Reuters e AFP
Hoje tive uma conversa bastante produtiva com a Chanceler Ângela Merkel, a qual reafirmou a soberania brasileira na nossa região amazônica. A pedido do Governo Alemão, o Serviço Europeu de Ação Externa foi mobilizado para avaliar a situação das queimadas na América do Sul.
El País: A eterna catástrofe na Amazônia
Cientistas afirmam que os múltiplos incêndios deste inverno não são uma exceção, e que ainda é cedo para falar em recorde
“Nossa casa está em chamas. Literalmente. A selva amazônica —os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta— está em chamas. É uma crise internacional”, proclamou na quinta-feira o presidente francês, Emmanuel Macron, na sua conta do Twitter. Alguns especialistas consultados são mais precavidos. “O que mostram nossos dados é que houve uma intensidade diária de incêndios acima da média em algumas partes da Amazônia durante as duas primeiras semanas de agosto”, diz Mark Parrington, do Copérnico, o programa europeu de observação da Terra. “Mas, em geral, as emissões totais [de CO2 gerado pelos incêndios] estimadas para agosto estiveram dentro dos limites normais: mais altas que nos últimos seis ou sete anos, porém mais baixas que no começo da década de 2000”, salienta.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil detectou mais de 76.620 focos desde o começo do ano, quase o dobro que no mesmo período de 2018 (41.400), mas uma cifra não tão distante dos 70.625 registrados em 2016. “O número de incêndios aumentou com relação aos últimos anos e está perto da média de longo prazo”, explica Alberto Setzer, pesquisador do INPE.
A NASA também é cautelosa. "Não é incomum ver incêndios no Brasil nesta época do ano, devido às altas temperaturas e à baixa umidade. O tempo dirá se este ano é um recorde ou simplesmente está dentro dos limites normais", tranquiliza a agência espacial norte-americana em seu site. A NASA recorda que os incêndios na bacia amazônica são muito raros no resto do ano, mas seu número aumenta a partir de julho, durante a estação seca, quando muitos fazendeiros utilizam o fogo para manter seus cultivos ou para limpar a terra para pastos ou outros fins. Os incêndios costumam alcançar seu pico em setembro e desaparecem em novembro.
“É verdade que a floresta amazônicasofre incêndios regularmente, mas de maneira nenhuma isto significa que seja normal. A Amazônia não evoluiu com incêndios frequentes. Os incêndios recorrentes não são um elemento natural na dinâmica da selva tropical, como em outros entornos, como o Cerrado”, adverte a bióloga brasileira Manoela Machado.
“A Amazônia queima durante as secas, mas não por causa secas. É queimada porque há uma demanda por pastos e terras de cultivo, e o Governo atual [presidido por Jair Bolsonaro] não só não inclui o desenvolvimento sustentável em seus planos como também estimula o desmatamento e restringe as ações sistemáticas contra ele”, lamenta Machado, pesquisadora da Universidade de Sheffield (Reino Unido) que estuda os impactos das atividades humanas nas selvas tropicais. “Não podemos saber exatamente e imediatamente como são os padrões atuais de incêndios comparados com os de outros anos, mas não deveríamos ver isto como algo normal, absolutamente”, alerta.
“Acredito que este ano, até agora, esteja normal em média, embora a gravidade dos incêndios varie por regiões. A diferença é que neste ano os meios de comunicação repercutiram a queima da Amazônia, o que é ótimo”, opina o ecólogo David Edwards, chefe do mesmo laboratório da Universidade de Sheffield. O pesquisador recorda que as queimadas na bacia amazônica são especialmente graves quando ocorre o El Niño, um fenômeno meteorológico natural e cíclico, vinculado a um aumento das temperaturas na parte oriental do Pacífico tropical. Os 70.625 focos registrados em 2016 coincidiram com um El Niño potente. Neste ano, entretanto, o fenômeno é fraco e, apesar disso, detectaram-se mais incêndios.
A selva amazônica abriga 10% de todas as espécies conhecidas de animais e plantas e armazena 100 bilhões de toneladas de carbono, uma quantidade dez vezes superior à emitida a cada ano pelo uso de combustíveis fósseis, segundo os cálculos da Universidade do Estado de Oregon (EUA). Edwards adverte que se trata de um peixe que morde o próprio rabo. “O problema é que a mata incendiada perde carbono à medida que as árvores queimadas vão morrendo lentamente, o que provoca uma maior mudança climática e uma maior perda da biodiversidade”, aponta.
“Em última instância, o fogo significa que as florestas têm mais probabilidades de voltar a queimar. E poderíamos acabar vendo essas florestas tropicais úmidas se transformarem em um sistema de savanas”, lamenta Edwards, que recorda que o problema não é exclusivo da Amazônia. “Enormes superfícies de Bornéu e Sumatra [no Sudeste Asiático] também sofrem incêndios, especialmente durante anos com um fenômeno potente do El Niño.”
A progressiva transformação da selva em cerrado é uma ameaça real, conforme alertou em 2016 uma equipe de cientistas brasileiros encabeçada pelo climatologista Carlos Nobre, da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Em um artigo publicado na revista PNAS, os pesquisadores advertiam que a região amazônica se aqueceu em um grau Celsius nos últimos 60 anos, enquanto perdia 20% de sua superfície pelo desmatamento. Os modelos matemáticos sugerem que chegar a 40% representaria um ponto de inflexão. “Se esse limite for ultrapassado, poderia ocorrer a savanização em grande escala da maior parte do Sul e Leste da Amazônia”, diziam os cientistas.
O holandês Pepijn Veefkind dirige o instrumento Tropomi, um sensor a bordo do satélite europeu Sentinel-5P que é capaz de identificar pontos quentes de gases poluentes na atmosfera. “É verdade que os incêndios em grande escala na região amazônica ocorrem todos os anos. Embora as condições meteorológicas possam desempenhar um papel, é preciso salientar que a maioria desses focos é provocada pelo ser humano”, afirma. “Nossas observações confirmam: a maior parte dos incêndios tem lugar nas beiradas da floresta tropical. Se 2019 terá uma temporada recorde de incêndios é algo que só poderemos saber no final da estação seca.”
O Globo: Brasil termina 2017 com número recorde de queimadas desde 1999
Foram registrados cerca de 272 mil focos de fogo, 46% a mais do que no ano passado
Por Cleide Carvalho
SÃO PAULO — O Brasil termina 2017 com um número recorde de queimadas desde 1999, quando teve início a série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A análise dos locais onde os incêndios ocorreram mostra que, neste ano, o fogo aumentou em áreas de floresta natural, avançando em pontos onde antes não havia registro de chamas, e atingindo unidades de conservação e terras indígenas. Entre todos os biomas, o Cerrado foi o que teve mais unidades de conservação atingidas, contabilizando 75% de toda a destruição nas áreas protegidas.
Até agora, foram registrados cerca de 272 mil focos de fogo, 46% a mais do que em 2016 e acima do recorde anterior, de 2004, quando foram detectados 270 mil pontos de calor. Incêndios criminosos destruíram 986 mil hectares de unidades de conservação, o que corresponde a quase oito vezes a área da cidade do Rio. O número ficou próximo do registrado no ano passado, quando foram destruídos cerca de 1 milhão de hectares. Nas terras indígenas, os focos aumentaram 70% e ultrapassaram 7 mil.
— O fogo aumentou em áreas de floresta natural, onde não chegava antes — afirma Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe.
Setzer diz que houve mais descontrole do fogo em 2017. Segundo ele, o Inpe ainda não terminou o cálculo da área afetada pelos incêndios. Enquanto os pontos de queimada são identificados por radar, a área destruída é somada por meio de estudos aprofundados. Em janeiro o Inpe deverá ter dados precisos sobre o Cerrado, por exemplo.
Apesar da grande quantidade de incêndios, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) teve o mesmo número de brigadistas de 2016 (1.170). Já o Ibama teve mil profissionais, o menor número desde a criação do sistema de prevenção e combate a incêndios florestais.
Embora o Cerrado tenha tido, proporcionalmente, mais unidades de conservação atingidas, a Amazônia concentrou mais da metade dos focos de queimadas em 2017, segundo dados do ICMBio. Na avaliação de cientistas, dois anos consecutivos de seca e estiagem prolongada tornaram os incêndios florestais mais graves. Clareiras abertas por madeireiros; corte de árvores maiores e mais nobres, as chamadas estruturantes das florestas; e desmatamento, que reduz a água no subsolo, estão mudando o microclima da floresta: ela está mais fragilizada e inflamável.
— Antes o fogo morria na beira da floresta. Agora já não morre e adentra na mata fechada — afirma Gabriel Zacharias, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
De acordo com Zacharias, é preciso entender o que aconteceu este ano, já que as condições climáticas não foram tão diferentes da média.
— Com a sequência de anos secos, a parte de floresta que está sujeita a morrer está ficando maior. Há um déficit de água no solo e as clareiras abertas na floresta pelos desmatamentos permitem entrar mais sol. Para cada árvore que tiram, outras 50 são danificadas — diz Paulo Barreto, do instituto de pesquisa Imazon.
MICROCLIMA MUDA E PERMITE AVANÇO DO FOGO
Douglas Morton, geocientista da Nasa, antecipou ao GLOBO que a área queimada nos últimos dois anos na Amazônia foi muito maior do que a destruída nas secas de 2005 e 2010. Ele diz que, se antes o fogo entrava um ou dois quilômetros dentro da floresta, agora as chamas avançam até 100 quilômetros, por causa da mudança do microclima, o que torna quase impossível o trabalho dos brigadistas.
Um teste feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em Querência, no Mato Grosso, na região do Xingu, mostrou que depois de três anos de queimadas o poder do fogo aumentou. Antes, apenas 10% das árvores morriam. Agora, morrem 80% delas. E são justamente as maiores e com troncos mais grossos que sucumbem.
No Mato Grosso, por exemplo, segundo estado com maior número de focos de incêndios em 2017, o governo proibiu queimadas entre 15 de julho e 30 de setembro, o período mais seco do ano. De pouco adiantou. Neste período o Inpe identificou 31.599 focos no estado, a maior parte em Colniza, palco da chacina de nove trabalhadores rurais em abril e da morte do prefeito Esvandir Antonio Mendes (PSB) na sexta-feira.
O Código Florestal, que entrou em vigor em 2012, prevê que só é possível responsabilizar alguém pelo uso irregular do fogo, se a pessoa for pega em flagrante. Houve incêndios criminosos este ano em parques nacionais importantes, como o da Chapada dos Veadeiros (Goiás) e da Serra da Canastra (MG), onde fica a nascente do Rio São Francisco.
— Como pegar em flagrante? É quase impossível. No Mato Grosso, ninguém deu bola para a proibição — diz Setzer, do Inpe.
Christian Berlinck, coodenador de Emergências Ambientais do ICMBio, conta que nas áreas de proteção os criminosos chegam a usar artefatos de retardo do fogo, para que o incêndio de grandes proporções comece pelo menos 10 minutos depois de provocado. Mas o que leva alguém a queimar florestas tão importantes?
— O pano de fundo são os conflitos fundiários. As pessoas querem a terra e, quando não conseguem ocupá-la, queimam — diz Berlinck.
Na Serra da Canastra, por exemplo, o fogo costuma ser uma reação às tentativas frustradas de reduzir o tamanho do parque. O Parque Nacional do Araguaia (TO), por exemplo, sofre com queimadas causadas pela renovação de pasto no entorno.
Número de queimadas avança 361% em julho no Estado de São Paulo
Inverno seco amplia risco de incêndio; desde o início deste ano, Inpe registrou 1.702 focos, 141% a mais do que no mesmo período de 2015
O inverno com pouca chuva até agora e com temperaturas elevadas causou um aumento de 361% no número de queimadas somente em julho, em comparação com o mesmo período do ano passado. O mês teve 687 focos de incêndio no Estado de São Paulo, maior número desde 2000, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2015, foram 149 casos.
Desde o início do ano até segunda-feira, 1º, os satélites do Inpe registraram 1.702 queimadas no Estado, 141% a mais que no mesmo período do ano passado (707). Neste ano, o número de incêndios superou os 1.421 de 2014, quando o Estado viveu a mais severa estiagem dos últimos 90 anos.
Os satélites do Inpe registram queimadas com linha de fogo a partir de 30 metros de extensão por 1 metro de largura. Os incêndios afetam a qualidade do ar nas áreas urbanas e já causaram pelo menos uma morte. Um morador de rua morreu carbonizado, na noite de segunda-feira, em Sorocaba, depois que a guarita em que dormia foi atingida pelo fogo que se iniciou em um matagal. O incêndio pode ter sido causado por um curto-circuito na fiação elétrica que passa no terreno. De acordo com os bombeiros, em um único dia foram relatados 17 focos na cidade.
Em São Carlos, também no interior paulista, o fogo consumiu 20 mil metros quadrados de mata no bairro Azulville e as chamas chegaram próximas das casas, na segunda. As ruas ficaram tomadas pela fumaça. O sargento Marcos Roberto Dionísio, do Corpo de Bombeiros, relatou ter encontrado animais silvestres queimados. No domingo, uma queimada assustou moradores do Jardim Novo Horizonte, em São João da Boa Vista. Durante a manhã, parte do bairro ficou coberta pela fumaça e as casas foram invadidas por cinzas. No dia anterior, um incêndio destruiu 300 hectares de matas no município de Pirassununga. As chamas atingiram parte de um terreno da Academia da Força Aérea (AFA).
O inverno deste ano está mais seco que o de anos anteriores. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), na maior parte do Estado o índice de chuva em julho ficou em torno de 10 milímetros – a média histórica é de 35 milímetros. O aumento em queimadas às margens das rodovias levou a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) a iniciar uma campanha de alerta aos motoristas. Em 2015, foram registrados 4.551 focos de incêndio nos 6,4 mil quilômetros da malha gerenciada pela Artesp.
Alerta
Entre janeiro e maio deste ano, ainda fora do período da seca, aconteceram 2.662 focos, um aumento de 120% em relação ao mesmo período de 2015. “Nas rodovias, além do problema ambiental, o alastramento do fogo representa insegurança para os motoristas, uma vez que a fumaça reduz a visibilidade”, alertou a agência. Até setembro, as 267 telas eletrônicas nas rodovias vão exibir mensagens orientando o motorista a ligar gratuitamente para a concessionária em caso de incêndio à beira da estrada.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
Por: José Maria Tomazela