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Elio Gaspari: Foi o dedo de Frei Orlando

A fala de Pujol, acompanhada por manifestações dos comandantes da Marinha e da Força Aérea, foi um sinal necessário

Três dias antes do naufrágio eleitoral da jangada de Jair Bolsonaro, o comandante do Exército, general Edson Pujol, disse que a tropa não se mete na política e que a política não deve entrar nos quartéis. Essa coincidência só pode ser atribuída a uma interferência de Frei Orlando, o capelão franciscano do 11º Regimento de Infantaria que tomou um tiro na Itália em fevereiro de 1945, dias antes do ataque a Monte Castelo, e tornou-se patrono da assistência religiosa do Exército. Se Pujol tivesse dito o que disse quatro dias depois da eleição de domingo, a leitura seria toda outra.

Em dois anos de governo, Bolsonaro levou as Forças Armadas do paraíso ao purgatório. Décadas de distanciamento e relativo silêncio foram substituídas por militâncias desconexas em torno de um presidente errático, nepotista, com um pé na superstição. Laboratórios do Exército receberam ordem para fabricar cloroquina. Felizmente, o capitão desistiu da promessa de visitar, nos Estados Unidos, a empresa de militares aposentados que pesquisava a transmissão de energia elétrica sem fio. Para quem acredita em lendas da floresta, essa mágica teria impedido o apagão do Amapá.

A fala de Pujol, acompanhada por manifestações dos comandantes da Marinha e da Força Aérea, foi um sinal necessário, cuja eficácia dependerá do prosseguimento de um exercício diário de chefia e disciplina.

O vírus da atividade política entrou nas Forças Armadas, sobretudo no Exército, durante o governo de Michel Temer e o comando do general Eduardo Villas Bôas. Naqueles dois anos tumultuados, ele teve mais protagonismo público que seu antecessor, Enzo Peri, em oito.

Pujol teve o apoio do vice-presidente Hamilton Mourão. Bom sinal, vindo dele. Em 2015, Mourão perdeu o importante comando do Sul e foi mandado por Enzo Peri para a mesa da Diretoria de Finanças porque se meteu em política. Em 2017, quando reincidiu, foi poupado por Villas Bôas. Mourão destacou-se defendendo ou justificando extravagâncias. Associando-se ao deputado Jair Bolsonaro, ele e 57 milhões de eleitores aderiram a uma candidatura que prometia muitas coisas, sobretudo tirar o PT do palácio. Conseguiu-se, mas o cotidiano produziu um governo que expeliu o juiz Sergio Moro e incorporou negacionismos na saúde pública, no meio ambiente e nas relações internacionais.

Um oficial que ralou nas escolas militares pode apoiar um governo porque não gosta de seus adversários, ou mesmo porque algum amigo ou parente conseguiu um cargo público. Mais difícil é acertar o passo chamando pandemia de “gripezinha” e combatendo a vacinação obrigatória.

Andar para a esquerda é uma coisa, andar para trás, bem outra. A primeira tentativa de imposição da vacina obrigatória contra a varíola foi instituída em 1846, ao tempo de D. Pedro II. Artigo 29 do decreto de 17 de agosto: “Todas as pessoas residentes no Império serão obrigadas a vacinar-se, qualquer que seja a sua idade, sexo, estado, e condição”.

Para azar de quem não se vacinou, o decreto não colou, e 25 anos depois a varíola matou 1.200 pessoas no Rio.

Em 1906, dois anos depois da Revolta da Vacina e da inflexibilidade do presidente Rodrigues Alves e do doutor Oswaldo Cruz, morreram nove.


Igor Gielow: Não queremos fazer parte da política nem deixar ela entrar nos quartéis, diz chefe do Exército

Em meio à crise Mourão-Bolsonaro, general Pujol se distancia da participação de fardados no governo

O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, fez uma rara manifestação na qual buscou delimitar seu distanciamento da ala militar do governo Jair Bolsonaro.

"Não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis", afirmou durante uma live do IREE (Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa) Defesa e Segurança.

Ele respondia a um questionamento do ex-ministro da Defesa na gestão Michel Temer (MDB) Raul Jungmann, presidente-executivo do instituto, sobre o papel dos militares na política, tema que acompanha o governo Bolsonaro desde a campanha eleitoral.

A conversa foi mediada também pelo general da reserva Sérgio Etchegoyen, presidente do conselho do instituto e ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) também no governo Temer.

A fala ocorre no momento em que Bolsonaro está estremecido, novamente, com seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, devido a divergências na política ambiental. Na gestão do capitão reformado do Exército, 9 dos 23 ministros são de origem fardada.[ x ]

Pujol, conhecido por ser um homem de poucas palavras, não criticou os colegas que estão no governo —a começar pelo seu chefe, o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa.

Mas ressaltou que "se for para chamar [um militar para o governo], é decisão do Executivo". Nem tampouco viu problemas nisso, citando que o Supremo Tribunal Federal requisita desde 2018 um general para assessorar seu presidente, cargo que foi ocupado por Azevedo na gestão Dias Toffoli.

Mas é na segunda parte de sua formulação que o recado fica dado. Assim como disse à Folha após a vitória de Bolsonaro em 2018 o antecessor de Pujol, Eduardo Villas Bôas, a Força teme a politização dos quartéis na esteira da militarização da política.

Esse movimento tornou-se uma preocupação no Alto Comando do Exército durante o período de maior radicalização de Bolsonaro na Presidência, entre abril e junho deste ano.

Enquanto o presidente frequentava manifestações golpistas pedindo o fechamento do Supremo e do Congresso, havia o temor de que o baixo oficialato se empolgasse com a retórica de Bolsonaro.

No topo da cadeia alimentar do setor, a Defesa chegou a endossar uma ameaça velada do general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) ao Supremo.

Com o paroxismo da crise e a prisão do ex-assessor do clã presidencial Fabrício Queiroz no fim de junho, Bolsonaro acabou se retraindo e compondo com o centrão, o que abafou o risco de um impeachment ou outra ruptura.

Ato contínuo, a ala militar do governo se viu submersa parcialmente, só para frequentar o noticiário quando há escaramuças com os setores radicais do bolsonarismo no poder, como a briga entre o vice Mourão e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) demonstrou.

De forma geral, porém, os fardados tendem a considerar que saíram do holofote. "Não nos metemos no que não nos diz respeito", afirmou Pujol.

O próprio comandante do Exército foi tragado para a confusão quando, no começo de maio, Bolsonaro considerou trocá-lo pelo amigo Luiz Eduardo Ramos, general que comanda a Secretaria de Governo.

A discussão foi tornada pública pela Folha, obrigando Ramos a negar veementemente a hipótese. Vez ou outra, o tema ressurge, embora a possibilidade seja considerada nula por oficiais da ativa.

A insatisfação de Bolsonaro com Pujol decorria da atitude do comandante em relação à pandemia do novo coronavírus, para a qual ele mobilizou o Exército em sua maior operação desde o envio de pracinhas para combater o nazismo na Segunda Guerra Mundial na Itália.

Pujol inclusive negou um aperto de mão, oferecendo o cotovelo a Bolsonaro, numa solenidade militar antes da discussão sobre a eventual troca de comando.

Na live, o comandante afirma que só se preocupa com assuntos militares, e que se alguém tem de falar de política, é o general Azevedo em reuniões de ministros.