PT

Ruy Fabiano: As tramas do ano novo

O embate entre justiça e impunidade, que marcou o ano que se encerra, terá continuidade em 2018. A investida contra a Lava Jato, tramada nos bastidores dos três Poderes – e cumprida com esmero pelo STF -, terá sua prova de fogo no próximo dia 24, quando o TRF-4, de Porto Alegre, reverá a sentença que condenou Lula.

A expectativa é de que a confirme, podendo inclusive agravá-la. Ciente disso, o PT oferece antecipadamente sua contrapartida: ocupar Porto Alegre e, nas palavras de Lula e José Dirceu, “tocar fogo no país”. Resta saber se haverá povo, entidade que há algum tempo parece ter migrado do partido.

Mas não há dúvida de que os petistas têm expertise em matéria de bagunça e provocação, além de militância armada para materializá-la: MST, MTST, CUT etc. Vejamos o que acontece.

Confirmada a condenação, Lula pode ser preso. Vai depender de Sérgio Moro, responsável pela sentença inicial. Não se sabe se a decretará. Há aí um peso simbólico, que a recomenda, mesmo sabendo-se com antecedência que o STF o soltará.

A ministra Carmem Lúcia já antecipou que, havendo pedido de habeas corpus - e não há dúvida de que haverá -, irá atendê-lo. Afinal, foi Lula que a nomeou para o STF, tendo sido distinguido com um convite à sua posse na presidência da Corte, há dois anos.

Foi a primeira vez que um réu (na ocasião, já penta réu) foi alvo de tal distinção por parte de um magistrado. Réu, num tribunal, comparece para ouvir sentença, não discurso de posse.

Sendo ou não sendo preso, Lula perderá a condição de “ficha limpa” e estará impossibilitado de concorrer às eleições de outubro.

Ainda que seus advogados se valham do cipoal de recursos que a lei processual oferece – e não há dúvidas quanto a isso -, é improvável que um condenado, com sentença confirmada por um colegiado, e ainda réu em mais seis processos por corrupção, tenha condições de postular o mais alto cargo da República.

O Brasil é criativo, surpreendente, mas jamais elegeu alguém em tais condições. Aliás, ninguém, em tais condições, jamais ousou tal absurdo, embora os tempos sejam de absoluto ineditismo.

Na Presidência, Lula poderia indultar-se a si próprio e, por via indireta, condenar o juiz. Parece disparate – e é -, mas de certa forma, mesmo sem ter chegado lá, é o que já ocorre. Investe-se contra Sérgio Moro e a Lava Jato, odiado por parte do STF e do Congresso, e busca-se uma saída para Lula.

O detalhe é que os que assim agem subestimam a opinião pública, hoje atuante nas redes sociais, onde vídeos de Lula, dizendo os maiores disparates, viralizam. Lula hoje está no mais baixo estágio de sua popularidade. Sabe que as pesquisas que o mostram como favorito não têm qualquer consistência, meras peças de ficção.

A pesquisa concreta é a que o impede de circular nas ruas, restaurantes e aeroportos, onde é hostilizado e carece de segurança.

O único fenômeno de popularidade política, neste momento, goste-se ou não, é o que cerca o pré-candidato Jair Bolsonaro, sem partido, sindicato, prefeitura ou governo, aclamado onde chega.

Sua plataforma resume-se a dois itens principais: segurança e moralidade. Também aí a campanha eleitoral mostrará o que nela há de consistente. Bolsonaro favorece-se do fato de que, até aqui, todos os seus oponentes já estão na terceira idade da política. Ele é o outsider, embora esteja no ramo há seis mandatos.

Em 2018, o ano começa antes do carnaval, com Lula mais uma vez no banco dos réus. O Congresso reabre em fevereiro e retoma sua pauta defensiva, que busca melar a Lava Jato.

A ausência de manifestações de rua encoraja os infratores a ousar as mais descaradas propostas, no sentido de manter a impunidade. Sabem que contam com a leniência do Executivo, cujo chefe, o presidente Temer, padece dos mesmos males de seus colegas parlamentares, e a colaboração ostensiva do STF. A Procuradoria Geral da República é ainda uma incógnita.

Sem povo, tudo é possível.

* Ruy Fabiano é jornalista

 


Cláudio de Oliveira: A instrumentalização partidária e eleitoral dos sindicatos

De 1982 a 1989, fui militante do antigo PCB. Com os velhões do Partidão, aprendi que não se deve transformar os sindicatos e associações profissionais em instrumentos da política partidária.

Antigos militantes me diziam que, de 1922 a 1958, o PCB aparelhou as “entidades de massa”, com enfraquecimento de ambos.

O “aparelhismo” causou prejuízos para os órgãos de classe, que perderam representatividade e, assim, força de atuação e mobilização das categorias. Ao se fecharem em um único partido, deixaram de representar os filiados a outros partidos ou os sem filiação, caso da maioria dos trabalhadores. Para o PCB, que demonstrava atitude antidemocrática de não respeitar o pluralismo da sociedade brasileira.

A partir dos anos 1960, o Partidão passou a entender os sindicatos e associações profissionais como instituições suprapartidárias, compreendidas como órgãos da sociedade civil, com autonomia em relação ao Estado, independentes dos partidos e pertencentes ao chamado movimento democrático geral.

Foi assim que o PCB começou a atuar nos sindicatos e instituições como OAB e ABI, considerando que elas representavam não só os comunistas do PCB, como também os socialistas do PSB, os trabalhistas do PTB, os liberais do PSD e da UDN, e muitos profissionais sem filiação partidária.

Aquelas instituições, pluralistas e de caráter suprapartidário, ao lado de outras como a CNBB, foram muito importantes na resistência ao regime ditatorial de 1964. Atuaram decididamente na campanha pela convocação da Constituinte, na luta pela Anistia aos exilados e presos políticos, e nas mobilizações das Diretas já, por exemplo.

Ontem, em visita ao Campus da Unesp da cidade de Rio Claro, a 173 Km de São Paulo, onde o meu filho faz uma graduação, vi um cartaz da Apeoesp, convocando a comunidade universitária para um debate composto exclusivamente de representantes do PT.

Se eu fosse estudante da Unesp, iria ao debate e ouviria com o devido respeito todos eles, vários dos quais consagrados pelo voto popular. Mas, gostaria de ouvir também as posições políticas de representantes do Psol, PCdoB, PSB, PDT, PPS, PSDB, PV, Rede.

E até do DEM, partido do atual ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, para ouvir quais são suas propostas, em que nelas concordo e quais delas divirjo, para saber bem combatê-las, se fosse o caso.

Ao ver o cartaz da Apeoesp, lembrei-me do meu queridíssimo camarada Vulpiano Cavalcanti (1921-1988), militante comunista desde 1934, que costumava repetir:

– Não basta lutar, é preciso saber lutar.

* Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista

 


Hubert Alquéres: Pedras no caminho

“Mongezinho, Mongezinho, tens um duro caminho”. As palavras que Martinho Lutero ouviu de um frei amigo quando da sua peregrin ação para Worms caem como uma luva para o duro caminhar do governador Geraldo Alckmin para se tornar protagonista da sucessão presidencial.

Sua maratona começa no próximo fim de semana quando, por consenso, será sacramentado presidente do PSDB na convenção partidária. Com a Pax tucana do momento, procura saltar a primeira pedra no meio do caminho: a eterna divisão interna que tantos prejuízos trouxeram em outras campanhas.

Se a balcanização do tucanato não fosse temporariamente estancada seriam diminutas suas chances de inverter a centrifugação do campo político situado entre os extremos Lula-Bolsonaro. Por falta de um polo catalizador, o centro navega à deriva, com suas possíveis candidaturas sofrendo de raquitismo eleitoral como mostram os dados do último Datafolha.

Diz-se de Geraldo Alckmin ser um político bafejado pela fortuna. A sorte parece lhe sorrir de novo, uma semana após a desistência de Luciano Huck. A conclusão do voto do juiz relator do julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal da Quarta Região é uma confirmação da informação de Lauro Jardim, segundo a qual este julgamento acontecerá em marços ou abril.

Nunca se sabe o que se passa em cabeça de juiz, mas nove entre dez analistas acreditam na condenação de Lula. Nem ele mesmo acredita na sua absolvição. Mesmo que seja um cabo eleitoral fortíssimo, uma coisa é a urna eletrônica com Lula, outra é sem ele.

No mínimo caciques do PMDB vão refrear seu ímpeto de embarcar na canoa do caudilho. Ora, Alckmin ganha tempo com isso. A sorte pode estar tirando outra baita pedra do seu caminho. Sem Lula, o fantasma Bolsonaro perde gás. Eleitores que estão em sua órbita por ser antilulista podem voltar o leito do centro democrático.

E mesmo nos números do Datafolha é possível ver frestas de luz onde só se enxerga breu.

Ainda que a recuperação da economia acelere o passo, o impacto sobre o humor dos brasileiros não se dará a ponto de tornar competitiva uma candidatura saída do ventre do governo, tipo Henrique Meirelles ou Rodrigo Maia.

Com Maia não se dispondo a entrar em aventuras e Meirelles comportando-se como um elefante em loja de louça, sua entrevista à Folha mostrou isso, é bem capaz de o tucano virar o candidato do centro por W.O, assim como foi ungido presidente do PSDB.

Ninguém se elege só com a sorte. Sem a virtude, ela é de pouca monta. O candidato tucano terá de provar a sua competência para superar os próximos vários obstáculos na corrida presidencial. Sem um projeto para o país ser uma nação desenvolvida e socialmente justa, o PSDB não irá muito longe.

Outra pedra é o chamado“desembarque elegante”, uma verdadeira esfinge. A qualquer hora pode surgir novo curto circuito na relação com o governo Temer. A dubiedade da bancada do PSDB na Câmara Federal para aprovar a reforma da previdência pode inviabilizar a estratégia do paulista de ficar com o bônus do tempo televisivo dos partidos governistas sem o ônus de ser governo.

Esta é a parte mais delicada da estraté gia de Alckmin. De um lado, tem de fazer gestos a Michel Temer e ao PMDB, de outro, não pode colar sua imagem à de um governo de popularidade baixíssima. Político que se preza não dá o beijo da morte com ninguém. E Temer é o próprio beijo da morte.

Sobretudo é preciso construir uma explicação para a sociedade, a essas alturas pouco tolerante com a ambiguidade do tucanato. Há que se arrumar uma explicação convincente para duas perguntas caraminholadas na cabeça do seu eleitorado tradicional: por que sair do governo só agora? E qual a razã o para sair?

Tudo será inócuo se não promover a reconciliação do PSDB com seus eleitores. Seu baixo índice de intenção de votos no Datafolha também é produto da mágoa dos 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio e, legitimamente, se sentem traídos. Para Alckmin é fundamental a aliança com os partidos tradicionais, mas só terá chances reais de vitória se incorporar os sentimentos de renovação da política e de valorização da ética.

Só assim não será punido pelos eleitores e terá um final bem mais feliz do que o de Lutero que, ao encerrar sua dura caminhada, se salvou da morte, mas foi excomungado e condenado ao silêncio pela Dieta de Worms.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo


Alberto Aggio: Impasses ao centro

O núcleo da política democrática está nas saídas para a crise que o PT nos deixou

Qual o ponto central da conjuntura política neste difícil percurso até as eleições presidenciais de 2018? Essa pergunta, mais do que necessária, vai impulsionar o batimento cardíaco da política pelo menos até a definição das candidaturas, desenlace que se prevê para o primeiro semestre do próximo ano.

Em julho alertamos para o risco de que os temas centrais para superar a crise poderiam ficar de lado se a nova polarização entre Lula e Bolsonaro acabasse por predominar. A expectativa de chegarmos a bom porto em 2018 parecia esvair-se por entre os dedos. Caminharíamos, então, para uma eleição falsa, uma espécie de reiteração da eleição presidencial de 1989 (apesar das suas diferenças pontuais), o que poderia redundar num retorno tão inconsequente quanto infeliz (Caminhamos para uma eleição falsa?, Estado, 18/7).

Dois meses depois, observávamos que havia um grande ausente naquela trama: o centro político. A forte fragmentação do centro fazia prever grande dificuldade eleitoral para esse campo. Tratava-se, então, de reconstruir o centro político, uma vez que uma postulação ao centro, como expressão de um campo democrático, representaria a reintrodução na cena política de um ator indispensável à estabilidade, com vista a projetarmos avanços civilizatórios dos quais o País se havia afastado injustificadamente. Afirmávamos que “uma recomposição do centro teria, pelo menos, a virtude de gerar a expectativa de superação da política de facções que se instalou nos últimos anos, comprometendo nossa convivência política” (Entre dois polos, como reconstruir o centro?, Estado, 26/8).

Lamentavelmente, a conjuntura não se moveu integralmente nessa direção, a despeito da emergência de alguns ensaios, em meio a muita desorientação e significativas fraturas entre os mais expressivos atores do centro político. Uma parte desse campo assumiu uma posição rigidamente defensiva em torno do governo Temer, o que, em função de sua alargada impopularidade, vem dificultando a construção de um movimento rumo a uma candidatura de caráter propositivo e que não represente apenas o governo.

A repercussão dessa posição em relação a outros importantes atores é notória. O dilema tucano em relação ao governo Temer não é o centro da conjuntura, mas é um problema para a definição de uma candidatura forte que possa chegar ao segundo turno expressando um programa que articule setores democráticos posicionados desde a direita liberal até a esquerda democrática. Não é desprovido de razão o argumento de que o tempo político de “ruptura” com o governo Temer já passou e mesmo que o PSDB assim decida serão duvidosos os dividendos eleitorais a serem obtidos. O núcleo central da política democrática está nas saídas para um país que se encontra afogado pela crise que nos deixou o PT e tem pouco que ver com o fato de apoiar ou ter apoiado o governo Temer.

Ao que tudo indica, a futura eleição presidencial não será um confronto entre situação e oposição, mesmo que essa disjuntiva seja colocada pelos candidatos. Lula imaginava que esse seria um trunfo seu e que lhe daria uma colheita segura. Certamente fincará suas trincheiras nesse ponto e fará muita retórica. Mas seu foco já passou a ser outro: “Agora não é hora de tirar Temer, é hora de saber quem será o próximo presidente do Brasil”. Lula vem atualizando seu discurso na linha do “perdão aos golpistas”, o que significa principalmente abrir o PT a negociações com o PMDB para tentar recuperar o eleitorado perdido com o processo de impeachment, que produziu efeitos danosos para a legenda nas últimas eleições municipais. Está claro, portanto, que erros de avaliação nesta hora certamente abrirão passagem para Lula conquistar uma parte do centro político, que estava perdido para ele.

A população reprova o governo, mas não vai às ruas protestar, sinalizando que não quer mais instabilidade. Assim, o discurso que apostar apenas na confrontação com o governo estará fadado ao fracasso. Ainda mais agora que seus parcos êxitos econômicos começam a ter alguma repercussão pública, animando o núcleo palaciano a projetar uma candidatura à feição de Temer ou a própria reeleição do presidente. Se isso ganhar força, é bem provável que o centro político se fragmente ainda mais.

A polarização de mais de duas décadas entre PT e PSDB vai ficando para trás, o que, por sua vez, leva à diluição da chamada “terceira via”. Com um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a construção de uma alternativa a partir do “centro democrático” ganha a máxima relevância. Lula sabe disso e já flerta com o centro, buscando romper seu isolamento à esquerda. Por outro lado, o discurso de uma candidatura de centro ainda não decolou, seja pela dificuldade de unificação, seja pela indefinição em torno de quantos e quais aspirantes postularão esse protagonismo.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin bate na tecla de que “o Brasil precisa de construtores, e não de gladiadores”, enquanto o prefeito João Doria enfatiza a necessidade de uma “frente do centro democrático” conta o lulismo. Os outsiders ainda estão fora da verdadeira luta política. No apelo a figuras como Luciano Huck ou Joaquim Barbosa há um sentimento difuso de renovação política, mas há também muito de personalismo, ilusionismo e até aventureirismo, envolto, em alguns casos, num “corporativismo de partido” instrumental e anacrônico. Nada diferente, portanto, da “velha política” que se quer combater.

Até meados de 2018, os brasileiros estarão condenados a uma “espera ativa”. Nesse ínterim, o jogo ficará cada vez mais pesado, exigindo dos atores políticos, sejam partidos, personalidades ou os chamados “movimentos cívicos”, capacidade de convencimento e realismo diante do que teremos pela frente.

 


Marco Aurélio Nogueira: Polarizações suicidas

PSDB em crise, PT recolhido, PMDB às voltas com as dificuldades de Temer, partidos em geral excitados com a aproximação de 2018. Todos fazem cálculos, tendo em mente a conquista dos eleitores. O troca-troca de legendas combina-se com a abertura da temporada de caça aos “melhores nomes”, a busca da posição ideal para apoiar esse ou aquele candidato, a preocupação com os desdobramentos do “efeito Temer” e das escolhas governamentais.

A fragmentação agradece, penhorada.

O estoque de artefatos polarizadores é grande: avanço ou retrocesso, reforma ou conservação, progresso ou reação, populismo ou responsabilidade, desenvolvimentismo ou neoliberalismo. Não faltam, evidentemente, os conhecidos esquerda x direita e PT x PSDB, ora em versões repaginadas ora no formato anquilosado de sempre.

A pergunta que ninguém faz é: a quem interessa a reposição dessas polarizações? Qual delas pode expressar os dilemas atuais do país e organizar os interesses fundamentais dos cidadãos?

O ponto comum das construções polarizadoras é a recusa ao diálogo, a reiteração de divisões improdutivas, a falta de uma articulação política que ofereça uma perspectiva de futuro para os brasileiros e modernize o país. Para dar vida a isso, criam-se campos ideológicos antípodas, soltos no ar, alimentados por frases de efeito modeladas sob encomenda e sem pé na realidade. Parte-se de uma visão de que a sociedade é mais dividida do que se vê, e com isso criam-se divisões por sobre divisões, agravando ainda mais o quadro.

Polarizações não devem ser temidas. São intrínsecas ao jogo político e ganham peso quanto mais a situação social é complexa, quanto mais a agenda nacional se mostra difícil e desafiadora, quanto mais o poder se mostra disponível.

Se não há consenso sobre quase nada, por que na política os polos não cresceriam? Se os próprios partidos não conseguem preservar seu molejo democrático e sua capacidade de alcançar uma autêntica “unidade dos distintos”, que autoridade teriam para condenar as polarizações?

O problema surge quando as polarizações fogem do controle e se artificializam, traduzindo-se em tensões insuperáveis, rupturas e intolerância. Podem assim se tornar crônicas, levando ao infinito a dialética amigo-inimigo e corroendo as bases mesmas de um consenso mínimo. Com isso, o que poderia haver de virtude nas polarizações se traduz por inteiro em seu contrário. Todos perdem. O caldeirão das crises políticas esquenta.

Com mais polarizações, aumenta a tentação de enquadrar tudo em esquemas binários tipo esquerda x direita. Com isso, pela própria dinâmica da luta ideológica radicalizada, deixa-se de lado o diagnóstico em benefício da agressividade verbal, do ardor retórico, do exagero performático. Para que tenha efeito, tudo é simplificado ao extremo, vira coisa plana, rasteira.

Vai-se assim num crescendo. No topo da escalada, o convite à boçalização cívica, o empobrecimento político, o desprezo pelos adversários ou pelos que pensam diferente, tudo devidamente empacotado por convicções e propagandas que simulam soluções rápidas e radicais, facilidades e biografias heroicas. Mentiras, invencionices e mistificações ganham livre curso.

É uma “guerra” complicada, pois não são se limita aos entrechoques ideológicos. Entram na liça também as opiniões – sempre mais desenfreadas – e as identidades, que buscam se afirmar por sobre classes, grupos de referência e partidos. Tudo devidamente turbinado pelas redes, onde as propostas para que se criem conexões e “pontes” (bridging) são fuziladas como se estivessem a priori comprometidas com concessões inadmissíveis. E nas redes, aliás, que melhor se expressa a tendência a que se hipervalorize o próprio gueto ou tribo e se menospreze tudo o que respira fora dele.

A consequência disso é a dificuldade para que se formem maiorias razoáveis, reflexivas, sem as quais propostas reformadoras ou lutas por direitos não têm como avançar. Viver a vida como se fosse uma batalha permanente pela afirmação de identidades particulares, por exemplo, pode ser o caminho mais curto para que os preconceitos se reproduzam. O eixo virtuoso – o combate sem trégua ao preconceito explícito ou subentendido – cede, por falta da capacidade de produzir apoio e persuasão.

Ao se engalfinharem em confrontos artificiais ou secundários, os “guerreiros” perdem de vista aquilo a que se deve dar prioridade. Vão ajudando a produzir quantidades absurdas de informação de má qualidade, saturando a agenda de proposições excludentes que nada acrescentam à construção democrática ou ao reformismo de que se necessita.

Essa modalidade inconsciente de burrice não é privilégio de nenhuma corrente política ou ideológica. É comum a todas.

Ela se mostra, à esquerda, pelas lentes do maniqueísmo e do esquematismo, que anunciam um “novo mundo” que estaria ao alcance da mão, bastando tão-somente uma boa dose de intransigência, de espírito contestador e de “vontade política”.

O bestialógico mais à direita é seguramente muito pior. Agrega gente que não se envergonha de praticar o reacionarismo mais tosco, burilando-o com frases de efeito e justificativas pífias. São pessoas que exibem publicamente sua simplicidade argumentativa, que falam de “marxismo cultural” sem saber do que estão falando, que manipulam descaradamente alguns gigantes do pensamento crítico (Marx, Benjamin, Gramsci, Marcuse) e são incapazes de reconhecer as sutilezas da política e do debate de ideias.

Para gente desse último tipo, tudo que respira, tudo que questiona o que está errado, tudo que canta um futuro mais justo, tudo que divulga sonhos e esperanças cabe em uma única caixinha: “comunistas”, que não somente comem criancinhas como querem infernizar a vida de todos e envenenar a alma dos viventes. Com tamanha estultice, só fazem empurrar o carro para trás.


Ruy Fabiano: O declínio da esquerda

PT e PSDB, que por décadas simularam um antagonismo de fachada, chegam juntos ao ocaso político. Enquanto o PT padece as consequências do desastre que impôs ao país, o PSDB, que lhe oferecia falso contraponto, perde suas referências existenciais.

Sua identidade vincula-se à do PT, que protagoniza a esquerda carnívora, enquanto os tucanos posam de socialistas vegetarianos, no melhor estilo da estratégia das tesouras, concebida por Lênin.

Ambos, porém, são faces da mesma moeda, que ora sai de circulação, sob o desgaste da Lava Jato e da debacle institucional do país. Se o povo ainda não sabe o que quer, já sabe, no entanto, o que não quer. E o projeto esquerdista, lastreado no politicamente correto, que busca minimizar ou ultrajar os que se lhe opõem, se empenha em refundar-se sem dispor de lideranças que o renovem.

FHC chegou a dizer que Luciano Huck, o animador de auditório de TV, representa o novo na política brasileira. É um diagnóstico de desespero, que expõe o estado de indigência política do partido.

O nome que despontava entre os tucanos, João Doria, prefeito de São Paulo, é alvo do fogo amigo, que cresce na razão direta de sua compulsão marqueteira. Seus maiores detratores estão dentro de casa – e seu maior concorrente é quem o apadrinhou: o governador Geraldo Alckmin. Parecem destinados ao abraço dos afogados, já que imersos num ambiente sem sinais de consenso.

Lula continua sendo o único nome no horizonte do PT, mas sua popularidade perde cada vez mais para os crescentes índices de rejeição. Seu projeto político hoje é escapar da cadeia. Não é pouco.

Dificilmente conseguirá registrar sua candidatura, como, aliás, já sinalizou o futuro presidente do TSE, ministro Luís Fux. Os petistas, por isso mesmo, passaram a conspirar contra as próprias eleições, como se depreende de reiteradas declarações da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Sem Lula, disse ela, as eleições não terão legitimidade. Órfão de candidato, o partido joga no caos.

Daí o retorno de ações predatórias, de teor criminoso, cada vez mais violentas, sob o patrocínio do MST e do MTST, os “exércitos” de Stédile e Boulos, braços armados do partido, a invadir propriedades e detonar redes elétricas e patrimônio público.

Ambos parecem desejar uma intervenção militar, dada a estratégia de desafio à lei e à ordem que protagonizam.

Lula, como se sabe, prometeu “tocar fogo no país”, sob os auspícios daquelas milícias, caso não possa se candidatar. Ao que parece, é a única promessa que está disposto a cumprir.

Os tucanos, antevendo o drama que ora vivem, tudo fizeram para evitar o impeachment de Dilma Rousseff. Aderiram aos 44 minutos do segundo tempo, e embarcaram no governo Temer na expectativa de dominá-lo. Perderam para as raposas do PMDB.

Coadjuvantes de um governo que já nasceu fadado à impopularidade, discutem agora se dele devem desembarcar. Aécio Neves, presidente afastado, às voltas com a Justiça, quer ficar.

Precisa do guarda-chuva do Planalto. Tasso Jereissati, que o substituía interinamente, quer sair. E tem FHC a seu lado - o que, até há pouco, era um trunfo; hoje talvez já não seja. Aécio, ainda com os poderes formais do cargo, o afastou, abrindo nova crise, que não tem prazo para acabar – e talvez não acabe nunca.

Alberto Goldmann, ex-governador paulista e crítico feroz de João Doria, substitui provisoriamente Tasso e fala em união, vocábulo que, no PSDB, tornou-se uma abstração metafísica. Marcone Perillo, governador de Goiás, disputará com Tasso a presidência efetiva, convicto de que nenhum dos dois dará jeito na encrenca.

As eleições do ano que vem (se o ano realmente vier) já não serão bipolares, como as anteriores. Prometem um vasto elenco de candidatos, o que está longe de significar grandes alternativas ao eleitor. Quantidade, desta vez, será antônimo de qualidade.

O descrédito – que vai dos partidos às urnas eletrônicas – permeia todo o processo, que se antevia precedido de profunda reforma eleitoral. A reforma não veio - e a esperança de renovação do país muito menos. O candidato que mais cresce nas pesquisas, Jair Bolsonaro, evoca no imaginário popular uma ruptura com a conjuntura presente, seja lá em nome do que for.

O eleitor, desencantado, parece dizer que aceita qualquer coisa, desde que não seja o que aí está. O cenário não é dos mais promissores, para dizer o mínimo.

* Ruy Fabiano é jornalista

 

 


Luiz Carlos Azedo: Adeus, mudanças!

Bem que Temer tentou convencer os líderes da base aliada, mas não teve sucesso. “Alguns líderes disseram realmente que está difícil, que não temos votos para aprovar a reforma hoje”, disse

O presidente Michel Temer admitiu ontem que o seu governo não tem força para aprovar a reforma da Previdência: “Vou insistir, vou me empenhar, mas concordo que, sozinho, o governo não tem condições de aprovar a reforma da Previdência”, disse. Resultado: o principal índice da bolsa paulista caiu mais de 2% e fechou abaixo dos 73 mil pontos pela primeira vez em dois meses. Foi a reação do mercado, ressabiado por causa do potencial de impacto da não aprovação da reforma nos índices de risco do Brasil.

Bem que Temer tentou convencer os líderes da base aliada, mas não teve sucesso. “Alguns líderes disseram realmente que está difícil, que não temos votos para aprovar a reforma hoje”, disse. Segundo ele, a questão da Previdência não é algo de interesse do governo, mas do país, admitiu. O presidente da República, ao manter o discurso a favor da mudança das regras da Previdência, compartilha o desgaste político de não aprová-las com os aliados, principalmente os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Ambos avaliam que o governo não tem votos para aprovar a reforma, a não ser que seja muito mitigada, com objetivo apenas de dizer que o governo fez o que prometeu.

Temer mal metabolizou o desgaste das votações das duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, que foram rejeitadas pela Câmara, e já se vê às voltas com o desembarque iminente do PSDB, anunciado para dezembro pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num artigo de jornal. Temer foi pego de surpresa pelo aliado “mui amigo”, que aprofundou o racha no PSDB a favor dos que desejam romper com o governo. FHC também tirou o tapete do presidente licenciado da legenda, senador Aécio Neves (MG), aliado de Temer, que recentemente conseguiu não só recuperar o exercício do mandato, do qual havia sido afastado por uma decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, como se blindou contra um possível processo de cassação no Senado. Para isso, foi fundamental a solidariedade da bancada do PMDB e de Temer.

A eleição do senador Tasso Jereissati (CE) para a presidência do PSDB será um golpe de morte na aliança do partido com Temer, apesar da indignação dos tucanos que ocupam posições no ministério. É o caso, por exemplo, do ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (SP), que não esconde a irritação com a cúpula do partido. A posição de FHC foi corroborada por declarações do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para quem o PSDB não precisa estar no governo para aprovar as reformas.

É uma boa senha para Temer antecipar a reforma ministerial, que ocorreria naturalmente em abril, reorganizando a base. As votações na Câmara mostraram que o presidente da República conta com 240 deputados para o que der e vier. É com eles que pretende recompor sua equipe, jogando ao mar os representantes dos partidos infiéis, processo que já começou. Experiente no jogo parlamentar, pois presidiu a Câmara por três mandatos, Temer sabe que é mais fácil negociar a aprovação das suas propostas com os antigos partidos de oposição, que estão demarcando distância regulamentar de seu governo, do que com uma base mais fisiológica insatisfeita.

Outro problema de Temer é a deriva eleitoral dos caciques da legenda, que já começam a aderir à candidatura de Lula. Sem um nome competitivo que possa chamar de seu, Temer corre o risco de ter um fim de governo semelhante ao do ex-presidente José Sarney. Tanto que muitos já comparam as eleições do próximo ano com a de 1989, mas há pelo menos duas diferenças importantes no plano institucional: primeira, a sucessão de Sarney ocorreu numa eleição solteira, o que não é o caso agora; segunda, Sarney não podia ser candidato à reeleição, o que não é o caso de Temer.

Mãos pesadas

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) ontem aumentou em 14 anos a pena de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Foram condenados mais cinco réus na Lava-Jato, entre eles o casal Mônica Moura e João Santana— ex-marqueteiro da legenda. Vaccari, que cumpre prisão preventiva em Curitiba, havia sido condenado em fevereiro a 10 anos de prisão por corrupção passiva, em decisão de primeira instância. A pena agora aumentou para 24 anos.

O desembargador Leandro Paulsen, que absolveu Vaccari nas duas apelações criminais julgadas anteriormente, destacou que “neste processo, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.


Cristovam Buarque: Não é a direita que cresce, mas a esquerda que diminui

A crise política e econômica desencadeada pelo governo do PT levou o País para a pior recessão da história causando desemprego de milhões de brasileiros e uma imensa desmotivação e descrença da sociedade na política e nos políticos. A esquerda retrógrada e populista representada pelo lulopetismo fortaleceu setores da extrema direita que ganham atenção do eleitorado com ideais conservadores e, até mesmo, perigosos do ponto das conquistas sociais.

Ao analisar a situação política brasileira, sobretudo o aumento do apoio à direita, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) afirmou que grande parte da responsabilidade está relacionada ao “fracasso das esquerdas e forças progressistas” que não foram capazes de “enterrar ideias velhas”. Para ele, a direita brasileira não está crescendo, mas a esquerda é que está se “apequenando”.

“Vivemos em mutação”
“O que construímos [a esquerda] ao longo dos séculos foi enterrado com o avanço tecnológico e intelectual das ultimas três décadas. Estamos carentes de filósofos no mundo principalmente no Brasil. Não fomos capazes de um projeto de desenvolvimento global. Desenvolvemos a Europa, mas deixamos a África para trás. Resultado: uma forte onda migratória para o continente europeu. Daí vem a direita, pega esse fato, e ganha a população que sofre com os efeitos da imigração. Não fomos capazes de desenvolver um projeto que fizesse desnecessária a imigração. Fracassamos como esquerda e forças progressistas”, criticou.

Política antiquada
O senador afirmou que no País os partidos de esquerda submeteram intelectuais brasileiros a legitimarem uma política antiquada, velha e obsoleta.

“No Brasil tivemos um agravante. Os partidos de esquerda submeteram os filósofos a legitimarem uma esquerda antiquada, velha, obsoleta e conservadora. Esta aí o PT. Com ideias antiquadas e velhas. Nada haver com a realidade em mutação que vivemos hoje. Os poucos filósofos que entraram no PT ficaram submetidos ao culto da personalidade de Lula. Incapazes de fazerem uma análise, por exemplo, do por que da corrupção. Preferem negar”, afirmou.

Para Cristovam, o crescimento de Jair Bolsonaro (PSC-RJ) nas pesquisas de intenção de voto para a disputa presidencial de 2018 mostra ainda que a direita no País não está crescendo, mas que a esquerda está diminuindo e se “apequenando”.

“Não é a direita que cresce. É a esquerda que tá diminuindo e se apequenando por não conseguir oferecer alternativas para o que ocorre no mundo. Temos que nos preparar para esse mundo que chegou. O que vai barrar a direita é termos propostas melhores. Bolsonaro cresce porque não damos as respostas necessárias. O que ocorre aqui conosco também ocorre no restante do mundo”, analisou.

 


Mauricio Huertas: O pós-PT e o fim da esquerda jurássica

Começou a disputa pelo espólio petista, que deverá se intensificar na medida em que as condenações judiciais, somadas à idade avançada de Luiz Inácio Lula da Silva, vão tirá-lo definitivamente do cenário eleitoral brasileiro. E, ainda que a militância esteja empenhada em seguir seu guru e instintivamente preservar a espécie, não haverá narrativa de golpe que pare em pé diante do julgamento inapelável da maioria da população, muito mais austera e intransigente que qualquer promotor ou juiz da Operação Lava Jato.

Talvez esse afastamento involuntário das urnas leve à extinção de uma esquerda jurássica monopolizada por Lula e pelo PT, possibilitando inclusive que o inventário dessas últimas décadas reposicione as coisas no seu devido lugar, dado que Lula nunca foi de fato um esquerdista, mas somente um populista que se apossou de bandeiras da esquerda, na falta de representação mais apropriada e competente, desde a sua origem sindical e principalmente após se tornar o maior líder de um partido que reunia em sua base trabalhadores, intelectuais, artistas e movimentos comunitários ligados à igreja católica.

Como bem definiu o comunista Luís Carlos Prestes no final da década de 1980: "O PT não tem propriamente ideologia. O PT é um partido burguês como qualquer outro partido, porque no Brasil ninguém nasce comunista. Todos nós nascemos sob a influência da ideologia burguesa. Não se muda de ideologia, e nem o Lula, que é o chefe, mudou... A ideologia dele é a ideologia da burguesia, porque todos nós nascemos filiados a essa ideologia da burguesia. Só se ele estudasse o marxismo é que ele poderia então mudar de ideologia."

E concluiu, categórico: "Toda a minha crítica ao Lula é no sentido de levá-lo a estudar o marxismo, a ciência do proletariado, mas ele vê na minha crítica um ataque a ele, quando não há ataque nenhum. Eu penso que ele é um operário talentoso - de grande talento, mesmo - que organizou massas em torno do nome dele. Isso já é um motivo de admiração. Mas está muito longe ainda de ter uma ideologia do proletariado."

Perdoe desenterrar Prestes, em pleno centenário da Revolução Russa, depois de quase três décadas de sua morte e às vésperas dos 120 anos do seu nascimento, que será celebrado em 2018. Mas falar sobre a esquerda no Brasil sem recorrer à opinião abalizada do maior e mais emblemático nome do comunismo neste país seria praticamente um insulto à história e à realidade dos fatos. Recorra-se então a Prestes para compreender que Lula e o PT acabaram se tornando ícones de uma esquerda de fachada, cosmética, ornamental, pragmática, pouco assentada nos verdadeiros princípios teóricos do socialismo e do comunismo, muito mais próxima das práticas da social-democracia, mas que na transição fraudulenta entre o que pregava em 20 anos na oposição e o que executou em 13 anos no governo acabaria por enxovalhar definitivamente o rótulo de esquerda no Brasil.

Quem, afinal, disputa hoje a herança lulista? Políticos na faixa dos 60, 70 anos, como Jaques Wagner, Chico Alencar, Eduardo Jorge, Marina Silva, Cristovam Buarque, Fernando Gabeira, Roberto Freire, Ciro Gomes? Ou, ainda, quem será a nova geração que despontará na esquerda brasileira? No PT, Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias, Fernando Haddad? No PSOL, Marcelo Freixo, Luciana Genro, Jean Wyllys? Coletivos como a Mídia Ninja? Movimentos como o MTST de Guilherme Boulos?

Ora, esse Boulos, por exemplo, o novo queridinho dos artistas globais metidos à esquerdistas, é simplesmente um invasor da propriedade alheia, depredador do patrimônio público e privado, usurpador da ordem constitucional estabelecida. Burguesinho bem nascido, estudioso das teorias fossilizadas de esquerda pré-histórica e marqueteiro de um incompreensível "poder popular", que pode surgir agora do âmbar como candidato salvador das viúvas de Lula pelo PSOL ou pelo próprio PT.

Ainda que devamos repeitá-lo pessoalmente, o que ele representa como figura pública? Quem o conhece minimamente das manifestações e ocupações em São Paulo, principalmente em áreas de mananciais (como o Parque dos Búfalos, invadido na gestão cúmplice e omissa do prefeito moderninho Fernando Haddad), com seu exército de soldados manipulados e alistados na base de pontos ganhos por tarefa cumprida, não pode crer que essa excrescência é o que se apresenta como futuro da esquerda no Brasil.

Feito o estrago, como nunca antes na história deste país, resta aos ideólogos de uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e solidária, em tese definidos como esquerdistas (essencialmente os democratas, não extremistas), reunirem seus remanescentes e se juntarem ao chamado centro democrático e até mesmo à direita mais liberal, ou entregarem de vez os pontos para os retrógrados e conservadores da direita radical, intolerante, sectária, preconceituosa, intransigente, totalitária e saudosa da ditadura militar.

Estamos em uma encruzilhada histórica. As conquistas democráticas, a salvaguarda constitucional dos nossos direitos, o aconchego das nossas liberdades, a infalibilidade das instituições republicanas, a vitalidade e o bem-estar do nosso povo estão sob violenta ameaça, à esquerda e à direita, por uma horda de irresponsáveis, inconsequentes, levianos, desajuizados, inescrupulosos e insanos. Precisamos nos unir pelo Brasil!

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente


Hubert Alquéres: Vivandeiras petistas

“O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.”

Não se trata, caros leitores, de um manifesto dos anos 50/60, quando a esquerda, contaminada pelo golpismo que permeou a nossa história desde o advento da República, também rondava os quartéis em busca de um “general do povo” e dava sua contribuição negativa para a divisão das Forças Armadas.

A citação é parte de um artigo de José Dirceu publicado recentemente no site Diário do Centro do Mundo e compartilhado nas redes sociais do lulopetismo, propugnando o “diálogo com os militares” para atrai-los para seu projeto de poder.

O apelo a um discurso eivado de um nacionalismo anacrônico presta-se ainda a disputar com o deputado federal Jair Messias Bolsonaro a influência no mundo castrense, dada a pregação “nacionalista” do militar candidato. Não gratuitamente, o PT tem sido pródigo em elogios ao modelo “nacional estatista” do período, do presidente e general, Ernesto Geisel.

A pretendida aproximação com os militares é parte de movimento estratégico mais amplo do PT, na direção de sua bolivarianização. O modelo chavista de “democracia direta” voltou a ser cultivado por Lula. Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo declarou que, se eleito, convocará referendo revogatório de medidas adotadas no governo Michel Temer. Para delírio do braço esquerdo do lulopetismo, o caudilho repetiu a ameaça em comício de sua caravana em Minas Gerais.

Na hipótese de um novo governo, dificilmente Lula teria maioria no parlamento para impor seu programa. Como o mensalão e o petrolão inviabilizaram a construção de uma maioria pela via da corrupção, restaria a ele a alternativa de emparedar o Congresso e o Poder Judiciário por meio de consultas populares.

Não há na nossa Constituição a figura do referendo revogatório. Sua aplicação no Brasil implicaria em ruptura constitucional, em o país se enveredar por uma “ditadura popular”, a exemplo da Venezuela de Hugo Chavez e Nicolás Maduro. Mas quem disse que não é essa a ideia?

Ora, as Forças Armadas são um obstáculo a tais planos. Desde a redemocratização dedicam-se exclusivamente a cumprir suas obrigações constitucionais e profissionais, razão pela qual temos o maior período desde o advento da República sem quartelada ou qualquer tipo de intervenção militar na vida política nacional.

Desviá-las de suas funções constitucionais é pré-requisito para o Partido dos Trabalhadores avançar em seu projeto autoritário. É aí que entram em campo as vivandeiras petistas com o objetivo de reintroduzir nos quartéis a polarização “esquerda-direita”. Querem retornar aos tempos da guerra-fria, quando a esquerda, maniqueisticamente, dividia as Forças Armadas em duas correntes: a “entreguista e golpista” e a “nacionalista e democrática”. Sintomaticamente, os termos estão presentes no artigo de José Dirceu.

A história está aí para registrar que o golpismo não foi monopólio da direita. A esquerda também fez suas incursões golpistas, vide 1935.

Na Venezuela, a cooptação dos militares se deu pela sua transformação em uma elite econômica dotada de privilégios e detentora dos principais cargos de direção das principais empresas e dos altos escalões do governo. Hoje, são o principal esteio da ditadura venezuelana. Os estrategistas do PT não ignoram o precedente histórico do modelo chavista, que, de resto, é o mesmo da Coreia do Norte, onde os militares são o principal sustentáculo da ditadura de Kim Jong-Um.

Para atrair os militares, o lulopetismo ressuscita concepções da esquerda que não deram conta da realidade brasileira nos anos 50/60, que dirá agora.

Em pleno século vinte e um, no limiar da Quarta Revolução Industrial e de mudança de paradigmas na economia, pensam o desenvolvimento do país pela via autóctone e de ruptura com o capital externo. O “imperialismo yankee” é visto como o invasor externo que suga as riquezas nacionais. Nessa visão distorcida, a missão das Forças Armadas seria defender o pré-sal, a Amazônia, as empresas nacionais do “polvo imperialista”.

Só que o Brasil não é a Venezuela e nossas instituições castrenses em nada se assemelham às do país de Chavez e Maduro. Temos uma economia diversificada e integrada à economia mundial, uma sociedade bem mais complexa. Nossas Forças Armadas são instituições permanente de Estado e impermeáveis a discursos de quem quer instrumentalizá-las para viabilizar seu projeto de poder.

Os remanescentes da esquerda armada ainda não deglutiram a derrota do passado e agora tentam dividir as Forças Armadas.

Se pensam, com seu canto, atrair os militares para uma aventura, as vivandeiras, de esquerda ou de direita, darão com os burros n’água. Os militares brasileiros parecem estar escolados para embarcar nessa nau de insensatez.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo


Merval Pereira: Nas mãos do TRF-4

As decisões do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região chamam a atenção pelo rigor que sua 8ª Turma utiliza na reavaliação das condenações em primeira instância dos casos da Operação Lava-Jato, mas também dão margem a esperanças por terem absolvido, em duas ocasiões, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, depois de condenado pelo juiz Sérgio Moro.

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha teria recuado de sua disposição de fazer uma delação premiada por, entre outras coisas, ter esperança de que o TRF-4 de Porto Alegre o absolva. Está nas mãos também dos três juízes da 8ª Turma — os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus — a candidatura de Lula à presidência da República em 2018.

Condenado em segunda instância, o ex-presidente ficaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa, mas haverá uma ampla batalha judicial para tentar mantê-lo na disputa. Como já ressaltei aqui mesmo na coluna, além de não ser automática, dependendo da decisão do colegiado, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a condenação de segunda instância, se não for por unanimidade, não se encerra antes que embargos sejam julgados.

Em liminar deferida pela presidente Laurita Vaz ficou definido que “acórdão de apelação julgado por maioria de votos não configura a confirmação da condenação em 2ª instância para fins de aplicação da execução provisória da pena”. Ela lembrou, ao julgar o recurso da defesa, que “na hipótese não se afigura possível a imediata execução da pena restritiva de direitos, pois, embora já proferido acórdão da apelação, o julgamento se deu por maioria de votos, o que, em tese, possibilita a interposição de embargos de declaração e infringentes.”

Mesmo que a Lei da Ficha Limpa se refira à condenação em segunda instância, não a embargos, existe a possibilidade de a defesa do condenado afirmar que se o STJ decidiu que o fato de ainda caber embargos infringentes significa que a segunda instância não foi esgotada, só se considera que há uma condenação em segunda instância quando esgotados todos os recursos cabíveis.

Todos esses recursos darão condições à defesa de Lula para postergar uma decisão final, tentando chegar a 15 de julho do ano que vem, quando começam, pela legislação eleitoral, as convenções para definir os candidatos. Há interpretações jurídicas de que, a partir da candidatura oficial registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não é possível mais embargá-la pela Lei da Ficha Limpa, embora o próprio TSE tenha definido que um candidato pode ser impugnado até mesmo depois de eleito.

Como a média de tempo para uma decisão do TRF-4 tem sido de dez a 12 meses, e a condenação de Lula chegou na corte de apelação somente 40 dias depois da sentença do juiz Sérgio Moro ter sido exarada, isto é, a 23 de agosto deste ano, é possível prever que a decisão da segunda instância deve se dar entre junho e agosto do próximo ano, em plena campanha eleitoral.

O ex-ministro José Dirceu teve sua sentença de segunda instância definida 15 meses depois de ser sido condenado pelo juiz Sérgio Moro. Como na maioria dos casos, o TRF-4 aumentou a pena dele em dez anos. Este Tribunal tem por norma determinar a prisão dos condenados em segunda instância, mesmo sendo essa decisão facultativa, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dirceu continua em liberdade, com tornozeleira eletrônica, pois pode fazer recurso no próprio TRF-4. Depois poderá recorrer a instâncias superiores, mas provavelmente da cadeia. Os desembargadores do TRF-4 aumentaram em 218 anos o tempo de prisão estipulado pelo juiz Sérgio Moro desde o início da Operação Lava Jato, em fevereiro de 2014.

Pelas últimas estatísticas, 18 penas foram mantidas e 28 aumentadas. Em 11 vezes a pena foi diminuída, numa redução de 73 anos de prisão em relação às decisões da primeira instância em Curitiba. Em nove casos a absolvição foi mantida, e três absolvições anularam as sentenças do juiz Sérgio Moro, sendo o mais notório dos casos, o do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

 


Alon Feuerwerker: A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age

O governo Dilma Rousseff foi removido quando viu convergir contra ele uma ampla coalizão das principais forças e blocos da economia e da política brasileiras. E o afastamento do PT, como era previsível, fez aguçarem as contradições no interior desse leque, o que está na base da perda de substância conjuntural do governo Michel Temer.

Mas Temer caminha para o apagar das luzes, e os interesses começam a buscar 2018. Para monitorar a eleição que vem, será útil acompanhar a dança dessas mesmas forças. Seu alinhamento ou desalinhamento influirá decisivamente na escolha dos personagens que estarão traduzindo eleitoralmente (“vote em fulano”) as opções de coalizão.

Dilma foi digerida por uma aliança entre 1) o capitalismo local, que ela tentou enquadrar 2) o neotenentismo togado, que ela tentou surfar e 3) o establishment político, que ela acreditou poder degolar. No fim, juntaram-se todos contra ela, já fragilizada pela recessão inevitável após as escolhas econômicas do início de seu segundo governo. E ela caiu.

O petismo é forte, mas não resistiu à poderosa aliança contra. Removido o PT, o neotenentismo foi para cima do establishment político, que vem sobrevivendo graças a uma liga fortíssima com o capitalismo local, na lógica do “agora ou nunca” para as reformas liberais. E o que faz o PT? Procura reorganizar-se aproveitando as rachaduras na coalizão que o derrubou.

O PT não é um partido de estratégias, mas de táticas. Principalmente eleitorais. Isso explica a só aparente esquizofrenia petista quando 1) ataca a Lava-Jato por supostamente perseguir Lula e 2) surfa na Lava-Jato quando o alvo desta são os adversários do PT. Política não é jogo de argumentos, mas de forças. Se a Lava-Jato está contra os inimigos, viva a Lava-Jato.

Se o PT mantiver os oponentes constrangidos pela Lava-Jato, acredita que tem mais chance de ganhar a eleição, com ou sem Lula. Já a lógica do outro lado é a inversa. Buscam um candidato que reúna, sem grandes perdas, as forças anti-Dilma. Alguém simpático aos capitalistas, fora do alcance dos neotenentes e aceitável pelo establishment político.

O ótimo é inimigo do bom. João Doria um dia pareceu ser ótimo, mas o establishment político só aceitará o #novo se não tiver opção. Por enquanto, o lugar de #bom está sendo conquistado por Geraldo Alckmin, cujas pendências com a Lava-Jato não parecem, até agora, suficientemente complicadas para fazê-lo perder momentum na corrida.

Há dois outros vetores, hoje enfraquecidos. 1) Os nacionalistas, aliados potenciais do PT, ressentidos da ainda viva e desagradável memória de um governo dito nacionalista e do progressivo desaparecimento da categoria de empresário nacionalista; e 2) a imprensa, cuja coesão quebrou na recente guerra dos neotenentes contra o establishment político no #ForaTemer.

Observemos.

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Já se sabe que o establishment político prepara petardos legislativos para o caso de precisar abrir fogo contra o neotenentismo daqui até a eleição. Os alvos mais maduros são o abuso de autoridade e os supersalários no Judiciário e no Ministério Público. Os episódios de Temer e Aécio Neves convenceram o establishment político de que pode haver vida sem o alinhamento absoluto à opinião pública. A revigorada popularidade de Lula também ajuda.

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O caso da portaria do trabalho escravo mostrou a hegemonia exuberante do “jornalismo de causas”. Não há qualquer possibilidade de debater racionalmente assuntos em que o jornalismo definiu, por antecipação, qual é o “lado do bem”. Principalmente quando há uma tentadora “oportunidade de progressismo” para quem se cansou de ser catalogado na coluna da direita.

Título original: A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação