PT

Luiz Carlos Azedo: Prisão quase inexorável

A presidente do STF, Cármen Lúcia, sepultou as possibilidades de reverter a decisão dos desembargadores de Porto Alegre, que condenaram Lula a 12 anos e 1 mês de prisão, antes de a pena começar a ser executada

Complicou-se ainda mais a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem sofreu mais uma dura derrota judicial: o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins rejeitou o pedido de habeas corpus preventivo da defesa. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, em regime fechado e execução imediata. Apenas um embargo de declaração de seus advogados o mantém em liberdade.

A defesa de Lula recorreu ao STJ com o argumento de que a medida fere a Constituição, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ocorre que uma súmula do STF determina que os réus condenados em segunda instância comecem a cumprir a pena imediatamente, independentemente da posterior apreciação do caso pelos tribunais superiores. A defesa de Lula tentou atalhar o TRF-4 com o pedido de habeas corpus.

A defesa de Lula persistiu na politização dos processos judiciais aos quais responde, ao afirmar que a prisão de Lula teria “desdobramentos extraprocessuais, provocando intensa comoção popular — contrária e favorável — e influenciando o processo democrático”. Martins rechaçou os argumentos: “O receio de ilegal constrangimento e a possibilidade de imediata prisão não parecem presentes e afastam o reconhecimento, nesse exame liminar, da configuração do perigo da demora, o que, por si só, é suficiente para o indeferimento do pedido liminar”. Segundo o ministro, não existe ameaça de prisão ilegal, o que justificaria o habeas corpus preventivo.

A decisão do ministro surpreendeu o mundo político. Há duas semanas, Martins deu liminar a favor da posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Mas a decisão foi cassada pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que ontem descartou a possibilidade de rever a jurisprudência da prisão após condenação em segunda instância em razão da situação de Lula. “Em primeiro lugar, o Supremo não se submete a pressões para fazer pautas. Em segundo lugar, a questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de voltar a esse assunto”, disse a ministra. Martins e a presidente do STF, portanto, estão em sintonia.

Afronta

A estratégia de Lula em relação aos processos que enfrenta na Operação Lava-Jato vem se revelando um fracasso absoluto. Na medida em que a primeira condenação, a nove anos e meio de prisão, pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, saiu da primeira para a segunda instâncias (no caso, o TRF-4), o petista subiu o tom dos ataques ao Judiciário, ao mesmo tempo em que reforçou o discurso político de que haveria um complô para fraudar as eleições, impedindo-o de disputar a Presidência. Esperava que isso tivesse repercussão favorável nos tribunais superiores, que não são formados apenas por juízes de carreira. Deu tudo errado.

O que está sendo posto em xeque, com a estratégia do PT, é o respeito à Constituição e à democracia por Lula e seus aliados, exatamente o contrário do que apregoam com base no senso comum de que o julgamento das urnas seria mais legítimo do que o dos tribunais. Há todo um debate no mundo jurídico sobre a execução de penas a partir da segunda instância, que é adotada em vários países democráticos. No caso brasileiro, esse recurso foi acolhido porque o princípio do “transitado em julgado”, principalmente nos casos de crimes de “colarinho branco”, estava sendo um instrumento de impunidade.

Recentemente, porém, a discussão voltou à baila no Supremo Tribunal Federal (STF). A mudança de opinião do ministro Gilmar Mendes, que era favor da execução da pena após condenação em segunda instância, e a entrada do ministro Alexandre de Moraes, no lugar do falecido ministro Teori Zavascki, alimentam as especulações sobre a revisão da jurisprudência. A aposta da defesa de Lula era explorar essa contradição e protagonizar uma alteração na jurisprudência. A radicalização do seu discurso político e a postura desrespeitosa em relação aos magistrados que o condenaram acabaram provocando um efeito contrário. Agora, a decisão de Carmem Lúcia sepulta as possibilidades de reverter a decisão dos desembargadores federais de Porto Alegre, antes de a pena começar a ser executada.

Além disso, afasta a possibilidade de Lula disputar as eleições, pois está inelegível. Para isso, seria necessário revogar a Lei da Ficha Limpa, que exclui da disputa eleitoral quem foi condenado em segunda instância. Sem garantia de registro, a candidatura de Lula está natimorta. Mesmo assim, a estratégia do PT é “vitimizar” o ex-presidente da República e manter sua pré-candidatura enquanto for possível. Entretanto, o estratagema somente afronta ainda mais o Judiciário. Não tem eficácia jurídica.


Luiz Carlos Azedo: A deriva para o centro

O PT fracassou porque o poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão ao programa que havia dado errado no governo Geisel

A crise ética, o impeachment de Dilma Rousseff e a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, levaram a liderança petista a realizar um movimento de “esquerda, volver!”, na esperança de reagrupar forças para tentar sobreviver. Já não se trata de voltar ao poder, com Lula na Presidência, porque esse projeto se inviabilizou.

É sobrevivência mesmo, inclusive para alguns dos que mais se destacam na narrativa do “golpe” e da “fraude”, como a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), e o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que deverão deixar o Senado e disputar uma cadeira na Câmara. A estratégia é transformar Lula numa vítima da “ditadura do Judiciário”, organizar uma suposta “resistência democrática” e, com isso, reagrupar forças políticas e sociais, como o PSol e o MST, que haviam se descolado do projeto petista por seu “transformismo” numa “frente de esquerda” pela democracia entre aspas.

O conceito de “transformismo” foi cunhado por Karl Marx no livro O 18 de Brumário, de Luís Bonaparte, que analisa a crise política que levou à restauração da monarquia na França, no período que vai de 1848 a 1851. No calendário da Revolução Francesa, a data corresponde ao 9 de novembro do calendário gregoriano. Foi escrito nos meses de dezembro de 1851 e março de 1852, originalmente para um semanário político de Nova York, que fracassou com a morte prematura de seu editor, Joseph Weydemier. Os artigos foram publicados pela revista Die Revolution.

Nessa época, o jovem Marx, como nos mostra o filme em cartaz assim intitulado, sobrevivia dos recursos que ganhava como jornalista e escritor. O livro começa com uma frase que se tornou lugar-comum: “Hegel observa, em uma de suas obras, que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Tem tudo a ver com o que está acontecendo com o PT.

Destaca Marx logo no parágrafo seguinte, também famoso: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. De nada adianta, agora, os petistas buscarem “os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens”, sem fazer uma autocrítica dos erros tremendos que cometeram quando estavam no poder.

Aggiornamento
É que a passagem de Lula pelo poder e a de Dilma não representaram um “aggiornamento” político. O termo italiano significa atualização e foi consagrado pelo papa João XXII no Concílio Vaticano II. O “transformismo” é outra coisa: significa uma mudança ditada pelo pragmatismo e pelo oportunismo, no qual um determinado partido e sua representação parlamentar se descolam da base social que lhes deu origem e passam a cuidar dos seus próprios interesses. Foi isso o que aconteceu com os partidos na crise francesa que levou à ditadura do sobrinho de Napoleão, dando origem a um outro conceito muito conhecido: “bonapartismo”. De certa forma, até corremos o risco de um governo bonapartista após as eleições de 2018.

Não é preciso chover no molhado e tecer detalhes do fracasso petista, mas é importante assinalar que a tentativa de renascer das cinzas com o velho discurso radical, nacional-libertador, é uma farsa política que dará com os burros n’água. A deriva petista para o centro fracassou porque a chegada ao poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão a um programa que já havia dado errado no governo Geisel, durante o regime militar. Não foi um aggiornamento verdadeiro, no qual o maior partido de esquerda do país, surgido da transição à democracia, houvesse se atualizado programaticamente. Isso tem um preço, simples assim.

E o que aconteceu com a esquerda moderada, socialdemocrata, que confrontou o PT e apostou no impeachment de Dilma? Está diante do mesmo problema, precisa se atualizar programaticamente, com autocrítica e revisão teórica, e não apenas aderir a teses ultraliberais por pragmatismo político. Esse é outro tipo de “transformismo” que contribui para a fragmentação das forças de centro do espectro político porque não há uma real convergência com os liberais em termos de construção de um novo projeto democrático para o país. A ultrapassagem da crise de financiamento do Estado brasileiro e a construção de um novo consenso nacional pressupõe um programa exequível de governo, em sintonia com a sociedade, e não com as forças que ainda se locupletam do velho patrimonialismo.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-deriva-para-o-centro/


El País: “TRF-4 pode ter criado um lulismo mais radical, sem Lula e sem o PT, como é o peronismo, diz Lincoln Secco

Para o pesquisador da história do PT, ao condenar Lula, TRF-4 pode ter consolidado seu mito

Por André Oliveira, do El País

ma entrevista feita em dois tempos. O primeiro, em que ainda havia dúvidas e especulações sobre o resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). O segundo, em que já se sabia que Lula havia sido condenado e sua pena, estipulada inicialmente em nove anos pelo juiz Sergio Moro, ampliada. O cenário mudou, tornou-se mais estreito, mas a avaliação de Lincoln Secco, professor da Universidade São Paulo e pesquisador da história do PT, manteve-se praticamente igual. Na conversa abaixo, ele fala sobre a decisão da Justiça, mas também traça um possível cenário político brasileiro que se avizinha em 2018 e nos próximos anos.

Pergunta. O resultado do julgamento do TRF-4 foi mais duro do que o esperado por muita gente. A tática do ex-presidente deve mudar agora?

Resposta. O que aconteceu foi um recado claro. Lula não pode ser candidato e deve ser preso como um exemplo. Agora, o PT vai reagir com força verbal à sentença, mas será difícil no curto prazo mobilizar resistência nas ruas, porque os dirigentes atuais não comandam mobilizações há 20 anos e desconhecem sua base social. Se Lula vai mudar de tática? Isso dependeria exclusivamente dele. Ele poderia sim recorrer a algum tipo de desobediência civil, resistência pacífica, manifestação de massa ou boicote às eleições. Isso mudaria tudo. Lula tem uma biografia consolidada à qual agora se acrescenta o papel de perseguido político. Ele foi condenado por ter um apartamento que não está em seu nome e no qual jamais morou. A percepção da sua base social vai mudar. Ele se torna vítima dos poderosos. As cenas do julgamento são simbólicas. É possível que os juízes tenham contribuído para consolidar o mito Lula por uma ou duas gerações e venhamos a ter um lulismo mais radical sem Lula e até sem essa atual direção do PT, como foi o peronismo depois de proibido oficialmente na Argentina.

P. Acredita que ainda há caminho para Lula reverter o quadro desenhado pela condenação?

R. O impeachment, o golpe parlamentar, não foi dado para devolver o poder ao PT. O julgamento de Lula não foi antecipado ao acaso. Havia a ilusão de que a elite do Judiciário não iria querer humilhar um ex-presidente da República e o próprio país com uma decisão tão dura. Até alguns golpe militares respeitaram os presidentes, mas não é o que a decisão de ontem aponta. Acredito que um tribunal superior pode até mudar a sentença, mas não inocentar o ex-presidente. Ao PT só resta pensar na substituição dele para garantir uma votação suficiente para sobreviver institucionalmente e, num outro ciclo da história, reconstruir suas bases de apoio. Para usar o jargão chinês: teria que ser uma guerra popular prolongada.

P. Dentro do PT há quem fale em uma segunda via com Fernando Haddad ou Jaques Wagner. Ainda há quem mencione um, agora mais improvável, apoio ao Ciro Gomes. Qual é seu palpite?

R. A não ser que o próprio PT seja inviabilizado, o que não está aparecendo no horizonte político deste ano, ele vai ter candidato. É muito difícil imaginar um apoio ao Ciro Gomes, especialmente depois da hesitação dele em apoiar o Lula diante do julgamento. Ficou muito claro que o Ciro Gomes, este sim, torce quase que explicitamente para que o Lula não seja candidato, já que ele seria diretamente beneficiado por isso. O PT terá outro candidato.

P. Quem? Fernando Haddad, Jaques Wagner?

R. Eu acho que o Lula tem sempre a capacidade de surpreender o mundo político. A escolha da Dilma foi inesperada e foi uma escolha pessoal dele. Então, em primeiro lugar, o PT vai investir na batalha jurídica e na propaganda de que o Lula é o candidato. Depois, pode ser até que ele venha a indicar um nome que não é nenhum desses que estão especulando. De qualquer jeito, o Jaques Wagner tem uma relação muito boa com o Lula. O Haddad já é um pouco mais difícil. Só que pode ser a Gleisi Hoffmann, que é a presidenta do partido, ou outro nome que o Lula pode tirar da manga. Outra questão, é que todos esses nomes que falamos não têm mandato executivo, ou seja, não têm uma máquina de Governo por trás. Para o PT, seria melhor, pensando eleitoralmente, que o candidato tivesse o apoio de uma máquina. Há o governador de Minas Gerais, Fernando Pimental, por exemplo, que já foi, inclusive, ventilado na imprensa.

P. A imprensa fala muito do cenário da esquerda, em que não há clareza sobre quem será o candidato. E no outro espectro político? Os nomes de alguns outsiders ao mundo político já foram testados, nada decolou ainda.

R. O Luciano Huck deve ter sido orientado a retirar o nome dele estrategicamente. O que quer dizer que não é uma saída definitiva. Acontece que ele foi precipitado. Ele se lançou cedo demais, o que poderia acabar em um bombardeamento e desconstrução anterior à campanha de fato. Só que ele é um possível candidato da rede Globo, então ele não pode ser deixado de fora do leque de alternativas do centro e direita do espectro político. Na ausência do Lula, acredito que o Jair Bolsonaro cresce. Embora ele não tenha máquina partidária, nós não estamos vivendo em um sistema político estável, como era o que vivíamos até 2013. Ele também é uma força a ser considerada. O problema da direita tradicional, ou do centro, como você preferir, é que vai ser difícil viabilizar um candidato com força, pois há o calcanhar de Aquiles chamado Governo Temer e as contra reformas implementadas por ele. Na minha visão, esse centro político se desfez porque ele não tem um discurso para ganhar eleições. Hoje, quem tem discurso é a extrema-direita e a esquerda. A esquerda sem candidato, favorece a extrema-direita.

P. Como presidente, o Lula já provou que não é um radical. Como entender essa contradição? Um político que nunca foi radical, ser tachado de radical?

R. Estamos vivendo um momento político tão irracional, que o Lula, que não é nada outsider, que tem uma vida pública de 40 anos, que comprovou inúmeras vezes que é um conciliador, que fez um Governo de conciliação nacional, que nunca apostou na luta de classes, agora é apontado como radical. Isso é fruto da crise do sistema político como um todo. Quando a Dilma foi derrubada e o PT foi jogado no canto do ringue, o PSDB, que era seu antagonista, também foi se esvaindo. Agora, a aparência radical que estão colando no Lula, passa a ter vigência concreta, porque a política não é apenas o que é, mas é o que parece. O Lula não é um radical, mas ele foi jogado nessa condição. Todo mundo que está na oposição eleva o tom. Isso é natural da política. E o Governo atual faz essa oposição ficar ainda mais virulenta. O Governo Temer é que é o radical à direita. Ele está implantando uma agenda de austeridade sem apoio da sociedade e de forma muito acelerada. Aí a oposição do Lula fica ainda mais evidente.

P. A partir de agora, é possível imaginar um PT concretamente mais à esquerda?

R. O PT já está um pouco mais à esquerda do espectro político, simplesmente porque foi derrubado e empurrado para a oposição. O que aconteceu de interessante também é que ele voltou a ser a legenda de maior preferência partidária, segundo as pesquisas. O PT é um partido ressuscitado. Agora, daí a acreditar que ele vai se tornar um partido radical, é muito diferente. Isso seria muito mais a cara do PT dos anos 1980 do que do PT de agora.

P. O fato de ter chegado a 2018 sem uma alternativa ao Lula revela um partido pouco democrático?

R. O PT não é nenhum modelo de democracia interna, mas, ainda sim, ele é o partido com mais participação de base do Brasil. Ele é muito mais democrático do que qualquer outro partido. Só que o peso do Lula é muito grande. O que eu acredito é que este peso tenderia a ser menor se não tivesse ocorrido a interrupção da trajetória do Governo Dilma. Certamente haveria uma renovação natural do partido. Agora, o Lula acabou sendo convocado por essa situação anômala a voltar a liderar o partido, pois ele tinha que usar isso em sua própria defesa. Ele próprio já declarou isso várias vezes, que estava quieto em São Bernardo, mas não deixaram ele descansar. Isso não quer dizer que ele ia abandonar inteiramente sua influência política, mas ele teria menos força se não tivesse havido o impeachment.

P. É comum ouvir que principalmente depois de Dilma houve um afastamento do PT em relação à base, além de uma burocratização de movimentos sociais. Contudo, a popularidade do partido, apesar de uma queda em 2016, está aumentando. Como entender essa contradição?

R. É o que eu já mencionei brevemente, acontece que o PT, sendo derrubado e com as medidas neoliberais do Governo Temer, é natural que ele volte a parecer um partido mais à esquerda. É um polo de aglutinação. As outras organizações não vingaram. A queda da Dilma não é só a queda dela ou do PT, mas de toda a esquerda. Ao mesmo tempo, houve um ressurgimento da base, um ressurgimento social do PT, mas isso está em contradição com a paralisia da direção política do PT. As pessoas se filiam ao PT porque esperam uma resposta que não pode ser meramente institucional, porque o PT diz para a sua base que houve um golpe, mas, ao mesmo tempo, a cúpula do partido só está pensando em estratégia eleitoral e jurídica, apelando para um Judiciário que ele mesmo diz que é politizado. O fato é que existe uma base eleitoral nova no PT, que se renovou, surpreendentemente em 2015, 2016 e 2017. O problema é que a direção do PT não lidera, de fato essa base. O PT precisaria se renovar internamente para dar uma função a essas pessoas, já que ele não é mais um partido organizado em núcleos de base.

P. E o que significa um cenário político no Brasil sem o PT?

R. Seria, com todo respeito, a "mexicanização" da política brasileira. Já temos um país conflagrado socialmente, com grande peso do narcotráfico e com organizações criminosas na cadeia. Sem o PT, ficaríamos sem movimentos sociais, sem a esquerda organizada para civilizar nossa sociedade civil. O PT poderia muito bem ser substituído por outra coisa, mas, historicamente, essas coisas levam décadas para serem construídas. A renovação estava acontecendo, mas foi interrompida. Se O PT perder sua relevância, não vai surgir uma alternativa para a esquerda do dia para a noite. Além disso, o chão da classe trabalhadora mudou muito em relação à década de 1980, quando o PT surgiu. Ela é muito mais dispersa e a esquerda tem muita dificuldade de se tornar representante disso.

P. Em 2016, o PT não conseguiu eleger o prefeito de São Paulo. O cenário eleitoral mudou de lá para cá?

R. Totalmente. O Lula, mesmo fora da cédula, será um ator fundamental do PT na eleição. Ele vai transferir votos, sem sombra de dúvidas. 2016 foi uma eleição anômala, porque o partido havia acabado de sofrer um impeachment. A popularidade do Lula era, mais ou menos, metade do que é hoje. E o PT estava empatado com o PSDB, com uma preferência que girava ao redor de 8%, hoje ele tem 20%. O cenário é outro. Além disso, há o Governo Temer, claramente rejeitado pela população, e o fato de que os adversários do PT estão completamente fragmentados.


Marco Aurélio Nogueira: Depois do julgamento

Há um cansaço cívico (ético-político) por se manter o caso Lula no centro da vida nacional

Com a confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4, abriu-se uma clareira na política nacional. Em que pesem o componente dramático do fato e toda a controvérsia jurídica que cerca o julgamento, o fato é que ele atinge uma das figuras mais populares da história brasileira recente. Alguns alegam que Lula nada fez de errado e foi julgado pelo conjunto da obra; outros, que não há provas que confirmem as acusações. E há quem diga que tudo não passou de estratégia para afastá-lo da disputa eleitoral, numa demonstração de que a Justiça perdeu as estribeiras.

Continuaremos a discutir o tema e a nos dividirmos diante dele. Talvez por muito tempo.

Por vias transversas, porém, estamos sendo obrigados a fazer um balanço dos últimos tempos e rever estratégias que, por uma via ou outra, tentaram fortalecer a democracia. Hoje vivemos num país sem projetos e programas claros de ação.

Precisamos escapar da reiteração passional do discurso de amor e de ódio ao Lula, razão de tantas divisões e de tanto atraso na formulação política do progressismo brasileiro. Aos poucos poderemos enveredar por um caminho mais laico de luta, que não se renda à narrativa simplista de que tudo o que acontece no Brasil deriva de um “golpe midiático-judicial”, implacável na perseguição à esquerda e a Lula em particular. O País é bem mais complexo do que deseja essa vã filosofia do golpismo das elites.

A partir de agora haverá mais espaços para que se atualize a compreensão das vias a serem trilhadas para que o País avance. Desfazem-se as ilusões de que tudo depende de alguém revestido de um magnetismo ímpar, que traz nas mãos o futuro da Nação. Um novo programa terá de frutificar para que se ataquem as mazelas socioeconômicas e se invista numa pedagogia cívica que tenha a marca do progresso social e da democracia. Uma nova cultura de governo e de prática política precisará avançar com rapidez. Os candidatos serão instados a tomar posição sem subterfúgios perante a exigência nacional de que a corrupção seja arquivada como conduta política, nas suas variadas manifestações, do ilícito administrativo à obtenção de vantagens pessoais, da formação ilegal de reservas eleitorais à cobrança de comissões obscenas nos contratos públicos.

Ao menos por um tempo a vida política continuará intoxicada pela polarização criada por Lula. O “nós” daí decorrente, porém, tenderá a encontrar um caminho menos grandiloquente. O mito vai sobreviver, mas seu brilho tenderá a esmaecer.

Um país sem mitos políticos, a rigor, não existe. Seria um arranjo imperfeito, vazio de simbolismo, carente de animação. Mas mitos não precisam ser levados como estandartes que cegam e vetam o pensamento crítico. Podem e devem ser humanizados, extraídos da esfera do sublime, fixados no chão da terra: uma pessoa igualzinha a todas as outras, que comete erros, tem suas paixões, suas taras e seus defeitos, seus méritos e deméritos, falha e envelhece como o mais comum dos mortais. Sua diferença específica não é mágica, mas funcional, de talento e de disposição ao sacrifício.

A condenação de Lula funciona como um soco no imaginário nacional. Mas está longe de representar uma tragédia ou o fim de uma época. Incentiva a reflexão e estende um convite a que se redefinam os personagens que ocuparão o palco principal. Não é razoável que o País continue a girar em torno de uma polarização que se reproduz por inércia. É preciso que a realidade seja reprocessada como um todo, para que suas contradições, que são muitas, saiam à luz do dia.

O desfecho do julgamento de Lula não causa mais indecisão do que já se tinha. Ao contrário, pode levar à recuperação de uma racionalidade reformadora que estava perdida. Não retira credibilidade do processo eleitoral de 2018: pode valorizar as escolhas eleitorais, chamar os cidadãos para a esfera pública e instituir uma relação de novo tipo com o Estado e a comunidade política.

Lula seguirá fazendo campanha País afora. Permanecerá com um recall importante, mas terá de elaborar o impacto da condenação e o risco de prisão. O PT vai mostrar se é ou não maior que sua liderança principal, se continuará fazendo dela o seu biombo e lhe transferindo todo o vigor partidário.

Será tentado a levar a candidatura de Lula às últimas consequências, pois não dispõe de um nome alternativo e precisa ganhar tempo para se reposicionar no território político das esquerdas que aceitaram seu protagonismo nos últimos tempos. Não poderá mais enquadrá-las por uma posição de força. Terá de se abrir ou para a formação de uma “frente de esquerda” desde logo, ou para uma multiplicidade de candidatos que convirjam num eventual segundo turno. Serão decisões difíceis, a serem tomadas por um partido que perdeu alguns de seus ativos nos últimos anos e costuma ter uma vida interna tensa e intensa.

Nas tratativas que haverá, o PT terá de redefinir o slogan “eleição sem Lula é fraude”, que provoca atrito com todos os que decidirem permanecer a sério na disputa. A estratégia mais afastou do que agregou. O slogan talvez alimente o radicalismo e a passionalidade de alguns militantes, mas é um bumerangue que precisará ser desativado. Sob pena de fazer o PT desidratar. A “radicalização” anunciada por Gleisi Hoffmann terá de se haver com a perspectiva de sobrevivência política do partido.

O problema é que a sociedade está saturada de polarização política. Há um cansaço cívico (ético-político) diante da manutenção do caso Lula no centro da vida nacional. O que coloca um ponto de interrogação na eventual manutenção da estratégia de judicialização radicalizada da candidatura do ex-presidente.

Apostar no desgaste das instituições, em particular da Justiça e das eleições, não é a opção mais razoável. Como, de resto, ficou evidente ao longo do próprio processo que culminou na condenação de Lula em segunda instância.


Roberto Freire: Lula, condenado e ficha suja

Uma elevada popularidade ou altos índices de intenção de voto em sondagens eleitorais não dão salvo conduto a Lula, nem a qualquer cidadão brasileiro, para praticar crime

- Diário do Poder

O Estado Democrático de Direito prevaleceu. A Justiça brasileira e as instituições democráticas do país deram mais uma vigorosa prova de seu bom funcionamento no julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que analisou o recurso apresentado pelos advogados do ex-presidente Lula contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão proferida em primeira instância pelo juiz Sergio Moro no processo referente ao triplex no Guarujá (SP). Para além de qualquer dúvida, o relator João Pedro Gebran Neto, o revisor Leandro Paulsen e o juiz federal Victor Laus foram categóricos ao corroborar a sentença condenatória inicial por unanimidade, inclusive ampliando a pena para 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Demolindo a narrativa mentirosa entoada pelos áulicos do lulopetismo nos últimos meses, o tribunal entendeu que não só havia provas que incriminavam o ex-presidente como elas eram abundantes e incontestáveis. Em seu voto, o desembargador Laus afirmou: “As provas resistiram, sejam as documentais ou as testemunhais. Estamos diante de provas que resistiram à crítica, ao contraponto, ao embate”. Seu colega Paulsen foi além: “Há elementos de sobra para demonstrar que [Lula] concorreu para os crimes de modo livre e consciente, para viabilizar esses crimes e perpetuá-los”. O relator Gebran também foi enfático: “As provas colhidas levam à conclusão de que, no mínimo, tinha ciência e dava suporte àquilo que ocorria no seio da Petrobras, destacadamente a destinação de boa parte das propinas ao Partido dos Trabalhadores”.

Apesar dos covardes ataques perpetrados pela militância petista contra os desembargadores do TRF-4 e o Judiciário em geral, a condenação em segunda instância, de forma unânime e da maneira contundente e afirmativa que se deu, sepulta o discurso fantasioso de que Lula é inocente e vítima de um complô que só existe na mente perturbada daqueles que perderam qualquer conexão com a realidade. E mais: de acordo com a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), o petista não pode ser candidato a nenhum cargo eletivo. Para desespero do PT, portanto, ele não estará habilitado a concorrer à Presidência da República nas eleições de outubro, e isso nada tem a ver com perseguição política ou ideológica – trata-se, simplesmente, do estrito cumprimento da lei.

A Lei da Ficha Limpa, aprovada no Congresso Nacional com o apoio enfático de todas as forças políticas – incluindo o PT e seus aliados –, é cristalina e não permite dúvidas: em caso de condenação por um tribunal colegiado, como é o caso do TRF-4, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições.

É bom não esquecermos que, além de tudo disso, há um entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que um condenado em segunda instância já pode iniciar o cumprimento de sua pena (no caso de Lula, em regime fechado, de acordo com a sentença determinada pelo TRF-4) enquanto apela às instâncias superiores do Judiciário. Convém ressaltar que o próprio revisor do processo no TRF-4 já deixou claro, em seu voto, que a execução da pena a ser cumprida pelo ex-presidente se iniciará tão logo sejam examinados os embargos de declaração no próprio tribunal. Ou seja, não deve demorar muito para que o condenado seja detido e vá para a cadeia.

Uma elevada popularidade ou altos índices de intenção de voto em sondagens eleitorais não dão salvo conduto a Lula, nem a qualquer cidadão brasileiro, para praticar crimes. Não há nenhuma relação entre o potencial eleitoral ou mesmo um eventual bom resultado nas urnas e aquilo que se julgou na 13ª Vara Federal, em Curitiba, ou no TRF-4, em Porto Alegre. Fica a lição dada pelo juiz Moro, com uma frase lapidar, ao final da sentença na qual condenou o ex-presidente ainda na primeira instância: “Não importa quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”.

Nesse sentido, é importante denunciar a fragilidade de um discurso propagado por algumas figuras – muitas delas até críticas de Lula e adversários do lulopetismo – de que seria melhor derrotar o ex-presidente nas urnas, ao invés de nos tribunais. Trata-se, evidentemente, de uma estultice sem tamanho, além de uma grave concessão à impunidade, como se a aplicação do texto legal fosse dispensável e o processo eleitoral substituísse o império da lei e o julgamento da Justiça. Eleição, afinal, é para ser disputada por quem tem ficha limpa. Não é o caso do líder maior do PT, apontado pelo Poder Judiciário como o comandante máximo de uma sofisticada organização criminosa que assaltou os cofres públicos e tentou se perpetuar no poder a qualquer preço. Ao contrário do que bradam os simpatizantes do ex-presidente, eleição sem Lula não é “fraude”, mas apenas consequência natural de uma condenação indiscutível, em primeira e segunda instâncias, por crimes de corrupção. Tão simples quanto isso.

Apesar de todo o estrebuchar, Lula, hoje, é alguém que, “em algum momento, perdeu o rumo das coisas e passou a se confundir, a não compreender suas atribuições”, na definição do juiz Victor Laus durante a leitura de seu voto. O maior símbolo do PT passou a ser, definitivamente, um caso de polícia, embora com reflexos na política em função de um passado marcante para o bem e, principalmente, para o mal. É um ficha suja, nos termos da lei. Um criminoso condenado por suas malfeitorias. Uma triste e vergonhosa página da história. Ao virá-la, enfim, o Brasil se reencontra consigo mesmo e, de alma lavada, volta a olhar para frente e mirar o futuro.


Fernando Gabeira: A longa marcha pelo tapetão

O jogo acabou. O Brasil livrou-se de um populista em 2018. Mas não do populismo

De vez em quando, o Brasil entra nuns desvios e perde o foco, mesmo vivendo uma crise profunda, com alarmes assustadores, como o rombo na Previdência. Esse desvio foi uma escolha da esquerda. E o País, no conjunto, acabou distraído com a sorte do ex-presidente Lula.

Havia mais gente nas filas de vacina contra a febre amarela do que manifestantes na rua. Não perdemos o fio terra.

Esse descaminho começou com a tática do PT de negar a montanha de evidências trazidas pela Lava Jato. A tarefa principal era salvar Lula da cadeia. Foi o motivo de ele ter-se declarado candidato a presidente, de novo.

Com esse movimento, associaram a sorte de Lula ao rumo das eleições e acharam a mola política com que iam saltar a montanha de evidências: explicar os fatos como uma conspiração da Justiça; se as pessoas não percebem isso, é porque a conspiração tem outro braço poderoso, a grande imprensa.

Para a esquerda, a sorte de Lula, a das eleições e da democracia são a mesma coisa. Não perdi tempo tentando discutir isso. É apenas uma cortina de fumaça que nos afasta da tarefa de reconstruir o País e, dentro dos limites, realizar mudanças no sistema político.

A decisão do TRF-4 foi uma espécie de choque da realidade, embora uma perspectiva política carregada de religiosidade possa ver nessa derrota apenas um prenúncio da grande vitória final.

Foram muitas as visões. Viram alguém com um cartaz “Forza Luca” na torcida do Bayern de Munique e acharam que era “Forza Lula”. Viram ônibus de mochileiros vindos da fronteira e acharam que eram apoiadores de Lula.

Nada contra o direito de delirar. Mas quando o delírio compromete o foco de reconstrução nacional, ele preocupa. De certa forma, acho que a própria imprensa – a grande manipuladora, na opinião da esquerda – acaba embarcando nessa expectativa de um grande acontecimento, na verdade, uma condenação lógica e previsível.

Não porque a imprensa tenha uma tendência à esquerda. Ouvi a cobertura do caso na estrada, o rádio passando por várias cidades, vozes diferentes. Existe uma certa expectativa de projetar problemas futuros. Passada a decisão, ela se deslocou para os recursos que podem surgir.

O resultado foi de três a zero. Claro que pode haver recurso, mas não tem importância nenhuma. Ninguém pergunta ao time de futebol que sofre uma goleada se vai entrar com um recurso. E se entrar, pouca atenção se dá a ele.

Quando me dei conta, já havia um cipoal de recursos previstos, de forma que o problema só seria resolvido em agosto de 2018 e até lá seríamos prisioneiros desse impasse. Parece que existe uma satisfação em escavar recursos e apelações, enfim, um desejo inconsciente de não sairmos do lugar, pelo menos até agosto.

Mas os dados estão lançados. Assim que for julgado o recurso, pela lógica de condenação em segunda instância Lula será preso.

Essa é a leitura que fiz na estrada. De forma muito frequente os comentaristas se abstraem da consequência legal da decisão e se fixam nas eleições. É como se Lula tivesse sido condenado simbolicamente e tivesse apenas pela frente uma longa batalha jurídico-burocrática.

Enfim, ao dramatizar um recurso perdido de antemão o Brasil construiu uma grande plataforma emocional, um espaço de distração, cheio de pequenos sobressaltos. Ao invés de cair na realidade e olhar para a frente, vai acompanhar a longa marcha da esquerda pelo tapetão.

Peço desculpas de novo por me ausentar dessa questão, como me ausentei da história do recurso no TRF-4. Havia provas testemunhais, periciais e documentais e o TRF-4 tinha confirmado todas as principais sentenças de Moro.

A emoção desloca-se para embargos de declaração, recursos especiais, enfim, pela perpetuação do jogo.

As multidões que foram às filas de vacina contra a febre amarela, embora um pouco alarmadas, estavam com um pé na realidade, esperando que o universo político-midiático se volte para problemas reais da reconstrução do Brasil. Toda essa encenação dramática do PT diante de um fato inevitável foi a fonte de diversão e material para o suspense jornalístico.

Não tem jeito. Se o ritmo escolhido pela imprensa for também o de dramatizar o tapetão, então vamos ter de esperar com paciência.

O problema é que está chegando a hora de discutir alternativas para o País. Fabio Giambiagi, que estuda há muitos anos o déficit da Previdência, encontrou uma imagem para a situação do País: o Brasil suicida-se em câmera lenta.

Se consideramos o tempo curto e a necessidade do foco na reconstrução, veremos que também na política é preciso olhar para a frente. Toda essas dispersões, esse falsos dramas, servem apenas para consolidar nosso atraso.

Um gigantesco esquema criminoso assaltou o País durante muitos anos. Investigações eficazes e um magnífico trabalho de equipe nos puseram diante de toneladas de evidencias. É razoável esperar que as pessoas sejam condenadas e presas.

Dentro ou fora da cadeia, Lula será um importante eleitor. Não creio que tenha descido acidentalmente ao lado de Jaques Vagner e Fernando Haddad em Porto Alegre. Faz parte do ritual comunista indicar a sucessão pela proximidade física nas aparições em público. Com o tempo, até eles terão de olhar para a frente, como a viúva que aos poucos deixa o luto e encara de novo a vida.

O jogo acabou. O Brasil livrou-se de um populista em 2018. Mas não se livrou do populismo. Esse é ainda um grande problema do amanhã, que só um amplo e qualificado debate nacional pode superar.

Há um longo caminho pela frente, espero que possamos vê-lo com, nitidez, em vez de nos perdemos na gritaria de derrotados pela sociedade, que deseja justiça e instituições que a apliquem com transparência.


Denis Lerrer Rosenfield: A batalha de Porto Alegre

O divórcio entre o PT e a democracia representativa se revela na imagem da ‘morte’
Longínqua é a época em que o PT se vestia de defensor de outra forma de participação política, procurando seduzir não somente os incautos do Brasil, mas também os do mundo. A soberba já naquele então desconhecia limites, mas apresentava-se com as sandálias da humildade.

Era o mundo da dita “democracia participativa” e da mensagem, no Fórum Social Mundial, de que um “outro mundo era possível”. Porto Alegre tornou-se o símbolo que irradiava para todo o País, e para além dele, transmitindo a imagem de uma grande solidariedade, de uma paz que o partido encarnaria.

Para todo observador atento, contudo, a farsa era visível. Porém foi eficaz: levou o partido a conquistar três vezes a Presidência da República. Mas deixando um rastro de destruição, com queda acentuada do PIB, inflação acima de dois dígitos, mais de 12 milhões de desempregados e corrupção generalizada. Dirigentes partidários foram condenados e presos a partir do “mensalão” e do “petrolão”. Antes, o partido tinha um currículo baseado na ética na política; hoje, uma folha corrida.

No dito orçamento participativo das administrações petistas de Porto Alegre já se apresentavam o engodo, a enganação e, sobretudo, o desrespeito à democracia representativa, tão ao gosto dos petistas atuais. Reuniões de 500 pessoas em bairros da cidade, nas quais um terço dos participantes era constituído por militantes, decidiam por regiões inteiras de mais de 150 mil ou mesmo 200 mil habitantes. Impunham uma representação inexistente, numa espécie de autodelegação de poder. O partido tudo instrumentava, arvorando-se em detentor do bem, o bem partidário confundido com o público.

Num Fórum Social Mundial, os narcoterroristas das Farc foram recepcionados no Palácio Piratini, sob o governo petista de Olívio Dutra. Lá, numa das sacadas do prédio, em outra ocasião, discursou, com sua arenga esquerdizante, Hugo Chávez, líder do processo que está levando a Venezuela a um verdadeiro banho de sangue, com a miséria e a desnutrição vicejando como uma praga – a praga, na verdade, do socialismo do século 21.

Eis o “outro mundo possível”, louvado pelos atuais dirigentes do PT. A vantagem hoje é a de que a máscara caiu. O partido, pelo menos, tem o benefício da coerência.

A máscara caindo mostra com mais nitidez que a democracia representativa nada vale e que a violência é o seu significante. A mensagem de paz tornou-se mensagem de sangue. A presidente do partido não hesitou em afirmar que a prisão de Lula levaria a “prender” e a “matar gente”. A tentativa de conserto posterior nada mais foi do que um arremedo.

Conta o fato de ter ela expressado uma longa tradição marxista-leninista de utilização da violência, da morte, acompanhada, segundo essa mesma tradição, de menosprezo pelas instituições democráticas e representativas, na ocorrência atual, sob a forma de desrespeito aos tribunais. A democracia, para eles, só tem valor quando os favorece. Desfavorecendo-os, deve ser liminarmente deixada de lado. Mesmo que seja sob a forma jurídica de pedidos de liminares, para que a luta continue.

Não sem razão, contudo, o PT e seus ditos movimentos sociais consideram este dia 24 como decisivo, o de seu julgamento. Para eles, tal confronto se exibe como uma espécie de luta de vida e morte. Nela, ao jogar-se a candidatura de Lula à Presidência da República e caindo, em sua condenação, o ex-presidente na Lei da Ficha Lima, está em questão a “vida” do candidato e do seu partido. Este, aliás, escolheu identificar-se completamente com seu demiurgo, selando com ele o seu próprio destino. O resultado é uma batalha encarniçada, o seu desenlace constituindo-se numa questão propriamente existencial.

A imagem da “morte”, segundo a qual os militantes fariam sacrifício por seu líder, por não suportarem a prisão dele, nada mais faz do que revelar o profundo divórcio entre o partido e a democracia representativa, com as leis e suas instituições republicanas. Pretendem sujar a Lei da Ficha Limpa com o sangue de seus seguidores.

Assim foi na tradição leninista: os líderes mandavam os seguidores para o combate e a morte, permanecendo eles vivos; e depois, uma vez conquistado o poder, usufruindo suas benesses. O sangue do ataque ao Palácio de Inverno e a vitória da revolução bolchevique levaram aos privilégios da Nomenklatura, dominando com terror um povo que veio a ser assim subjugado.

Segundo essa mesma lógica “política”, sob a égide da violência, Lula e os seus dividem apoiadores e críticos nomeando os primeiros como “amigos” e os segundos, “inimigos”. Sua versão coloquial é a luta do “nós” contra “eles”, dos “bons” contra os “maus”, dos “virtuosos” do socialismo contra os “viciados” pelo capitalismo. Ora, tal distinção, elaborada por um teórico do nazismo, Carl Schmitt, é retomada por esse setor majoritário da esquerda, expondo uma faceta propriamente totalitária. Lá também a morte, o sangue e a violência eram os seus significantes.

O desfecho do julgamento do dia 24, estruturante da narrativa petista, será vital para o destino do partido. Em caso de condenação, o que é o mais provável, o partido continuará correndo contra o tempo, numa corrida desenfreada por meio de recursos jurídicos, procurando esgotar os meios à sua disposição do Estado Democrático de Direito.

Assim fazendo, tem como objetivo produzir uma instabilidade institucional que venha a propiciar-lhe a reconquista do poder, produzindo um fato consumado numa eventual eleição sub judice. Seria consumar a morte da democracia representativa, solapando seus próprios fundamentos.

Resta saber se o partido conseguirá, para a concretização de seu projeto, realizar grandes manifestações de rua. Se lograr, a democracia representativa correrá sério risco. Se malograr, o partido estará fadado a divorciar-se ainda mais da sociedade. A narrativa soçobraria na falta de eco.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS

 


Merval Pereira: Em busca do confronto

A declaração, no mínimo irresponsável, que no limite pode ser considerada uma incitação à violência, da presidente do PT, senadora investigada Gleisi Hoffmann, de que, para prender Lula, será preciso “matar muita gente”, é o retrato fiel da escalada de radicalização, por enquanto retórica, que os aliados do ex-presidente Lula estão fazendo à medida que se aproxima o dia do julgamento do recurso no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4).

Mas também do descontrole emocional que domina as principais lideranças do partido, pois a mesma Gleisi, em entrevista à agência de notícias Bloomberg dias antes, mandara um recado aos investidores estrangeiros para que não se preocupassem, pois Lula, segundo ela, é um líder político conciliador e estaria disposto a publicar uma nova versão da carta aos brasileiros para garantir seus compromissos com o equilíbrio fiscal.

A presidente do PT, por sinal, dá provas, dia sim outro também, de que está fora de sintonia com a realidade, provavelmente devido ao temor de que seu líder máximo acabe o processo em curso na cadeia ou, pior ainda para os planos petistas, impedido de concorrer à Presidência da República.

A senadora petista colocara recentemente no Facebook uma foto da torcida do time de futebol alemão Bayern de Munique onde se leria, segundo sua postagem, uma faixa de apoio a Lula, como se o julgamento estivesse mobilizando até mesmo torcidas organizadas alemãs. Na verdade, a foto mostrava uma faixa onde se lia “Forza, Luca”, comum ultimamente nos estádios da Alemanha devido a um acidente sofrido por um torcedor. O fanatismo provocou uma ilusão de ótica que fez Gleisi ler Lula em vez de Luca, deixando-a no ridículo.

São três episódios da mesma autora que demonstram como o julgamento do dia 24 está mexendo com os nervos da presidente do partido. Mas não só com os dela. A defesa de Lula tenta, de última hora, incluir no processo o que seria uma nova prova, fato de que tratamos aqui na coluna de ontem. A equivocada penhora do tríplex do Guarujá por uma juíza, em processo contra a OAS, pareceu aos advogados de Lula uma prova irrespondível de que o apartamento não é de Lula.

Como se ele não tivesse sido condenado justamente por tentar esconder a posse de fato do imóvel, que, aliás, foi confiscado judicialmente pelo juiz Sergio Moro como produto do crime pelo qual foi condenado. Em outra tentativa de alterar o andamento do processo, a defesa pediu que Lula fosse ouvido novamente no TRF-4 antes do julgamento, pois seu depoimento ao juiz Sergio Moro teria sido indevido pela parcialidade do julgador na primeira instância.

O relator da Lava-Jato no TRF-4, ministro João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, rejeitou o pedido, sob a alegação óbvia de que para concordar com ele seria preciso anular o primeiro depoimento, o que só poderia ser feito pelo plenário da corte de apelação. A mais recente trama foi tentar incluir um advogado americano entre os defensores de Lula, mas ele não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para atuar no país.

Além disso, deputados petistas, Wadih Damous e Paulo Teixeira, foram subestabelecidos como defensores de outro réu, Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Os dois poderão fazer uma defesa oral durante o julgamento, o que demonstra uma intenção, que não se sabe se concretizarão, de tumultuar o processo. Okamotto, pelo menos, preocupou-se em minimizar a fala de Gleisi sobre mortes em consequência de uma eventual prisão de Lula ao final do julgamento do dia 24, dizendo que foi uma força de expressão da presidente do PT. E que ele, sim, morreria do coração se Lula fosse preso. Okamotto imolou-se simbolicamente para atenuar o disparate da senadora Gleisi Hoffmann, mas isso em nada reduz a irresponsabilidade de conclamar os militantes petistas a reações violentas em caso de condenação de Lula. Os que ameaçaram os juízes do TRF-4 pelo Facebook já foram identificados pela Polícia Federal e podem sofrer as consequências ainda antes do dia do julgamento.

Como se vê, o périplo do presidente daquele tribunal, ministro Thompson Flores, a gabinetes de autoridades em Brasília em busca de garantias para que o julgamento transcorra sob controle das forças de Segurança não foi desmotivado. O apelo ao confronto está por toda parte nas atitudes de militantes e dirigentes petistas. Esperamos que sejam apenas bravatas irresponsáveis, a serem desestimuladas pela ação preventiva das autoridades de Segurança.

 

 


Luiz Carlos Azedo: O medo ambiente

O medo é uma variável importante do processo eleitoral de 2018. Ele está sendo retroalimentado pela radicalização política

Um dos fatores de mal-estar na sociedade é o chamado “medo ambiente”. É um fenômeno do mundo contemporâneo, decorrente das mudanças geopolíticas, tecnológicas e econômicas, mas no Brasil ele tem a ver também com o atraso e as desigualdades. Isso faz com que as incertezas do tempo presente sejam agravadas pelas certezas do tempo passado. No mundo mais desenvolvido, houve uma troca consciente e individualista da segurança pela liberdade a partir da relação dos cidadãos com o Estado e o conjunto da sociedade. As utopias coletivas e as ideologias se esfarinharam.

Na periferia do mundo, a situação é diferente. O mundo socialista que protagonizou a guerra fria não existe mais. A China, o Vietnã, a Coreia e Cuba continuem sendo ditaduras comunistas, mas os dois primeiros estão plenamente integrados à economia mundial; enquanto os últimos mantêm-se em cena como heranças da guerra fria, para alegria dos falcões dos Estados Unidos, de Donald Trump. E o que seria o terceiro mundo agora é o segundo; sua periferia exporta uma crise humanitária para o primeiro mundo, que é o grande responsável pela desordem na nova ordem mundial. O choque de civilizações, no plano religioso, completa o cenário, levando o terrorismo paras capitais mais protegidas do mundo. O “medo ambiente” está em toda parte.

No Brasil, ele tem identidade nacional. Por exemplo, a urbanização acelerada teve como consequência a favelização nas grandes cidades; ao mesmo tempo, essas “comunidades” estão conectadas virtualmente com o moderno, enquanto fisicamente continuam presas ao atraso. O que vai resultar disso aí é uma incógnita, mas o saldo atual dessa mistura de modernização com iniquidade social é a violência cotidiana. Às incertezas subjetivas se soma o temor físico de perder a própria vida. O Rio de Janeiro que o diga.

O medo é uma variável importante do processo eleitoral de 2018. Ele está sendo retroalimentado pela radicalização política. As declarações da presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), sobre o julgamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de janeiro, em Porto Alegre, são um belo exemplo dessa tendência. “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”, afirmou. Trata-se obviamente de um arroubo de oratória, como se dizia antigamente, mas é o tipo de discurso que revela um desejo. Ainda bem que não corresponde à correlação de forças políticas existente.

Gleisi está no cargo por indicação de Lula, para quem a retórica agressiva da senadora petista é uma mão na roda para politizar o julgamento e desqualificar a Operação Lava-Jato. Segundo ela, se a sentença do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, for confirmada pelo TRF-4, significará que “eles (os juízes) desceram para o ‘play’ da política”. A arrogância da presidente do PT não tem limites: “No ‘play’ da política nós vamos jogar (…) E vamos jogar pesado”. Como ela própria é uma das enroladas na Lava-Jato, pode ser que sua agressividade seja também resultado do medo de ser condenada.

Pavor político
Aliás, há motivos de sobre para isso. Ontem, o Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal pediu a condenação dos ex-deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) à Justiça Federal na ação penal que investiga desvios no Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa Econômica Federal. Para Cunha, pediu pena de 386 anos de prisão por crimes de corrupção passiva e ativa, prevaricação (crime contra a administração pública) e lavagem de dinheiro; para Alves, 78 anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os dois políticos estão presos e são investigados em várias frentes. Ambos negam as acusações.

Depois de tentar empurrar a situação com a barriga, o presidente Michel Temer determinou o afastamento de quatro dos 12 vice-presidentes da Caixa Econômica por 15 dias: Antônio Carlos Ferreira (Corporativo); Deusdina dos Reis Pereira (Fundos de Governo e Loterias); Roberto Derziê de Sant’Anna (Governo); e José Henrique Marques da Cruz (Clientes, Negócios e Transformação Digital).

Acatou recomendação do diretor de Fiscalização do Banco Central, Paulo Sérgio Neves de Souza, à secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, em razão da suspeita do envolvimento deles em irregularidades. Ela é a presidente do Conselho de Administração do banco. Em dezembro, o Ministério Público havia recomendado a saída dos 12 vice-presidentes da Caixa, mas a Casa Civil e a Caixa decidiram não acatar a sugestão.

Os dois episódios são uma demonstração de que a Operação Lava-Jato estava no freezer por causa do recesso, mas não foi congelada. A reação dos políticos é buscar a blindagem no Congresso e a redenção nas urnas. É a estratégia de Lula, que tenta desmoralizar a operação e explorar o medo da população em relação às reformas do governo Temer, principalmente a da Previdência, para voltar ao poder. O problema é que a maioria da sociedade também tem medo da radicalização e discorda da retórica de confronto do PT. O medo é multifacetado.

 


Gaudêncio Torquato: A insustentável leveza de ser do PT

O ano eleitoral que se inicia coloca em xeque o dilema que tem afligido o PT ao longo dos últimos anos: arrefecer o peso do discurso, produzindo nova "carta aos brasileiros", à semelhança da que Luiz Inácio Lula da Silva apresentou em 2002, ou continuar a massificar o bordão da luta de classes ("nós e eles"), sob a crença do eterno retorno, conhecido conceito de Nietzsche (1844-1900), ancorado no princípio de que as situações existenciais se repetem indefinidamente no tempo.

A dúvida que paira sobre o PT e seu chefe maior parece levar em conta, de um lado, a perspectiva de melhoria da economia —nesse caso, o discurso radical seria mal recebido por parcela da população— e, de outro, o resgate do legado que a administração lulista se gaba de ter proporcionado ao país: a maior distribuição de renda da história. E que hoje virou fumaça.

A isca com que Lula pretende fisgar o eleitorado, em outubro, seria um elenco de compromissos com o povo, não apenas uma expressão moderada para cooptar o mercado, como se fez em 2002.

O fato é que o petismo está ajustando o discurso de forma a driblar os índices positivos alcançados pelo atual governo, rebater o tiroteio sobre a era petista, com foco no envolvimento de seus protagonistas no mensalão e na operação Lava Jato, e se apresentar como a melhor alternativa para enfrentar a crise (por ele perpetrada).

A identidade do petismo, plasmada ao longo do percurso iniciado em 1980, sempre se pautou pelo viés socializante. Recuperar o eixo histórico ante um Estado que avança na direção de reformas liberais e diminui seu porte não será fácil.

Lula abriu o discurso de posse na Presidência, em 1º de janeiro de 2003, com o verbo mudar. Era o conceito que unia sindicalistas, intelectuais e membros da Igreja Católica, fundadores do PT. Mas o país não mudou sob o mando petista. A leitura atual não perdoa os desvios do ciclo Lula/ Dilma, mesmo sob as glórias do programa distributivista de renda, assentado no Bolsa Família.

O ex-metalúrgico chegou a se autodesignar "metamorfose ambulante", em peroração humorística para explicar o vaivém do PT, ora trafegando na extrema esquerda do arco ideológico —quando grita jargões e ecoa o apartheid social—, ora aliado a siglas que o petismo condena, como o próprio MDB.

Imerso no arquipélago partidário, o PT perdeu o discurso original, sujou-se no lamaçal da corrupção e, incrível, adentrará o campo eleitoral com alianças à direita e à esquerda, maneira de garantir a eleição do maior número de governadores, senadores e deputados.

Lula deu o tom: o PT tem de ser pragmático. Precisa ganhar musculatura e garantir boa posição no ranking. A dúvida persiste: um discurso mais leve, menos radical, fará o gosto da militância? A resposta é não. O petismo tem a militância mais engajada e conta com a CUT e o MST, seus exércitos de retaguarda. Os militantes defendem um discurso virulento para compor a feição oposicionista.

Para voltar a ser competitivo, ao PT sobra a alternativa de voltar a esgrimir a espada com que ataca o statu quo. Ocorre que o resgate da velha identidade só terá êxito caso as reformas do governo Temer derem com os burros n'água.

Só assim o petismo assumirá a condição de maior força oposicionista. Em suma, não se sustenta a leveza de ser do PT. É mais provável que Lula assuma a cara zangada de João Ferrador, dos tempos de metalúrgico, para mostrar raiva e indignação como perseguido do juiz Sergio Moro. Pretende ir às urnas como vítima.

Condenado pelo TRF-4 e impedido de disputar o pleito, teria como modelo a figura do Nazareno carregando a cruz até o calvário. Sob o manto de mártir, há quem veja Lula puxando o substituto na direção do segundo turno da eleição.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP (aposentado) e consultor político e de comunicação

 


Roberto Freire: A desfaçatez criminosa do PT

O roubo aos cofres públicos praticado pelos petistas e seus aliados é gravíssimo e indignou a sociedade brasileira, mas a audácia e o descaramento de se colocarem como vítimas é algo tão ou ainda mais revoltante

- Blog do Noblat

Como se não bastassem todo o desmantelo moral e a corrupção desenfreada que marcaram os governos de Lula e Dilma Rousseff, o lulopetismo tem como algumas de suas principais características a desfaçatez e o cinismo utilizados para a construção de narrativas falaciosas que distorcem a realidade e pretendem confundir a opinião pública. Isso se deu mais uma vez a partir do momento em que a Petrobras – vítima da roubalheira perpetrada nos 13 anos em que o PT governou o país – anunciou um acordo judicial com acionistas norte-americanos que investiram na empresa brasileira e tiveram perdas milionárias decorrentes do petrolão, o maior esquema de corrupção já praticado no Brasil e, talvez, no mundo.

O acordo foi feito justamente para que se encerrasse a ação coletiva movida pelos investidores americanos lesados pela patifaria petista. Ao todo, a estatal pagará US$ 2,95 bilhões (o equivalente a quase R$ 10 bilhões) em três parcelas, que terão início após a aprovação preliminar do juízo da Corte Federal de Nova York, onde tramita o processo. É evidente que se trata de um montante significativo, mas o acordo talvez possa ser até benéfico para a Petrobras diante da possibilidade de que um júri popular nos Estados Unidos arbitrasse uma soma ainda maior como indenização. Nesse caso, o prejuízo aos cofres da empresa, que já foi tão vilipendiada pela quadrilha que a assaltou nos últimos anos, certamente seria ainda maior.

O mais estupefaciente é a reação indecorosa e cínica de alguns próceres do lulopetismo, como a presidente nacional do PT e o líder do partido na Câmara dos Deputados, que vieram a público para atacar o acordo firmado pela Petrobras nos EUA e acusaram a Operação Lava Jato, vejam só, de praticar “o maior assalto da história da humanidade”. Seria cômico se não fosse trágico. Foi durante os governos petistas que a nossa maior empresa sofreu nas mãos de criminosos que a saquearam para atender aos objetivos políticos do PT e partidos aliados. Sob o comando de Pedro Parente, atual presidente da empresa, a Petrobras iniciou um caminho virtuoso de recuperação econômica, moral e da credibilidade perdida. Justamente aqueles que foram responsáveis por tamanho desmantelo agora vituperam contra as medidas necessárias levadas a cabo pela administração da estatal no sentido de superar o desastre provocado nos tempos de Lula.

O assalto ao patrimônio público e a série de escândalos de corrupção que permearam, sobretudo, os governos de Lula e prosseguiram sob Dilma indicam o grau de promiscuidade e a complexidade da cadeia criminosa enredada pelo PT em nome de um projeto de perpetuação no poder. As negociatas que envolveram inúmeros financiamentos suspeitos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), por exemplo, chegaram a vários outros países, especialmente da América Latina, expandindo os tentáculos do esquema delituoso para além de nossas fronteiras. Basta acompanharmos o que tem acontecido em alguns países da região, com ex-presidentes presos e tantos outros processados e acusados de atos de corrupção. A delicada e constrangedora situação criminal de Lula, condenado em primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão, não é um fato isolado.

Também não podemos nos esquecer de casos como a famigerada compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006, o que levou ao recente bloqueio dos bens de Dilma Rousseff determinado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). À época, a então presidente fazia parte do Conselho de Administração da Petrobras, que aprovou a aquisição da unidade – houve um prejuízo aos cofres da estatal de mais de US$ 580 milhões. O TCU também bloqueou os bens do ex-ministro Antonio Palocci (hoje preso) e de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal. Além disso, em dezembro do ano passado, a força-tarefa da Lava Jato denunciou uma dezena de pessoas, entre políticos e ex-funcionários da empresa, por corrupção e lavagem de dinheiro nesse episódio de triste memória.

Diante de tanta corrupção e das mais variadas e abrangentes denúncias e investigações em curso, é inconcebível que os áulicos do lulopetismo e defensores dos governos de Lula e Dilma tenham a coragem de se manifestar contra o necessário acordo da Petrobras com os investidores americanos. O roubo aos cofres públicos praticado pelos petistas e seus aliados é gravíssimo e indignou a sociedade brasileira, mas a audácia e o descaramento de se colocarem como vítimas é algo tão ou ainda mais revoltante. Que fiquem bem longe e não voltem a pôr as mãos na Petrobras. O Brasil não suporta mais tamanha imoralidade.


Marco Aurélio Nogueira: Lula, entre slogans, caravanas e estandartes

A tática da “fraude” e do Lula-estandarte contra as elites é ruim, mas serve para agitar. É um desdobramento da retórica do “golpe”, que já bateu no teto mas ainda circula por aí

O ano nem bem começou , mas já se sabe que janeiro será inteiramente tomado pelo julgamento de Lula em Porto Alegre, marcado para o dia 24.

Eleição sem Lula é fraude?

O slogan atiça, encapsulado pelo afã de fazer do ex-presidente o centro do processo político nacional e das eleições que se aproximam. Traz consigo uma tática voltada para preservar e reerguer o PT. Pode ser que funcione, pois em política não há nada propriamente líquido e certo. Mas o tiro também pode sair pela culatra e aprofundar a agonia petista, empurrando o partido para o gueto, longe do mundo da vida.

Eleição sem Lula não é fraude. Como não seria sem Ciro ou Marina, Alckmin, Manuela ou Boulos. Não é fraude porque processos eleitorais democráticos são disputas entre vários postulantes e o impedimento (a morte, uma doença, a desistência ou a prisão) de um deles não macula o processo inteiro. Só haveria fraude caso houvesse censuras e proibições atrozes, interferências estranhas ou manipulação desbragada dos resultados.

Mesmo quando manipuladas ou “controladas”, eleições podem exibir virtudes. Foi o que aconteceu, em certa medida, na pior fase da ditadura de 1964. Sabia-se que as eleições transcorriam em clima de exclusão, perseguição, repressão, censura e arbítrio, mas nem por isso os democratas deixaram de disputá-las. Exploraram as fissuras do regime, suas contradições, fazendo com que fossem aproveitados os espaços em que circulava algum oxigênio. O voto nulo e a luta armada foram derrotados. A democratização avançou. A ditadura ruiu.

Se vier a ser impedido, Lula o será por ter cometido crime de corrupção aos olhos da Justiça. Impedir que condenados disputem eleições não é fraude, mas, ao contrário, é valorizar as eleições, possibilitar que ocorram com maior paridade e limpeza.

Ah, mas Lula está sendo condenado sem provas! Vários anos depois de iniciadas as investigações, acreditar na inocência de Lula é acreditar em Papai Noel. Há quem acredite, evidentemente, mas os que defendem a tese da fraude não estão entre os crentes: agem em nome da exploração da figura de Lula, devidamente santificada. Para eles, pouco importa se Lula é ou não culpado. A ideia é carregá-lo como um estandarte, um “mito” que funcionaria para resgatar um projeto de poder que em algum momento esvaneceu.

Ah, mas não é só isso!  O processo que investigou, julgou e condenou Lula estaria cheio de atropelos e desrespeitos, teria avançado de forma seletiva, com o único intuito de impedir que o ex-presidente volte a governar o país. A Justiça que o condena é a “Justiça do capital”, não a do “verdadeiro Estado democrático de direito”. O ex-presidente somente copiou o que todos os políticos brasileiros sempre fizeram: valeu-se das benesses do poder, dos expedientes de caixa 2, dos agrados dos poderosos, não muito mais que isso. Enriqueceu, é verdade, mas só depois de uma longa trajetória de suor e lágrimas. Enriquecer e promover a família, além do mais, não é crime. É o que se espera de todo cidadão responsável.

Lula não é mais nem menos inocente do que muitos outros políticos brasileiros. Integra uma classe que aprendeu a fazer política num sistema corrompido que terminou por formatá-la e devorá-la. Não é melhor nem pior. Seu prontuário é enorme, mas ele também tem méritos. Cumpriu uma função na vida nacional, sabe se mexer no terreno escorregadio da política, é pragmático, não liga para ideologias e topa qualquer acordo que o beneficie.

Poder-se-ia, portanto, atenuar as culpas de Lula, relativizá-las, distribui-las de maneira mais equilibrada. Por essa via, seria possível até mesmo livrá-lo da prisão eventual: passe-se um pano limpo na sujeira acumulada, celebre-se um “pacto” para que se comece a fazer política de outro modo e, com isso, recriem-se as bases e a cultura do sistema político. Com tudo o que tem a seu favor, Lula poderia ser um dos artífices dessa repactuação.

Nada disso, porém, é buscado pelos que falam em “fraude”. Ao se aproximar o julgamento em segunda instância, ameaçam invadir Porto Alegre com uma caravana de proporções bíblicas, integrada por ativistas de movimentos sociais, parlamentares e dirigentes petistas. A ideia é intimidar os juízes e mostrar o prestígio de Lula para a plateia.

Lula na prisão teria um efeito simbólico não desprezível: o de se ter um poderoso atrás das grades. Não muito mais do que isso.  Lula, porém, é um poderoso de tipo especial: tem poder, sabe usá-lo e é ao mesmo tempo uma força popular, que fala ao coração de muitos brasileiros, dorme em seu imaginário. Não é uma reserva moral, mas um recurso político.

Ele sabe disso. A sua maneira, metamorfose ambulante, tem feito o possível para escapar do cerco em que se encontra. Fala contra os “golpistas”, mas promete aliar-se a eles e aos que estão “arrependidos”. Corteja as classes médias e o empresariado, apresenta-se como moderado, alguém que não é radical e aprecia o centro, alisa o MDB como se fosse seu bichinho de estimação, prometendo mundos e fundos caso venha a ser eleito. Combina tudo isso com uma dedicação extremada ao seu próprio mito (base de seu prestígio popular) e com a retórica indignada que compartilha com certas alas do PT.

Esticará a corda até o limite, abusando de todos os recursos jurídicos para escapar da condenação e da Ficha Limpa. Se não conseguir, tentará transferir seus trunfos para um substituto, do qual será a sombra. De um modo ou de outro, não ficará alijado da disputa. Ao contrário, irá protagonizá-la em posição de força.

Como então “fraude”?

Hoje já não é certo que Lula seja um candidato imbatível. Seu brilho não é tão intenso quanto antes. Sua força eleitoral depende do prolongamento da inoperância do campo democrático. Ele paga um preço pela trajetória que seguiu. Não pelos oito anos em que governou, mas pelo que veio depois e contou com sua aprovação. Não porque tenha sido “desconstruído” pela direita e sim porque não soube ser adequadamente construído pela esquerda. Afinal, o que ele pensa e propõe hoje, além da promessa de um retorno ao passado risonho dos anos de fartura? O que pensa e propõe seu partido?

A tática da “fraude” e do Lula-estandarte contra as elites é ruim, mas serve para agitar. É um desdobramento da retórica do “golpe”, que já bateu no teto mas ainda circula por aí.

No fundo, trata-se mesmo de agitação, não mais do que isso. A tática funciona como confissão de um partido que desistiu de disputar hegemonia (de dirigir as massas e disseminar valores democráticos), que optou por se dedicar a cuidar das próprias forças e a se recolher para lamber as próprias feridas.  É uma escolha, com seus efeitos e consequências.

A insistência em fazer de Lula o seu plano A, de levá-lo como estandarte pelo país afora, de se recusar a buscar alternativas que passem por dentro da grande política, poderá fazer do PT o instrumento de que necessitam as direitas para encaixotar a esquerda e despachá-la para o espaço.