PT

Míriam Leitão: O mandato infeliz

O período de quatro anos de governo, iniciado em 2015, será infeliz até o final. Este será um ano com um presidente definhando ou sob ataque aberto, seja ele candidato ou não. Durante esses quatro anos, uma presidente caiu, houve a pior recessão da história recente, o mais alto desemprego, um presidente foi alvo de denúncias, e o pior dos legados: o Brasil aprofundou sua divisão.

Nada salva o período administrado pela dupla eleita para 2015-2018. Na quinta-feira, renovaram-se as nuvens que sempre pairaram sobre o governo Temer. As prisões decretadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, atingem o círculo próximo do presidente da República. São prisões provisórias, e elas podem não ser renovadas, mas já serviram para enfraquecer o presidente nesta reta final. Ele ensaiava uma candidatura e agora fica a dúvida sobre se a manterá. Se for apresentada uma terceira denúncia, o presidente não terá, felizmente, capacidade de usar os recursos políticos e fiscais dos quais abusou para arquivar as duas primeiras. Um pato manco, investigado, com sigilo bancário quebrado e cercado de suspeitas terá que reunir votos para se proteger em uma Câmara esvaziada.
Nessa era da incerteza, a economia tentará, a duras penas, atravessar mais uma etapa da sua lenta e difícil recuperação da enorme recessão que a atingiu no fim de 2014. Os empresários que tentarem descortinar o futuro econômico do país, para fazer seus planos de investimento, verão apenas o espesso nevoeiro de uma campanha eleitoral de xingamentos e acusações. Tomara que haja espaço e tempo para alguma discussão séria sobre os muitos desafios que o Brasil tem que vencer para entrar na terceira década do século XXI.

Há uma disputa polarizada de versões sobre o que aconteceu nos últimos anos, mas o que arruinou este mandato é complexo e precisa ser entendido sem paixões. A verdade está no intervalo entre as posições extremadas, está nas nuances de um tempo em que cada um se isola na sua certeza. Não houve golpe contra Dilma, mas houve conspiração liderada pelo então vice-presidente. A economia foi jogada na recessão, houve desemprego e inflação de dois dígitos no período Dilma, e isso facilitou as articulações do seu companheiro de chapa para encurtar sua estadia no Planalto. Não se poderá contar a história do impeachment sem o desastre econômico que azedou a relação da então presidente com o país.

Esse quadro sombrio da economia foi atenuado no governo Temer. Há fatos e números mostrando isso, mas não foi possível ainda vencer a crise fiscal. Não se pode dizer que havia um governo virtuoso que foi sucedido por um outro corrupto. Houve dois governos corruptos. Uma das provas disso é o número grande de políticos presos ou investigados que serviram aos dois. Pessoas como Geddel, Henrique Eduardo Alves, o doleiro Lúcio Funaro, Joesley Batista e até Eduardo Cunha, entre muitas outras, exerceram influência ou cargos nos dois períodos. Não há luz e sombras. Há sombras. E não será possível dissipá-las com mais maniqueísmo, visões simplistas e salvadores da pátria.
No próximo mandato, o Brasil vai atravessar um marco importante da história. Vai completar 200 anos de vida independente, em 2022. Qualquer país sensato estaria, neste momento, pensando no significado do que houve até aqui, nos obstáculos que foram superados com sucesso, no que tem bloqueado o caminho e impedido novos avanços. Uma análise sincera encontraria as raízes dos problemas que hoje nos machucam de forma aguda. Por ter se descuidado da educação, o país está completamente atrasado em qualquer comparação internacional. Por nunca ter enfrentado o terrível legado da escravidão, carrega ainda hoje fraturas sociais e desigualdades de tratamento entre brasileiros. O patrimonialismo é o pai de toda relação promíscua entre o público e o privado que degenerou na corrupção.
Contudo, o país derrotou o autoritarismo político, venceu a hiperinflação, reduziu a pobreza e dá combate à corrupção. Poderia aproveitar o recomeço, que toda eleição permite, para preparar o aniversário dos seus 200 anos com mais confiança no futuro. Corruptos serviram aos dois governos, basta ver a lista dos investigados e presos nos últimos anos No próximo mandato, país vai comemorar 200 anos de história independente e poderá repensar o futuro

William Waack: Morrer na praia

O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

Não tem nada mais difícil para quem está envolvido com o noticiário do dia a dia político do que entender o rumo de mudanças à medida que elas ocorrem. Já passei por isso, entre outras ocasiões, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989. Quarenta dias antes do evento eu estava lá, na Alemanha Oriental, reportando sobre as manifestações e fugas em massa do regime comunista. E não imaginava que faltava só pouco mais de um mês para aquele mundo todo acabar de vez. Foi só depois do muro derrubado que tudo aquilo que já era visível ficou tão claro, tão óbvio, como o caminho que levava a uma revolução.

Crises graves, e o Brasil vive uma, têm características em comum: a velocidade dos acontecimentos é uma delas (no nosso caso, a rapidez com que fomos de escândalo em escândalo, de delação em delação e, agora, de decepção em decepção). Outro aspecto em comum é a desorientação de elites pensantes (políticas, econômicas ou ambas) – para não falar de vastas parcelas da população – que passam a sofrer de perda de capacidade de “leitura” da realidade, ou seja, de antecipar fatos e suas consequências (bastante evidente nos dirigentes do PT antes do impeachment).

Mas a mais grave característica em comum a grandes crises é a deterioração daquilo que numa sociedade até certo ponto se aceitava, bem ou mal, como algum tipo de autoridade – sobretudo a moral. Avança um fenômeno de percepção negativa, e de perda de confiança, que chegou também a órgãos da Lava Jato, a conglomerados econômicos, à imprensa (especialmente os mais poderosos), a instituições religiosas e, recentemente, de maneira espetacular, ao Supremo Tribunal Federal. O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

No Brasil é palpável, embora bastante subjetivo, o generalizado desejo de mudança, a indignação com a corrupção, o clamor por algo diferente – e eu me arrisco a dizer, a vontade também de enxergar alguma ordem (no sentido de direção e estabilidade). Sou obrigado a reconhecer, porém, que nossa história recente exige uma tremenda dose de paciência de todos os que ardem por mudanças. Pois temos o costume (cada um julgue se é positivo ou negativo) da “acomodação”.

Na saída da ditadura queríamos Diretas-Já, mas nos acomodamos a esperar o voto direto para cinco anos depois. Nos acomodamos à inflação, que domamos depois de uma década perdida. Nos acomodamos a uma reforma de Estado feita apenas em parte e, com gosto, nos acomodamos ao populismo fiscal irresponsável – e aos encantos de seu marketing executado com dinheiro publico desviado – que precisou de um desastre para ser tirado do poder.

Às vezes parece que para nós, brasileiros, o insustentável (como a violência) é o nosso jeito de ser. Ocorre que esse grande e caudaloso rio querendo mudanças vai se chocar nas eleições em outubro com grandes obstáculos formados por um eleitorado em boa medida apático e desanimado, pelo domínio do aparelho de Estado por grupos corporativos públicos e privados (empresas e partidos), pela percepção de que, no filme de faroeste brasileiro, até o mocinho às vezes só parece querer cuidar do dele. A imagem de grandes quantidades de água em movimento, como algo ao qual ninguém resiste, é uma das mais usadas para descrever mudanças desde que historiadores existem.

Mas morrer na praia é um grande provérbio popular.

 


Luiz Carlos Azedo: Candidato a Messias

A pesquisa MDA/CNT desta semana continua alimentando cenários eleitorais. Os principais mostram que o deputado Jair Bolsonaro, que ontem se filiou ao PSL, tem quase assegurada uma vaga no segundo turno das eleições. Essa afirmação é controversa porque alguns analistas acreditam que seus votos estão consolidados e ele estará mesmo numa segunda rodada de votações. Bolsonaro é o candidato de extrema-direita, com um discurso contra a corrupção e a criminalidade, a favor dos “valores da família”, como anunciou o senador Magno Malta (PSL-ES).

Na pesquisa, Bolsonaro tem de 20% a 20,9%, dependendo do adversário. Qualquer um deles enfrentará dificuldades para derrotá-lo, seja Marina Silva (Rede), seja Ciro Gomes (PDT), seja Geraldo Alckmin (PSDB), que estão embolados na disputa para enfrentá-lo. Corre por fora Álvaro Dias (Podemos), que cresce no Sul do país. Marina Silva se mantém no páreo, apesar da crise na Rede. Cresce de 7% para 12% quando Lula sai da disputa, mas Bolsonaro sobe de 16% para 20%.

Os dois estão herdando os votos do petista. No caso de Marina, essa é uma deriva natural da parcela do eleitorado petista que se identifica com a ex-seringueira e ex-senadora que se elegeu pela legenda no Acre. No caso de Bolsonaro, desloca-se o eleitor de mais baixa renda que acredita em salvador da pátria. Ontem, na cerimônia de filiação ao PSL, Bolsonaro não se fez de rogado: “Eu sou o messias. Jair Messias Bolsonaro”, discursou.

A palavra “messias” deriva do termo hebraico almashita, significava “ungido”, ou seja, alguém marcado na testa com óleo sagrado para realizar cerimônias religiosas. Com o passar do tempo, passou a descrever uma figura semidivina que deveria vir à Terra para resgatar seu povo. Para os judeus, “o salvador” deveria ser um rei descendente de Davi (que reinou no antigo Israel entre 1000 a.C. e 962 a.C.), com a missão de livrá-los da opressão estrangeira e implantar um mundo de justiça e salvação.

Quando o Novo Testamento foi escrito, em grego, no primeiro século da era cristã, a expressão mashiah foi traduzida como christos e se tornou o título de Jesus — ou seja, “Jesus Cristo” é o mesmo que “Jesus, o Messias”. Entretanto, o “messianismo” não se limita ao judaísmo e ao cristianismo, todas as grandes religiões do mundo têm uma figura messiânica, que virá para combater o mal e a injustiça, restaurando o paraíso sobre a Terra. Esse foi o sentido dado por Bolsonaro. No Brasil, tem a ver também com o “sebastianismo”, a crença de um salvador da pátria inspirado em Dom Sebastião, “O Desejado”, o jovem rei português que foi morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.

Eleição aberta

De onde vem a consolidação dos votos de Bolsonaro? Da extrema-direita saudosista do regime militar e dos evangélicos, mas também desse nosso “sebastianismo” lulista. Entretanto, Bolsonaro enfrenta dificuldades para seduzir os setores conservadores e liberais, que buscam uma alternativa mais moderada. A chamada direita progressista deseja modernizar a economia e aceita as mudanças dos costumes. Esses setores ainda estão em busca de uma alternativa. Marina não tem capacidade de seduzi-los, muito menos Ciro Gomes ou Álvaro Dias. A eleição está aberta, dependendo do cenário, de 38,7% a 42,1% dos eleitores não têm candidatos.

Quem pode atrair esses eleitores é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que sobe de 6,4% para 8,7% com Lula fora da disputa. O governador paulista, porém, enfrenta um cenário muito pior do que o das eleições de 2006, quando disputou com o petista e foi para o segundo turno, mas teve menos voto do que no primeiro. Naquela ocasião, o senador Aécio Neves foi acusado de cristianizá-lo para se eleger governador de Minas. Agora, a situação é pior ainda, pois o petista Fernando Pimentel lidera as pesquisas e Aécio respira de canudinho por causa da Lava-Jato. Alckmin está sem palanque em Minas porque o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) não quer ser candidato ao governo.

Do outro lado do espectro político, a situação do PT é de quem vai pro mato sem cachorro. A legenda insiste na candidatura de Lula mesmo sabendo que ele está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa, que é autoexplicativa. Essa estratégia tem muito mais o objetivo de evitar a prisão de Lula do que viabilizar um candidato substituto. Em todos os cenários pesquisados, o ex-prefeito Fernando Haddad, que seria a alternativa petista, não passa de 2,4% das intenções de votos. Numa campanha curta, deixar a escolha para a última hora pode ser um haraquiri político, ainda mais se Lula estiver preso. (Correio Braziliense – 08/03/2018)


Alberto Aggio: O drama é maior do que 2018

Cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade na reconstrução do País

O Brasil vive um momento dramático. Os brasileiros vão às urnas em outubro esperando que o País encontre saídas reais para a crise e um novo sentido de futuro. As últimas escolhas e a composição dos últimos governos deixaram sequelas profundas que comprometeram a credibilidade da política. Hoje a crise ética é uma fratura aberta; a segurança pública, um descalabro, acossada pelo crime organizado. Parcas melhoras na economia e no emprego não alteraram esse cenário de desesperança.

Diante da confirmação da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que deve ceifar sua candidatura presidencial, o País tem diante de si o desafio de superar o lulismo. A corrupção sistemática que arrasou o País nos anos do lulismo abalou todo o edifício político que havia sido montado nos anos de democratização. O cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade, da opinião pública, dos intelectuais, dos partidos políticos e de todos os que se possam mobilizar pela reconstrução do País.

Lula e o PT nasceram no outono do autoritarismo como peças do “sindicalismo de resultados”, com roupagem e retórica de esquerda. No governo, o lulopetismo foi uma “esquerda de resultados”, nefasta para a sociedade brasileira, em especial para os mais pobres pois os subalternizou, fixando-os em seus interesses individuais e impedindo qualquer perspectiva de elevação cultural e política que os convocasse a formular e compartilhar um projeto nacional e civilizatório. O lulopetismo foi tóxico para a democracia e a esquerda. Como escreveu Demétrio Magnoli em artigo recente, “a ‘esquerda’ lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza” como horizonte de satisfação hedonista das massas. A pragmática petista contou, das origens até agora, com a anuência da “esquerda maximalista” que soldava apoios ao “grande líder” quando julgava necessário e conveniente. Papel desempenhado também pelos intelectuais das universidades públicas. Foi assim que o lulopetismo condenou o Brasil a não ver realizada a social-democracia ou o reformismo que poderiam instaurar um novo cenário histórico no País. Em nome do mito e servindo-se dele, o PT bloqueou a afirmação de uma esquerda democrática, defensora das reformas e aberta ao novo.

No Brasil de hoje, as ruas, que foram essenciais em 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, esmoreceram, mas não se despreocuparam. Como se sabia, seria ilusão esperar delas uma saída clara para a crise em que o País mergulhou. Sem conseguir estancar a crise ética, o governo Temer não produziu a expectativa positiva que se esperava, mesmo com uma oposição fraca e prisioneira do lulismo. A política, que havia revivescido, acabou por não se consolidar. Resultado: o drama se instalou, com uma sociedade órfã sem poder confiar no governo ou na oposição.

A expectativa voltou-se para as dimensões externas à política, notadamente para a Operação Lava Jato, que cumpria exemplarmente seu papel republicano e constitucional. Desorientada, a opinião pública passou a admitir saídas ilusórias e despropositadas. Alguns continuaram a ver nas ruas, via democracia direta, a alternativa a esse estado de desorientação. Outros concluíram que decisivo seria “dar o poder” aos “homens de toga”, como substitutos da má política. Embalados pela ânsia de poder, outros ainda viram nas eleições presidenciais de 2018 a salvação mediante apoio a algum outsider, uma sedução pelo transformismo que não faria mais que prolongar nossa agonia; por sorte, parece que essa febre está cedendo.

Mesmo nesse cenário parece haver alguma oxigenação no protagonismo dos chamados “movimentos cívicos” que clamam por renovação da política. Indiscutivelmente positivos, seu exclusivismo e seu finalismo eleitoral merecem, contudo, preocupação, bem como requerem uma checagem do seu real tamanho e sua incidência. Se é preciso evitar o “populismo” como alternativa, também é justo preocupar-se com o que os italianos chamam de qualunquismo, isto é, uma política sem organicidade, que se esgota na identidade do homem comum e das coisas simples, pois sabemos que a política é complexa e exige muito mais do que isso.

Fará bem ao País uma coalizão de forças que se expresse em ideias claras, equipando a sociedade e o Estado para enfrentarem os problemas que derivam da grande transformação advinda da revolução tecnológica em curso. O Brasil tem todas as credenciais para proporcionar a seus cidadãos uma vida digna no momento em que vai completar 200 anos de existência como país independente.

É, certamente, uma batalha dramática e exigente, considerando todos os desafios que temos pela frente, cujo inimigo maior são as promessas, imprudentes e perigosas, que comprometem os horizontes fiscais da República, além de escamotearem, com políticas econômicas dignas de desenhos autárquicos do passado, os equívocos trágicos que a História, mesmo a mais recente, nos tem ensinado.

Não há razão para desejar partir do zero e tampouco há razão para descrer dos brasileiros de bem que construíram, mesmo contraditoriamente, um País cheio de vitalidade e que, transformado, será um excelente lugar para viver. É preciso extrair do esforço democrático de luta dos brasileiros um amplo programa de reformas que deverá, sem as falsas promessas e ilusões da demagogia e da antipolítica, pôr o País para andar. Não surgirá nada de novo nesta quadra se nossos propósitos não visarem uma atualização verdadeira e realista. As ideias-chave para tanto são a valorização do trabalho, da ética e da República, estímulo à inovação e ao crescimento econômico, visão social consonante com o mundo em transformação, democracia e novo reformismo. Com as pessoas no centro das nossas preocupações e dos nossos horizontes.

 


Eliane Cantanhêde: O Alckmin do PT

Como o PSDB, o PT anda em círculos e Fernando Haddad se torna o nome do partido

O PT anda tão em círculos na sucessão presidencial quanto o PSDB, e os dois vão acabar chegando exatamente ao ponto de partida, com o governador Geraldo Alckmin e o ex-prefeito Fernando Haddad disputando a eleição, ambos com chances de ir ao segundo turno.

A sociedade sonhou, falou e tentou alavancar “o novo” para outubro, mas começa a cair a ficha de que a eleição de 2018 tende a repetir o enfrentamento entre PSDB e PT que vem, asperamente, desde a vitória de Fernando Henrique em 1994.

Há resistências ao nome de Haddad no próprio PT? Há, mas também houve, e mais forte, a Dilma Rousseff em 2010 e ao próprio Haddad em 2012. Quem dá as cartas é Luiz Inácio Lula da Silva. Os petistas resistem, mas acabam engolindo. E artistas e intelectuais douram a pílula.

Há quem duvide de que Lula tenha efetivamente pensado no ex-governador da Bahia Jaques Wagner como candidato. E, mesmo que tivesse pensado, a operação da Polícia Federal na casa dele, com pedido de prisão (negado), enterrou qualquer chance de Wagner.

Desde o início, Haddad despontava como preferido, num embate que parecia ser com João Doria, do PSDB. Doria perdeu fôlego, Haddad se manteve firme, apesar de ter contra ele não só o PT, mas também uma dúvida: se nem sequer se reelegeu prefeito, tem como disputar a Presidência? Talvez sim, talvez não, mas vem novamente a comparação com Alckmin: se não ele, quem?

Além disso, Haddad, ou quem quer que seja o candidato do PT, vai ter uma dificuldade enorme: o desgaste do partido, que só elegeu um prefeito de capital nas últimas eleições, na pequena e distante Rio Branco, no Acre. A campanha vai ser de lascar, com acusações, pressões e brigas internas duríssimas.

O principal fator tem cara e nome: Lula. E com diferentes cenários. Se Lula ganhar o habeas corpus preventivo e escapar por ora da cadeia, vai esticar ao máximo a versão de que é candidato, mas pondo Haddad debaixo do braço e fazendo do professor paulista um nome conhecido e palatável no País, sobretudo no Nordeste.

Se Lula for preso e ficar dois meses atrás das grades, ele sai como o maior cabo eleitoral da história e nem precisa ter tanto trabalho de fazer maratona com Haddad. Basta dar uma entrevista atrás da outra e gravar bons programas eleitorais para a TV. Essa hipótese, a de prisão rápida, é considerada diante da iminência de o STF derrubar a execução da pena após condenação em segunda instância, já com Lula preso.

O pior dos mundos para Fernando Haddad, como candidato do PT, seria o terceiro cenário: Lula preso ao longo do segundo semestre, durante toda a campanha. Com Lula fora de combate, sem rebelião das massas e o PT sob ataque, tudo ficará mais difícil para qualquer candidato petista. Com Lula, Haddad é um, sem ele é outro, sem dúvida bem mais frágil.

Mesmo assim, as esquerdas não devem nutrir esperanças. Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL e líder em ascensão nos movimentos populares, não terão tempo de TV, nem suporte, nem alianças suficientes para deslanchar. E Ciro Gomes, do PDT, jamais teria apoio do PT, além de ter um inimigo poderoso: ele próprio. Se alguém pode herdar eleitores, até pelo “recall”, é Marina Silva, da Rede.

É assim que a eleição vai chegando ao dia 6 de abril, das desincompatibilizações, empurrando para a linha de frente o PSDB e o PT. Alckmin, o “chuchu”, e Haddad, o “mais tucano dos petistas”, estão indo devagar e sempre, numa campanha que não deve privilegiar nomes, mas o que representam. A estratégia do PT é gerar a ideia de dois times em campo, um que “quer manter direitos dos trabalhadores”, outro que “quer tirar esses direitos”. É mentira, mas vai que cola...

 


Demétrio Magnoli: O marketing acadêmico das disciplinas sobre o golpe de 2016

Na era Lula, acadêmicos eram militantes partidários. Agora, eles ingressam no ofício de marqueteiros
A campanha presidencial simulada de Lula dissolveu a delgada película que ainda separava o pensamento acadêmico do imperativo partidário. O ácido foi derramado pelo professor da UnB Luis Felipe Miguel, que criou uma disciplina intitulada “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.
Uma reclamação imprópria do ministro da Educação serviu como pretexto para que dezenas de colegas emulassem o gesto de vandalismo intelectual, ofertando disciplinas idênticas em departamentos da USP, Unicamp, UFBA, Ufam e outras. Na “era Lula”, acostumamo-nos com a redução de acadêmicos a militantes partidários. Agora, assistimos ao ingresso deles no ofício de marqueteiros.
O vaga-lume ativa e desativa a bioluminescência segundo suas necessidades biológicas. O PT acende e apaga o sinal de “golpe” de acordo com as circunstâncias políticas. O luminoso foi ativado para reagrupar a militância, na hora do colapso dilmista, mas desativado pouco depois, quando o PT anunciou a retomada das alianças eleitorais com os partidos “golpistas” (o MDB e as siglas do “centrão”). Hoje, pressiona-se novamente o interruptor para denunciar o veto legal à candidatura de Lula. A ciência política tem algo a dizer sobre as funções desempenhadas pela narrativa do golpe. Já os acadêmicos que a reproduzem, aplicando-lhe um verniz de discurso científico, depredam a instituição na qual trabalham.
Na UFBA, a disciplina decola no golpe do Estado Novo, transita pelo golpe de 1964 e aterrissa no “golpe de 2016”, que abriria uma etapa de “autoritarismo”. As leis de exceção, a proibição de partidos, a cassação de parlamentares, as prisões políticas, a tortura, a censura, a repressão a manifestações —nada disso aparece no “golpe de 2016”, que obedeceu à letra da Constituição e procedeu segundo regras ditadas pelo STF. Por qual motivo, além da fidelidade ao partido, a disciplina não contempla o “golpe de 1992” (ou seja, o processo de impeachment contra Collor)?
“O discurso da ‘imparcialidade’ é muitas vezes brandido para inibir qualquer interpelação crítica do mundo”, alegou constrangedoramente Felipe Miguel em defesa de sua obra de marketing fantasiada de disciplina acadêmica. Ocorre que a noção de “imparcialidade”, tão cara ao direito, é estranha à investigação científica. O discurso científico distingue-se do discurso político-ideológico por rejeitar o finalismo: no campo da ciência, é proibido fabricar uma conclusão prévia da qual escorrem as “provas”. A disciplina dos neomarqueteiros não peca por “parcialidade”, mas por violar o método científico.
A prevalência da esquerda nas faculdades de humanidades nem sempre conduziu à dissolução do método científico. Os professores socialistas ou comunistas do passado separavam sua militância partidária de seu trabalho acadêmico, pois acreditavam que a transformação social não seria produzida por eles, mas por uma revolução dos “de baixo”. A ascensão do PT coincidiu com o descrédito da ideia revolucionária —eabriu caminho para o vale tudo intelectual.
Na confusa ideologia original petista, o socialismo nasceria “por cima”, pela construção de uma hegemonia social da esquerda, não da anacrônica insurreição proletária. A missão exigiria a produção de um direito, uma história, uma sociologia, uma antropologia “dos oprimidos”. Na mente dos quadros acadêmicos petistas, a fronteira entre discurso científico e discurso ideológico aparecia como uma conservadora exigência de “imparcialidade” destinada a proteger “as elites”.
Os professores que se entregam ao marketing lulista pertencem à geração de estudantes universitários do “PT das origens”. Tirando os mais ingênuos, eles já desistiram do objetivo socialista, contentando-se hoje com uma migalha: o sucesso eleitoral do partido. O golpe do “golpe de 2016” —eis o título para uma disciplina útil.
* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional

Alon Feuerwerker: O estado das variáveis-chave neste momento da corrida pela sucessão presidencial

O candidato do PT. Lula, a não ser que os tribunais superiores recusem uma liminar que o deixe concorrer. O que vai acontecer depende de com quem cair a coisa, e se o (in)felizardo terá coragem para decidir de um jeito ou de outro. Se Lula não puder disputar, o PT tende a substituir por um petista e Jaques Wagner é o mais provável. Mas Ciro Gomes corre por fora.

Se Lula for eliminado da corrida a menos de 20 dias da eleição, o PT não pode mais substituir: ou apoia alguém de fora ou boicota. Se houver uma ação eficaz de transferência, Lula repassa pelo menos 80% da intenção de voto, o que levará o apoiado ao segundo turno. Como sempre, o desafio mora nos detalhes. Executar isso não será simples. Mas é bem possível.

A resiliência de Bolsonaro. O senso comum diz que Bolsonaro vai emagrecer por falta de dinheiro, tempo de TV e apoios. Vale porém acompanhar melhor. O eleitorado dele é bastante coeso ideologicamente e parece pouco influenciável pelos canais tradicionais de difusão de informação. E ele está fechando o flanco do “despreparo” na economia. Bom ficar de olho.

Se Bolsonaro for lipoaspirado por uma ação combinada do governo, dos partidos habituais da direita (ou de seu genérico, o "centro") e da imprensa, o establishment precisará evitar um efeito centrífugo. Impedir que uma parte migre direto para a esquerda e outra refugie-se no não voto, no branco e no nulo. Se Lula for impedido, este será um problema também para o PT.

Os arrufos entre o governo e o PSDB. O PMDB foi linha auxiliar e coadjuvante dos tucanos durante os oito anos de FHC e dos petistas nos quase 14 anos de Lula e Dilma. Agora tem a caneta e não vai entregar sem luta. Temer espera que a intervenção no Rio rompa a inércia negativa. Se não, tem a opção de buscar um nome leve. Subestimar o governo é sempre um risco.

Já para Alckmin as coisas têm melhorado. Huck correu ao primeiro rugido do leão, Dória queimou a largada e foi punido no grid, Arthur Virgílio retirou-se atirando balas de festim. O tal espaço para um “centro” que salve o país da suposta ameaça do radicalismo vai caindo no colo do governador. O desafio dele é empolgar o eleitor com um discurso centrista. Não é trivial.

O cenário ideal para Alckmin é o cansaço com a bagunça nacional superar o cansaço com os políticos e, em outubro, o eleitor decidir escolher alguém rodado, para tentar acabar com a confusão crônica. A, até agora, anemia do “novo” ajuda o governador. Aliás, uma característica desta pré-eleição é o sistemático envelhecimento precoce do “novo" não bolsonarista.

A coesão ou a dispersão do “centro”, e o efeito-Freixo. Se PMDB e PSDB racharem o “centro", a aritmética se complica. Se o candidato do governo, Alckmin e Marina consolidarem, cada um, em torno de 10%, e se Álvaro Dias pelo menos mantiver os 3 ou 4%, pode acontecer o efeito caranguejo no balaio. Toda vez que alguém tentar subir, os demais vão puxar para baixo.

Na eleição do Rio em 2016 era provável que Pedro Paulo, Osório ou Índio fossem para o segundo turno. Aí o voto centrista dividiu-se bem entre os três, e quem passou à decisão foi Freixo. O candidato a “Freixo” agora é Bolsonaro. Diz a lógica que o estoque de votos centristas uma hora vai convergir. Mas política não é geração espontânea. Precisa de execução.

Uma centelha pode incendiar a pradaria. A melhora (ou a não piora) da situação econômica favorece algum equilíbrio político, mas este é instável. É provável que o apedrejamento maciço e sistemático da representação política e a louvação dos salvadores da pátria continuem na campanha. E uma centelha pode incendiar essa pradaria seca.

O que seria? Um “novo” atropelar do nada e arrastar a maioria do atual estoque de brancos/nulos/não sei/não vou votar? A reação popular, não nas ruas mas na urna, à cassação da candidatura de Lula? Uma onda antipetista que junte a direita, o “centro” e o não voto, para impedir a volta do PT ao poder? Nesta eleição, convém aumentar a atenção sobre o imprevisível.

O problema é que, como já dito aqui algumas vezes, o imprevisível costuma ser muito difícil de prever.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

http://www.alon.jor.br/2018/02/o-estado-das-variaveis-chave-neste.html


Alon Feuerwerker: Ação no Rio e Huck - a guerra é pelo voto do pobre

O PT ganhou as três primeiras eleições presidenciais pelo mesmo placar: arredondando, 60% a 40%. 2014 foi mais apertado, porque no segundo turno a terceira via descarregou em parte no adversário do PT. As três primeiras tiveram resultados bem parecidos, mas as semelhanças escondem diferenças essenciais que ajudam a entender acontecimentos de agora. Como o canto da sereia para Luciano Huck e a intervenção no Rio.

Fernando Henrique bateu duas vezes Lula com boa ajuda dos pobres e do Nordeste. O Plano Real, como o Cruzado de Sarney, provou-se investimento de alto retorno eleitoral. Mesmo em 2002, quando o PT finalmente chegou ao Planalto, parte grande desse estoque foi para o candidato do PSDB. Lula ganhou com forte apoio das camadas médias nos grandes centros urbanos. O PT era então o partido diferente dos outros.

A crise desencadeada pelas acusações/revelações do deputado Roberto Jefferson em 2005 ajudou a operar uma mudança fundamental na coalizão social do assim chamado lulismo. Saíram os grupos do meio da pirâmide antes atraídos pela promessa de “ética”. Entraram os contingentes beneficiados pelo emprego, pelo aumento do salário mínimo e também pelos programas sociais. Tal troca já foi bem estudada e analisada pelos especialistas.

Desde 2006, é essa a aliança social que sustenta as vitórias eleitorais do PT e da esquerda aliada. E, segundo as pesquisas, é o pilar fundamental da resiliência atual de Lula. E da sua capacidade teórica para alavancar outro nome na disputa presidencial. É só olhar os números: se nada for feito, esse estoque de apoio popular levará um candidato da esquerda ao segundo turno, onde ele será competitivo. Nas circunstâncias, seria um feito e tanto.

A conclusão é óbvia. Não bastará a um candidato da direita (ou de seu genérico, o “centro”) recolher os votos do antipetismo. Não foi suficiente antes e não será agora. Ou ela entra firme nos pobres e no Nordeste, ou a situação eleitoral será de risco. De novo, é só olhar os números. Lula não estará na cédula eletrônica, mas confiar cegamente nisso é complicado. Vai que, como em 2010, o eleitorado lulista decide dar mais um voto de confiança ao líder…

Daí a caça a um candidato ou a uma política pública que sensibilizem o pobre e o Nordeste, onde tem mais pobre que a média nacional. O candidato era Luciano Huck, o comunicador de biografia supostamente generosa para os “mais humildes”. Não deu certo. Jamais saberemos se funcionaria. Agora temos a intervenção federal na segurança do Rio. É inteligente, também na teoria. Será que vai funcionar? A resposta, é claro, estará na execução. Como costuma ser.

Adaptando Joãosinho Trinta, quem gosta de discurso sobre como melhorar a segurança pública é intelectual. Pobre gosta mesmo é de segurança pública. É ele quem mais sofre com a falta dela. Esse é um flanco que a esquerda tem imensa dificuldade para fechar, também por cegueira ideológica. A esquerda não deve porém se desesperar. Considerando-se a perícia necessária e a complexidade da operação proposta, a chance de flopar é real.

Sempre há, entretanto, o risco de confiar demais na incompetência alheia. Mas viver é correr riscos.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Luiz Carlos Azedo: O enredo esquecido

A Beija-flor, a grande campeã do carnaval, criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado, mas pouco falou da Lava-Jato

O carnaval no Rio de Janeiro teve dois vilões, o prefeito Marcelo Crivela, o que era bola cantada, porque o alcaide da cidade fez tudo o que poderia para agradar aos evangélicos e contrariar os foliões, e o presidente Michel Temer, cuja imagem desgastada pela crise ética e política foi demonizada no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. Os grandes responsáveis pela situação calamitosa em que o estado se encontra, porém, foram esquecidos pelos carnavalescos. Nem o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso em Curitiba, nem a ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do poder pelo impeachment, muito menos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora um “ficha suja” condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, foram objetos de alegorias.

Talvez haja um misto de gratidão e malandragem dos chefões do jogo do bicho, que mandam na Liga das Escolas de Samba (Liesa), a dona dos desfiles da Sapucaí, em relação a isso. Mas a verdade precisa ser dita: a situação em que se encontra o Rio de Janeiro é fruto da lambança feita nos tempos de bonança dos grandes patrocínios de estatais e das “campeãs nacionais” anabolizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou seja, dos anos de gastança generalizada e de muitos desvios de recursos públicos, particularmente da Petrobras e dos grandes eventos e projetos dos governos federal e fluminense. Falou-se de quase tudo nos enredos das escolas de samba, muito pouco dos grandes personagens da Operação Lava-Jato, sejam os políticos, executivos, doleiros e empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras, sejam juízes, procuradores e delegados que há quatro anos vêm protagonizando a maior devassa na roubalheira dos políticos e empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos.

Entretanto, os cariocas que glamorizam as malandragens também pagam o preço da violência nas ruas. O outro lado das áreas conflagradas é o medo do morador do asfalto. Nos bairros mais nobres, como Ipanema e Leblon, é um risco sair às ruas com qualquer objeto que possa chamar a atenção dos assaltantes; os turistas, menos precavidos, são vítimas ainda mais fáceis de roubos e furtos. A polícia não dá conta do recado, uma parte está comprometida com o crime organizado; outra não dá conta da escala das ocorrências policiais. Enquanto o “Fora, Temer!” e o “Fora, Crivela!” são entoados nos blocos de rua mais politizados, como se isso fosse solução para tudo, a maioria da população paga o preço do descalabro administrativo e do colapso econômico do estado.

Ouro negro

Com exceção da Beija-flor, a grande campeã do carnaval, que criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado (seu grande patrono é o “banqueiro” de bicho Anísio Abraão), pouco se falou de bandidos e mocinhos da Lava-Jato. Muito menos da Petrobras e do colapso da economia do pré-sal. Há certa hipocrisia em tudo isso. Mas funciona quando se trata de pôr a culpa nos outros. Os cariocas, com perdão da generalização, gostam de falar mal de Brasília e cantar as belezas naturais do Rio de Janeiro, mas precisam também assumir a sua parcela de culpa na situação em que se encontram o estado e o país.

A maioria despejou milhões de votos na reeleição de Lula, após o mensalão, e na eleição e reeleição de Dilma Rousseff, nas quais endossou por duas vezes a presença de Michel Temer como vice da chapa. Sérgio Cabral foi eleito, reeleito e ainda fez o seu sucessor, o atual governador, Luiz Fernando Pezão, que passou o carnaval na cidade onde foi prefeito, Piraí, no interior fluminense. Agora, muitos entram na onda do PT e põem a culpa de tudo no Temer e no Crivela.

O colapso da economia fluminense foi provocado por duas exigências que interromperam o fluxo de investimentos no estado: os 51% de componentes nacionais, para adensar a cadeia produtiva nacional; e a obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração de todos os poços de petróleo, o que provocou a interrupção dos leilões, porque a estatal não tinha mais recursos para bancar sua participação nos investimentos. A mudança do regime de concessão para o regime de partilha, com essas exigências, foi um desastre anunciado. Houve ainda a corrupção monstruosa, que provocou enormes prejuízos à empresa, para financiar e perpetuar o projeto de poder e enriquecer seus operadores. E o inchaço da máquina pública, que presta péssimos serviços.

Qual será o futuro do Rio de Janeiro? Em parte dependerá de seu ajuste fiscal, que está sendo feito a fórceps; em parte, da retomada da economia do pré-sal, que se inicia graças a medidas recentemente aprovadas pelo Congresso e que são criticadas como se fossem ações de lesa-pátria. O estado, porém, caminha para eleições nas quais ninguém sabe o que vai acontecer, exceto que, depois da Lava-Jato, nada será como antes.


Dora Kramer: A cara do pai

Afora os evidentes avanços proporcionados pela votação eletrônica, a Justiça Eleitoral começou desde 2008 a implantar a biometria, processo em que o eleitor é identificado por meio de impressão digital, o que impede a duplicação de votos

País de acentuados contrastes, o Brasil vive também suas contradições. Ora benéficas, quando o confronto leva ao avanço; muitas vezes maléficas, quando entre as opções postas escolhe o caminho do atraso. É o caso agora da adoção do voto impresso acoplado ao sistema de votação eletrônica, alegadamente para dar mais segurança contra fraudes no processo eleitoral.

O assunto não tem tido destaque no noticiário político, e, talvez por isso, o caro leitor e a prezada leitora não tenham sido devida e suficientemente informados a respeito. Pois bem: a partir da eleição presidencial deste ano, a Justiça Eleitoral fica obrigada a imprimir cada voto dado na urna eletrônica, para conferência em caso de suspeitas de fraude.

Parece bom, não? Afinal, tudo o que for feito para assegurar a lisura do pleito em princípio deve ser bem recebido. Pois é, mas desde que tais propostas garantam de verdade a integridade legal do processo, não sejam inúteis na prática (falsas, portanto) nem se destinem a atender aos ditames do sentimento persecutório mais desinformado que realista.

Premissa número 1: o voto eletrônico vem sendo paulatina e seguramente implantado no país desde 1996 em âmbito nacional. Número 2: transcorridos mais de vinte anos, não houve contestação significativa de resultados por parte dos derrotados nem indicativos precisos de fraude. Número 3: além de seguro, o processo permite apuração rápida e, consequentemente, contestação imediata.

Afora os evidentes avanços proporcionados pela votação eletrônica, a Justiça Eleitoral começou desde 2008 a implantar a biometria, processo em que o eleitor é identificado por meio de impressão digital, o que impede a duplicação de votos. Hoje já são mais de 72 milhões os eleitores cadastrados e até a eleição deste ano serão mais de 82 milhões, dos 146 milhões de brasileiros aptos a votar em onze dos 27 estados. A ideia é finalizar a biometria até 2022.

Esta, sim, uma medida de segurança eficaz, cujos benefícios são os seguintes: 1. controle sobre ambiente de circulação restrita, em tese permeável a fraudes; 2. redução do risco de clonagem da identidade do eleitor; 3. facilidade na identificação de quem esteve no local de votação; 4. preservação de senhas eletrônicas por parte dos funcionários encarregados do sistema eletrônico.

É de se perguntar, portanto, qual a razão de optar pela impressão de um imenso e inútil papelório analógico, quando se tem em andamento a adoção de um sistema digital de segurança talvez não inquebrantável, mas certamente muito menos questionável.

Nessa história nada combina com nada, a não ser o fato de que o retrocesso saiu da cabeça do deputado Jair Bolsonaro, que, em 2015, conseguiu convencer número suficiente de colegas sob o argumento de que o PT (então na Presidência) dominaria o país mediante um plano de inclusão fraudulenta de votos nas urnas eletrônicas para se perpetuar no poder.

Jair Bolsonaro fez uma lei, hoje contestada pela Procuradoria-Geral da República e no âmbito dos tribunais superiores, cujo conteúdo não deixa dúvida: é a cara do pai.


Cristovam Buarque: A verdade do momento

Dirigentes petistas perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade

O jornalista Fernando Gabeira publicou neste jornal, no dia 25, artigo sob o título “O momento da verdade”, onde mostra que, ao não aceitar a condenação de Lula pela Justiça, o PT demonstra seu divórcio entre a imaginação política dos militantes e a verdade do sentimento da nação. Não houve, como esses dirigentes esperavam, um levante popular contra a Justiça. Porque não há uma causa em jogo. Trata-se apenas de manter ou não o Lula na disputa presidencial, sem um rumo diferente para o Brasil.

O que há de mais grave é que o PT não entendeu a gravidade do momento: não reconhece seus erros, não percebe que o mundo real aposentou a falsa verdade entranhada nas mentes dos seus militantes. Depois de quase duas décadas, as falsas narrativas — da “ascensão da classe média pela Bolsa Família”, do “salto científico pelo Ciência Sem Fronteiras”, da “revolução educacional pelas vagas na universidade” — transformaram-se em realidades alternativas, que não apenas criaram narrativas, mas se acreditam nelas.

A tragédia brasileira é não poder contar com o imenso potencial do PT e do Lula, porque eles perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade, a credibilidade das propostas e o patrocínio de um novo rumo para o Brasil. E isso se deve por terem abandonado propostas de economia eficiente, sociedade justa, civilização sustentável, política ética. Perderam o vigor transformador que apresentavam, passando a acreditar na imagem de verdade que criaram para justificar o poder pelo poder, inclusive de que o Temer seria ótimo presidente se a Dilma tivesse algum problema que a impedisse de continuar seu mandato.

O povo não foi à rua para atacar a Justiça porque não vê uma causa por trás do PT ou de Lula. Em 1964, foi preciso usar tanques e soldados para impedir o povo de ir à rua pela legalidade e pelas reformas em marcha lideradas por Goulart. Hoje, o impeachment foi feito dentro da legalidade, o substituto foi escolhido pelo PT; o partido ficou 13 anos no poder, sem deixar qualquer reforma em marcha, apesar da expansão de programas assistenciais ameaçados pela inflação e recessão.

O povo não foi para a rua na semana passada porque não viu causa transformadora para defender e pela qual lutar; além de perceber no PT um partido condenado eticamente sob fortes evidências de corrupção na Petrobras, fundos de pensão etc., com indícios de benefícios injustificados, remunerações superfaturadas, compra de apartamento na praia e sítio de lazer.

A incapacidade para ver a realidade está impedindo o Brasil de beneficiarse do que ainda sobrevive no PT, inclusive aqueles que não se corromperam pelo poder ou por dinheiro com falsas narrativas. O Brasil ganharia muito se eles fizessem uma autocrítica e pedissem desculpas ao país pelos erros cometidos. Seria a verdade do momento para ajudar o Brasil a enfrentar o arriscado futuro próximo, que está ameaçado pelos desastres que cometeram.

 


Sérgio C. Buarque: Ameaça é o populismo

Na guerra verbal da política brasileira, tem sido frequente destratar os adversários com o epíteto de fascistas, qualificativo tão incompreendido quanto inapropriado. E, no entanto, um grupo de professores e estudantes da Universidade Federal de Pernambuco acaba de criar um “comitê contra o fascismo”, divulgando um manifesto no qual, entre outras impertinências, acusa as instituições jurídicas (Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário) de perseguição ao ex-presidente Lula e utilização de métodos fascistas. Embora cite manifestações de intolerância e hostilidade realmente visíveis no ambiente político brasileiro, é um despropósito falar de fascismo no Brasil. Os universitários utilizam um conceito inadequado e chegam a um diagnóstico errado e simplista, confundindo mais que esclarecendo. O que é mais grave, escondendo a verdadeira ameaça à democracia brasileira: o populismo.

O manifesto dos professores afirma que “o fascismo se caracteriza essencialmente por ser um movimento de massas movido pelo ódio” e adverte contra a “banalização de atos de hostilidade e desqualificação contra adversários”. De quem o manifesto está falando? A tolerância política e o respeito aos adversários não é, em absolulto, uma qualidade dos políticos do chamado “campo popular”, como se situam os assinantes do manifesto, seja lá o que signifique isso. O noticiário está repleto de casos de violência e agressão, verbal e física, da parte de militantes do PT e seus aliados, como a depredação de instalações e equipamentos da própria Universidade Federal, a sistemática agressão a políticos que não integram esse “campo”, inclusive dentro de universidades, como ocorreu com o senador Cristovam Buarque em Minas Gerais, apenas para citar dois casos recentes.

Os “fascistas” são sempre os adversários. Assim, a invenção e exploração de um “inimigo interno” para capitalizar e mobilizar a insatisfação da população, outra característica do fascismo que os universitários identificam no Brasil atual, seria pratica dos adversários do tal “campo popular”. E, no entanto, o mesmo manifesto, repetindo o que fazem com frequência os petistas e seus aliados, aponta a rede Globo, a “imprensa golpista”, o sistema bancário e, agora também, o Judiciário, como inimigos internos do Brasil, todos conspirando contra Lula que, no fundo, seria o “salvador da pátria”.

O manifesto dos universitários esquece esta que é a principal característica do fascismo e do nazismo e que, efetivamente, os distingue de qualquer outra ditadura: a liderança de uma figura carismática, salvadora da pátria, com grande comunicação direta com as massas e capacidade de mobilização e manipulação, mito que tenta substituir as instituições da república pela ligação direta com o povo. No Brasil de hoje temos Lula, o salvador da pátria. O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva não é fascista, embora ninguém duvide do seu poder de comunicação e de mobilização das massas com afirmações simplistas e, não raro, apregoando a intolerância com os adversários, especialmente a imprensa e o Judiciário. Mas aqui, a presença desta liderança popular tem outro nome não menos inquietante:  populismo.

Felizmente estamos muito longe de uma ameaça real de fascismo. Infelizmente, contudo, as condições de desagregação social e moral, de desmoralização da política, de elevada desconfiança do eleitorado e descrédito da população criam um ambiente favorável para o populismo. Liderança carismática, salvador da pátria que vende soluções fáceis, mágicas e enganadoras para a complexidade e dramaticidade da realidade brasileira, e que ameaçam levar o país ao desastre econômico e financeiro, para não falar na radical polarização política. A intolerância está presente nos dois lados da polarização política no Brasil. Mas não há como negar a enorme contribuição do PT e de Lula para a criação deste ambiente de radicalização e ódio, com seu discurso que segmenta os brasileiros entre “nós” (campo popular???) e “eles” (todo o resto não lulista).