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Folha de S. Paulo: Petistas pediram habeas corpus para Lula ao saber quem era juiz plantonista

Deputado Paulo Pimenta (RS) disse que recebeu toque de que Rogerio Favreto, que foi filiado ao PT, seria o responsável no TRF-4

Por Marina Dias e Catia Seabra, da Folha de S. Paulo

Os autores do pedido de libertação do ex-presidente Lula já previam uma derrota, mas articularam uma ação minuciosa para desgastar a Justiça e tentar converter em ganho político qualquer decisão contra o petista.

Os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP) elaboraram estratégia para que o pedido de habeas corpus fosse analisado necessariamente pelo desembargador Rogério Favreto, crítico a Sergio Moro no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4a Região) e o plantonista da corte entre os dias 4 e 18 de julho.

O cálculo dos petistas foi premeditado: no início da semana passada, um amigo avisou Pimenta de que a escala de plantões havia sido publicada no site do TRF-4 e que Favreto, amigo de longa data do deputado, seria o responsável pelo tribunal no segundo fim de semana deste mês.

Pimenta então procurou Damous, ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio, e disse que era preciso elaborar uma medida que pudesse cair nas mãos do magistrado. Na quarta-feira (4), decidiu-se pelo habeas corpus em reunião na sala da liderança do PT na Câmara.

“Sou do Rio Grande do Sul. Conheço as pessoas. Alguém me deu o toque. Olhei no sistema e vi [que Favreto seria o plantonista]. É público”, relatou Pimenta, sem dar detalhes sobre a identidade do amigo.

A previsão dos deputados era a de que a decisão de Favreto, favorável a Lula, seria cassada em poucas horas, mas que episódio ilustraria a tese de que o Judiciário age para prejudicar o ex-presidente.

Já a ação de Moro que, de férias em Portugal, telefonou para delegados da Polícia Federal e pediu que não cumprissem a ordem do desembargador foi contabilizada como uma espécie de bônus político para o petista.

“Pudemos demonstrar que a Lava Jato é uma organização que atua dentro do Judiciário, com relações políticas, e que seu objetivo é impedir que Lula seja solto”, disse Pimenta.

A defesa formal do ex-presidente foi sondada e não reagiu bem. Os advogados queriam que o recurso fosse feito de outra maneira, em outra data, visando menos o ganho político, e mais o judicial.

Os parlamentares petistas decidiram, então, tocar a proposta sem o aval dos defensores de Lula e impetraram o recurso no TRF-4 após o início do plantão de Favreto.

Na sexta (6), o expediente do TRF-4 encerrou-se às 14h, em razão do jogo do Brasil na Copa e, assim, qualquer pedido protocolado a partir deste horário ficaria com Favreto.

Como mostrou a Folha, Lula estava cético quanto à possibilidade de sair da prisão desde a primeira decisão do desembargador e disse, ainda no meio da manhã de domingo (8), que nunca acreditou que a determinação fosse ser realmente cumprida.

Durante reunião nesta segunda (9) em São Paulo, dirigentes da sigla elaboraram um calendário de mobilizações pelo país e houve quem defendesse que o partido coloque na rua o quanto antes um programa com 13 pontos que dialogue com o eleitor.

As medidas devem extrapolar a defesa de Lula e tratar da ideia de que libertar o ex-presidente é libertar o país de políticas que retiram direitos dos trabalhadores.

A tese mais repetida foi a de que Moro ficou muito exposto ao se manifestar, de férias, contra a soltura do ex-presidente e que agora é preciso investir na imagem de vitimização de Lula para que sua força política seja refletida nas pesquisas e, principalmente, repassada a um candidato petista quando ele for declarado inelegível pela Justiça Eleitoral.

Preso ou solto, Lula permanece ficha suja e assim impedido de concorrer na eleição presidencial.

A cúpula do PT decidiu também entrar com nova representação contra Moro no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), pedindo o afastamento do juiz. A anterior, referente à quebra do sigilo telefônico da então presidente Dilma Rousseff, foi arquivada na semana passada.

Segundo a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o partido entrará com uma representação na Corregedoria da Polícia Federal contra os agentes que mantiveram Lula preso.

Entenda hora a hora o vaivém de decisões sobre a libertação de Lula

SEXTA, 6
19h32 - Os deputados petistas Paulo Teixeira, Wadih Damous e Paulo Pimenta protocolam um pedido de libertação do ex-presidente Lula no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Outras solicitações foram feitas às 19h43 e às 19h59. Como nesse horário já havia começado o plantão da corte, os pedidos vão para o juiz plantonista Rogerio Favreto, e não para o relator da Lava Jato no tribunal.

DOMINGO, 8
9h05 - O juiz Rogério Favreto, plantonista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determina em despacho a soltura do ex-presidente Lula. Entre os argumentos, está a falta de fundamentação da ordem de prisão, de abril, que não especifica os motivos para o petista ser preso. Também cita, como "fato novo", a condição de pré-candidato à Presidência dele

11h49 - Petistas protocolam petição reclamando da demora para o cumprimento da decisão de soltura e da ausência de delegado na sede da PF

12h05 - Sergio Moro, que condenou Lula em primeira instância, escreve em despacho que Favreto é "autoridade absolutamente incompetente" para determinar a soltura de Lula. Se a polícia seguir a ordem, diz o juiz paranaense, estará descumprindo decisão da turma do TRF-4 que ordenou a prisão.

12h44 - Favreto reitera, em despacho, a ordem de soltura afirmando que qualquer agente pode liberar o ex-presidente. Também afirma que o descumprimento acarreta em "responsabilização de descumprimento de ordem judicial"

14h13 - Relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, que votou pela condenação de Lula em janeiro e pela prisão assim que não houvesse mais recursos no caso do tríplex na corte, publica despacho determinando que a PF não solte o ex-presidente. "A decisão proferida em caráter de plantão poderia ser revista por mim, juiz natural para este processo, em qualquer momento", escreveu.

16h12 - Favreto expede nova ordem, determinando a soltura de Lula no prazo de uma hora e contestando o documento de Gebran. Ele escreveu ainda que vai levar o caso de Moro ao Conselho Nacional de Justiça.

19h30 - O presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores, dá a palavra final no caso: Gebran, como relator da Lava Jato no tribunal, tem a prerrogativa de decidir sobre o assunto, ainda que a situação tenha ocorrido em um plantão. Com isso, Lula permanece na prisão.


O Globo: Segunda Turma do STF absolve presidente do PT por corrupção e lavagem

Dois ministros votaram para condenar presidente do PT por caixa dois

Poe Carolina Brígido e Mateus Coutinho, de O Globo

BRASÍLIA — A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu nesta terça-feira por unanimidade a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), da acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A parlamentar era suspeita de ter recebido R$ 1 milhão em espécie em recursos desviados da Petrobras para financiar sua campanha ao Senado em 2010. O dinheiro não foi declarado à Justiça Eleitoral. No entanto, para a maioria dos ministros, não ficou provado que a petista de fato recebeu os valores.

Além de Gleisi, foram absolvidos por unanimidade no mesmo processo o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler. Paulo Bernardo foi acusado de ter pedido o dinheiro para a campanha da mulher. O empresário teria sido responsável por pegar a propina com um operador do doleiro Alberto Youssef.

— Não há aqui qualquer vestígio de prova da entrega de dinheiro para os acusados, inexistindo de resto um único registro externo sequer aos depoimentos dos colaboradores — disse Ricardo Lewandowski, completando: — Não vislumbro em suma a presença de elementos externos as delações que possam conferir credibilidade as palavras dos colaboradores.

Dos cinco integrantes da Segunda Turma, dois votaram para condenar Gleisi por falsidade ideológica para fins eleitorais, popularmente conhecida como caixa dois. Para o relator da Lava-Jato na Corte, Edson Fachin, e o revisor do processo, Celso de Mello, ficou comprovado que a campanha da senadora recebeu os recursos. No entanto, o fato não se enquadraria nos crimes citados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

No entanto, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Lewandowski absolveram a petista dos dois crimes apontados pela PGR e também do crime de caixa dois, apontado por Fachin. Gleisi é a segunda ré da Lava-Jato julgada pelo STF. O primeiro foi o deputado Nelson Meurer (PP-PR), que teve destino diferente: ele foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O relator afirmou que, para configurar corrupção passiva, o agente público deve ter poderes para oferecer um favor em contrapartida. No caso de Gleisi, era ainda não era senadora e tinha passado por um “hiato” na vida pública, entre 2006 e 2010. Portanto, não tinha condições de garantir a nomeação e manutenção de Paulo Roberto Costa em uma diretoria da Petrobras, como diz a denúncia.

— Tenho como provado nos autos o efetivo recebimento de valores no interesse da campanha da denunciada. Nada obstante, tenho por não configurar nos autos o crime tal como descrito na denúncia. A vantagem indevida obtida no delito de corrupção passiva deve estar relacionada com atribuições do agente público. O crime de corrupção passiva exige que a ação do funcionário corrupto seja inequívoca, com o propósito de comercializar a função pública — disse Fachin.

Os ministros absolveram Kugler dos crimes porque, para a Segunda Turma, a prestação de contas eleitorais é de responsabilidade do candidato. Quanto a Paulo Bernardo, não haveria provas de que ele realmente pediu o dinheiro para beneficiar a mulher.

O ministro Edson Fachin, durante sessão da Segunda Turma do STF - Jorge William / Agência O Globo
Gilmar Mendes aproveitou o julgamento para voltar a criticar os investigadores da Lava-Jato no Paraná e as delações premiadas da operação. Ele fez questão de relembrar o indiciamento por corrupção do ex-procurador da República Marcello Miller, que atuou no Grupo de Trabalho da Lava-Jato e é suspeito de favorecer os executivos do Grupo JBS nas negociações da colaboração com a PGR.

— Permanece uma pergunta, que constrange a todos e constrange esse tribunal. Se Miller recebeu dinheiro no caso Joesley, não terá recebido nos outros casos? Isso é altamente constrangedor, nós temos que reavaliar tudo isso, seguiu o ministro, ponderando que a gestão de Raquel Dodge vem adotando novos procedimentos para os acordos de colaboração premiada — disse Gilmar.

Gilmar chegou a afirmar que, com as delações, o STF acabou por alimentar um “monstro”, e que estas situações envolvendo delações premiadas precisarão ser reavaliadas.

O inquérito contra Gleisi chegou ao STF há mais de três anos, com a primeira leva de inquéritos da Lava-Jato. As investigações começaram com as delações premiadas do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Segundo os delatores, Paulo Bernardo pediu R$ 1 milhão a Paulo Roberto para abastecer a campanha da mulher. O dinheiro teria sido entregue por um intermediário de Youssef a Ernesto Kugler, um empresário ligado ao casal. A quantia teria sido repassada em quatro parcelas de R$ 250 mil.

Antes de começar a votação dos ministros, o subprocurador-geral da República Carlos Alberto de Vilhena Coelho reforçou a acusação de que Gleisi praticou corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Para ele, a parlamentar deveria ter “estancado a sangria” da corrupção que tomou conta da Petrobras, mas se omitiu.

— Neste país, o jogo político e democrático consiste em defender a manutenção de determinadas pessoas em cargos da administração pública. Enquanto parlamentar e líder do PT, do qual hoje é presidente, a senadora Gleisi Hoffmann podia, devia ter estancado a sangria que ocorria na Petrobras — disse Coelho na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Depois da sessão, os advogados Juliano Breda e Verônica Sterman, que defendem Paulo Bernardo, divulgaram nota comemorando o resultado do julgamento. “O STF fez justiça a Paulo Bernardo, absolvendo-lhe por unanimidade de uma acusação injusta. A decisão tem importância histórica porque comprova o abuso das denúncias construídas a partir de delações sem prova”.

— Desde o início da ação penal, a defesa da senadora apontava a fragilidade da acusação. O Supremo Tribunal Federal hoje reconheceu que não havia qualquer prova contra a Senadora e estabeleceu um marco importante acerca da impossibilidade de condenação de indivíduos apenas com base na palavra de colaboradores premiados — disse o advogado Rodrigo Mudrovitsch, após o fim do julgamento.


El País: PT quer eleição popular no Judiciário e referendo para revogar todas as medidas de Temer

Programa de Governo do partido faz 75 menções ao “golpe” e nenhuma à descriminalização do aborto. Documento faz crítica agronegócio e bancada ruralista e traz pouca autocrítica

Por Marina Rossi, do El País

"Imediata descriminalização do uso" das drogas, um referendo para que a população decida se quer revogar as medidas aprovadas pelo Congresso durante o Governo Temer, como o teto de gastos públicos e a reforma trabalhista. A “democratização” do processo de escolha dos ministros do Supremo e eleição popular para a escolha dos presidentes de todos os tribunais. Essas são algumas das propostas contidas nas mais de 300 páginas do plano de governo do PT. Ao longo do texto, 75 menções ao golpe e nenhuma sobre a descriminalização do aborto. O plano acaba de ser lançado a despeito de o partido ter a mais frágil candidatura dentre os pré-candidatos: Lula pode ser barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral enquadrado na Lei da Ficha Limpa e está preso em Curitiba.

Intitulado O Brasil que o povo quer, o programa faz vista grossa sobre o papel das gestões petistas no agravamento de uma série de questões, como a guerra às drogas, o fortalecimento das bancadas evangélica e ruralista no Congresso e a criminalização dos movimentos sociais. Com um tom saudosista (o verbo retomar é repetido 62 vezes) o documento dá um tom idílico aos governos petistas de 2003 a 2016. Já corrupção e Operação Lava Jato são assuntos que ficaram em segundo plano. No entanto, comparado aos dois últimos planos de governo apresentados pelo partido nas eleições de 2014 e 2010, com respectivamente, 42 e 24 páginas, trata-se de um documento robusto. Confira os principais pontos:

Mais controle popular no Judiciário
O programa propõe, mas não explica como, “democratizar” a consulta e a indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e fala em instituir mandato para os tribunais superiores. Atualmente, o STF é composto de 11 ministros que têm cargo vitalício e são nomeados pelo presidente e sabatinados pelo Senado. O texto também defende a eleição popular de presidentes dos tribunais e órgãos de chefia equivalente, como defensor-público geral e procurador-geral, e corregedores. Atualmente estes cargos são preenchidos por indicação.

Para o sistema de Justiça, também defende o “controle e a transparência” em relação aos salários e a proibição de remunerações acima do teto constitucional. Hoje, o salário dos ministros do STF (33.763 reais) é o teto do salário do servidor público e serve como base para outros poderes.

Pouca autocrítica: "Não basta apenas a criação de consumidores"
Ao longo das mais de 300 páginas pouco foi o espaço destinado à autocrítica. Mas houve. Em dois momentos. O documento lembra que o acesso ao consumo não é suficiente se não for acompanhado por uma política de conscientização dos cidadãos. "Não basta apenas a criação de consumidores com mais renda, mas falhando em construir alternativas produtivas coletivas e uma maior consciência da importância da ação de classes oprimidas para mudar a sociedade", diz o texto.

Não basta apenas a criação de consumidores com mais renda, mas falhando em construir (...) uma maior consciência da importância da ação de classes oprimidas para mudar a sociedade

Essa é uma crítica recorrente de economistas próximos ao PT e da esquerda: Os governos da legenda ampliaram o acesso a bens de consumo, com a redução de impostos para a aquisição de geladeiras, fogões e carros. Contou também com a ajuda de programas sociais de transferência de renda. Mas não se preocupou em politizar e educar os beneficiados. "A experiência dos governos Lula e Dilma não avançou muito na consolidação desta consciência e destas práticas coletivas", diz o documento. "A consciência de que as conquistas sociais individuais foram fruto de mudanças das políticas coletivas não se disseminou. Ao contrário, a maioria dos que melhoraram de vida atribuem o seu sucesso ao esforço individual, ou ao efeito de ações divinas".

Mais à frente o texto ressalta a importância de “aprender com os erros do passado recente". "Uma ameaça que pode voltar a se repetir é a ausência de mobilização e defesa dos direitos e do acesso pelos setores beneficiados pelas políticas de superação da pobreza". O programa lembra que "essa ausência também teve a ver com a falta de politização das políticas, que preferiram considerar o público como beneficiário e não como sujeito ativo das mesmas, tanto na sua implementação, como na sua defesa".

Guerra às drogas, legalização, presídios lotados e “genocídio da população negra”
O plano de Governo traça um panorama preciso da situação dos presídios no Brasil, superlotados com pessoas presas por delitos relacionados a drogas. O texto também destaca a alarmante taxa de homicídios que atinge principalmente os jovens negros no país, e sua relação com a chamada guerra às drogas. “É desejável interromper o genocídio [da juventude negra], começando pela forte redução dos homicídios (...) e a redução do encarceramento”. O programa segue, afirmando que atualmente “no sistema de justiça criminal, destaca-se uma política de guerra às drogas, que além de ineficaz para reduzir seu consumo, vitimiza não só os jovens negros, mas também suas famílias e comunidades, seja pelas mortes causadas, seja pelo encarceramento”, conclui.

Uma das soluções propostas para este problema seria “o fim da guerra às drogas dentro de um processo geral de descriminalização de condutas, que incluiria também os jogos de azar”. O programa propõe “a regulamentação de mercados e campanhas educativas para evitar males associados ao uso de drogas e aos jogos de azar”. Na prática o Governo petista se comprometeria com a descriminalização das drogas e a regulamentação de seu comércio, modelo similar ao adotado no Uruguai.

O PT tem sua parcela de culpa no agravamento da política de guerra às drogas e da superlotação do sistema carcerário brasileiro.

O que o programa não diz é que para alguns estudiosos, o PT tem sua parcela de culpa no agravamento da política de guerra às drogas e da superlotação do sistema carcerário brasileiro. A Lei 11.343, proposta pelo então presidente Lula e aprovada em 2006 durante seu Governo, é vista por especialistas como responsável pela piora da situação. De acordo com a ONG de direitos humanos Human Rights Watch, a Lei de Drogas endureceu as penas para traficantes e abriu brechas que permitem aos juízes e promotores aplicar critérios subjetivos que multiplicaram a população carcerária brasileira.

Agronegócio e bancada ruralista
Quando o assunto é agricultura e questão agrária, o programa não poupa críticas ao agronegócio. “A hegemonia e a falta de regulação do agronegócio o transformaram em problema mais que em solução”, diz o texto. Mais à frente parte da culpa pelo “desequilíbrio” no campo é imputada a Temer: “Com o golpe, este poder desequilibrado do agronegócio, cuja ponta do iceberg é a bancada ruralista, se potencializa, junto com o recrudescimento da agenda neoliberal”.

O que o programa omite é que durante os governos petistas o agronegócio e a bancada ruralista do Congresso se fortaleceram com a ajuda de Lula e Dilma. Ela, por exemplo, indicou a senadora Kátia Abreu (então no PMDB) para assumir o Ministério da Agricultura em dezembro de 2014. A parlamentar era ex-líder da bancada ruralista, e anos antes havia recebido o prêmio Motosserra de Ouro do Greenpeace por sua atuação em desfavor do meio ambiente e da demarcação de terras indígenas. O site do Instituto Lula explica o que o partido fez: “Com Lula e Dilma, o agronegócio brasileiro tornou-se um gigante mundial e fez do Brasil um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do planeta”.


Elio Gaspari: Três cenas de ladroagens, sem PT

Em apenas cinco dias estouraram três denúncias, todas capazes de deixar a origem da Lava-Jato no chinelo

Desde 2014, quando uma pequena investigação bateu no doleiro Alberto Youssef e deu origem à Operação Lava-Jato, não se via coisa igual. Em menos de uma semana, explodiram três bombas no andar de cima. Diferentes entre si, deverão trazer consequências comparáveis às decisões do juiz Sergio Moro e ao povoamento das carceragens de Curitiba. Recapitulando-as:

Na quarta-feira passada a polícia prendeu a nata dos operadores de câmbio paralelo nacional, encarcerando 33 doleiros. Mesmo sabendo-se que o maior deles, Dario Messer, está foragido, pode-se especular que pelo menos 20 eram muito maiores que Youssef. Se apenas cinco vierem a colaborar com a Justiça, caberão várias Lava-Jatos na Operação Câmbio, Desligo. Ela está na vara do juiz Marcelo Bretas, que já botou na cadeia o ex-governador Sérgio Cabral e a cúpula da sua “gestão modernizadora” do Rio.

Por precaução, papeleiros ilustres já estão se afastando do mercado. Alguns deles sobreviveram às operações Satiagraha e Castelo de Areia. Nos dois casos, a falta de cuidado de investigadores e procuradores permitiu que fossem atropelados pela cegueira da Justiça das cortes superiores. A equipe da Lava-Jato tirou a venda da Justiça, e deu no que deu.

No domingo soube-se que, em março, o PM paulista Abel Queiroz, funcionário de uma empresa de carros-fortes, contou à Polícia Federal que foi pelo menos duas vezes entregar dinheiro no escritório do empresário José Yunes, bom amigo de Michel Temer, e seu assessor especial nos primeiros meses de governo. A PF acredita que esse ervanário valia R$ 1 milhão e saiu da Odebrecht.

No dia seguinte, outra novidade: autoridades suíças informaram que desde 2007 o engenheiro Paulo Vieira de Souza, o “Paulo Preto” do PSDB, transferiu US$ 34,4 milhões para bancos locais. O doutor abriu sua conta na Suíça 43 dias depois de ter sido nomeado diretor de engenharia da Dersa, a estatal de rodovias de São Paulo. Num episódio inusitado, a existência desse dinheiro foi revelada há meses pela própria defesa de “Paulo Preto”. Em 2010, quando seu nome foi associada a traficâncias no setor de transportes de São Paulo, ele disse que “não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada, não cometam esse erro”. O estado é governado pelo tucanato desde 1995, e “Paulo Preto” está preso desde abril.

Uma eventual colaboração de doleiros ainda é matéria de especulação, mas os antecedentes permitem supor que algumas virão. Youssef foi uma peça vital para a Lava-Jato, e os irmãos Chebar fritaram Sérgio Cabral. O sinal mandado por “Paulo Preto” sugere que ele já não está a fim de ficar ferido na estrada.

A prisão dos doleiros terá efeitos multipartidários. De saída, ela bate em notáveis do PSDB e do PMDB. A revelação do PM que levava dinheiro ao escritório de Yunes flamba Temer e seu PMDB. Já a fortuna exportada por “Paulo Preto” vai ao coração do PSDB chique de São Paulo.

Nessa sucessão de novidades ainda há mais: pela primeira vez desde que a Lava-Jato entrou nas petrorroubalheiras do PT, a rede caiu em cima de doutores que nada têm a ver com o comissariado. Pelo contrário, eram ilustres defensores da deposição de Dilma Rousseff em nome da moralidade pública. Quem foi para as ruas em 2016 deve se lembrar dessa esperança.

* Elio Gaspari é jornalista

 


Celso Rocha de Barros: O PT no bicentenário de Marx

A democracia moderna não anda bem desde a crise da política dos trabalhadores

O último sábado foi o bicentenário de Karl Marx. É uma oportunidade para discutir a relação do pensamento de Marx com o maior partido de esquerda da história do Brasil, o Partido dos Trabalhadores.

Há um trabalho interessantíssimo de história intelectual ainda a ser escrito mostrando a influência de autores marxistas heterodoxos e pós-marxistas sobre o PT. Eurocomunistas gramscianos, autonomistas adeptos das ideias do grupo francês "Socialisme ou Barbarie" (socialismo ou barbárie), admiradores dos "operaistas" italianos, todos tinham em comum características que marcaram muito a experiência petista: a preferência pelos movimentos de base, em vez das vanguardas teóricas leninistas, e a recusa do economicismo característico do marxismo ortodoxo. A crítica ao leninismo era umretorno a Marx. A crítica do economicismo era uma correção feita ao velho comuna.

O artesanato ideológico envolvido na construção de um partido tão heterogêneo foi difícil, mas produziu um resultado muito positivo: o PT não apoiou o totalitarismo soviético. Quando Gorbachev, em 1991, sofreu um golpe da velha guarda comunista, a Folha publicou, na página 3, dois artigos: o do presidente do PCdoB, João Amazonas, tinha o título "Uma Notícia Alvissareira". Pelo lado do PT, o petista José Genoino defendia o processo de democratização e se opunha ao golpe. O PT ficou do lado certo.

Mas a independência do PT frente ao socialismo real teve ao menos duas consequências ruins.

Em primeiro lugar, desobrigou o PT de fazer a autocrítica que o PCB, por exemplo, não conseguiu evitar. Embora não apoiasse os outros regimes do socialismo real, o PT apoiava o castrismo. Eventualmente, a "exceção" que era o apoio ao regime cubano abriu as portas para o apoio ao regime chavista, a maior culpa da história do Partido dos Trabalhadores. Diferentemente de várias outras, ela é explicável exclusivamente por defeitos do próprio PT.

Em segundo lugar, as ideias marxistas heterodoxas ou pós-marxistas que influenciaram o PT tinham também seus problemas. O marxismo ortodoxo é, como se sabe, bastante economicista (e o próprio Marx gostava bastante de economia). Na reação a isso, os marxistas ocidentais produziram análises que enfatizavam a importância da política e da cultura na vida social. Grandes obras foram escritas sob essa perspectiva, mas a nova esquerda passou a ter um déficit de reflexão econômica do qual o PT até hoje se ressente.

Mas o principal interesse da história petista para a reflexão do bicentenário é outra. O PT, até mais do que os partidos de esquerda do primeiro mundo, tem que resolver, na prática, questões que estão no centro da discussão do bicentenário.

O PT, bem mais que os outros partidos de esquerda brasileiros, continua sendo o partido dos sindicatos. O que fazer com essa herança? Como organizar uma classe trabalhadora que não é mais a da indústria fordista? Que espaço para a política sobrou agora que a produção é global? Como garantir que a automação gere tempo livre e não miséria? Que espaço sobrou para uma política "dos trabalhadores" na democracia moderna?

Essa questão é especialmente importante porque, desde que as formas anteriores de política dos trabalhadores entraram em crise, a democracia moderna não anda lá muito bem. Nem a nossa nem nenhuma.

* Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.


Maria Helena RR de Sousa: Noam Chomsky falou, mas nada disse…

O professor pensa que Lula está preso pela virtude de suas reformas

Um respeitado linguista, filósofo, professor celebrado e reverenciado no âmbito universitário norteamericano como “pai da linguistica moderna”, resolveu atuar também como brazialinista para isso se valendo de suas relações com políticos brasileiros. Se fosse um jovem professor, suas palavras não teriam peso algum, mas ele está com 89 anos, é Professor Emérito do MIT e foi o criador da chamada Hierarquia de Chomsky.

(Hierarquia de Chomsky é a classificação de gramáticas formais descrita em 1959 pelo linguista Noam Chomsky. Esta classificação possui 4 níveis, sendo que os dois últimos níveis (os níveis 2 e 3) são amplamente utilizados na descrição de linguagem de programação e na implementação de interpretadores e compiladores. Wikipedia.)

Além de seus trabalhos sobre linguística, Chomsky ficou bastante conhecido por suas posições políticas: é esquerdista e crítico acerbo da política externa dos EUA. Ele se identifica como socialista libertário. Há quem o considere um “anarcocomunista” ou “anarcosindicalista”.

Parabéns, Dr. Chomsky. Bela carreira, a sua. Mas… e nós com isso?

Pois é, nada.

Mas como ele resolveu tomar as dores do Lula numa entrevista dada neste início de maio ao jornal Folha de São Paulo, publicada sob o título “Lula é alvo de ataque da elite, mas esquerda precisa fazer autocrítica”, resolvi que posso pedir ao professor que procure melhor se informar que ele verá que se enganou em dois pontos essenciais. Lula, segundo o próprio ex-presidente, nunca foi de esquerda; Lula governou por dois mandatos sob o beneplácito das elites brasileiras.

O professor pensa que Lula está preso pela virtude de suas reformas, pelo apoio que deu à massa da população que antes dele era reprimida: “O fato de “essa gente” ter voz na determinação dos rumos do governo, em vez de ficar em seu lugar na base da pirâmide social, é ainda mais intolerável para as classes dominantes. O objetivo mais imediato é impedir Lula de se candidatar em uma eleição que ele certamente venceria, de acordo com pesquisas recentes”, disse Chomsky.

O professor, nessa mesma entrevista, afirma que o PT se corrompeu e que precisa fazer uma autocrítica para voltar a ser o que foi quando de sua fundação. Como ele resolve esse enigma? Ou bem Lula, presidente e “dono” do partido corrompido, foi vítima das elites; ou bem Lula e seu partido resolveram se corromper para pertencer à elite. Das duas, uma.

Quem será que municia Noam Chomsky com informações tão fora da realidade?

* Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa é professora e tradutora, escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. www.facebook.com/mhrrs


Ruy Fabiano: A corrupção revolucionária do PT

Corrupção, de fato, sempre houve em toda parte, mas a do PT atingiu níveis tais que quebrou as finanças do país.

A militância petista, não mais podendo ocultar a conduta criminosa e predadora do partido, em quatro governos sucessivos, busca diluí-la no quadro geral da corrupção histórica do país.

O PT teria feito apenas o que todos fizeram, não merecendo o destaque que lhe é dado, de recordista mundial na categoria.

O destaque, no entanto, é indiscutível – e mede-se em números. Corrupção, de fato, sempre houve em toda parte, mas a do PT atingiu níveis tais que quebrou as finanças do país.

Desdobrou-se, basicamente, em duas frentes: numa, a convencional, enriquecia os seus agentes; noutra, sem precedentes, financiava uma revolução, que, no limite, poria fim à própria nação, em nome de outra, denominada Pátria Grande.

Uma nação ideologicamente forjada, a partir de manobras de cúpula, sem que as respectivas populações dos países que a integrariam – América do Sul e Caribe – fossem jamais consultadas ou sequer informadas. Um dia amanheceriam em outro país.

A instância de planejamento estratégico e de execução de tal maracutaia era o Foro de São Paulo, criado em 1990, por Lula e Fidel Castro. Reunia partidos e entidades de esquerda do continente, nela incluídas organizações criminosas, ligadas ao narcotráfico, como as Farc (Colômbia) e o MIR (chileno). PCC e Comando Vermelho não lhe eram (e não lhe são) indiferentes, para dizer o mínimo.

O PT só chegaria ao poder federal doze anos depois, com Lula, mas, nesse período, amealhou gradualmente prefeituras e governos estaduais, que, em alguma medida, passaram a servir àquele projeto.

Uma vez na Presidência da República, o PT impôs-lhe um up grade, financiando-o por completo. Pôs a máquina governista a serviço da causa, depenando, entre outras estatais, Petrobrás, Eletrobrás, Caixa Econômica, Banco do Brasil e, sobretudo, BNDES.

Os desvios, somados, ultrapassam a casa dos trilhões. O TCU examina empréstimos irregulares ao exterior, pelo BNDES, em torno de R$ 1,3 trilhão. Nenhum deles cumpriu o imperativo constitucional de ser submetido à aprovação do Congresso.

Ao contrário, receberam tarja de ultrassecreto no BNDES, que captava esses recursos, não disponíveis em seus cofres, no mercado, pagando juros de 14,5% e cobrando do destinatário juros de 4%. A diferença, como de hábito, ficou por conta do contribuinte brasileiro.

Mesmo com essas facilidades, o país não se livrou do pior: o calote. Venezuela e Equador já avisaram que não irão pagar a conta, o que resultou em aumento da dívida interna nacional.

Além dos países do continente, a manobra beneficiou ditaduras africanas, contempladas com obras de infraestrutura empreendidas pelas empreiteiras nacionais que figuram no Petrolão (Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão etc.), tendo Lula como lobista.

O resultado é a presente recessão, com mais de 14 milhões de desempregados e orçamento deficitário em mais de R$ 130 bilhões pelo terceiro ano consecutivo.

O PT quer pendurar essa conta no governo Temer que, no entanto, por mais que se esforçasse, não teria tempo de construir tal desastre. Aécio, Temer, Geddel, Eduardo Cunha são os corruptos convencionais, cuja escala é mensurável. Lula, José Dirceu et caterva são os corruptos revolucionários, sem limites e sem pátria.

* Ruy Fabiano é jornalista


Fernando Gabeira: Marolas e tsunami

Delação da Odebrecht castiga não só o PT, mas outros partidos, como PSDB e PMDB, e devasta a política na América do Sul

Aos trancos, caminhamos. Caiu o foro privilegiado, caiu o esquema de doleiros que atendia a políticos e milionários de modo geral. Houve também uma evolução interessante, naquela decisão de retirar a delação da Odebrecht do processo contra Lula. Menos de uma semana depois, a delação da Odebrecht voltou a assombrar. Dessa vez, Lula e mais quatro foram denunciados pelos investimentos em Angola. Se volto ao tema é apenas para enfatizar a amplitude da delação da Odebrecht, uma empresa que se organizou de forma profissional e sofisticada para corromper autoridades. Talvez tenha sido a maior do mundo nessa especialidade.

No entanto, não apenas os ministros Gilmar, Lewandowski e Toffoli tentam neutralizar as confissões da Odebrecht. Há uma dificuldade geral de reconhecer sua importância. Inicialmente, foi descrita como um tsunami. Mas não era. Ela apenas castiga com ondas fortes não só o PT, mas também outros partidos, entre eles, PSDB e PMDB.

A delação da Odebrecht cruzou fronteiras e devastou a política tradicional na América do Sul. No Peru, por exemplo, praticamente todos os ex-presidentes foram atingidos, um deles caiu, outro foi preso por um bom período. Talvez a dificuldade de avaliar como a delação da Odebrecht bateu fundo seja uma espécie de constrangimento nacional pelo fato de o Brasil ter se envolvido oficialmente no ataque às democracias latino-americanas.

O escritor peruano Vargas Llosa afirmou que a delação da Odebrecht fez um grande favor ao continente. E disse também que Lula era um elo entre a empresa e os governos corrompidos. Nesse ponto, discordo um pouco. O esquema de corrupção que cruzou fronteiras não era apenas algo da Odebrecht com a ajuda de Lula. Era algo articulado entre o governo petista e a empresa. A abertura de novas frentes no exterior não se destinava apenas a aumentar os lucros da Odebrecht, embora isto fosse um elemento essencial. Dentro dos planos conjuntos, buscava-se também projetar Lula como líder internacional, ampliar a influência do PT em todas as frentes de esquerda que disputavam eleições.

A ideia não era apenas ganhar dinheiro, embora fosse, em última análise, o que mais importava. O esquema brasileiro consistia em enviar marqueteiros para eleger aliados, com o mesmo tipo de financiamento consagrado aqui: propina da Odebrecht. Da mesma forma como tinha se viabilizado na esfera nacional, o PT exportava seus métodos com um objetivo bem claro de ampliar seu poder de influência no continente.

Portanto, Lula não era simples emissário da Odebrecht. A empresa estava consciente de seu projeto de influência. Não sei se ideologicamente acreditava numa América Latina em que todos os governos fossem como o do PT. Mas certamente a achava a mais lucrativa e confortável das estratégias e se dedicou profundamente a ela. Uma das hipóteses que levanto para que o tema não fosse visto com toda a transparência é o constrangimento em admitir que através de seu presidente e de uma política oficial de financiamento o Brasil se meteu até o pescoço na degradação das democracias latinas. Algum dia, teremos de oficialmente pedir desculpas. Nossas atenuantes, no entanto, são muito fortes: foi a Lava-Jato que desmontou o esquema, e o uso do dinheiro foi um golpe nos contribuintes nacionais.

Esta semana, o Congresso decidiu que vamos pagar o crédito de R$ 1,1 bilhão à Venezuela e a Moçambique.

Subestimamos o papel do Brasil e pagamos discretamente as despesas da aventura. Gente fina é outra coisa.


Nelson Motta: Aquele momento fatal

A meia hora fatal em que Lula e Dilma se trancaram em uma sala, e ela saiu candidata à reeleição, mudou o rumo do Brasil

Com a participação de todas as suas correntes internas na discussão dos programas do partido e na ocupação de cargos de governo, com suas assembleias intermináveis, o PT sempre se orgulhou de sua democracia interna, de ser um partido sem caciques — embora comandado por Lula e José Dirceu.

Lula sempre mandou no partido, nas executivas, nos diretórios, nas assembleias, em Dirceu, mas reinava principalmente nos comícios, insuperável com sua inteligência, seu histrionismo, sua malandragem política e suas bravatas que incendiavam a militância. Que partido não gostaria de ter um líder com o carisma e a personalidade de Lula?

O lado ruim de ter um líder carismático absoluto, cultuado e incontestável é depender de suas decisões pessoais, de acordo com as suas conveniências de momento.

Ao indicar no “dedaço” Dilma Rousseff para presidenta, enfrentando profundas e fundadas resistências no partido, afinal o DNA dela era brizolista, assumiu o seu maior risco — e conquistou a sua maior vitória. Depois, para eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo, chegou a fazer uma aliança e posar ao lado de Maluf, para estupor dos petistas de todas as correntes. E, cheio de orgulho e certeza, cunhou uma de suas grandes frases: “De poste em poste vamos iluminando o Brasil”.

Se houvesse democracia interna no PT, com convenções para escolher candidaturas, em 2014 Lula teria sido aclamado pelo partido para a sucessão de Dilma e massacraria Aécio Neves. Mas, assim como a havia escolhido imperialmente, Lula teria que discutir com a rainha, só com ela, a sua sucessão.

Aquela meia hora decisiva em que os dois se trancaram em uma sala, e Lula saiu abatido e Dilma candidata à reeleição, mudou o rumo do PT e a História do Brasil. No momento em que sua força, sua experiencia e sua inteligência foram mais necessários, Lula piscou. E Dilma ganhou no grito, rompendo o acordo de o poste devolver-lhe o trono depois de quatro anos.

O resto é história, com as consequências funestas que teve para o Brasil, para o PT e para Lula, porque um grande líder popular quase religioso e infalível falhou num momento fatal.

 


Merval Pereira: Guerra como política

Ataque a petistas não é aceitável na democracia. Num momento em que o país vive crises múltiplas, sendo a moral a geradora das demais, a radicalização do debate político chega ao limite quando grupos rivais são atacados a bala, como aconteceu no acampamento dos militantes petistas em Curitiba.

Não é aceitável numa democracia que o debate de ideias chegue a tal radicalização e que a disputa partidária se transforme em guerra aberta, distorcendo a visão de Clausewitz de que a guerra é a continuação da política por outros meios.

O que aconteceu em Curitiba precisa ter uma resposta rápida e eficiente das autoridades, mesmo que os militantes acampados em frente à Polícia Federal sejam típicos representantes do mote “nós contra eles” ressuscitado pelo ex-presidente Lula em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, momentos antes de ser preso.

A radicalização da política, à esquerda e à direita, não é aceitável numa democracia, e é preciso que os líderes partidários entendam que não podem esticar a corda até onde o Estado de Direito não aguentar.

A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman, não é a líder que o momento exige. Ao contrário, estimula o radicalismo com seus vídeos absurdos, pedindo apoio a países ditatoriais que têm suas prisões cheias de presos políticos quando considera Lula um preso político numa democracia.

Agora mesmo, acusou irresponsavelmente o juiz Sergio Moro e os meios de comunicação, especialmente o Grupo Globo, de serem culpados pelos atentados. Considerar que quanto pior melhor é o lema desses radicais da direita e da esquerda, que agora se enfrentam nas ruas do país quando deveriam se enfrentar nas urnas de outubro.

A campanha presidencial deste ano, se não formos sensatos como sociedade, será a mais radicalizada desde 1989, quando milícias esquerdistas e seguidores de Collor de Mello se enfrentavam nos comícios, e não através dos discursos.

Os ataques ao acampamento de Curitiba e, anteriormente, ao ônibus da caravana de Lula, são a contrapartida de uma direita insana aos ataques que o MST e o MTST espalham pelo país, com invasões de prédios públicos e propriedades privadas, e até mesmo o ataque ao edifício em Belo Horizonte onde mora a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármem Lúcia.

É inaceitável em uma democracia que esse tipo de enfrentamento sirva como a linguagem da política partidária. Na terça-feira, comemorase o Dia do Trabalho, que tem sido um momento de confraternização nos últimos anos, e não pode se transformar em uma oportunidade para novos confrontos ou provocações.

O ex-presidente Lula aprendeu, em 2002, que só chegaria ao Palácio do Planalto se ampliasse seu eleitorado, e a radicalização com que o PT responde à prisão de seu grande líder coloca o partido num nicho militância radical que se afasta do centro, deixando o partido em um isolamento que nem mesmo a esquerda democrática deseja.

O slogan eleição sem Lula é fraude não mobiliza a população nem atrai os aliados petistas, que gostariam de uma definição do maior partido da esquerda para começar a enfrentar uma campanha que será das mais difíceis dos últimos tempos. Não será com a radicalização à direita e à esquerda que seus representantes chegarão ao Palácio do Planalto.

Explicação
O presidente da Câmara dos Deputados, deputados Rodrigo Maia, entra em contato para explicar que sua consulta ao TSE para saber se poderia permanecer no país quando o presidente da República viajar, sem se tornar inelegível, não tinha a intenção de assumir a presidência nessa interinidade, que continuaria sendo preenchida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, no caso a ministra Carmem Lúcia.

Nesse caso, quem ficaria de fora da linha de substituição da Presidência da República seriam outras duas instituições, a Câmara e o Senado. Não é uma boa solução para resolver questões partidárias pessoais.


FHC: economista e militante, Paul Singer juntava teoria e prática

 Somava ao conhecimento acadêmico características que nos embebeciam

Logo que recebi o pedido da Folha para me manifestar sobre Paul Singer fiquei pensando: o que o caracterizou como intelectual? Não tenho dúvidas, seu rigor metódico, seu amor aos dados, à pesquisa, e o nunca haver perdido a noção de que a economia, como as demais ciências sociais, não dispensa o olhar do humanista. Intelectual politicamente engajado, nunca o foi em detrimento dos valores que mencionei.

Talvez sua melhor contribuição no plano acadêmico tenha sido a junção entre economia, demografia e sociologia. Os livros que o tornaram inicialmente conhecido provêm deste encontro de vertentes: "Dinâmica Populacional e Desenvolvimento", de 1970, e "Economia Política da Urbanização", este publicado pela editora Brasiliense em 1973. Na época da publicação destes livros, Paul já trabalhava no Cebrap, em estreito contato com a pioneira em vários setores da demografia brasileira, Elza Berquó, e já se dedicara aos estudos urbanos. Graduara-se em 1966 como doutor em sociologia, sob a orientação de Florestan Fernandes, publicando, poucos anos depois, "Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana", onde analisa a evolução de cinco cidades brasileiras. Entre 1966 e 1967, estudara demografia em Princeton.

Mencionar seus primeiros livros não quer dizer que Paul Singer haja deixado de lado, no correr do tempo, sua curiosidade e a atração por temas novos. Os estudos sobre economia solidária, recheados pela experiência política como secretário do Planejamento da cidade de São Paulo no período de Luiza Erundina e, mais tarde, como secretário Nacional de Economia Solidária, no Ministério do Trabalho, função que exerceu a partir de 2003, levaram-no a ser um dos iniciadores deste tipo de análise. Sua ação e suas publicações neste novo campo deram-lhe, inclusive, amplas conexões intelectuais com os que se dedicaram a vislumbrar formas de trabalho que, mesmo inseridas nas economias capitalistas, não fossem motivadas nem engendradas apenas pela volúpia do lucro.

Ao ressaltar as contribuições de Paul na interface da economia com a demografia ou com o urbanismo não desdenho, tampouco, sua formação como economista. Graduado pela FEA, onde, posteriormente, foi professor (compulsoriamente afastado do ensino em 1969, como eu e muitos mais) desde sempre se preocupou com conhecer melhor as engrenagens do sistema capitalista e de suas evoluções. Quando, ainda nos anos 50, formou-se um grupo de jovens assistentes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP para ler sistematicamente a obra de Marx, não só "O Capital", mas também os densos volumes da "História Crítica da Mais-Valia", ele se juntou a nós e era quem mais sabia economia. Os que cursáramos ciências sociais tínhamos algum conhecimento, posto que àquela altura a disciplina era obrigatória. Eu mesmo, nomeado em 1953 assistente da cadeira de História Econômica da FEA, segui alguns os cursos lá para melhor entender o conteúdo da disciplina em que iria trabalhar.

Paul Singer, entretanto, somava ao conhecimento acadêmico duas características que nos embebeciam: trabalhara em uma fábrica de elevadores (pois se tinha formado como eletrotécnico no curso profissional secundário) e havia sido militante sindical. Ideal da época: juntava teoria e prática. O grupo que lera "O Capital" discutia os textos com paixão acadêmica, mas tinha pouca experiência política, com a exceção dele e minha. Paul havia sido membro do movimento a favor dos kibutzim israelenses (o Dror) e no Partido Socialista e eu pertencera ao Partidão de 1949 a 1954. Em nossas acaloradas discussões, nas quais debatíamos se haveria uma “antropologia fundante” para sustentar o marxismo (posição, notadamente, de Bento Prado) ou se seria melhor vê-lo como um “sistema objetivo” no qual as relações de produção fundamentariam sua própria lógica (com José Arthur Giannotti à frente), Singer era o ponto de sensatez. Destrinchava no texto em alemão as complicadas explicações de Marx e nos obrigava a aterrissar nelas, não se esquecendo de puxar a brasa para sua sardinha: haveria que desembocar em uma ação política que levasse à transformação da situação vigente.

Neste momento de recordação quero marcar também a figura humana. Sempre educado e atento, muitas vezes travestido de ingênuo, Paulo —eu nunca o chamei de Paul— era uma doce figura. Trabalhamos juntos anos a fio no Cebrap. Conheci sua primeira mulher, Evelyne, tanto no Brasil como no Chile e na França, foi a mãe do André (que nasceu na mesma maternidade e no mesmo dia em que nasceu minha filha Luciana). Fui amigo da Melanie, sua segunda esposa, com quem partilhamos tantas vezes os jantares e vez por outra as partidas de pôquer, que Paulo, como eu e outro grande amigo, Cândido Procópio de Camargo, gostávamos de jogar. Deixa saudades.

* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República (1995-2002)

 


Luiz Carlos Azedo: Lula indica

A pesquisa DataFolha estimula a “candidatura” de Lula, mas fragiliza a legenda na hora de substituí-lo, pois seus votos não migram facilmente para os petistas

A juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), autorizou a visita, hoje, dos senadores da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado à Superintendência da Polícia Federal para verificar as condições da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e outros presos. O ex-presidente está preso na sede da PF desde o dia 7 de abril, quando se entregou em meio a manifestações de solidariedade de petistas e aliados de esquerda, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (SP).

Os senadores Regina Sousa (PT-PI), Paulo Paim (PT-RS), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), Lindbergh Farias (PT-RJ, Gleisi Hoffmann (PT-PR), Roberto Requião (MDB-PR), Paulo Rocha (PT-AM), João Capiberibe (PSB-AP), Fátima Bezerra (PT-RN), Lídice da Mata (PSB-BA), Humberto Costa (PT-PE), José Pimentel (PT-CE), Telmário Mota (PTB-RR) e Ângela Portela (PDT-RR) estão em campanha eleitoral, a maioria pela reeleição ao Senado, e dão ao ex-presidente da República o status de preso político, embora Lula tenha sido condenado por crime comum: corrupção.

A última pesquisa DataFolha, na qual Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas em todos os cenários em que seu nome foi apresentado, só aparentemente corrobora a estratégia petista de politizar o processo judicial, com objetivo de tirar o maior proveito eleitoral possível. Repete-se uma velha tática da esquerda brasileira, adotada pelo falecido líder comunista Luís Carlos Prestes depois que teve seu mandato cassado e a legenda do PCB posta na ilegalidade: “Prestes indica”. Seguia-se a nominata de candidatos, que disputavam o pleito por outras legendas.

O expediente funcionou precariamente até 1964, mas foi particularmente desastroso naquele ano, porque a linha adotada pelos comunistas após o Manifesto de Agosto de 1950, de radical oposição ao governo Dutra e resistência à repressão às suas atividades, resultou na derrota de todos os candidatos indicados, com exceção do sindicalista Roberto Morena, que era um dissidente da política de confronto e radicalização, mas sobreviveu aos expurgos stalinistas em razão de sua trajetória romanesca.

Em 1924, ele ingressou no PCB. Preso em 1932 na Ilha Grande (RJ), em função de sua participação na organização da greve da São Paulo Railway, foi posto em liberdade em 1934, ano em que se exilou no Uruguai — lá foi detido duas vezes. De volta ao Brasil, assumiu em fins de 1935 um posto na direção do PCB. Foi preso novamente em 1936, sendo detido no Rio de Janeiro até a “Macedada” (anistia que serviu de armadilha para o Plano Cohen e o golpe do Estado Novo), em junho de 1937. Seguiu para a Espanha, para integrar as forças republicanas na Guerra Civil Espanhola. Com a vitória dos franquistas, refugiou-se na Argélia. Nesse mesmo ano, transferiu-se para a União Soviética, onde trabalhou em uma fábrica de tratores.

De volta ao Brasil, Morena assumiu, em 1943, o trabalho de reorganização do PCB, sendo novamente preso. Em 1945, tornou-se secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), fundada na ocasião. Com a repressão de Dutra (1946-1951) e o fechamento da CTB, exilou-se em 1947 no México. Retornando ao Brasil em 1950, elegeu-se deputado federal na legenda do Partido Republicano Trabalhista (PRT).

Erro estratégico
A situação do PT é diferente da descrita acima, a legenda não está proscrita nem existe guerra fria; em contrapartida, o PCB não estava envolvido em denúncias de corrupção, ao contrário do PT, que ocupa o vértice do “mecanismo” investigado pela Operação Lava-Jato, a ponto de Lula acabar indiciado em vários processos, entre os quais, o que o levou à condenação e à prisão. A semelhança principal, porém, está no discurso político radical e na tática de enfrentamento com a Justiça, que para o PCB foi um desastre maior que a guerra fria. Por incrível que pareça, há uma linha de continuidade de ideias cujo elo é a glamourização, pelos comunistas, do levante militar de 1935, comandado por Prestes, e da luta armada na resistência ao regime militar, liderada por Carlos Marighela, após o golpe de 1964, pelos petistas.

Mas onde está o erro estratégico? Na tática eleitoral. A “vitimização” de Lula e a tentativa de desmoralizar todos os magistrados que o condenaram até agora — o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba; os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4); e os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) — não têm a menor chance de dar certo. Lula está fora da disputa eleitoral por causa da lei da Ficha Limpa, é irreversível.

Manifestações como a de ontem, em Guarujá, quando militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo (FPSM) ocuparam o triplex atribuído a Lula no processo que o condenou, somente servem para agravar sua situação do ponto de vista jurídico. De igual maneira, o acampamento nas imediações da Superintendência Polícia Federal em Curitiba, que motivou um pedido da Prefeitura da cidade para que Lula seja transferido de local de prisão, somente serve para afrontar a Justiça.

Mas o maior erro estratégico é a tática de caracterização da prisão de Lula como um ato político da Justiça contra sua candidatura, que está sendo mantida. A pesquisa deste fim de semana estimula a permanência da “candidatura” de Lula, mas fragiliza a legenda na hora de substituí-lo, pois, seus votos não migram facilmente para os petistas Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, e Jaques Wagner, ex-governador da Bahia. O mesmo pode se dizer quanto aos parlamentares que acreditam que sua reeleição estará garantida à sombra da prisão de Lula, principalmente os enrolados na Lava-Jato.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-indica/