PT [Partido dos Trabalhadores]
Nas entrelinhas: PT submerge na campanha de Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não tem muita explicação a forma como o PT realizou sua convenção e da federação que lidera, integrada também pelo PCdoB e pelo PV, ontem, para homologar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O evento foi realizado a portas fechadas, sem grande divulgação. Após a reunião, Gleisi Hoffmann concedeu uma entrevista coletiva e anunciou a oficialização da chapa Lula-Geraldo Alckmin (PSB). Nenhum dos dois compareceu.
Gleisi choveu no molhado: “A primeira deliberação homologada é a indicação da candidatura à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência e de vice-presidência de Geraldo Alckmin. A segunda deliberação é a de coligação de PSol, Rede, PV e Solidariedade. A terceira é o número do candidato à presidência da República. Número 13, Lula”, afirmou. O PCdoB já havia tomado a mesma decisão na quarta-feira; resta ainda o PV, que deve se reunir virtualmente para endossar a proposta.
Sem dúvida, havia uma formalidade burocrática a cumprir, porque a decisão estratégica da aliança com o ex-governador de São Paulo e da federação com o PCdoB e o PV, bem como a coligação de esquerda com a federação PSol-Rede, PV e Solidariedade já estavam tomadas. Entretanto, poderia se fazer um grande ato político, o que não aconteceu. Lula e Alckmin estavam num encontro com artistas e produtores culturais no Recife. Na quarta-feira, haviam estado em Garanhuns, terra natal do petista, onde visitou a casa em que nasceu.
Lula cantou, dançou e prometeu regionalizar sua política cultural, caso seja eleito. “Além de recriar o Ministério da Cultura, quero criar comitês de cultura estaduais para que não haja monopólio da cultura do centro-sul sobre o restante da cultura do país”. Pernambuco é um fio desencapado do ponto de vista eleitoral. De longe, Lula é o maior eleitor no estado, porém, enfrenta mais uma vez um conflito envolvendo o clã Arraes, que controla o governo local há 16 anos e é a força hegemônica no PSB.
Em Garanhuns, Lula anunciou oficialmente apoio a Danilo Cabral (PSB) ao governo de Pernambuco. “Eu tenho candidato a governador no estado de Pernambuco, que é o companheiro Danilo Cabral. Eu não confundo a minha relação pessoal com a minha relação política”, disse, para acalmar o prefeito João Campos, do Recife, e o governador Paulo Câmara. Era uma referência a Marília Arraes, candidata do Solidariedade, que apoia Lula e está ameaçando destronar o PSB no estado. Marília deixou o PT para ser candidata ao governo do estado porque sabia que não teria a legenda do partido para confrontar seu primo, o prefeito do Recife, João Campos, líder do PSB. Ambos são netos de Miguel Arraes.
Segundo plano
A ausência de Lula da convenção não é inédita, pois o mesmo aconteceu em 2018, mas, naquela época, ele estava preso. Agora, não. Foi uma decisão política, que só tem uma explicação: a necessidade de descolar a sua candidatura do PT e demais partidos de esquerda e reforçar a imagem de que é o candidato da “frente ampla”, ou seja, de um conjunto de forças maior do que uma frente de esquerda. O sinal de que essa é a postura que pretende seguir foi a distinção feita pela cantora Anitta, que apoia Lula, mas não aceita que seu nome seja utilizado pelos demais candidatos petistas durante a campanha.
A estratégia de marketing da candidatura de Lula passa por atrair setores de centro-esquerda por gravidade e evitar que seu índice de rejeição aumente na medida em que a campanha avance, o que poderia inviabilizar sua vitória. Uma maneira de fugir da rejeição é fazer uma campanha eleitoral focada na imagem de Lula, colocando-a num patamar acima do PT, que submergiu. Lula não está desprezando os petistas, pois sabe que a lealdade dos dirigentes e militantes foi fundamental quando esteve condenado na Lava-Jato, em julho de 2017, a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Em 2021, porém, uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo, anulou as condenações e tornou Lula elegível. A 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos casos da Lava-Jato relacionados à Petrobras, segundo a interpretação do ministro, não era a instância competente para julgar Lula — para o ministro, as acusações ao ex-presidente não tinham relação direta com a empresa. O Supremo confirmou a decisão e enviou os processos para a Justiça Federal do Distrito Federal. Lula sempre alegou inocência.
Erramos: na coluna de ontem, sobre a candidatura de Ciro Gomes, afirmamos indevidamente que o candidato do PDT viajou para Paris, no segundo turno de 2018, para não votar no candidato do PT, Fernando Haddad. Ciro viajou para não fazer campanha em favor do petista, mas voltou ao Brasil a tempo de votar: “Essa é outra mentira do Lula. Não viajei para não votar. Votei no Haddad. Declarei isso antes de encerrada a apuração”, garante.
Editorial revista online | Duas agendas
A disputa eleitoral prossegue seu curso, com todos os atores em movimento, na procura de posições mais vantajosas para a largada oficial da campanha, no começo de agosto. Dois eventos relevantes marcaram os últimos dias, ambos sobejamente discutidos, por atores e analistas do processo. Primeiro, no que toca ao leque de alternativas, houve a retirada da candidatura do governador de São Paulo, mais um movimento no sentido da redução do leque de nomes disponíveis. Segundo, ocorreu a divulgação de nova pesquisa de opinião que, aparentemente, marca uma inflexão em relação a pesquisas anteriores. O candidato governista que vinha, lenta e progressivamente, melhorando seu posicionamento, parece ter estacionado, enquanto a candidatura do PT mostrou avanços importantes em determinados segmentos do eleitorado.
Há vinculação entre os dois eventos. A retirada do candidato tucano mostra que o conjunto de forças empenhadas em sustentar um candidato palatável para as parcelas de eleitores resistentes ao PT e a seu candidato continua em movimento, agora no processo de sedimentação e avanço do nome de sua candidata. Os resultados da pesquisa, por sua vez, são auspiciosos. Revelam um teto consistente de rejeição ao governo, demonstram a dificuldade de seu candidato se aproximar do total de votos estimados para os candidatos de oposição, afastam o discurso desestabilizador da fraude eleitoral e estreitam o leque de possíveis apoiadores de tentativas golpistas.
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No entanto, mesmo que essas tendências se consolidem, inclusive com a melhora do desempenho nas pesquisas dos candidatos da oposição como um todo, persistem os riscos de tentativas de desestabilização, das denúncias infundadas de fraude, do incentivo de ações violentas, na campanha e no decorrer do dia do pleito.
Por isso, continua a ser a tarefa de todos os candidatos do campo democrático prosseguir na crítica permanente aos descaminhos do atual governo, em particular a toda manifestação de desrespeito à democracia. Além disso, é também tarefa premente de todos esses candidatos a promoção e intensificação do diálogo no interior desse campo. Afinal, se o isolamento do governo no primeiro turno pode ocorrer por meio da pluralidade de candidaturas, a campanha que visa o primeiro domingo de agosto precisa mirar também os alvos do futuro.
Há uma agenda das diferenças, legítimas, em torno dos projetos de construção do futuro da nação. Com ela convive a agenda de defesa da democracia, a agenda da ampla frente democrática, a agenda que luta contra o retorno ao passado autoritário.
Os eleitores irão às urnas no primeiro turno com os olhos postos simultaneamente no segundo. Assim devem proceder também os partidos e candidatos do campo democrático. As pontes entre eles devem ser erguidas ou desobstruídas, para funcionarem de forma livre na eleição e no novo ciclo da política que a ela se seguirá.
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Marco Aurélio Nogueira: Políticos imperfeitos
Crítica a Temer deve ser bem calibrada. Ele é produto do quadro político atual...
Na conhecida conferência A política como vocação, proferida em 1919, o sociólogo alemão Max Weber sugeriu que o verdadeiro homem político deveria possuir ao menos três qualidades essenciais: precisaria combinar a paixão por uma causa, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporção. Poderia ter uma dessas qualidades em maior dose, mas não poderia deixar de ter as três. Com elas, entre outras coisas, haveria como controlar a vaidade, o desejo de permanecer sempre no primeiro plano, e dar o devido peso à missão política propriamente dita.
A sugestão é útil para que se discuta, por exemplo, a conduta de parlamentares e governantes, seu maior ou menor sucesso, seu estilo de liderança, as razões que os fazem mais eficientes na representação política e na gestão e lhes dão maior capacidade pedagógica de interagir democraticamente com as massas.
Há governantes que se seguram tão somente na paixão pela causa, conseguindo compensar a ausência (relativa) das outras qualidades mediante a organização de uma boa equipe de auxiliares. Enquanto o chefe faz política e enfatiza sua causa, os assessores cuidam da administração e garantem alguma margem de responsabilidade e senso de proporção no processo de tomada de decisões. Lula pode ser aqui tomado como exemplo positivo. Dilma seria um exemplo negativo.
Em seus dois mandatos, o ex-presidente não deixou um minuto sequer de fazer política e reverberar sua causa. Conseguiu terminar seus governos nos braços do povo, sua equipe de auxiliares se encarregou, com eficiência, de fazer a máquina administrativa funcionar e estabilizar a base política, que forneceu ao governo a necessária sustentação. As circunstâncias nacionais e internacionais foram-lhe favoráveis e o beneficiaram com os ventos da Fortuna, mas é evidente que houve Virtù e bom desempenho entre 2013 e 2010.
Com Dilma Rousseff ocorreu o contrário. Apresentada ao mundo como “gestora rigorosa e técnica competente”, não mostrou aptidão particular para a política, não conseguiu expressar causa alguma nem exibiu a exaltada competência administrativa. Seu senso de proporção e responsabilidade foi reduzido, o que impulsionou a crise. Em decorrência, entrou em atrito com amigos, aliados e auxiliares, não estruturou uma equipe leal e eficiente, teve de aceitar a contragosto a transferência da operação política para outros personagens e não conseguiu organizar um Estado administrativo vigoroso. As circunstâncias não a beneficiaram e passaram, em decorrência, a exigir sempre mais talento político, que lhe era escasso. Dilma plantou, assim, os ventos que iriam transformar-se na tempestade perfeita do impeachment. A desgraça configurou-se quando ela, em 2014, bateu pé e fez questão de concorrer à reeleição. Sua vitória nas urnas foi de Pirro e só serviu para bloquear as chances que o PT teria de ajustar o curso do navio.
Faltaram a Dilma, portanto, as três qualidades essenciais estabelecidas por Weber, com o que ela foi devorada pela vaidade e pela dificuldade de interagir democrática e pedagogicamente com as massas. Sua queda foi uma espécie de profecia que se autorrealizou.
Trazendo o argumento para os dias correntes, encontramos Michel Temer como exemplo de político com dificuldades para combinar as três qualidades. Falta-lhe antes de tudo a devoção a uma causa, já que a ideia de fazer de seu governo um artífice da retomada do crescimento econômico e do ajuste fiscal não aquece mentes e corações. Com o tropeço nas pedras que surgiram pelo caminho (Joesley e Janot), Temer viu evaporar o que tinha de força para aprovar reformas, sobretudo porque não soube reunir os consensos sociais necessários para fazê-las e foi sendo desconstruído pelo próprio Congresso, que esperava ver apoiá-lo. O presidente também não demonstra possuir um apurado senso de proporção e responsabilidade, o que fez com que vacilasse na composição de seu Ministério, para o qual convocou pessoas que pouco o ajudam e têm opaca imagem pública, e se entregasse desmesuradamente ao jogo político miúdo e fisiológico. Foi, assim, sendo devorado por predadores de várias espécies, perdendo condições de fazer política abrangente, a ponto, por exemplo, de influenciar sua própria sucessão. Tornou-se um governante inercial, refém do Congresso e sustentado pelos relacionamentos que amealhou durante a longa carreira parlamentar. Seus baixíssimos índices de aprovação e popularidade fecham a moldura.
Mas a crítica a ele deve ser bem calibrada. Temer é produto do quadro político atual, que está majoritariamente ocupado por políticos imperfeitos. Alguns têm causas, outros se declaram responsáveis, mas há poucos que se dediquem a unir uma qualidade à outra. Não porque não as tenham, mas porque não se dispõem a confrontar as bandas podres do sistema e recuperá-lo.
Bons políticos existem e continuarão a existir sempre. O que falta é que eles se reúnam, se articulem, se imponham nos espaços políticos institucionais e dialoguem abertamente com a sociedade. Sem a paixão que promove a entrega a uma causa e sem um sentido superior de responsabilidade (pública), os políticos são atraídos mais pelo brilho do que pela realidade do poder; e terminam por usufruir o poder pelo poder, sem cumprirem funções positivas. Precisam romper com isso.
Constatar que um país como o Brasil esteja entregue nos últimos 15 anos às desventuras de políticos “imperfeitos” – e imperfeitos porque “incompletos” – certamente levaria Max Weber a tremer no silêncio sepulcral em que repousa.
Quanto a nós, pobres seres viventes, a constatação provoca pasmo e uma perturbadora inquietação. O momento é exigente, pede empenho e discernimento. Não precisamos de “chefes”, mas de políticos dispostos ao sacrifício e vocacionados para colocar os dedos nas engrenagens da História, assumindo compromissos claros com uma agenda corajosa.
*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
PT silencia sobre governos autoritários, diz professor
Ex-presidente do PT do Estado do Rio e docente na Universidade Federal Fluminense (UFF), o historiador Daniel Aarão Reis
VALMAR HUPSEL FILHO, PEDRO VENCESLAU e GILBERTO AMENDOLA, O Estado de S.Paulo
Para o professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-presidente do PT do Estado do Rio Daniel Aarão Reis, o partido prefere se manter em silêncio sobre a escalada de violência na Venezuela em nome de uma “solidariedade nacional popular contra as grandes potências”. “Se a vocação democrática do PT fosse mais forte, isso estaria sendo cobrado e discutido”, disse ao Estado.
O posicionamento de apoio ao governo venezuelano de Nicolás Maduro é unânime no PT?
O PT, como todos os partidos políticos brasileiros, dedicou ao longo do tempo pouca relevância às relações internacionais. Feita essa ressalva, fez parte do PT, desde o início, embora com oposição interna, apoio a Cuba e regimes nacionalistas, o que eu chamo de nacional-estadista. Isso se articulou na defesa do Mercosul e da Unasul e, em termos mundiais, na articulação com os Brics (bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Esse tipo de política sempre mereceu simpatia do conjunto da militância do PT.
Como explicar a postura do PT em relação à Venezuela?
A despeito da vocação democrática que o PT tinha e a meu ver de certo modo tem, silencia-se muito diante dos regimes autoritários. E em nome da solidariedade terceiro-mundista, age-se do mesmo jeito em relação ao nacionalismo latino-americano. Silencia-se muito em relação aos regimes autoritários que se opõem à dominação das grandes potências capitalistas. Silencia-se de maneira muito inconsequente, a meu ver, do ponto de vista democrático, contra os desmandos e surtos autoritários desses regimes nacionalistas. E esse é o caso muito visivelmente em relação à Venezuela em que o Maduro, a “Dilma do Chávez”, enfrenta claramente um questionamento social em função da crise econômica e de sua própria competência em gerenciar a crise.
A vocação democrática do PT não se opõe ao apoio a regimes que impõem violência ao povo?
Se a vocação democrática do PT fosse mais forte, isso estaria sendo cobrado e discutido internamente. Mas prefere-se manter silêncio sobre o assunto em nome de uma solidariedade nacional popular contra as grandes potências. Se o PT quer realmente se colocar como partido democrático, tem de rever isso e lidar com a situação.