PSDB

Fernando Henrique Cardoso: Hora de decidir

Terá o PSDB cara renovada em 2018? Não precisa tingir os cabelos, mas a alma deve ser nova

Depois da segunda negação pela Câmara dos Deputados de abertura de inquérito para investigar o presidente da República, é de presumir que esse capítulo esteja encerrado. Independentemente do juízo sobre o acerto da decisão da Câmara, a opinião pública cansou-se do tema. As pesquisas parecem apontar nessa direção e indicam certo ceticismo quanto aos resultados da Lava Jato e de outras operações de investigação, que não obstante continuam a contar com o apoio da sociedade.

O clima é de descrença e desânimo. Sendo assim, olhemos para o cotidiano e suas agruras. O governo se esforça para demonstrar que a economia está melhorando. Os dados confirmam a tendência, a mídia repercute e o povo, como disse Aristides Lobo quando da proclamação da República, “assiste bestificado” ao que acontece. Não nos iludamos, porém. Nas sociedades atuais, com a mídia social em constante evolução, um fio desencapado pode reavivar velhos rancores e esperanças. Só que isso é imprevisível.

Melhor, portanto, nos concentrarmos no que é provável que aconteça: as vistas políticas se voltarão para as eleições de 2018. Até lá, por mais alguns meses pelo menos, a pauta das reformas, por desnaturadas que sejam, continuará a ser importante, ocupará os partidos, a mídia e a opinião interessada. Assim como a carruagem da economia continuará a andar e embalará as discussões dos que dela entendem ou pensam entender. O povo, olhando de soslaio, verificará se a melhora proclamada bate em seu bolso e em suas expectativas.

Não nos enganemos: por mais que as estruturas de poder continuem ativas, as marcas do que aconteceu nos últimos anos serão grilhões nos pés de partidos e candidaturas. Nem o PT se livrará dos muitos malfeitos que cometeu e das ilusões que enterrou, nem o PMDB sacudirá a poeira de haver feito parte não só da onda petista, como de seus descaminhos, nem o PSDB deixará de pagar por ter dado a mão ao governo Temer e de tê-la chamuscada por inquéritos.

Falo dos principais, mas a história dos demais não é muito diferente da percorrida pelos maiores partidos. Apenas os mais radicais, posição que antes era domínio exclusivo da extrema esquerda e hoje é disputada pela extrema direita, talvez possam dizer: dessa água eu não bebi! Argumentos há para defender os que se juntaram no impeachment ao governo petista, como os há para os que apoiaram o intermezzo peemedebista. Melhor manter a coerência e sustentar as razões do apoio a ambos.

Daqui por diante, contudo, o capítulo é o futuro. É diante dele que os partidos terão de tomar posição. Falemos claramente: o PT está com a sorte colada à de Lula, a qual está nas mãos da Justiça. Não torço pela desgraça alheia. Não sou juiz, não quero e não devo opinar na matéria. Melhor é supor que Lula dispute as próximas eleições. Suas chances de vitória não são grandes. Derrotei Lula duas vezes quando ele já era um líder partidário de massas. Por que ganhei? Porque Lula e seu partido se isolaram no que imaginavam ser a classe trabalhadora, com seus porta-vozes intelectuais. Quando Lula ganhou minha sucessão foi porque ele e seu partido, com a Carta aos Brasileiros e outras ações mais, se aproximaram da classe média e saíram do gueto, alargando sua base de apoio original. Desenhada a vitória e alcançado o poder, o establishment se juntou aos vitoriosos, sem temor de ser prejudicado.

Hoje Lula e seu partido voltaram para suas trincheiras originais. Incomodando sua sucessora, tentarão relembrar os dias gloriosos da bonança econômica para que o eleitorado se esqueça dos escândalos de corrupção, das desventuras a que levaram a sociedade e da recessão que produziram na economia. São competidores, portanto, derrotáveis. A depender, como sempre em eleições, de saber que partidos e líderes formarão os “outros lados”. Nestes poderão estar os que jogam “por fora” dos grandes partidos, como Marina Silva e, em sentido menos autêntico e mais costumeiro, candidaturas “iradas”, do tipo Ciro Gomes. Só que no momento desponta outra candidatura ainda mais “irada” e mais definida no espectro político, a de Bolsonaro. Dele sabemos que é “linha dura” contra a desordem e a bandidagem, mas pouco se sabe – ao contrário de Marina – sobre o tipo de sociedade de seus sonhos (e meus pesadelos...). Pode surgir um easy rider? Pode. Mas é preciso esperar para ver.

Sobra avaliar qual partido mais pode apresentar candidaturas válidas. O PMDB faz tempo que maneja o Congresso e sabe imiscuir-se na máquina pública, mas não parece ser um time pronto para disputar a pole position. O DEM, o PS ou o PSD e os demais não têm nomes fortes para a cabeça de chapa, embora possam pesar se ingressarem num conglomerado que seja “centrista”, mas olhe à esquerda, por mais que tal ginástica custe a alguns deles.

E o PSDB? Pode apresentar algum nome competitivo. Mas precisa passar a limpo o passado recente. Deveria prosseguir no mea culpa apresentado na televisão sob os auspícios de Tasso Jereissati, sem deixar de dar a consideração a quem quase o levou à Presidência. É hora de decidir, e não de se estiolar em “não decisões”. É hora também de juntar as facções internas e centrar fogo nos adversários externos. Não há como negar o apoio dado ao governo atual. A transição política exigia repor em marcha o governo federal, o que foi feito em áreas significativas. Politicamente, contudo, há um ponto crítico e alguma decisão deverá ser tomada: ou o PSDB desembarca do governo na convenção de dezembro e reafirma que continuará votando pelas reformas ou sua confusão com o peemedebismo dominante o tornará coadjuvante na briga sucessória.

Terá cara renovada em 2018? Os cabelos não precisam ser tingidos, mas a alma deve ser nova, para que a coligação que formar ganhe credibilidade e possa virar a página dos desastres recentes.

* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da república

 


José Anibal: Lula não muda, mas o Brasil muda, sim!  

Atribui-se ao economista John Maynard Keynes a frase: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião”. Seria uma resposta a uma provocação de Winston Churchill, tampouco comprovada, na qual se teria duas opiniões diferentes se fossem ouvidos dois economistas, e três se um deles fosse Keynes. Ainda que se trate de mero folclore da vida pública britânica, é possível tirar lições dessa anedota de 80 anos atrás.

Não há demérito algum em se mudar de opinião diante da constatação de uma medida que se revela ineficiente, de um erro de avaliação ou de uma mudança de cenário. Ao contrário, é sinal de maturidade, capacidade e honestidade intelectual. Por que um governo manteria uma política pública cujos resultados não são os esperados? Faz sentido manter normas e leis de décadas atrás que não atendem mais as demandas do mundo contemporâneo?

Por outro lado, intransigência e intolerância são características típicas dos reacionários e obstáculos ao avanço das sociedades. São marcas também dos falsos salvadores da pátria que, por ora, encontram receptividade auferida em pesquisas de opinião, mas que simplesmente não oferecem nada de concreto ou pertinente para os desafios que o Brasil precisa enfrentar.

Pior do que isso, temos visto a desfaçatez do lulopetismo em atribuir aos outros o que é obra exclusivamente sua: a maior recessão econômica da história, a dilapidação do patrimônio público e a radicalização do debate político. Não foi outro que não Lula a dividir o país em “nós” e “eles”, a renegar o bom legado deixado por Fernando Henrique Cardoso, sem o qual não seria possível adotar políticas como o Bolsa Família, surfar a onda das commodities da década passada nem atingir o grau de investimento posteriormente jogado no lixo por Dilma Rousseff.

Agora, em entrevista recente, Lula admite a traição sentida pelo eleitorado de 2014, ludibriado pelo estelionato da campanha petista e das práticas pouco republicanas do governo. Ao contrário do capo do lulopetismo, o brasileiro sabe mudar de opinião quando os fatos mudam – ou melhor, quando a mudança dos fatos deixa de ser mascarada pela sede de um projeto de poder intransigente e intolerante.

A ameaça de Lula de reverter as boas políticas econômicas e administrativas tomadas após o impeachment é um flerte com um novo risco de retrocesso. Nada seria mais danoso ao Brasil do que a recondução ao poder daqueles que destruíram quase 10% da produção nacional, jogou de volta milhões de famílias à pobreza e fez a renda per capita do brasileiro cair pela primeira vez desde a criação do Plano Real.

É isso que precisa ficar claro – e ficará – no debate eleitoral de 2018. Diante de um quadro fiscal ainda frágil, da rápida mudança do perfil demográfico e dos desafios colocados pela revolução tecnológica, não podemos nos dar ao luxo de apostar em aventuras populistas ou de consistência questionável.

Consolidar uma força política coesa, democrática e republicana é medida urgente e prioritária para a viabilidade de um projeto para o país que tenha como premissa um compromisso com as brasileiras e os brasileiros baseado em responsabilidade, equilíbrio, confiança e coragem, além de experiência testada e reconhecida. Tão logo os brasileiros sejam apresentados a esse fato novo, não tenham dúvida: as opiniões – e as pesquisas de opinião – vão mudar!

- Blog do Noblat

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB

 


Luiz Carlos Azedo: Homem a homem

Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia da Lava-Jato na Câmara, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira

O presidente Michel Temer adotou um sistema de marcação homem a homem para garantir a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara, na qual é acusado, supostamente, de organização criminosa e obstrução de Justiça, com base na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Ontem, quase 50 deputados foram recebidos oficialmente por Temer, em seu gabinete, em cerca de 20 audiências, depois de um fim de semana dedicado à discussão de sua estratégia de defesa.

Já não adianta terceirizar as negociações com os deputados da base do governo que negaceiam seu apoio, por diversos motivos, do não cumprimento de compromissos assumidos à ambição de ocupar mais espaços na Esplanada. Pelo Twitter, logo de manhã, Temer classificou a denúncia do ex-procurador Rodrigo Janot de “inepta e sem sentido” e anunciou que conversaria com os parlamentares da base para preservar “a harmonia entre os poderes”. Na verdade, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi seu esteio na rejeição da primeira denúncia, acendeu uma luz amarela no Palácio do Planalto ao se queixar da atuação da cúpula do PMDB e se defender das acusações de que está conspirando: disse que não teria o mesmo comportamento do PMDB, que articulou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff quando Temer era o vice-presidente da República.

Na avaliação do Palácio do Planalto, Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira. O aval da Câmara para que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue o presidente da República depende do apoio de 342 dos 513 deputados, o que é muito difícil de alcançar. Entretanto, Temer não deixa de ser um animal ferido, o que provoca uma espécie de ataque de piranhas na própria base do governo, principalmente dos aliados que querem mais espaço na Esplanada.

A movimentação dos insatisfeitos fragiliza o ministro Antônio Imbassahy (PSDB-BA), da Secretaria de Governo, que teria a responsabilidade de articular a base do governo, mas perdeu autoridade porque o líder do PSDB, Ricardo Trípoli (SP), e praticamente todos os tucanos paulistas são a favor da aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento de Temer do cargo por 180 dias. Nesse caso, Rodrigo Maia assumiria a Presidência.

Temer já conversou com uma dezena de deputados da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, responsável pela primeira etapa de análise da denúncia, que consiste na apreciação do parecer a ser elaborado pelo deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), recomendando o envio da acusação para o Supremo ou a suspensão do processo até a conclusão do mandato de Temer. A situação do relator é um capítulo à parte: o PSDB não quer que permaneça na função, mas não pode substituí-lo. Nesse caso, outro partido poderia indicá-lo para a comissão, a pedido do Palácio do Planalto.

A conciliação

O Senado é mesmo a Casa da “conciliação”: adiou para 17 de outubro a apreciação da suspensão do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, assim, evitou um confronto aberto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor do adiamento 50 senadores; contra, 21. Os senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Renan Calheiros (PMDB-AL) foram os “jacobinos” da sessão, mas não tiveram o apoio que esperavam. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), também defendeu a realização da votação, porém, o líder da bancada do PMDB, Raimundo Lira (PB), consultou 21 dos 23 integrantes da bancada e concluiu que havia uma “maioria consistente” para aguardar o julgamento do STF.

O PSDB tentou sair da saia justa com um pedido de suspensão do afastamento de Aécio ao Supremo, mas o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, negou o pedido. Ao líder do PSDB, Paulo Bauer (SC), não restou outra alternativa a não ser defender a votação, mas a bancada acabou isolada. Aécio Neves, além de estar com o mandato suspenso, foi proibido de sair à noite e manter contato com outros investigados pela Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada com base no Código de Processo Penal, por três dos cinco juízes da Primeira Turma do STF: Luís Barroso, Rosa Weber e Luís Fux. Marco Aurélio Mello, o relator, e Alexandre de Moraes votaram contra.

A Constituição determina que a prisão de senadores seja autorizada pelo Senado, o que criou um impasse. Para muitos senadores, “quem pode mais, pode menos”: o princípio Constitucional deve prevalecer sobre matéria penal. Mas a Constituição também determina a palavra final sobre matéria constitucional seja do Supremo. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, marcou para 11 de outubro a sessão do Supremo que apreciará a questão. Ao adiar a decisão sobre o caso para 17 de outubro, o Senado evitou um confronto institucional. A possibilidade de o Supremo rever a decisão da Primeira Turma é grande.


Luiz Carlos Azedo: As lições de Tuchman

Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional

A escritora norte-americana Barbara Tuchman (1912-1989), historiadora autodidata, ficou famosa com a publicação do livro Canhões de agosto, em 1962, com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer de não ficção, ao relatar os antecedentes e o primeiro mês da Primeira Guerra Mundial, desnudando o despreparo e a arrogância dos líderes políticos que protagonizaram o conflito. A carnificina custou 10 milhões de mortos, 30 milhões de feridos, arrasou indústrias e campos agrícolas, gerando prejuízos econômicos e dívidas impagáveis. Um mês de guerra foi o suficiente para desmoralizar e desacreditar governos, entre os quais a autocracia dos Romanov, cuja deposição resultou na Revolução Russa de 1917.

Seu livro mais conhecido, porém, é a A marcha da insensatez, lançado em 1984 nos Estados Unidos e publicado logo no ano seguinte no Brasil, pela Editora José Olympio. Teve grande repercussão por aqui, porque foi um raio de luz num momento decisivo da transição à democracia. Nele, Tuchman traça um paralelo entre momentos decisivos da História, entre os quais a Guerra de Troia, a Reforma Protestante, a Independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã, para tipificar o desgoverno provocado pela tirania, pela ambição, pela insensatez e pela decadência. Retrata a loucura política de governantes que adotam políticas contrárias aos seus próprios interesses, mesmo quando as evidências do fracasso se avultam e escolhas acertadas seriam possíveis.

Não faltam exemplos na política brasileira sobre isso, mas parece que estamos novamente num desses momentos em que as lideranças não medem as consequências dos seus atos. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao sair do encontro de ontem com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, anunciou que a sessão marcada para apreciar a decisão da Primeira Turma do STF que decidiu afastar do mandato o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, está mantida para hoje. E que a revogação da decisão está na pauta de votação, mesmo que o recurso impetrado pelo PSDB contra a decisão esteja para ser julgado pelo plenário da Supremo em 11 de outubro.

Desde sexta-feira, nos bastidores do Judiciário, comentava-se que a decisão da Primeira Turma, protagonizada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luís Fux, contra os votos do relator Marco Aurélio Mello e do ministro Alexandre de Moraes, seria revista pela maioria do Supremo. Supostamente, somente o ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, da Segunda Turma, estaria solidário com a decisão. Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski seriam a favor de rever as “medidas cautelares”. Caberia ao decano Celso de Mello e à presidente da Corte, Cármen Lúcia, consolidar ou reverter essa maioria. Talvez fosse mais prudente e elegante o Senado esperar o próprio Supremo rever a decisão da Primeira Turma em vez de reiterar o poder de dispor dos mandatos de seus membros. Daria aos demais integrantes da Corte a oportunidade de rever os atos de três de seus pares.

Um velho poema
É muita ingenuidade — para não dizer insensatez — acreditar que a ordem dos fatores não altera seu resultado. Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional. O aviso veio de um dos ministros vencidos na Primeira Turma: “No dia 11, o Supremo dará a última palavra. Temos que cumprir a Constituição. A última palavra e interpretação constitucional é do STF. A partir do dia 11, qualquer desrespeito a partir da decisão do STF poderá resultar em crise institucional”, admitiu Alexandre de Moraes.

A situação é realmente delicada, ainda mais porque a Câmara inicia a discussão de outro contencioso: a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que pode ser rejeitada pela base governista. São dois episódios que tensionam a relação entre os poderes da República, ambos em razão das investigações da Operação Lava-Jato. As forças no poder destituíram a presidente Dilma Rousseff em razão dos anseios da sociedade organizada em rede, que não permanece nas ruas, mas continua sendo uma variável a ser levada em conta. Os políticos entrincheirados no governo e os agentes econômicos também não têm os mesmos interesses, ainda que a sobrevivência do patrimonialismo nos processos de modernização, historicamente, faça parte da nossa tradição ibérica.

A crise política somente se resolverá nas eleições de 2018, nas quais vale a advertência de quem retratou a formação do patriarcado brasileiro, Gilberto Freyre, autor de Casa grande & senzala, no velho poema de 1926: “Eu ouço as vozes/eu vejo as cores/eu sinto os passos/ de outro Brasil que vem aí”.


Carlos Melo: o PSDB e o ônus do governismo

Daquela noite de quarta-feira, 02 de agosto de 2017, ainda ecoam vozes: ''voto a favor do relatório do PSDB'', enfatizavam dezenas de parlamentares de variadas legendas. Era a sessão em que a Câmara dos Deputados rejeitaria a denúncia do Ministério Público Federal contra o presidente da República. Michel Temer se livraria de responder processo no Supremo Tribunal Federal, o que ia de encontro com a opinião pública.

As declarações eram injustas, o relatório não era ''do PSDB''. O parecer de Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) dividiu a bancada: 21 tucanos votaram contra; 22, a favor. Mas, os governistas buscavam comprometer a legenda com o resultado da sessão, como amarrá-la ao destino do governo. Não por acaso, hoje, repugna ao PSDB a ideia de outro de seus deputados relatar processo sobre Temer. Relutam em se contaminar com o governo tóxico.

Pesquisas apontam que apenas 3% dos entrevistados aprovam o Governo Temer, enquanto 77% o rejeitam peremptoriamente. Ao mesmo tempo, os pré-candidatos do PSDB, Geraldo Alckmin e João Doria, estacionaram em patamares bastante tímidos para suas pretensões eleitorais no ano que vem (8%), mesmo após toda a exposição à mídia que tiveram. Indiferenciado de toda base governista, ao que parece o partido deixou de ser alternativa.

Em que pese os primeiros sinais de recuperação econômica, é muito provável que esses números se devam à imagem de um governo atrelado à corrupção, assim como com o flagelo de um PSDB comprometido com esse governo. Além disso, no ambiente de crise fiscal, há a natural deterioração de políticas públicas – Segurança, Saúde e Educação –que, mais dia menos dia, afeta o cotidiano dos cidadãos que, no limite, responsabilizarão o Governo Federal.

Desnecessário recordar áudios e encontros mal explicados que tomaram os telejornais de todo o país, durante semanas. Assim como é demasiado repetitivo retomar cenas de violência nas favelas e periferias do país ou a barbárie nos postos de saúde. Tudo isso, somado, desagua no “governo” de maior visibilidade, o Federal. E, por decorrência, nos partidos mais vistosos de sua base.

Há também as imagens a de malas repletas de dinheiro país a fora, atribuídas a aliados do presidente. Em sintonia com isso, a situação do senador Aécio Neves, formalmente, ainda o presidente do partido, que, assim como Temer, acabou identificado com essas malas de difícil explicação e com conexões com a banda podre do empresariado nacional. O resultado é óbvio.

À parte da questão econômica, é o Governo Temer quem ocupa hoje o centro da irritação política dos brasileiros com seus representantes. Sem aliviar para o PT, setores médios e urbanos, que foram às ruas pelo impeachment, desiludiram-se com peças de reposição também comprometidas e pouco originais. Do ponto de vista ético e operacional, não se trata de um governo capaz de inspirar a confiança. Assim, sem colher qualquer bônus, o PSDB carrega o ônus sua aliança com o Centrão, sendo ele, por natureza, diferente do PMDB, pelo menos do ponto de vista de sua alega pureza política.

Na crítica que sua base social — urbana e de classe média — faz ao governo Temer e às condições gerais do sistema político nacional, os tucanos perdem seu eleitor tradicional, sem conquistar novos. Perdem também importantes quadros intelectuais, antes identificados com o partido. Nesta condição, pelo menos por enquanto, perdem o charme e a grife — o que reflete nas pesquisas.

Apoiado por uma onda de entusiasmo do mercado financeiro, o prefeito de São Paulo, João Doria, foi quem mais alto apostou no apoio a Michel Temer. Mas, ao contrário do que imaginava, isto não lhe trouxe ganhos para além dos muros de sua tribo. Mais experiente, Geraldo Alckmin foi cuidadoso: mesmo criticado quando a quase totalidade da bancada paulista votou pela rejeição do parecer de seu deputado-relator, o governador manteve distância profilática do presidente.

Melhor que seu adversário interno, poderia, agora, expressar o afastamento em relação a Michel Temer, no início desse ano eleitoral.

A propósito, há poucos dias, num aeroporto do Brasil, encontrei um experiente senador — desses que restam poucos, sagazes e antenados com o clima político; não é do PSDB. Dizia-me acreditar que o melhor para Alckmin seria ''sair do PSDB, levar sua base para o PSB, expressar ruptura com o governo federal e com o sistema político; entrando em conexão com o Nordeste e o sentimento de mudança''. Nota: tampouco é senador do PSB.

Estranho pensar Geraldo Alckmin fora do PSDB; parece pouco provável, mas nem por isso desprovido de sentido. É um caminho perigoso. Mas, também ousado e criativo: sem novidades do front da Lava Jato em relação a Alckmin, pode-se dizer que o partido está mais desgastado que o governador. A divagação — ou, sabe-se lá, articulação — daquele senador, expõe o espaço que há para surpresas e abalos no cenário eleitoral. A guerra é a mãe das invenções; a crise cria suas alternativas. Fica o registro.

* Carlos Melo é cientista político. Professor do Insper.


O Estado de S.Paulo: FHC diz que STF é o guardião da Constituição e tem a 'decisão final'

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) está em Washington, nos EUA

Cláudia Trevisan

Sem mencionar o caso do presidente nacional licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quinta-feira, 28, em Washington, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição e tem a "decisão final" no Brasil.

"Ele decide e é isso", declarou, pouco antes de o Senado aprovar regime de urgência para a proposta de rejeição da decisão do STF de afastar Aécio da Casa e submetê-lo a um regime de "recolhimento noturno". A atuação do Supremo foi apresentada por Fernando Henrique como um dos exemplos de fortalecimento das instituições democráticas depois da Constituição de 1988.

"No passado, quando confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atitude dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós nem sabe quais são os seus nomes, enquanto os nomes dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal são nomes familiares", afirmou.

"Essa é uma modificação profunda. Como sou velho, eu lembro-me dos tempos antigos", disse. Ele disse que o Supremo Tribunal tem problemas, mas observou que não gostaria de fazer críticas à Corte no exterior. Porém, ressaltou: "É melhor ter problemas para ajustar o Supremo Tribunal Federal do que ter problemas para colocar os militares de lado".

Em palestra intitulada "O impacto político da corrupção na América Latina", Fernando Henrique disse que, "certamente", havia corrupção no governo dele, mas afirmou que era de natureza distinta da que caracterizou as administrações do PT que o sucederam.

"Eu não fui informado, eu não era a favor, eu não permitia e essa não era a base em que meu governo se sustentava." A gestão do ex-presidente foi marcada pela suspeita de compra de votos para aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição, em 1997.

Na época, o deputado Ronivon Santiago disse ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da proposta. De acordo com Santiago, outros quatro parlamentares teriam ganhado pagamento. O caso nunca foi investigado. Numa referência ao período pré-PT, que inclui o mandato dele, FHC declarou que os atos de corrupção eram "individuais" ou um "misto de clientelismo e negligência" e não "um mecanismo fundamental para um governo ganhar e manter o poder".

O ex-presidente acredita que as administrações petistas criaram um sistema de apoio parlamentar sustentado pela corrupção, por meio da cumplicidade de setores da economia e os partidos no poder. FHC acha que essa "conivência" entre interesses públicos e privados foi aceita pela sociedade em geral em razão dos programas de inclusão social do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teriam assegurado a "absolvição de qualquer transgressão - pelo menos por um período". O tucano não respondeu a perguntas da plateia e deixou o Wilson Center sem falar com a imprensa.

 


José Anibal: A resposta da boa política aos desafios e transformações do mundo

Nos últimos anos, o Brasil enfrentou algumas das mais difíceis crises de sua história.

Atravessamos quase três anos de uma recessão que, finalmente, parece ter ficado para trás, ainda que persistam questões estruturais para um estado com efetivo equilíbrio fiscal, sem artifícios como os vistos no passado recente.

O sistema político carece de uma reorganização com o objetivo de reaproximá-lo das pessoas, do cidadão comum, e fazer com que o governo seja menos custoso à sociedade e, principalmente, mais eficiente.

São desafios inegavelmente complexos, mas igualmente estimulantes para aqueles engajados na construção de um país mais próspero e uma sociedade mais justa e menos desigual.

Ao mesmo tempo que os problemas do dia a dia exigem ações imediatas e eficazes, é também fundamental ter capacidade de discussão, reflexão e elaboração de novas e criativas formas de enfrentar e solucionar as questões estruturais do mundo contemporâneo.

Nesse sentido, não poderia haver momento mais singular e necessário para a promoção de um grande seminário internacional como o que o Instituto Teotônio Vilela, do qual sou presidente nacional, e a Fundação Astrojildo Pereira realizam nesta semana, em São Paulo.

Ao longo de dois dias e sete sessões de trabalho, mais de duas dezenas de intelectuais, analistas, jornalistas e políticos do Brasil e de outros quatro países vão debater temas como a reinvenção do estado democrático, o impacto das novas tecnologias no mundo do trabalho, as transformações provocadas pela globalização, os avanços e as consequências das grandes operações de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Faço aqui um convite a todos para que acompanhem as discussões do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação.

É inegável que as questões a serem debatidas, num primeiro momento, despertam preocupação ou mesmo desesperança, mas é precisamente por isso que tais questões devem ser encaradas com racionalidade, coragem e ousadia.

Só assim construiremos novas e criativas formas de exercer e revigorar a boa política, elaborar soluções pertinentes e plausíveis de serem implementadas e, enfim, pavimentar caminhos para um Brasil mais próspero e mais preparado para os grandes desafios deste mundo em intensa transformação.

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB

 


O Estado de S. Paulo: FHC defende ‘união’ entre Alckmin e Doria

Ex-presidente adotou um tom conciliador no evento do grupo Lide, do prefeito João Doria, e chamou o governador e o prefeito de 'queridos amigos'

Pedro Venceslau e Marcelo Osakabe, O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse nesta segunda-feira, 11, que o prazo máximo para o PSDB realizar prévias para definir o candidato à Presidência em 2018 é março. Fernando Henrique também relativizou o comentário do presidente nacional interino do partido, senador Tasso Jereissati (CE), de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é o "primeiro da fila" na disputa. Para FHC, a fala de Tasso Jereissati tem a ver com o tempo em que Alckmin está na política.

"Geraldo está há mais tempo na política. Nesse sentido, é o primeiro da fila. Isso significa que tem lugar garantido? Não", disse o ex-presidente, após uma palestra oferecida pelo Lide - Grupo de Líderes Empresariais, organização criada pelo prefeito da capital paulista e também postulante ao cargo, João Doria (PSDB).

FHC reiterou que acha saudável a competição na legenda e se disse feliz pela sigla ter mais de uma opção "com vontade e em posição" de se candidatar ao Planalto. O tucano declarou também não ter preferência entre a escolha do candidato via prévias ou por meio de pesquisas de opinião. "Se não estiver claro quem tem chance, o partido faz prévias", disse, ao acrescentar que as pesquisas dizem "pouca coisa" nesta altura, a cerca de um ano da eleição. "A pesquisa não é o único indicador. Tem de ver qual a ideia da pessoa, o que ela representa, quais os apoios efetivos que a pessoa tem. Não é só uma avaliação numérica, é qualitativa também", resumiu.

Por outro lado, Fernando Henrique disse entender que março é a data-limite para a realização de prévias, uma vez que é preciso dar espaço às agremiações para fazer a campanha.

Amigos. No começo de sua palestra, FHC saudou os dois "queridos amigos". "O fato de estarmos juntos esta manhã me deixa realmente feliz da vida", disse o ex-presidente. Postulantes à vaga de candidato do PSDB à presidência em 2018, Alckmin e Doria trocaram afagos. "Queria registrar a alegria de estar com João Doria três dias seguidos. Estou disputando com a Bia (Doria, esposa do prefeito)", disse o governador.

Após o almoço com empresários, o ex-presidente minimizou as diferenças entre os dois tucanos. Enquanto o governador defende a realização de prévias para a escolha do candidato tucano ao Planalto, o prefeito quer que o resultado das pesquisas de opinião seja levado em consideração. "As duas coisas não se contradizem. A pesquisa vai ter peso. Mas vai ser o suficiente? Isso é outra questão."

Delações. Fernando Henrique também defendeu o instituto da delação premiada, que foi colocado em cheque após a prisão de Joesley Batista da JBS. "O fato de que a pessoa foi e é um pouco fanfarrona não é suficiente para anular delação". O ex-presidente ponderou, porém, que é preciso complementar a delação com outros indícios. "Como você pode garantir que o delator não tem outro interesse? Não pode. Tem que avaliar e complementar a delação com outras delações e elementos probatórios dos materiais que houverem."

FHC defendeu a delação premiada e lembrou que o instituto foi recentemente introduzido na legislação brasileira e que está em outras democracias ocidentais. "É difícil para pessoas de outras tradições como a nossa aceitar, mas ela funciona. Funciona nos EUA e funciona bem", declarou.


FHC: Uma candidatura agregadora

O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro

Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Mário Covas e eu então éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.

Na formação do PSDB, nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não esquecíamos, tampouco, as classes médias, de onde provínhamos.

O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal.

A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público.

O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.

O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de 1988. A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar.

Esse sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, degenerou-se no “presidencialismo de cooptação”. Juntaram-se grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os governos. Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços entre partidos e empresas (públicas e privadas).

No modelo de coalizão, a maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos sobre uma agenda do Executivo.

No presidencialismo de cooptação, o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos. Esse novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.

Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repudio à corrupção.

O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las, dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas.

É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem” . Fundamental também é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras já na eleição municipal de 2020.

A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual). Os recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de cada partido, para as despesas de campanha. A doação voluntária de pessoas físicas deve ser estimulada, com fixação de teto. Sem tais alterações, a começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as eleições devem ser recusados bem como a criação de novos fundos eleitorais.

O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu ideário. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, da habitação e da infraestrutura, assim como na política externa.

Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que parecer errado. Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.

O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro. A globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora, baseia-se em uma tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em geral.

O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de produção e valor.

É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar em mais e melhor educação, saúde e segurança.

A moralidade pública e privada é um requisito para que as pessoas possam voltar a crer nos que governam.

O país necessita uma candidatura agregadora para 2018, que assuma essas bandeiras. Chances de vitória existem se tivermos competência para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS, implementação das LOAS, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores morais.

 

 

 


O Estado de S. Paulo: Caciques tucanos têm desaprovação maior que a de Lula

Aécio, Serra, Alckmin e FHC têm imagem mais desgastada que a do petista; João Doria é menos rejeitado entre todos políticos tucanos analisados

Daniel Bramatti, Gilberto Amendola e Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

A pesquisa Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas revela que quatro dos principais caciques do PSDB – Aécio Neves (MG), José Serra (SP), Fernando Henrique Cardoso (SP) e Geraldo Alckmin (SP) – têm hoje a imagem mais desgastada que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Também tucano, o prefeito de São Paulo, João Doria, está em situação mais confortável: é o que aparece mais bem colocado entre os políticos avaliados pela pesquisa. Ainda assim, sua taxa de desaprovação (53%) é bem maior que a de aprovação (19%).

Condenado em um processo e réu em outras cinco ações relacionados à Operação Lava Jato, Lula é desaprovado por dois terços da população, enquanto um terço o vê de forma favorável. Já a desaprovação aos caciques tucanos varia entre 73% e 91%.

O maior desgaste é o de Aécio, que teve 48,4% dos votos na eleição presidencial de 2014 e hoje tem seu desempenho desaprovado por nove em cada dez brasileiros – resultado que o coloca em situação de empate técnico com o presidente Michel Temer (93%) e o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (91%), que está preso desde outubro de 2016 e já foi condenado na Operação Lava Jato a 15 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Logo a seguir aparece o senador e também ex-candidato a presidente José Serra, que foi ministro de Relações Exteriores no governo Temer durante nove meses. Serra é mal avaliado por 82% da população, segundo o Ipsos. FHC e Alckmin são desaprovados por 79% e 73%, respectivamente.

A pesquisa não revela os motivos da rejeição aos políticos. Mas a desaprovação a Aécio teve um salto a partir de junho, quando ele foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de receber recursos ilícitos do grupo JBS. Na época, o tucano chegou a ser afastado do mandato de senador por decisão liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Serra e Alckmin, cuja desaprovação também aumentou nos últimos meses, foram envolvidos em delações na Operação Lava Jato. O primeiro é alvo de inquérito por suposto recebimento de recursos ilegais da Odebrecht, e também foi acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de receber doações da JBS via caixa dois. Já o atual governador paulista foi citado por delatores da Odebrecht como beneficiário de recursos ilícitos.

Serra afirma que suas campanhas sempre foram feitas dentro da lei. Alckmin também nega irregularidades.

‘Mito’. Para o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, a desaprovação aos líderes do partido se soma a uma “rejeição à classe política em geral”. Sobre o fato de Lula estar em situação um pouco melhor, Goldman disse que o ex-presidente “tem ainda certa dose de mito, um grau de sentimento popular, e isso abranda a rejeição dele”.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Estado, a pesquisa Ipsos mostra o quão imprevisível está o quadro político para as eleições de 2018. “O imprevisto é o provável”, afirmou Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. “A situação está tão confusa e o desgaste de lideranças tradicionais é tão grande que fica muito difícil fazer qualquer tipo de previsão. Nesse contexto, abre-se espaço para aventureiros que, hoje, estão fora do radar eleitoral. Talvez o discurso antissistema se transforme em uma vantagem eleitoral.”

Já a também cientista política Maria do Socorro Braga, da USP, relaciona o baixo índice de aprovação dos políticos à Operação Lava Jato. “No começo, era algo que parecia apenas atingir o PT, mas depois, com o tempo, a sociedade entendeu que os problemas estavam disseminados por outras legendas.”

Para Marco Antônio Teixeira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), até políticos que se apresentaram como novidade “acabaram se desgastando rapidamente, porque, pelo menos aparentemente, repetem hábitos da ‘política velha”. Já o professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena (FGV) disse que “a bola está com o eleitor”. “A pesquisa mostra uma necessidade de reconstrução e renovação, mas será que o cidadão está realmente pronto para ela?”

 


'Alckmin é o primeiro da fila no PSDB para disputar a Presidência em 2018', diz Tasso Jereissati

Presidente interino do partido afirma que convenção nacional tucana vai abrir espaço para cabeças-pretas 'de mentalidade'

Por Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

O senador Tasso Jereissati (CE), presidente interino do PSDB, revelou ao Estado que não pretende disputar a presidência do partido no dia 9 de dezembro, quando ocorrerá a convenção nacional tucana. A ideia, diz ele, é abrir espaço para um nome que seja "cabeça-preta de mentalidade". O dirigente também afirmou que o governador Geraldo Alckmin é o primeiro na fila para disputar a Presidência da República em 2018. Sobre o fato de o senador Aécio Neves (MG) continuar como presidente licenciado, foi taxativo: "O presidente do partido sou eu e só eu".

O senhor pretende disputar a presidência do PSDB na convenção do partido marcada para dezembro?
Não. Faço questão de conduzir o processo com bastante isenção. Por isso, não devo ser candidato à presidência do PSDB. Defendo que seja um nome novo, alguém da nova geração e com mensagem mais fresca.

Quais nomes se encaixam nesse perfil?
São muitos nomes bons na Câmara, Senado e entre os prefeitos. Se eu falar de algum específico, isso acabaria ferindo ou esquecendo alguém. A quantidade de quadros novos que está surgindo no partido me entusiasmou a fazer esse movimento.

A ideia é que um “cabeça-preta” assuma o comando do PSDB e lidere o partido em 2018?
Um cabeça-preta de mentalidade. Não estou excluindo ninguém.

O que deve mudar no estatuto?
Encarreguei o deputado federal Carlos Sampaio (SP) de organizar um grupo para discutir o novo estatuto. Ele está começando a trabalhar nisso esta semana.

A atual direção executiva nacional do PSDB tem um perfil muito parlamentar. Deve ocorrer alguma mudança na configuração?
A gente sente que há muita distância dos prefeitos. Eles estão na ponta do partido e vivem o dia a dia. Defendo que haja uma participação dos prefeitos, talvez com mais de um na executiva. Deve ter também uma participação dos presidentes regionais.

Desde a fundação do PSDB, em 1988, nunca houve uma disputa de teses em convenção nacional. Ficou essa fama de partidos de caciques. Isso deve mudar?
A disputa é de ideias. Ao longo desse período (até dezembro) serão discutidas ideias e teses. Em paralelo, teremos o novo estatuto e programa do partido. Se não tiver um nome de consenso (para a presidência), então vai ter disputa. Tudo pode acontecer. Sempre tem a primeira vez.

Há vários grupos se aproximando do partido, como o MBL. Qual o objetivo disso?
Estamos abertos. Queremos receber a influência de todos esses movimentos que estão nascendo por aí, que são influenciados pelas redes sociais. Vamos conversar com todos. São muito importantes na formação de opinião pública. Temos que estar antenados com todos.

Avalia disputar o governo do Ceará?
Não pretendo mais voltar ao Executivo. Também defendo a renovação no Ceará. O ideal é um processo de renovação lá também.

Qual é a sua relação com o governador Camilo Santana, do PT?
A relação pessoal é ótima. Nossas posições políticas são diferentes, especialmente no plano nacional. Mas ele é uma pessoa bem intencionada.

Quer dizer que, no Ceará, o PSDB não vai fazer um discurso antipetista, como o do João Doria, em 2018?
Nem no Ceará nem no Brasil. Não é o nosso estilo. Existem no partido várias nuances e o João Doria representa uma delas. Mas na média do PSDB, o discurso que queremos levar para a convenção não é anti, é pró.

Então o PSDB não deve polarizar com o PT?
Essa política de nós contra eles é um desserviço para o Brasil. Além de dividir, traz violência, desrespeito e intolerância. É um péssimo sinal para democracia.

O grupo de tucanos que defendem a permanência do PSDB no governo federal deve tentar emplacar um nome na convenção de dezembro?
Essa discussão de ficar ou sair está vencida no partido. Agora é olhar pra frente.

Acredita que essa bandeira do parlamentarismo vai mobilizar a militância do PSDB?
Vou me empenhar para quem sim. Acredito no parlamentarismo há muitos anos. Essas crises políticas que têm afetado a vida do brasileiro desde a redemocratização têm provado que o presidencialismo de cooptação (termo usado em vídeo mea-culpa do partido criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) está falido, quebrou.

Os quatro ministros do PSDB no governo podem ser considerados da cota pessoal do presidente Michel Temer?
Não acredito em cota pessoal. As posições do PSDB no Congresso em relação às reformas e projetos importantes para o País não mudam um milímetro pelo fato de ter ou não ministro. A presença deles no ministério não tem influência na nossa posição política, nem na agenda de reconstrução do partido. A agenda do governo pode ser uma e a do partido outra. As agendas podem divergir.

A convenção vai marcar prévias para escolher o candidato à Presidência da República?
Se não chegarem a um consenso sobre o candidato, terá prévia.

O senhor esteve na quinta-feira (24) com o governador Geraldo Alckmin em Brasília. Qual foi a pauta?
Alckmin é uma das lideranças mais importantes do partido há muito tempo. Trocamos ideias sobre o futuro do partido.

O governador é hoje o nome mais bem posicionado para disputar o Palácio do Planalto em 2018?
Sim. Ele é o primeiro da fila.

E o João Doria?
Ele também é um quadro. Foi eleito prefeito no primeiro turno e está credenciado para disputar qualquer cargo neste País, mas dentro do partido o Alckmin está à frente.

O que precisa mudar no PSDB, um partido considerado de caciques?
É preciso fazer uma autocrítica. Em alguns setores estamos distantes do que a população quer da política. Temos que ir para a rua e ver onde temos que melhorar. A militância do PSDB está desencantada com a política. A política ainda é a base da democracia.

O senhor tentou entregar o cargo de presidente interino várias vezes, mas o Aécio não aceitou. Por quê?
Eu não queria assumir a presidência do PSDB. Assumi em uma emergência, como coisa temporária. Não fazia parte do meu plano de vida.

Mas o fato é que até dezembro o partido continua tendo dois presidentes, um alinhado com Temer e outra com posição mais independente...
O presidente de fato do PSDB sou eu, e só eu. Isso foi acertado graças ao desprendimento do Aécio.

 


Alberto Aggio: Entre dois polos, como reconstruir o centro?

Postulação centrista traria à cena política um ator indispensável para a estabilidade

O ano de 2018 chegou. A razão disso está no fato de que a polarização política sofreu um claro deslocamento. Depois do impeachment, tudo indicava que ela ficaria contida no encarniçado embate da oposição contra o governo, com a primeira vociferando contra a legitimidade do segundo. Os ecos dessa retórica tornaram-se, dia a dia, menos audíveis e as mobilizações, cada vez menores.

2018 chegou e a polarização deslocou-se para a dimensão político-eleitoral. A mudança é perceptível e com ela os dois polos em contraposição deixaram de ser o PT e o PSDB, substituídos por duas postulações à Presidência da República. Lula expressando uma esquerda de discurso sectário em pugna com a direita extremada de Jair Bolsonaro, que representa a mesma coisa em sentido inverso. Na imprevisibilidade reinante, ambos podem chegar inteiros ou acabados a 2018, e, ao invés do acirramento da polarização, paradoxalmente, o discurso dos polos pode se voltar contra postulações diferenciadas que venham a surgir.

Porém, este é um quadro incompleto. O centro político, combatido historicamente pelo PT e conspurcado nos seus governos, é ainda o grande ausente. Ao centro, a fragmentação é expressiva, o que leva a prever grande dificuldade eleitoral para esse campo, que poderá lançar um ou mais postulantes.

Não resta dúvida de que uma postulação ao centro, especialmente se for como expressão de um campo democrático, representaria a reintrodução na cena política de um ator indispensável à estabilidade, com vistas a projetarmos avanços civilizatórios dos quais o País se afastou injustificadamente. Por opção e convicção, Lula e Bolsonaro ocupam extremos opostos e revelam uma evidente ausência de cultura política democrática que possa fazê-los se aproximar produtivamente do centro político. Uma recomposição do centro teria, pelo menos, a virtude de gerar a expectativa de superação da política de facções que se instalou nos últimos anos, comprometendo nossa convivência política.

Tema complexo, é um equívoco imaginar que o centro seja algo fixo, incapaz de se ressignificar. Ele se tornou relevante política e analiticamente na avaliação das democracias europeias do pós-guerra. Os restos do fascismo, a presença da esquerda comunista e socialista e a emergência da guerra fria jogaram luz em correntes políticas que buscavam afastar o perigo de os extremismos alcançarem o poder. Desse lugar “defensivo” nasceram e se afirmaram as seguidas metamorfoses do centro político, que ainda marcam nosso tempo.

Nem sempre o centro foi ocupado por um partido hegemônico equidistante entre a direita e a esquerda, responsável pelo equilíbrio do sistema político. No Chile, por exemplo, o Partido Radical cumpriu esse papel, mas quando a Democracia Cristã (DC) assumiu seu lugar, no final da década de 1950, o centro político assumiu nova configuração, passando a ser um centro “excêntrico”, ou seja, mais um polo do sistema político, perdendo a função anterior de equilíbrio. Essa não foi a causa principal, mas foi determinante para que a democracia ruísse em 1973. Na Itália, as lições do Chile levaram o Partido Comunista Italiano e a DC a projetarem o famoso compromesso storico, que ressignificaria o centro político a partir da esquerda, mas essa estratégia fracassou.

A política brasileira desconhece um partido de centro como fator de equilíbrio. Antes de 1964, a exclusão do PCB dispensava essa função, facilitada também pela ausência de autodefinição de um ou vários partidos “de direita”. A nossa geografia político-partidária, cheia de claros e escuros, foi o inverso da chilena, o que não nos aliviou da ocorrência de golpes de Estado no correr do século 20. Aqui, o centro é ocupado de forma instrumental, produzindo inercialmente uma lógica centrípeta que conduz e reproduz o sistema.

Durante o período militar, afirmou-se a disjuntiva “situação” e “oposição”, simplificando o sistema e fatiando o centro entre os dois polos subalternizados. No interior dessa disjuntiva, lideranças do liberalismo e do comunismo, em “frente política” contra o regime, arquitetaram uma aliança da esquerda com o centro, abrindo-se a possibilidade entre nós de circulação da noção de “campo democrático”. Essa estratégia levou a transição à democracia a bom porto.

Apesar da reprodução da disjuntiva situação/oposição na nova situação democrática, a lógica centrípeta permaneceu vigente e se afirmou com a imposição do chamado “presidencialismo de coalizão”, que guiou o País nos últimos anos. Esse arranjo se sustentou fundado em consensos fáticos, como as reformas sociais inclusivas, uma competição eleitoral aceitável, mesmo com graves distorções na representação, e um controle fiscal legitimado.

A conexão desses três pontos se desfez nos governos Dilma. Em termos fiscais, o impacto da decomposição se mostrou insustentável. Foi isso que impulsionou o impeachment, com apoio efetivo de massas. Não corresponde à verdade, portanto, a lenda de que o impeachment ocorreu para resguardar os parlamentares do PMDB do alcance da Operação Lava Jato. Essa é uma interpretação tão simplista quanto ideológica.

O pós-impeachment ensejava o retorno da política e uma reconfiguração do centro. Contudo, o PMDB, carro-chefe do “Centrão”, que se sustentou nos governos petistas e hoje sustenta Temer, perdeu a grande oportunidade de levar adiante projetos de reforma que poderiam criar uma nova base programática para futuros consensos.

Não é equivocada a avaliação de que, do ponto de vista democrático, o centro político foi perdido e não será fácil recuperá-lo. Repor a convivência política como terreno comum e postular uma reforma do Estado, com vistas ao bem-estar efetivo da população, podem se constituir em pontos de partida para uma nova combinação entre “reforma social” e democracia política, a ensejar um novo “arranjo centrista” entre nós.