PSDB
Fernando Henrique Cardoso: Coragem e decência
É hora de o PSDB mostrar como vê o futuro e colaborar para uma sociedade melhor
Quando eu era criança havia um ditado que insistia em que “ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. Eram tempos do Jeca Tatu, figura mítica que habitava os campos brasileiros. Ainda devem existir jecas-tatus por este mundão afora, mas sua imagem esmaeceu no imaginário brasileiro. Havia o drama dos pés descalços; mesmo no Rio, onde passei a meninice e não havia muita gente descalça, muitos usavam tamancos. O bicho-do-pé era uma preocupação dos que iam às fazendas. Depois veio a leva das “havaianas” e se tornou raro ver gente sem sapato. As saúvas devem continuar existindo...
Mais recentemente, antecedendo a Constituição de 1988 e mesmo depois dela, durante meu governo, as “marchas dos sem-terra” tornaram realidade política a carência de reformas no campo. Bem ou mal fomos distribuindo terras. Somando o que foi feito em meu governo ao que fez o primeiro governo petista, houve, sem alarde, uma “reforma agrária”, se considerarmos a redistribuição de terras. Ao lado disso, houve uma revolução agrícola, com ciência e tecnologia da Embrapa por trás, financiamento mais adequado e audácia empresarial.
Não havia SUS até que os governos pós-Constituição de 1988 o puseram em marcha. Adib Jatene, Cesar Albuquerque, José Serra e Barjas Negri são, dentre outros, nomes a serem lembrados nessa construção. Sem esquecer que foi o grupo dos “sanitaristas” da Constituinte, composto por médicos, geralmente de esquerda, que introduziu a noção de seguridade e inventou a colaboração público-privada no SUS.
É boa a prestação de serviços pelo SUS? Depende. Mas ele existe e atende, em tese, os 205 milhões de brasileiros.
Dou esses exemplos que mostram a capacidade que tivemos para enfrentar, mesmo que parcialmente, certos problemas que afligem o povo. Isso nos deve dar ânimo para continuar a acreditar no País.
Duas questões nos desafiam especialmente na atual conjuntura: o desemprego e a desconfiança nos governos. De permeio, o crime organizado e o ódio entre facções políticas, além da corrupção dos que usam colarinho branco. Acrescente-se que desta vez a “crise” dos governos (financeira e moral) foi criada internamente. Não há como jogá-la no colo do FMI ou dos “estrangeiros”. É tão nossa quanto a saúva ou o bicho-de-pé. Políticas equivocadas da dupla Lula-Dilma levaram a que depois do boom viesse a borrasca: os governos (não só o federal) estão exauridos, o PIB despencou mais de 8% entre 2015 e 2016, a desigualdade voltou a aumentar e o desemprego passou de 4% a 14% no mesmo período. Embora não faltassem razões jurídicas, foi o descontrole da economia que, no fundo, causou o impeachment, pois atingiu e irritou o povo e levou o Congresso a agir.
Foi para sair do impasse que o governo Temer obteve apoios: para retomar o crescimento da economia (tendo o projeto Ponte para o Futuro como roteiro). A despeito de tudo, até da crise moral, o governo vai atravessando o despenhadeiro. Retomou as condições para transformar de retórica em prática viável a exploração do pré-sal, com a reconstituição financeira e moral da Petrobrás. Está estabelecendo um plano adequado para as empresas energéticas, deu ímpeto à reforma educativa e assim por diante, sem se esquecer dos esforços para conter os gastos nos limites do Orçamento e das possibilidades de endividamento do Estado.
Não há razão para um partido como o PSDB repudiar o apoio que deu ao governo de transição, muito menos para, dentro ou fora do governo, deixar de votar a agenda reformista, que é a do próprio partido. No caso da Previdência, principalmente, as únicas questões cabíveis são: tal ou qual medida aumenta ou diminui os privilégios e, consequentemente, a desigualdade social no País? Nada justifica manter vantagens corporativas nem privilégios. O mesmo vale para uma futura reforma tributária ou para medidas fiscais, que podem doer no bolso de alguns, como é o caso do fim do diferimento de Imposto de Renda nos “fundos fechados”, mas que são justas e necessárias.
Ou nos convencemos de que por trás do desemprego, do ódio político e da violência criminosa está um grau inaceitável de desigualdade, agravado pela crise que nos levou à falta de horizonte, e lutamos contra esta situação, ou pouco caminharemos no futuro. Sem confiança no País, a começar em nós próprios, não há investimento nem crescimento que se sustentem. Essa é, portanto, uma questão coletiva, afeta ao País como um todo, e precisa ser tratada como um desafio para o Estado e para a Nação.
A questão central de um partido que nasceu como o PSDB, para se diferenciar da geleia geral que se formou na Constituinte, é a de se distinguir pela afirmação, não pela negação. Não será em função de posições que ocupa ou deixa de ocupar nos governos que se afirmará, mas das bandeiras que simboliza e das políticas que apoia para o Brasil. A hora é de coragem para mostrar como o partido vê o futuro e como colabora para formar uma sociedade melhor (apoiando medidas igualadoras e votando a favor das reformas). Não se trata de questão eleitoral, mas de compromisso com o povo e com o Brasil. A história de um partido não se escreve apenas com manifestos e programas, mas com gestos e com pessoas que simbolizem a mensagem que se quer transmitir. Se o preço para ganhar eleições for o de desfigurar as crenças - no que não creio -, melhor ficar com estas e semear para o futuro.
É em nome de sua identidade que o PSDB poderá desligar-se do governo que ajudou a formar, mas sem abdicar de suas propostas. É legítimo que um partido escolha dentre seus quadros quem, circunstancialmente, é mais adequado para ser seu candidato à Presidência e lute para alcançá-la. Sem “hegemonismos”, pois num país diverso como o Brasil todo partido precisa de aliados com quem compartilhar o poder e as crenças, o que não subentende a submissão cega nem a desmoralização das instituições republicanas.
* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República
Eliane Cantanhêde: Ou vai ou racha
Alckmin se consolida e atrai governo e PMDB. Mas isso custa caro...
A semana consolidou o protagonismo de Geraldo Alckmin no PSDB e na eleição presidencial, irradiando articulações com outros partidos, particularmente o PMDB, e para governos estaduais, particularmente o de São Paulo. João Doria, por exemplo, acionou seu plano B: a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.
Depois de deslizar ladeira abaixo na disputa com o padrinho Alckmin pela vaga de presidenciável tucano, Doria vem aí para sua sucessão. Aliás, os dois vão juntos a Brasília, no mesmo avião, para a convenção tucana que elegerá Alckmin presidente do PSDB e, provavelmente, o indicará candidato ao Planalto.
A costura, no entanto, desagrada a setores do PSDB, depende fortemente do PMDB e será uma nova pedreira para Alckmin e Doria, agora unidos para sempre, até que a morte – ou turbulências na campanha – os separe. Vai que Alckmin se consolide politicamente, mas não se viabilize eleitoralmente? Doria estará a postos.
Um fator decisivo na equação (talvez no resultado) do PSDB é o Planalto. Mesmo recém-operado, o presidente Michel Temer viaja pelo País, comemora os índices positivos na economia que pingam mês a mês e está metido até a alma na aprovação de alguma reforma da Previdência. Tudo isso com dois objetivos: participar ativamente da sua sucessão e não passar vexame nos livros de História.
Temer candidato a um segundo mandato? Praticamente impossível. Henrique Meirelles unindo governo e base aliada em torno do seu sonho pessoal? Improvável. Sobra a opção de emprestar os êxitos e os instrumentos de Temer para outro candidato – e contra os demais.
O PMDB, maior e mais ramificado partido do País, era uma federação de partidos e se transformou em federação de problemas e incógnitas. Uma parte (Renan Calheiros) vai com o PT, outra (Eliseu Padilha) com o PSDB e em direção a Alckmin. Os interesses, disputas e picuinhas estaduais vão definir o resto.
O presidente do partido, senador Romero Jucá, xingado ontem em um voo, tem uma habilidade política inquestionável. O que dizer do líder dos governos FHC, Lula e Dilma e Temer? Poderia ir para um lado ou para outro, mas está com o PSDB e, quando defende “um projeto único para o País”, tenta dar uma ordem unida a favor do PSDB – ou de Alckmin.
Isso não sai de graça, como nada no PMDB e na própria política sai de graça. Jogar a máquina do governo e o peso do partido significa negociar a garantia de votos tucanos para a reforma da Previdência, o uso dos palanques para defender o governo Temer e o apoio a candidatos do PMDB nos Estados.
O pacote PMDB-PSDB caminha para Doria ao governo paulista, rifando o peemedebista Paulo Skaf e provocando o tucano José Serra com vara curta. Mas há pragmatismo aí: se alguém comanda a política paulista é Alckmin...
A oposição não está parada. Jair Bolsonaro é o oposto de Alckmin: ele se viabiliza eleitoralmente, mas não demonstra força política e partidária. A fórmula deu certo (em termos de votos) com Fernando Collor. A ruptura de 2018 se assemelha à de 1989? Andamos para trás?
Nas esquerdas, há a tentativa de unificar o discurso, mas cada qual com seu candidato. Logo, “unificar o discurso” significa meter o pau no governo Temer. Neste fim de semana, Guilherme Boulos experimenta saltar de líder do MTST a candidato do PSOL, enquanto o PCdoB inova ao lançar uma candidatura própria, a da deputada gaúcha Manuela D’Ávila.
A Rede continua à espera de Marina Silva anunciar se vai disputar ou não pela terceira vez. E o PT? Vai se segurando com o que tem à mão, que é Lula, o campeão das pesquisas e dos processos. E se não for ele? Fernando Haddad está de prontidão, mas a eleição com Lula é uma e, sem ele, outra bem diferente.
Marco Aurélio Nogueira: A unidade difícil e os dilemas do PSDB
Unidade política é sempre algo dinâmico, que depende de gestos permanentes de aproximação e entendimento. Pisa-se em ovos. Quando se dá um passo, no momento seguinte tudo parece desmoronar e é preciso dar novos passos ou até mesmo começar do zero. Em partidos políticos, o tema é crucial.
Partidos políticos são organizações que necessitam de unidade, sem a qual respiram com dificuldade. Podem consegui-la de modo burocrático, com a imposição de diretrizes da cúpula sobre as bases e a institucionalização do silêncio interno. E podem consegui-la de modo democrático, mediante o aprofundamento de discussões e a busca coletiva por pontos de convergência, que vão sendo assimilados pelas direções até um ponto em que viram pensamento comum, diretrizes.
Quando são substantivas, divergências não se suprimem por decreto nem por conclamações unitaristas. Chegam mesmo a ser produtivas, na medida em que forçam a que a discussão avance e as posições se esclareçam. Quando são pontuais, precisam ser processadas à base de muitas interações, concessões e boa vontade das partes. E quando refletem tão-somente a busca por poder, espaço e controle tendem a ser desagregadoras e a requerer esforços que muitas vezes não são suficientes para dar conta do recado, levando a mais tensão e desagregação.
O grande problema é que quase sempre essas divergências se misturam. A dimensão substantiva se confunde com a pontual e ambas são requalificadas pela luta por poder. Fica difícil separar uma da outra, que se retroalimentam. Nesse ponto, a crise interna se agudiza e ameaça fazer sangrar o organismo todo.
Dias após ensaiar a suspensão de uma luta interna que lhe ameaçava corroer as entranhas e paralisá-lo, o PSDB vê em uma nova zona de litígio, dessa vez em torno do programa partidário. Nada mais, nada menos. Se a convergência entre os principais interessados em comandar a legenda sugeria a abertura de uma fase proativa e a recuperação do tempo perdido, tudo se desfez com rapidez. O cenário voltou a ficar turbulento a indicar que as coisas não serão fáceis para os tucanos, sobretudo se for do interesse deles voltar ao primeiríssimo plano da política nacional.
Diante de um texto provisório (“Gente em Primeiro Lugar: o Brasil que queremos”) apresentado pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV) , braço de formulação política da legenda, como ponto de partida para a definitiva elaboração programática do partido, as reações foram tão intensas e furibundas que a casa tremeu de cima a baixo. Tucanos de alta plumagem, alguns quadros históricos e intelectuais de envergadura disseram ter sabido do documento pelos jornais. Não teriam sido consultados nem convidados para agregar sugestões. A acusação principal é que o texto empurra o partido para trás, amontoando “platitudes” que em nada ajudam e não definem o que deveria ser uma posição mais aguerrida e arejada, mantendo o PSDB em cima do muro e agarrado a uma agenda ultrapassada. Os defensores do texto retrucaram afirmando que se trata justamente de um material preliminar, para ser discutido, esmiuçado e digerido.
O centro da divergência é duplo. Os críticos, por um lado, alegam que o partido não estaria deixando clara sua posição sobre reformas destinadas a produzir racionalidade e maior equilíbrio fiscal, como a da previdência. Por outro, não deixaria clara sua postura diante do complicadíssimo tema do Estado, se mais liberal ou mais “desenvolvimentista”. O documento permaneceria numa zona cinzenta em que o Estado necessário surge não como “mínimo” ou máximo, mas como “musculoso”, metáfora que de fato pouco diz. Assim como o slogan recuperado pelo texto, o do “choque de capitalismo”.
Diante da celeuma, a constatação a que é que o PSDB encontra-se numa encruzilhada dilemática.
Numa das pistas, perfila-se a reiteração da tradição socialdemocrática, agarrada à ideia de um Estado regulador ainda que não dilatado, bem como a políticas pró-social não necessariamente refratárias ao mercado mas atentas ao quadro de pobreza e desigualdade. Por aqui trafega também uma atenção dedicada à competição eleitoral de 2018, com a busca de certa distância em relação ao ritmo do governo Temer e a seus efeitos no eleitorado.
Na outra pista, afirmam-se a ênfase no livre-mercado, uma redução firme do papel do Estado, maior ousadia em privatizações e uma preocupação em colar o partido aos novos termos da economia e da sociedade líquida moderna. Trafegam aqui os que defendem uma refundação vigorosa do partido, que o obrigue a “descer do muro” e a rever o próprio modo de ser socialdemocrático.
Não são pistas que se excluam, até porque estão interligadas por um mesmo respeito ao liberalismo político e à democracia. Mas, se tiverem de ser compostas em uma unidade partidária efetiva, muito trabalho terá de ser despendido, com concessões mútuas e uma idêntica disposição de fazer com que o PSDB se reponha na vida nacional. Sem isso, será difícil.
Tibério Canuto: Alckmin e a fortuna
A fortuna volta a sorrir para Alckmin. No PSDB costuma-se dizer que ele nasceu com aquilo virado para a lua. De fato, tem sido um político bafejado pela sorte. Eleito vice de Mário Covas em 1994, a sorte sorriu para ele pela primeira vez na eleição municipal de 2000. Até então um político desconhecido do grande público, Alckmin quase chega ao segundo turno. Não se elegeu prefeito de São Paulo, mas saiu da refrega com um cacife eleitoral e herdeiro natural do legado de Covas.
A morte de Mário Covas em pleno exercício de mandato fez com que Geraldo Alckmin fosse bafejado pela fortuna pela segunda vez. Não que desejasse a perda de Covas. Mas ela encurtou a sua maturação como principal político do Estado, ao completar o mandato do ex-governador. Esses dois anos de mandato lhe deram musculatura para se reeleger governador e buscar voos mais alto.
Abatido em pleno voo na disputa presidencial de 2006 - teve menos votos no segundo turno do que no primeiro – parecia que seu futuro se resumiria a cargos de menor relevância. No máximo uma senadoria. Em 2008 sofreu nova derrota na disputa para prefeito de São Paulo, amargando um humilhante terceiro lugar.
Não faltou quem diagnosticasse o fim de sua carreira, ou a ter um papel irrelevante na política. Humildemente, Alckmin esperou a sorte lhe sorrir novamente, aceitando ser secretário do governo Serra.
Jogando parado, viu a candidatura a governador do Estado cair no seu colo em 2010, em nome da pacificação do tucanato paulista. Sua candidatura era interesse de Serra para ter a sua retaguarda unida e partir para a disputa presidencial.
As sinas dos dois políticos são distintas. Serra é bafejado pela virtude, mas pouco pela fortuna. Já com Alckmin é ao contrário. Não é um formulador ou grande estrategista. Mas sabe, como poucos, jogar parado.
Parado, assistiu seus principais concorrentes internos serem abatidos. Aécio torrou seu capital de 51 milhões de votos e disputa com Temer e Cunha o título de político com maior grau de rejeição. Seu enrosco com a JBS o fez carta fora do baralho. Se ainda movimenta peças nos labirintos do tucanato, é uma estrela decadente, condenada a ter peso irrelevante no futuro. Já Serra soube recuar para o fundo do palco pouco antes da delação da Odebrecht.
Alckmin virou candidato do PSDB quase que por W.O. Só não é porque Arthur Virgílio resiste em retirar sua candidatura, ao menos por enquanto.
Mas que fortuna há em ser candidato de um PSDB dividido, sem projeto e agastado com seus eleitores que se sentem traídos em função de sua pusilanimidade nos desvios éticos de Aécio e outras lideranças?
Aparentemente, a sorte lhe fugiu. Começou a se firmar a percepção de ser um candidato sem pujança para vencer a disputa presidencial e portanto, de se firmar como alternativa à polarização Lula-Bolsonaro. Sem oferecer expectativa de poder, corria sérios riscos de ser cristianizado pelo seu próprio partido, ou por parte de seus parlamentares, que como os de todos os partidos, pensam, antes de tudo, na sua sobrevivência eleitoral.
Mas eis que hoje a fortuna aplainou o seu caminho por duas vezes. Huck desistiu de ser candidato. Sai de campo um concorrente que poderia desidratar a candidatura Alckmin e ser a alternativa para o eleitorado do centro democrático.
No front interno, Alckmin conseguiu pacificar as alas beligerantes do tucanato e vai ser sacramentado, por unanimidade, presidente do PSDB. Pode parecer pouco, mas sem esse passo, esquece candidatura. Como disse lá em cima, ninguém ganha uma guerra se suas tropas estão divididas.
Como não basta apenas ter sorte. Geraldo Alckmin terá de demonstrar que tem o dom da virtude, se quiser ser vencedor na sucessão presidencial. Virtude, no caso, é apresentar um projeto para o país e ser capaz de fazer um movimento duplo.
O primeiro movimento voltado para sua aproximação com a parcela do eleitorado sensível ao discurso da renovação política e que viram em Huck essa virtude e a possibilidade de se livrar da polarização Lula- Bolsonaro. A indagação a ser feita é se Geraldo tem condições de empolgar o eleitorado de centro-esquerda. Seria ele capaz de promover a inclinação à esquerda do centro democrático? Acho difícil.
Geraldo é o centro do centro. Tem que acenar para seu lado esquerdo, mas também para o centro-direita. A possibilidade de vitória está na razão direta da sua capacidade de trazer para o seu arco de alianças os partidos que orbitam em torno de Temer. Como ser um candidato não governista, mas ao mesmo tempo não ser o candidato contra o governo? Em outras palavras, como querer o apoio dos partidos governistas sem defender o governo?
É nesse labirinto de contradições que Alckmin terá de se movimentar para ser o candidato do campo reformista. Vai precisar bem mais do que a fortuna para se eleger presidente.
Merval Pereira: Fora do prumo
O PSDB decididamente perdeu o rumo. No mesmo momento político em que decide dar ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a presidência do partido com o objetivo de tentar uni-lo em torno de sua candidatura à Presidência da República no ano que vem, toma duas atitudes completamente divisionistas: a bancada na Câmara decidiu impor condições para aprovar a reforma da Previdência, defendendo privilégios para servidores públicos; e divulga um documento pelo Instituto Teotônio Vilella com pretensas diretrizes para o programa partidário que não foi colocado em discussão.
Tudo indica que o partido acredita mesmo que a eleição de 2018 tem semelhanças com a de 1989, tanto que retornou no tempo para defender nesse documento supostamente partidário um “choque de capitalismo”, coisa que o então candidato do PSDB Mario Covas pediu em 1989.
Como o partido é reconhecido como o que tem dos melhores quadros de economistas, responsáveis pelo Plano Real, é espantoso que nenhum deles — Pedro Malan, Edmar Bacha, Elena Landau — tenha sido pelo menos consultado sobre esse texto divulgado. Não é à toa que Gustavo Franco decidiu deixar o PSDB para aderir ao Partido Novo, e André Lara Resende, Pérsio Arida e Armínio Fraga estejam afastados do partido, assessorando novos potenciais candidatos.
E é igualmente inexplicável que se lance um projeto de programa para as eleições de 2018 quando o partido está em fase de transição na sua direção nacional. Fora que a defesa de um “Estado musculoso”, em contraposição ao “Estado mínimo” ou “Estado forte” é um achado linguístico desastroso, que pode encobrir novas incoerências na questão das privatizações que já foi uma pedra no caminho da candidatura presidencial de Alckmin em 2006.
Do mesmo modo, a defesa de pontos programáticos históricos como a reforma da Previdência esbarra em interesses corporativos e populistas de parte da bancada de deputados, que pede mais concessões ao governo em sua proposta. O documento da bancada exige benefício integral na aposentadoria por invalidez, independentemente do lugar onde o problema ocorreu; permissão para acumular benefícios (pensão e aposentadoria) até o teto do INSS, hoje em R$ 5.531 e acima do que o governo propõe; e uma regra de transição especial para que os servidores que ingressaram no sistema até 2003 possam ter integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) sem ter que cumprir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).
Quer dizer, o PSDB, que iniciou a reforma da Previdência como projeto de Estado, está sendo mais corporativista que o governo do PMDB. O partido já havia explicitado sua incoerência na campanha presidencial de 2014, quando votou pelo fim do fator previdenciário, mecanismo engenhoso aprovado pelo governo do PSDB para compensar a impossibilidade de aprovar a idade mínima para aposentadoria, derrotada na Câmara pela falta de um voto, justamente a do tucano Antonio Kandir, que alegadamente se equivocou na hora de votar apertando a tecla errada.
Para completar as trapalhadas, fala-se agora em acabar com as prévias, frustrando a pretensão do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, de disputar a indicação. Claro que é uma atitude voluntarista de Arthur Virgílio, já que a maioria do partido já se decidiu pela candidatura Alckmin. Mas, pelo menos enquanto tentam convencê-lo a desistir, não deveriam aventar a hipótese de não haver prévias. Foi o próprio Geraldo Alckmin quem disse que, se houvesse mais de um candidato à Presidência da República entre os tucanos, a prévia partidária era a melhor saída.
José Aníbal: Ainda mais próximo do pulsar das ruas
Os desafios que a boa política se propõe a resolver demandam diálogo, determinação e desprendimento. Boas intenções, por melhores que sejam, são insuficientes para a árdua tarefa de convencimento dos cidadãos, superação de resistências, construção de alianças e representatividade que um projeto nacional demanda.
Por outro lado, tampouco basta aglutinar forças heterogêneas se não houver mínimas convergências e, principalmente, se não houver o propósito de melhorar o bem-estar social e de dar prioridade ao interesse coletivo.
A história recente do Brasil está repleta de exemplos nesse sentido, em que se acreditou na ilusão do “fiat lux” e se frustraram todos, principalmente os mais pobres e vulneráveis, à espera da luz que não se fez. O país já perdeu tempo e energia demais com proselitismo, demagogia e populismo.
Felizmente, o PSDB apruma sua direção em torno de um consenso capaz de apresentar ao país uma alternativa robusta, confiável e consistente. Sem fazer uso do frágil discurso de que está tudo errado e é preciso mudar tudo que está aí, o partido aglutina forças e se revigora com a construção de uma direção unida, coesa e fortalecida.
Ao mesmo tempo, reconhece que é dessa forma que se pode sentir melhor o pulsar das ruas, abrir-se ao diálogo com a sociedade e canalizar em torno de um debate amplo e democrático o anseio geral por um país melhor.
É com esse espírito que o Instituto Teotônio Vilela apresentou, nesta semana, suas propostas de atualização das diretrizes do PSDB. Não se trata de um documento definitivo e pronto; ao contrário, é um texto que procura dar início ao debate e envolver tanto os diversos setores e segmentos tucanos – PSDB Mulher, Tucanafro, Diversidade Tucana, PSDB Sindical e Juventude do PSDB – como movimentos sociais organizados, grupos de ação cívica e os indivíduos que, como nós, se preocupam e querem participar de um projeto de Brasil não para as próximas eleições, mas para os próximos anos e décadas.
Esse documento, Gente em Primeiro Lugar: o Brasil que Queremos, foi elaborado exatamente com esse espírito: colocar os cidadãos como prioridade, encaminhar propostas para que o Estado seja não mínimo ou máximo, e sim mais eficiente e eficaz, capaz de promover políticas públicas de bem-estar social adequadas e estimular a inovação, o crescimento econômico e o respeito à livre iniciativa dos indivíduos.
Da mesma forma, são propostas abertas a novas contribuições, de modo a se tornar um conjunto ainda mais representativo do que o povo brasileiro deseja e espera da ação política de um partido com a trajetória e a relevância histórica do PSDB.
Por isso, convido todos a participarem desse processo inédito, por meio do qual o ITV cumpre seu papel essencial de formulação política e diálogo com a sociedade. Colocaremos a tecnologia e os recursos das redes sociais a serviço da maior capilaridade possível para essa iniciativa, para que o PSDB complete 30 anos em 2018 ainda mais próximo do pulsar das ruas, tendo como fundamentos o diálogo, a determinação e o desprendimento necessários para apresentar a melhor alternativa para o futuro do Brasil.
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
Luiz Carlos Azedo: O choque de Alckmin
A deliberada distância do tucano em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para outro projeto de centro
Ao mesmo tempo que o PSDB lança um documento no qual propõe uma espécie de novo “choque de capitalismo”, para citar a expressão usada pelo falecido governador Mario Covas na campanha eleitoral de 1989, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ontem, deixou muito claro que defende a saída imediata do PSDB do governo Temer. Se fosse feita há uma semana, a declaração seria parte do tiroteio tucano; agora, não. Candidato único a presidente da legenda, com as desistências do governador de Goiás, Marconi Perilo, e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), soa como uma espécie de aviso aos navegantes do rumo que tomará campanha eleitoral, mantendo distância regulamentar do presidente Michel Temer nas eleições de 2018.
Na campanha eleitoral de 1989, as teses de Covas causaram perplexidade no campo da centro-esquerda, que foi às urnas profundamente dividida, com seus principais partidos buscando a própria identidade. Numa eleição com 22 candidatos, Leonel Brizola (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PTB), Roberto Freire (PCB) e até mesmo Ulysses Guimarães (PMDB) ironizaram as posições de Covas, que acabaram abduzidas por Collor de Mello (PRN), com um discurso forte de abertura da economia, reformas liberais e combate às mordomias da alta burocracia e dos políticos. A radicalização política levou Lula e Collor ao segundo turno, dois candidatos que poderiam ser chamados de outsiders. Ao contrário do que se imaginava, as teses de Covas eram até modestas diante das demandas da sociedade.
De certa forma, o documento do PSDB, intitulado “O Brasil que queremos”, faz um contraponto ao programa “Ponte para o futuro”, lançado pelo PMDB às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff e que serve de norte político para as reformas iniciadas pelo presidente Temer. A cúpula tucana defende que o Estado brasileiro deixe de ser “vetor de distribuição de privilégios e concentração de renda nas mãos de ricos e poderosos”. E propõe o fim do “capitalismo de compadrio”, com critérios e metas para concessão de subsídios, renúncias fiscais e benefícios tributários, além do acompanhamento periódico do orçamento público. “Em particular, o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”. É um contraponto às práticas do PMDB e de outros aliados no governo.
O PSDB argumenta que o crescimento econômico é condição necessária para a redução das desigualdades e a geração de riqueza e renda — “Sem crescimento, os demais objetivos sociais e políticos ficam inviabilizados” —, mas fica no meio do caminho quanto à questão da redução do tamanho do Estado: “Nem máximo, nem mínimo, pois esse é um falso dilema, o Estado eficiente, musculoso, deve também recuperar sua capacidade de regulação, garantindo melhores serviços aos usuários e a necessária segurança jurídica para a realização dos negócios”. Coordenado pelo presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal, o texto afirma que o capitalismo é o sistema que “gera melhores condições” para a conquista de qualidade de vida, porém, manéêm o viés social-democrata ao fazer a ressalva de que o livre mercado, por si só, “não é capaz de assegurar distribuição mais equânime das riquezas produzidas e, assim, superar as desigualdades e a pobreza”.
Empecilho
No ninho tucano, Perilo e Tasso desistiram do comando do PMDB para viabilizar a candidatura de Alckmin, pondo um fim à disputa interna pelo controle da legenda, o que é um desfecho lógico diante da relação de forças internas. Ontem, ao inaugurar quatro novos andares do Hospital de Criança de Ribeirão Preto, Alckmin ensaiou o discurso para as eleições de 2018: “Nós precisamos tirar esse Estado pesado, ineficiente, das costas dos trabalhadores e dos empreendedores brasileiros. Não cabe no PIB o tamanho desse Estado que hoje acaba sendo um empecilho ao crescimento do país. De outro lado, um Estado que funcione, que seja eficiente, que tenha boas políticas públicas, que atenda aqueles que mais necessitem e que promova o desenvolvimento regional”, disse.
Aparentemente, apostará numa política econômica mais austera e liberal para consolidar sua candidatura, que vem sendo bem-sucedida internamente, porém, do ponto de vista eleitoral, não se revelou robusta o suficiente para se impor às demais forças do chamado campo democrático. A deliberada distância em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para o grupo palaciano articular outro projeto, no qual a centralidade seja do PMDB e não dos tucanos.
Marco Aurélio Nogueira: Huck, Alckmin e a política
Com o artigo de Huck e o acordo que põe Alckmin na presidência do PSDB, a política poderá entrar em outra etapa
O Estado de S. Paulo - 27 Novembro 2017 | 18h57
Dia movimentado na política nacional.
Começou com o artigo em que Luciano Huck deixa claro que não será candidato a Presidente, embora pretenda manter uma agenda cívica e política. Muita gente criticou, em nome do que seria uma falsidade do apresentador, areia usada para encobrir alguns maus passos que ele teria dado ao longo de sua trajetória recente. As suas seriam palavras lançadas ao vento, prontas para serem consumidas por quem quer que seja. As redes sociais foram invadidas por vozes indignadas, algumas intolerantes e outras simplesmente contrárias ao que poderia estar associado ao projeto Huck.
No artigo em questão, ele deixou algumas pontas soltas e manteve um certo suspense sobre os rumos que tomará. Houve mesmo quem viu no texto uma manobra “sebastianista”, na linha “se é para o bem de todos e interesse geral da Nação, digo ao povo que volto”. Parte do jogo. O texto, muito bem redigido, contém também uma mensagem interessante, especialmente por estar sendo emitida por uma celebridade como Huck. É que o artigo faz a devida valorização da política e da atividade política, podendo assim auxiliar a que se reduza o preconceito que parte da sociedade tem em relação a isso. Ajuda muito, portanto, mostrando que há muitos espaços a serem explorados para que se criem verdadeiras pontes democráticas na sociedade, que interliguem “velhos” e “novos”, política tradicional e momentos cívicos.
Fico imaginando o efeito que teria a seguinte passagem do artigo caso fosse levada para o “Caldeirão do Huck”, e repetida ao vivo e a cores: “não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter, despreparada e incapaz de entender o conceito básico da interdependência ou de pensar no coletivo. A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar o próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido”.
Depois do artigo, abre-se um outro momento, mais rico e promissor, na política brasileira. Claro, sempre a se ver. Embora a candidatura de Huck não esteja mais posta na mesa, o futuro a Deus pertence e o “centro democrático” ainda não encorpou. Os mares que atazanavam o pobre Ulysses usado por Huck como imagem continuam a atazanar nós outros seres viventes.
O mesmo deve ser dito do anúncio do acordo que praticamente celebrou a ida do governador Geraldo Alckmin para a presidência do PSDB. O partido vivia em um estado de turbulência interna jamais visto em sua história. Os tucanos sempre se bicaram uns aos outros, especialmente seus caciques. Perderam muitas oportunidades por causa disso. Na fase atual, corriam o risco de perder até mesmo o protagonismo político e a força eleitoral em 2018. As luzes amarelas piscaram forte e devem ter ajudado a que um acordo fosse alcançado. Se o armistício for levado a sério, todos ganharão com ele. Até os que não são tucanos, pois a democracia ganha quando os partidos principais se revigoram. É de se esperar que algo assim ocorra no PSDB.
Com o equacionamento da questão da presidência e a suspensão dos atritos internos mais visíveis, o PSDB poderá se dedicar a dois outros movimentos igualmente estratégicos. Um, será o de formular uma plataforma consistente em termos doutrinários, anexando a ela uma agenda nacional com sensibilidade social, que pelo menos honre a tradição socialdemocrática que o partido carrega no nome. Tal passo poderá começar a ser dado já na Convenção Nacional marcada para o início de dezembro. Seria uma espécie de cartão de visitas de Alckmin.
O segundo movimento é ainda mais importante. Vai para fora, para além das fronteiras tucanas. Seria o de se projetar como artífice de uma articulação democrática que traga a marca da renovação política e também esteja impregnada de sensibilidade social. Afinal, nada está decidido nesse campo e muita poeira ainda nele terá lugar.
Se o PSDB se dedicar a caminhar nessa direção, poderemos estar ingressando em outra etapa, na qual todos os cálculos terão de ser refeitos.
Olhos atentos, portanto, para o que farão os tucanos a partir de agora.
Marco Aurélio Nogueira: Polarizações suicidas
PSDB em crise, PT recolhido, PMDB às voltas com as dificuldades de Temer, partidos em geral excitados com a aproximação de 2018. Todos fazem cálculos, tendo em mente a conquista dos eleitores. O troca-troca de legendas combina-se com a abertura da temporada de caça aos “melhores nomes”, a busca da posição ideal para apoiar esse ou aquele candidato, a preocupação com os desdobramentos do “efeito Temer” e das escolhas governamentais.
A fragmentação agradece, penhorada.
O estoque de artefatos polarizadores é grande: avanço ou retrocesso, reforma ou conservação, progresso ou reação, populismo ou responsabilidade, desenvolvimentismo ou neoliberalismo. Não faltam, evidentemente, os conhecidos esquerda x direita e PT x PSDB, ora em versões repaginadas ora no formato anquilosado de sempre.
A pergunta que ninguém faz é: a quem interessa a reposição dessas polarizações? Qual delas pode expressar os dilemas atuais do país e organizar os interesses fundamentais dos cidadãos?
O ponto comum das construções polarizadoras é a recusa ao diálogo, a reiteração de divisões improdutivas, a falta de uma articulação política que ofereça uma perspectiva de futuro para os brasileiros e modernize o país. Para dar vida a isso, criam-se campos ideológicos antípodas, soltos no ar, alimentados por frases de efeito modeladas sob encomenda e sem pé na realidade. Parte-se de uma visão de que a sociedade é mais dividida do que se vê, e com isso criam-se divisões por sobre divisões, agravando ainda mais o quadro.
Polarizações não devem ser temidas. São intrínsecas ao jogo político e ganham peso quanto mais a situação social é complexa, quanto mais a agenda nacional se mostra difícil e desafiadora, quanto mais o poder se mostra disponível.
Se não há consenso sobre quase nada, por que na política os polos não cresceriam? Se os próprios partidos não conseguem preservar seu molejo democrático e sua capacidade de alcançar uma autêntica “unidade dos distintos”, que autoridade teriam para condenar as polarizações?
O problema surge quando as polarizações fogem do controle e se artificializam, traduzindo-se em tensões insuperáveis, rupturas e intolerância. Podem assim se tornar crônicas, levando ao infinito a dialética amigo-inimigo e corroendo as bases mesmas de um consenso mínimo. Com isso, o que poderia haver de virtude nas polarizações se traduz por inteiro em seu contrário. Todos perdem. O caldeirão das crises políticas esquenta.
Com mais polarizações, aumenta a tentação de enquadrar tudo em esquemas binários tipo esquerda x direita. Com isso, pela própria dinâmica da luta ideológica radicalizada, deixa-se de lado o diagnóstico em benefício da agressividade verbal, do ardor retórico, do exagero performático. Para que tenha efeito, tudo é simplificado ao extremo, vira coisa plana, rasteira.
Vai-se assim num crescendo. No topo da escalada, o convite à boçalização cívica, o empobrecimento político, o desprezo pelos adversários ou pelos que pensam diferente, tudo devidamente empacotado por convicções e propagandas que simulam soluções rápidas e radicais, facilidades e biografias heroicas. Mentiras, invencionices e mistificações ganham livre curso.
É uma “guerra” complicada, pois não são se limita aos entrechoques ideológicos. Entram na liça também as opiniões – sempre mais desenfreadas – e as identidades, que buscam se afirmar por sobre classes, grupos de referência e partidos. Tudo devidamente turbinado pelas redes, onde as propostas para que se criem conexões e “pontes” (bridging) são fuziladas como se estivessem a priori comprometidas com concessões inadmissíveis. E nas redes, aliás, que melhor se expressa a tendência a que se hipervalorize o próprio gueto ou tribo e se menospreze tudo o que respira fora dele.
A consequência disso é a dificuldade para que se formem maiorias razoáveis, reflexivas, sem as quais propostas reformadoras ou lutas por direitos não têm como avançar. Viver a vida como se fosse uma batalha permanente pela afirmação de identidades particulares, por exemplo, pode ser o caminho mais curto para que os preconceitos se reproduzam. O eixo virtuoso – o combate sem trégua ao preconceito explícito ou subentendido – cede, por falta da capacidade de produzir apoio e persuasão.
Ao se engalfinharem em confrontos artificiais ou secundários, os “guerreiros” perdem de vista aquilo a que se deve dar prioridade. Vão ajudando a produzir quantidades absurdas de informação de má qualidade, saturando a agenda de proposições excludentes que nada acrescentam à construção democrática ou ao reformismo de que se necessita.
Essa modalidade inconsciente de burrice não é privilégio de nenhuma corrente política ou ideológica. É comum a todas.
Ela se mostra, à esquerda, pelas lentes do maniqueísmo e do esquematismo, que anunciam um “novo mundo” que estaria ao alcance da mão, bastando tão-somente uma boa dose de intransigência, de espírito contestador e de “vontade política”.
O bestialógico mais à direita é seguramente muito pior. Agrega gente que não se envergonha de praticar o reacionarismo mais tosco, burilando-o com frases de efeito e justificativas pífias. São pessoas que exibem publicamente sua simplicidade argumentativa, que falam de “marxismo cultural” sem saber do que estão falando, que manipulam descaradamente alguns gigantes do pensamento crítico (Marx, Benjamin, Gramsci, Marcuse) e são incapazes de reconhecer as sutilezas da política e do debate de ideias.
Para gente desse último tipo, tudo que respira, tudo que questiona o que está errado, tudo que canta um futuro mais justo, tudo que divulga sonhos e esperanças cabe em uma única caixinha: “comunistas”, que não somente comem criancinhas como querem infernizar a vida de todos e envenenar a alma dos viventes. Com tamanha estultice, só fazem empurrar o carro para trás.
Merval Pereira: Alckmin quer prévias
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, telefona para garantir que não sairá do PSDB mesmo que não seja escolhido pelo partido como candidato à Presidência da República. Mas ele tem uma exigência: que o candidato tucano seja escolhido através de prévias nacionais com os filiados. Ele garante que não existe possibilidade de a nova direção partidária, a ser escolhida em dezembro, seja qual for, decida sozinha o candidato do partido às eleições presidenciais de 2018.
‘Quem define o candidato não é a direção nacional, mas as prévias”, afirma Geraldo Alckmin, que se compromete a respeitar o resultado mesmo que não seja ele o escolhido. “Fui fundador do PSDB em 1988, a sétima assinatura, não existe a hipótese de sair do partido para disputar a Presidência por outro partido”, garante.
Com isso, Alckmin pretende encerrar as especulações, feitas inclusive por mim, sobre uma possível saída do PSDB se o grupo do senador Aécio Neves (MG) mantiver a presidência do partido através da eleição do governador de Goiás, Marconi Perillo, em dezembro. A especulação é de que Alckmin candidato pelo PSB, partido de seu vice, Márcio França.
Alckmin não acredita que uma direção nacional eventualmente contrária à sua candidatura tenha condições de interferir na escolha do candidato do partido em uma eleição interna prévia: “Não existe esse perigo de uma prévia que não exprima a vontade majoritária do partido. Serão centenas de delegados, talvez milhares, não existe possibilidade de manipulação”, analisa o governador de São Paulo.
No partido, há uma divisão clara entre os que apoiam a candidatura de Geraldo Alckmin em 2018 e os partidários do senador Aécio Neves, que teriam preferência pelo próprio Perillo ou ainda o prefeito de São Paulo, João Doria, em uma aliança com o PMDB de Michel Temer. Essa possibilidade, por sinal, está provocando movimentações na base aliada de Temer.
O PP, por exemplo, está pressionando para que a reforma ministerial saia antes da convenção que vai escolher, dia 20 de dezembro, o novo presidente e a executiva nacional do PSDB. Não quer correr o risco de, saindo vencedor o grupo do senador Aécio Neves, os tucanos continuarem agarrados em seus ministérios, mesmo que em caráter pessoal.
Na convenção estadual que elegeu um aliado de Alckmin para dirigir o partido em São Paulo, gritos de “fora, Aécio” foram ouvidos insistentemente, o que demonstra o antagonismo entre as duas correntes no momento.
A outra candidatura na disputa é a do senador Tarso Jereissati, que foi destituído por Aécio da presidência interina sob a alegação de que não poderia presidir a convenção, já que é parte interessada. Este grupo, apoiado pelo expresidente Fernando Henrique Cardoso, tem como candidato natural o governador Geraldo Alckmin, lançado pelo ex-presidente tucano como nome de consenso também para presidir o partido.
Se essa sugestão fosse acolhida, estaria praticamente definida a candidatura à presidência da República. Até o momento, no entanto, não há possibilidade de acordo, sendo que também o senador Jereissati tem sido aventado como possível candidato à Presidência. Existe ainda a candidatura já lançada do atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio.
O governador de São Paulo acha que, havendo mais de um candidato a postos majoritários — senador, prefeito, governador e presidente da República —, a escolha deve sair de prévias partidárias, como aconteceu na definição do candidato a prefeito de São Paulo, vencida por João Doria com o apoio de Alckmin. Doria acabou derrotando o então prefeito, Fernando Haddad (PT), no primeiro turno.
Alckmin acha que as prévias animam o partido e colaboram para dar vigor à candidatura vencedora, desde que os demais candidatos assumam o compromisso de apoiar o vencedor. Ele lembra que, nas eleições americanas, o número de postulantes à vaga de candidato à Presidência da República sempre é muito alto no começo — chegaram, por exemplo, a 17 no Partido Republicano, antes da definição por Trump — e geralmente o vencedor consegue unir em torno de si a maioria partidária.
Míriam Leitão: Efeito colateral
Toda reforma ministerial mais divide que agrega. O governante começa a mudança dizendo que quer aumentar a unidade da coalizão, mas acaba provocando novas resistências. Em cada cargo preenchido há uma pessoa satisfeita e muitas outras preteridas, um grupo atendido e vários contrariados. Mudança no Ministério agora pode reduzir a chance de aprovação da reforma da Previdência e não o contrário.
Se o presidente Temer pensa em fazer uma reforma ministerial para aumentar o apoio à reforma da Previdência, corre o risco de derrota, mesmo com uma proposta que foi emagrecida para ser aceita. Dos ministérios que estavam com o PSDB, o que atiçava mais a cobiça dos políticos era exatamente o que acaba de ficar vago com a saída de Bruno Araújo. O Ministério das Cidades tem recursos e toca projetos nos estados e nos municípios. Por isso, em época pré-eleitoral, é olhado com interesse porque pode alavancar candidaturas. O PP lançou num primeiro momento o nome de Gilberto Occhi, da Caixa. Se ele for aceito pelo presidente Temer, voltará ao cargo que ocupava no governo Dilma. Mais uma ironia da política de hoje.
Há quem, dentro do Planalto, defenda a reforma ministerial com o argumento de que se ela vai mesmo ser inevitável em março, por que não fazer agora? Naquele mês, sairão os que tiverem que se desincompatibilizar para se candidatar. Mas, agora, nem todas as candidaturas estão colocadas e decididas. Este é o pior momento para enfraquecer grupos que estão almejando vagas nas chapas regionais no ano que vem.
É por essas leis não escritas da política que reformas ministeriais são anunciadas com antecedência, em todos os governos, e são sempre adiadas. Ou vão emagrecendo ao longo do tempo até terminarem muito menores do que inicialmente imaginadas. Há vários precedentes, em todos os governos, de reformas anunciadas como amplas e imediatas e que foram adiadas e reduzidas.
Na área econômica, a tese defendida é que o governo deve se esforçar ao máximo para aprovar a reforma da Previdência, mesmo após tanta desidratação da proposta original. Argumenta-se que, se a idade mínima for aprovada, haverá uma redução do fluxo de aposentadorias, ainda que a regra de transição seja tão suave. E isso terá um efeito também no caixa dos estados. Mobilizar os governadores, portanto, pode ser uma forma eficiente de aumentar a chance de aprovação.
A esta altura é difícil até mensurar o impacto de uma mudança nas regras de aposentadorias e pensões porque foram muitas as concessões. Mesmo assim, a proposta é defendida internamente como uma forma de começar a desarmar a bomba-relógio fiscal do país.
O governo Temer tem falado em fazer uma reforma ministerial para agradar ao centrão e fortalecer os mais fieis nas votações recentes das denúncias. Pode ser um tiro pela culatra. Se o PSDB sair do governo, serão abertas vagas para agradar aliados. Mas, de todos os Ministérios ocupados pelos tucanos, o que mais interessava aos partidos da base era exatamente o que ficou desocupado. O que significa que o ex-ministro Bruno Araújo acabou facilitando a vida do governo. Mas, como foi ato isolado, não resolveu a crise do PSDB.
O partido dos tucanos continua perdido no seu labirinto, aprofundando as divisões internas que podem, muito provavelmente, acabar em cisão. O PSDB entrou no governo com o argumento de que seria cobrado se não ajudasse a encontrar uma saída no meio da crise do impeachment, e que defenderia reformas necessárias para estabilizar a economia. Não teve os ministérios econômicos, desgastou-se, dividiu-se na hora de votar as denúncias e não consegue tomar a decisão de sair, nem de ficar. Este, é bom lembrar, foi o partido que, em sete eleições presidenciais do período democrático, venceu duas no primeiro turno e disputou o segundo turno em outras quatro. Tem pouco tempo para se reorganizar para as próximas e difíceis eleições presidenciais.
O presidente Temer deu duas declarações infelizes: que sozinho não faria a reforma da Previdência e que iniciaria a reforma ministerial para concluí-la em dezembro. Pareceu jogar a toalha no primeiro caso e, por isso, teve que voltar atrás. E, no segundo, deixou o governo em suspenso e as ambições aguçadas.
José Aníbal: Os dois grandes desafios nacionais
Os principais obstáculos para o Brasil se tornar um país com mais crescimento econômico e desenvolvimento humano – ou seja, mais rico, próspero, inclusivo e justo – podem ser resumidos em dois pontos: crise fiscal e crise de representatividade.
Significa dizer que precisamos equacionar o financiamento do Estado e ver os interesses coletivos defendidos com maior ênfase e legitimidade. Sem isso, o país provavelmente repetirá a trajetória vista no passado recente: ondas de algum crescimento seguidas de recessão e avanços sociais pouco consistentes.
Como sair dessa armadilha?
Na questão fiscal, a resposta está tanto nas proposições macroeconômicas e estruturais, como a inadiável reforma da Previdência, quanto nas decisões do dia a dia da administração.
Na última segunda-feira, promovemos um seminário com prefeitos e ex-prefeitos em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, uma das regiões mais bem-estruturadas do interior de São Paulo, mas nem por isso livre dos desafios colocados aos gestores municipais.
A experiência de cada um deles mostrou o quanto a boa política se exerce no cotidiano da gestão pública. Revisão de contratos, diagnóstico claro de prioridades e desenho de políticas públicas eficientes foram as receitas mais citadas pelos debatedores.
Não há fórmula mágica: é preciso reconhecer os limites da ação governamental, não gastar mais do que se tem e respeitar o dinheiro público.
Infelizmente, porém, tais práticas são menos executadas do que o desejado, vide a histórica recessão provocada pela irresponsabilidade e incompetência do lulopetismo.
O pior é que esse mau exemplo federal se espalhou nos governos subnacionais, provocando crises como a do Rio de Janeiro e deixando crítica a situação fiscal de mais de 80% dos municípios.
Como ilustrou no seminário o prefeito de Piracicaba, Barjas Negri, administrar uma cidade é vestir o uniforme de açougueiro e cortar, cortar, cortar. O que vai diferenciá-lo de um mero carniceiro é a precisão e a sabedoria no corte, de modo a não prejudicar os que mais precisam e, principalmente, não proteger nem privilegiar quem já tem muito.
Aqui, a crise fiscal se encontra diretamente com a crise de representatividade.
O forte esquema de acesso ao poder e proteção de privilégios das corporações que ocupam a elite do funcionalismo público e de setores que se acostumaram ao capitalismo de compadrio é um dos maiores entraves às reformas estruturais. Por isso devemos colocar toda a ênfase no combate aos privilégios em debates como o da previdência.
Os dois grandes desafios do Brasil – a crise fiscal e a crise de representatividade – devem ser enfrentados de forma concomitante e igualmente prioritária. Devemos unir forças nesses dois bons combates.
O protagonismo no debate público será alcançado por aqueles que conseguirem tratar dessas duas questões de forma conjunta, aberta e franca com a sociedade, desmascarando os populistas e os despreparados e trazendo de volta a racionalidade que tanta falta faz na condução do Brasil.
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB