PSDB
Folha de S. Paulo: O PSDB vai mudar, será de centro e respeitará direita e esquerda, afirma Doria
Em Davos, governador paulista diz que partido precisa estar sintonizado com a população, e não com seu passado
Maria Cristina Frias e Luciana Coelho, da Folha de S. Paulo
O governador João Doria quer transformar o PSDB em um partido “de centro, com posições claras, que terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita”. É esse o partido para chamar de “seu”, como já fez ao tomar posse no governo de São Paulo.
Doria, que está em Davos para participar da edição de 2019 do encontro do Fórum Econômico Mundial, cujo braço latino-americano São Paulo recebeu no ano passado, quando ele era prefeito, falou à Folha por 60 minutos. Tratou de seu projeto para fortalecer as polícias, de ampliar o ensino técnico no estado, de investimentos e privatizações —bandeiras da viagem. Também afirmou que tem como meta que São Paulo volte em 2020 a liderar o ranking do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, termômetro do ensino no país).
Acenou ao presidente Jair Bolsonaro, tomando o cuidado de dizer que apoia as medidas do governo que forem benéficas ao país.
Relutante em avaliar as primeiras três semanas do mandato do presidente a quem aplaudiu no palanque, afirmou que defende que as investigações a respeito das movimentações financeiras atípicas na conta do primogênito de Bolsonaro, Flávio, e de assessores continuem.
O senhor já deu seu apoio ao deputado Rodrigo Maia [para a sucessão na Câmara]...
E à reforma da Previdência também. Meu interesse é o Brasil, e eu sei a importância da reforma da Previdência para o país. Você vai ver nesses dias aqui [em Davos], como os investidores conscientes sabem da importância da reforma da Previdência. A reforma aprovada muda a história econômica do Brasil, abre as comportas para investimento estrangeiro no Brasil já neste ano, e isso vai se traduzir em emprego, renda e prosperidade de curto, médio e longo prazo.
O sr. se alinhou ao presidente Bolsonaro na campanha e tem dado apoio às propostas dele, sobretudo econômicas. Como avalia esse início e as questões que têm sido levantadas sobre os filhos?
Não tenho me manifestado sobre o tema dos filhos. Em relação ao governo, posso reafirmar que todas as medidas que forem positivas para o Brasil no plano econômico e no plano social e mesmo no institucional terão o nosso apoio. Não precisa nem de contrapartida, cargo, vantagem, benefício. Com o projeto do Paulo Guedes [ministro da Economia] —e ele tem cérebro e montou um bom time—, a economia brasileira vai andar. E quando você tem bom desempenho econômico, você tem um bom desempenho social atrelado a ele.
O sr. falou, ao tomar posse, em "o meu PSDB". O que vai acontecer com o partido?
Vai mudar. E vai mudar sem desprezar o passado, sem estigmatizar ninguém, respeitando aqueles que foram próceres do PSDB, dentre os quais eu destaco desde o [André Franco] Montoro, passando pelo Mario Covas, e destacando Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin, entre outros. Cada um cumpriu seu papel bem. Mas a partir de agora o PSDB vai estar sintonizado com a população, e não mais com seu passado. Vai estar sintonizado com o presente do país para garantir o seu futuro como partido político. Para isso ele não precisa renegar o seu passado, mas ele vai mudar. E será um partido de posições centrais, de centro.
Não de centro-direita?
Não. De centro. E terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita, seja centro-direita, extrema direita, centro-esquerda, extrema esquerda. Um partido de diálogo mas com posições claras e bem definidas.
Quem vai ser o presidente do partido?
Não tenho problema de falar sobre isso, se eu fosse um tucano das antigas eu iria dizer "veja bem, é cedo", mas eu sou claro e objetivo. Nós estamos trabalhando para que o Bruno Araújo (PSDB-PE) possa ser eleito presidente nacional do PSDB. Ainda é deputado, mas termina seu mandato no dia 31, foi ministro de Estado, deputado federal, deputado estadual em Pernambuco. Ele vai ter tempo para se dedicar ao partido —entendo que ele não pode estar dividido entre o partido e a função executiva ou legislativa. E ele tem conhecimento, tem boa penetração no PSDB, é querido em todas as faixas e mantém um bom diálogo com os demais partidos.
O sr. disse recentemente que "se o bandido reagir, vai para o cemitério", o que preocupa o meio jurídico. O sr. não tem receio de atiçar uma atitude ilegal em parte dos policiais?
Não. Não tem nenhuma ilegalidade, pois há um protocolo a ser cumprido. Mas esse protocolo vai até o final. Quem tem de ter receio é o bandido, porque a partir de agora a ação da Polícia Civil e a Polícia Militar em São Paulo serão muito rigorosas. Não vai ter mais nenhuma situação que possa dar margem a quem quer que seja que possa haver negociação com facção criminosa. Em última instância, depois de imobilizado o bandido, receber voz de prisão, entre a vida de um policial e a de um bandido, a orientação do governador é que fiquemos com a vida dos policiais. Se ele reagir armado aos policiais que estão ali com ordem de prisão e mantiver essa reação, a orientação do governador é que ele seja abatido.
E investimento em inteligência?
Estamos fazendo, mas na Polícia Civil, e na polícia científica.
E em tecnologia, como o Detecta? Pode ser ampliado?
Pode e deve ser. Precisamos colocar mais câmeras na cidade. Nenhum criminoso gosta de ser filmado, porque ele pode ser preso assim. Por isso que quanto mais monitoramento colocarmos melhor, é um fator inibidor. São Paulo já tem os melhores índices de segurança do país, com 6,4 homicídios por 100 mil habitantes, e a média nacional nos estados é 30 por 100 mil.
A liberalização da posse de armas pode afetar esses índices negativamente?
À posse na residência eu sou favorável, desde que respeitados os critérios e a regulamentação.
O sr. defende como foi liberado ou como o ministro Sergio Moro defendia, com restrições?
Isso é relativo. Acho que ela foi aprovada razoavelmente. Agora, porte de arma é outra coisa, você precisa de um cuidado redobrado, você não pode ter, ainda que aprovado pela legislação, uma generalização. O porte de arma é algo que precisa ser tratado com muita atenção, porque da mesma maneira que ele pode proteger quem precisa ele pode desproteger alguém que possa ser vítima. Precisa ter um aprofundamento.
O sr. é contra ou a favor do porte?
Olha, não estou querendo ser tucano, mas é algo que precisa ser estudado. À posse, sou favorável.
Não creio, o sistema de segurança no estado será muito fortalecido. No caso de São Paulo, não acho que aumente o risco.
O sr. é candidato natural ao Planalto. Não seria importante marcar sua posição, por exemplo, em relação ao filho do presidente [Flávio Bolsonaro], que tem procurado se esquivar de investigações, que não tem respondido sobre essas movimentações atípicas?
Minha posição não é de fugir ao tema, é que as investigações prossigam. Não defendo que a investigação deixe de existir ou seja facilitada por serem filhos do presidente. Mas não vou fazer condenação prévia. Defendo que as investigações prossigam.
O sr. vai falar de concessões e privatizações aqui no Fórum?
Nós não vamos utilizar dinheiro público, exceto nas PPPs [parcerias público-privadas]. Todo o programa de desestatização do estado de São Paulo será financiado pelo setor privado, como o programa de ferrovias.
O programa de ferrovias é estimado em quanto?
Ainda não temos, está sendo avaliado. É o Alexandre Baldy, secretário de Transportes Metropolitanos, mas ele foi ministro das Cidades [que está tocando]. São trens intercidades ligando a cidade de São Paulo ao Vale do Paraíba e à região metropolitana de Campinas, além do Ferroanel. Tem também a hidrovia Tietê-Paraná, que será inteiramente privatizada. Tem alguns setores correlatos à hidrovia que já estão em mãos privadas. Também 23 aeroportos regionais. Há ainda ferrovias não licitadas, o Porto de São Sebastião...
O sr. acha possível viabilizar tudo isso em quatro anos?
A maior parte, sim. Não quero dizer todas, porque algumas circunstâncias fogem do controle, sobretudo se a economia brasileira crescer. Além disso, há o estímulo que já demos ao presidente Bolsonaro para a privatização do Porto de Santos, e ele concordou, na audiência da semana retrasada.
Privatizações foram uma promessa durante a sua gestão na Prefeitura de SP que ainda não deslanchou. Por que não avançou? Não compromete a sua apresentação de privatizações aos investidores aqui?
Não deslanchou, mas vai avançar. Porque não tinha história, nunca houve um programa de desestatização em nenhuma cidade brasileira. E uma das razões foi exatamente a indiferença no posicionamento político do ex-governador Márcio França, que dificultou as duas primeiras modelagens que estavam prontas, o Estádio do Pacaembu e o Ibirapuera, e demais parques depois de um périplo na Câmara Municipal, no Tribunal de Contas do Município. Foram liberados por eles. Agora, vamos facilitar, o que já estava acordado com o governador [Geraldo] Alckmin.
São Paulo tem as melhores qualificações de mão de obra para todos os setores, não só no ensino básico, médio e universitário, mas pelas escolas técnicas. Vamos ampliar. Essa é a meta do secretário Rossieli [Soares]. Em 2020, nosso objetivo é que São Paulo esteja liderando o Ideb, onde já foi líder, e depois perdeu a liderança. A meta dada a ele é que em 2020, queremos retomar a liderança.
Há secretários que foram ministros da gestão Temer que são "estrangeiros" em São Paulo. Eles vão precisar de um tempo para se aclimatar, para aprender?
Quem sabe, sabe. Tem equipe, ninguém faz nada sozinho.
Há planos de investimento em educação?
Sim, vamos investir em tecnologia.
E em formação de professores?
Também. Fizemos na prefeitura e vamos fazer no âmbito do estado.
Algo específico para enfrentar problemas como o absenteísmo de professores e evasão no ensino médio?Meritocracia. Há protocolo para isso. Não pode faltar sistematicamente, tem de atingir os índices do Ideb. Não tivemos greve na prefeitura na minha gestão nem na do Bruno [Covas]. Bônus permitem salto para bons professores, que não faltam, que permitem saltos no Ideb. É isso que o Rossieli vai fazer. Cursos técnicos serão uma das prioridades. São qualificantes para o emprego. No último ano, alunos saem empregados. São quase 300 mil [292 mil, segundo o Instituto Paula Souza].
Vai fazer, avançar em reforma da Previdência no estado, como Bruno Covas fez na prefeitura?
São Paulo já fez, em 2013, foi uma boa reforma. Onde ela poderá avançar, se avançar no plano federal: militares. Na idade da aposentadoria. Os policiais militares se aposentam muito cedo. Há policiais [que não estão mais na ativa] com muita qualidade. Eles estão na melhor idade, no melhor da sua capacidade e foram aposentados pela lei.
O sr. tem alguma ideia de trazer essas pessoas de volta?
Como o sistema previdenciário em São Paulo está relativamente em ordem, isso não desprezível, mas não é prioridade para nós. Vamos esperar o plano federal.
O sr. tem reunido governadores em torno desse tema...
Vejo com muito otimismo a reforma da Previdência [pelo Congresso Nacional]. A liderança dos governadores, de uma boa parte deles, é de liderar suas bancadas para votarem a favor da Previdência. Óbvio que não conhecemos toda a reforma elaborada pelo deputado Rogério Marinho, que foi muito competente na reforma trabalhista.
Correio Braziliense: Ex-deputado federal, Geraldo Campos morre aos 93 anos
https://www.youtube.com/watch?v=ifMuVTVnZQE
Ele passou 42 dias na UTI devido a uma pneumonia. Rollemberg decretou luto oficial de três dias
Faleceu na noite do domingo passado (16/12), o ex-deputado federal e fundador do PSDB no Distrito Federal, Geraldo Campos, aos 93 anos de idade. Ele estava internado há 42 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular da Asa Sul, devido a uma pneumonia. Há cerca de 5 anos, ele já enfrentava complicações pela idade, como problemas de locomoção que o impediam de andar. O governador Rodrigo Rollemberg (PSB) lamentou a morte e decretou luto oficial de três dias no DF (leia Nota Oficial).
O senador eleito e presidente do partido, Izalci Lucas, lamentou a morte. "Ele era muito comprometido com a cidade. Foi um ícone na política do DF e é uma perda muito grande para todos nós". Izalci lembrou ainda que a principal bandeira de Campos foi a defesa dos servidores públicos.
Natural de Aracaju, capital do estado de Sergipe, Geraldo Campos chegou a Brasília em 1.958 e foi um dos primeiros a se instalar no que seria a nova capital. Foi funcionário da Novacap e membro do Partido Comunista. Em 1964, durante a ditadura militar, foi preso e torturado por dois anos. Em 1986, assumiu o primeiro mandato como deputado e dois anos mais tarde, fundou o PSDB no DF.
Durante o exercício na Câmara Federal, teve como chefe de gabinete Antônio Barbosa, de quem foi amigo até os últimos dias de vida. Barbosa se disse muito abalado. "Eu tinha o Geraldo não apenas como amigo, mas como irmão. Era uma pessoa das mais sérias que eu já conheci. O que eu tenho do Geraldo é um exemplo de vida, de homem, de pai, e companheiro. Sempre me mirei nele". Mas também lembrou com carinho de momentos divertidos. "Ele gostava de biritar. Bebia conhaque, vinho e cerveja. Acho que é por isso que viveu tanto. Ele curtiu a vida, fez o que gostava e amava muito a família", riu o amigo.
Na manhã da segunda-feira (17/12), o presidente da mesa diretora da Câmara Legislativa (CLDF), deputado Joe Valle (PDT) pediu um minuto de silêncio em homenagem ao falecimento do político. Geraldo campos deixa uma filha, um genro e um neto. O enterro ocorreu ontem (18/12), no Cemitério Campo da Boa Esperança, na Asa Sul.
Veja a repercussão
"Brasília perde um dos seus mais importantes pioneiros, o ex-deputado federal Geraldo Campos. Sua biografia está diretamente ligada à história da cidade, onde ele fincou raízes desde a década de 1950. Foi com profundo pesar que recebi a notícia da morte de Geraldo, político incansável na luta pela redemocratização do Brasil. Geraldo Campos atuou com firmeza na defesa dos servidores públicos do Distrito Federal, especialmente quando presidiu a Associação dos Servidores da Novacap, e por melhorias na qualidade de vida dos operários responsáveis pela construção da nossa capital. À família, desejo paz e conforto neste momento de dor. Aproveito para declarar luto oficial de três dias". Rodrigo Rollemberg, governador do DF.
"É com muita tristeza que comunicamos o falecimento de nosso querido professor, ex-deputado e fundador do PSDB, Geraldo Campos. Como uma das mais destacadas lideranças do PSDB, Geraldo Campos participou ativamente da luta pela autonomia política do Distrito Federal. Eleito deputado constituinte em 1986, foi presidente da Subcomissão de Direito dos Trabalhadores e Servidores Públicos e relator da Lei 8.112, que institui o Regime Jurídico Único do Servidor Público na Comissão de Justiça, Finanças e Trabalho da Câmara dos Deputados. Em 1988 foi um dos artífices mais importantes na fundação e construção do Partido da Social Democracia Brasileira, especialmente de sua representação na capital do país.
O PSDB do DF manifesta solidariedade à família, demais parentes e amigos neste momento de grande dor." Izalci Lucas, presidente do PSDB/DF
Alberto Aggio: A irrupção da antipolítica
A ‘não realização’ da democracia aos olhos, ouvidos e coração dos cidadãos é sua origem
Desde 2013 a sociedade brasileira vem sendo impactada pela antipolítica. Por diversas formas, um sentimento negativo em relação à política foi se avolumando até atingir o coração da disputa eleitoral de 2018. O que era latente acabou sendo promovido a uma espécie de paradigma, moldando uma verdadeira revolta da sociedade contra a política.
Da erosão do sistema de representação avançou-se celeremente para o rechaço integral à atividade política, considerada nosso grande mal. Capturada pelo sistema de Justiça, a corrupção sistêmica que se realizou durante os governos petistas, promovida pelo partido majoritário e por seus aliados, é considerada sua causa maior. Mas é necessário incluir aí o até então principal partido de oposição ao PT, o PSDB, que não ficou distante desse descalabro, como vem sendo comprovado dia após dia.
No processo eleitoral recente, a antipolítica assumiu o papel de irmã gêmea do antipetismo, ampliando sua negatividade para a esquerda, a social-democracia e mesmo para a democracia. O rechaço acabou se espraiando, fazendo emergir até um anti-intelectualismo que levou de roldão intelectuais, artistas e jornalistas, especialmente aqueles que tiveram algum protagonismo na sociedade desde os anos da redemocratização. Todos passaram a ser vistos como atores contaminados pela corrupção ou por interesses mesquinhos ou mesmo partidários.
A antipolítica estabeleceu, independentemente da cor ideológica de quem a vocalizava, uma solução impostergável: a ideia de que sem mudar, já e radicalmente, não haveria alternativa para o País. E mudar significava deslocar a “velha classe política” e pôr em seu lugar “o novo”, o que quer que isso pudesse significar.
Essa narrativa de condenação dos últimos 30 anos sustentou a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL) e de alguns governadores de Estado que, aparentemente, sugiram do nada, selando a reviravolta. Em cinco anos se passou da consigna “sem partido” à sedução generalizada de seleção das novas elites governamentais em setores externos à política organizada, chegando ao extremo de um governador eleito pretender encaminhar a escolha dos quadros de primeiro escalão por meio de empresas headhunter.
O casamento da antipolítica com o pensamento que sustentou regimes totalitários não é raro na História. Não há como negar que o pensamento marxista, desde suas origens e na vigência do chamado “comunismo histórico”, expressou uma fragilidade intrínseca em relação à política, em especial à política democrática. Por outro lado, é largamente conhecida a ojeriza do nazismo à política tout court. A assertiva de J. Goebbels, para quem os partidos seriam o grande mal, já que eles “vivem dos problemas da política e não buscam resolvê-los”, não deixa dúvidas. Ambos exemplificam a temeridade incrustada em opções estratégicas sustentadas na antipolítica.
Cenários de crise e de degradação favorecem a antipolítica na conquista de espaços de poder. Na Europa, por exemplo, a crise da democracia tem origem no colapso fiscal do Estado de Bem-Estar Social, concomitante ao avanço da globalização. Isso propagou uma onda negativa de questionamento dos Estados nacionais e depois da União Europeia. A crise da democracia transformou-se, então, numa crise da política. É aí que surgem os atores da antipolítica do nosso tempo, chamados de forma ligeira de “populistas”.
O problema é, contudo, mais profundo e complicado. Envolve aspectos essenciais a respeito da crença na democracia e em suas possibilidades de reinvenção. O pano de fundo de onde emerge a antipolítica é, na verdade, a “não realização” da democracia aos olhos, ouvidos e ao coração dos cidadãos. Isso porque, como demonstrou Tocqueville, a democracia quer garantir a todo ser humano tudo o que se deseja, teoricamente sem nenhum limite – essa a sua “promessa”. Contudo ela funciona unicamente se os desejos estiverem dentro de certos limites. Em outras palavras, a democracia constrói e reforma instituições para mediar desejos, apetites e sentimentos para garantir seu funcionamento. Mas, no essencial, empurra os indivíduos a desejarem para além dos seus limites e assim põe em perigo constante a própria sobrevivência daquele tipo de cidadão que ela não pode dispensar. Em síntese, o espectro da antipolítica espreita permanentemente o percurso de construção da democracia moderna.
Mesmo numa conjuntura problemática, a democracia tem possibilitado aberturas tanto ao que se poderia chamar de hiperdemocracia (a democracia como critério para tudo) quanto ao hiperpluralismo (uma ampliação ilimitada de sensibilidades que invadem o espaço público). Mas, conforme Giovanni Orsina (La Democrazia del Narcisismo, 2018), a emergência de uma cultura narcísica, ao subjetivar todas as atividades, vem alterando o sentido do individualismo moderno. Essa cultura é uma obsessão baseada na incapacidade de perceber a própria pessoa e a realidade como duas entidades separadas e autônomas, de distinguir o que está dentro do que está fora, em suma, o objetivo do subjetivo.
A repercussão disso na política é devastadora. O cidadão, o individuo democrático, fechado em si mesmo, passa a não escutar mais, refuta interpretações e avaliações da realidade que venham de fora dele. Sua relação com o mundo é inteiramente determinada pelo filtro de uma perspectiva subjetiva não educada nem amadurecida pelo confronto. Onipotente, é incapaz de imaginar o futuro a não ser como espelho do desejo, sem mediações, avesso à política.
A irrupção da antipolítica nas sociedades contemporâneas, e no Brasil em particular, não pode ser reduzida ao “fantasma do populismo” nem ao maniqueísmo do embate entre democracia e fascismo. Recuperar a política como um desígnio moderno, sem polarizações estéreis, é o desafio do tempo presente.
Folha de S. Paulo: É exagero dizer que Bolsonaro é golpista, diz Almino Affonso, cassado em 64
Ex-ministro do Trabalho de Goulart afirma que quadro é diferente do que levou ao regime militar
Ricardo Kotscho e Catia Seabra, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO- Prestes a completar 90 anos, o ex-deputado Almino Affonso afirma que a omissão dos grandes partidos, sobretudo PSDB e MDB, abriu um vazio político no Brasil. Dele, surgiu Jair Bolsonaro.
Ministro do Trabalho de João Goulart (1961-64), Almino não vê hoje cenário propício a um novo golpe de Estado.
Mas, ao lamentar a falta de líderes capazes de ocupar esse vazio e lembrar a Alemanha assolada após a 1ª Guerra, afirmou: “O Hitler ocupou”.
Ex-tucano e ex-emedebista, Almino faz um apelo para que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assuma uma atitude de estadista.
Almino afirma ainda que a concentração de poder nas mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva matou o debate interno no PT.
Em 1961, o sr advertiu que a renúncia do então presidente, Jânio Quadros, fazia parte de um golpe de Estado. Para o sr., há hoje risco de um golpe, como afirmam integrantes da esquerda?
Não chutei [à época]. É provado. Tem um livro, chama “História do Povo Brasileiro” [aponta a estante], escrito, muito tempo depois, por ele [Jânio] e por Afonso Arinos, em que ele confessa a renúncia como algo articulado para o golpe. Na tribuna, fiz por pura intuição.
A mensagem que ele manda ao país para justificar a atitude era uma contradição: o Exército está com ele, o povo está com ele, o empresariado está com ele… Tudo estava com ele. E o país era ingovernável?
Hoje, existe um cenário propício?
Vejo um quadro rigorosamente diferente. Tivemos naquele período a Guerra Fria. Tudo que não levava apoio ao EUA era presuntivamente prova de que apoiávamos a URSS. Essa visão influiu na opção militar. Mas houve causas de natureza social, inflação galopante, crise social aguda, desemprego, dívida externa.
De nossa parte, uma reforma agrária contestada por interesses contrariados. No Congresso, a maioria era favorável a manter a Constituição como estava, de modo que impedia uma reforma. São causas laterais que criaram um conflito da inviabilidade do governo Jango.
E hoje?
Hoje você tem um governo de uma liderança que, para setores da sociedade, é inaceitável e questionável. Mas daí dizer que dele resulta uma articulação golpista, acho que é uma visão exagerada.
Bolsonaro chega ao governo sem que tenha um programa minimamente apresentável. Ele foi eleito por essa maioria fascinante do ponto de vista numérico como um grande protesto nacional contra tudo. Não especificamente a favor dele.
É contra o desamparo, o desemprego, a corrupção, contra os partidos políticos que se deterioraram e foram se transformando em grupelhos. Ele tem o privilégio de ter uma maioria fascinante. Quem, antes dele, teve algo semelhante? Getúlio Vargas, no mandato de 1950. Fora isso, quem? Nem o Lula.
Em 2002, Lula teve mais votos.
Mas não com essa dimensão.
O sr. acha que o povo deu um cheque em branco?
Essa é a inquietação. Você tem um país ainda sem programa, a revolta é real e numa expectativa de que ele responda. E Bolsonaro tem pela frente muitas perguntas.
O seu foi o 14º nome da lista de cassados no dia 9 de abril de 1964, pelo golpe deflagrado sob pretexto de salvar o Brasil do comunismo. Aos 89 anos, o sr. ainda se considera um perigoso comunista?
Não vejo correlação entre o passado e hoje. Não vejo a presença comunista no país sendo objeto de um debate. Menos ainda de um risco qualquer.
O sr. mesmo já disse que em 1964 não havia esse risco.
Não havia o risco comunista de verdade. Mas houve uma programação acusatória, com a grande imprensa inclusive, e influiu muito na decisão dos militares. Se pegar todos os manifestos dos principais líderes militares no dia do golpe, os quatro generais, todos dizem que estão salvando o país do comunismo.
Mas esse discurso voltou. Quem faz oposição ao Bolsonaro é chamado de comunista, vermelho. Essa ameaça estava no discurso de campanha do presidente eleito.
Quem são os comunistas hoje nessa acusação implícita ou explícita? Seria o PT? O PT não tem nada de comunista. Lula nunca foi comunista. Haddad é nada comunista. Não vejo nenhuma organização comunista que justifique esse tipo de argumentação.
O sr. atribui o golpe ao contexto da Guerra Fria. Hoje quais são os interesses geopolíticos em jogo nessa guinada de poder no Brasil? O mundo está caminhando para a direita?
O mundo está tendo uma projeção à direita crescente. O quanto isso se articulará em organizações à maneira do nazismo e do fascismo me parece, neste instante, muito distante.
Mas há algo que pode associar-se. Termina a Primeira Guerra Mundial. Você tinha a Alemanha arrasada, humilhada. Nesse imenso vazio, surge uma liderança que gradualmente incorpora esse protesto. Foi criando o Hitler. Esse potencial me inquieta. Não estou dizendo que ele está configurado. Mas há algo de semelhante.
Assistindo à montagem do governo, o sr. diria que ele aponta para um equilíbrio social?
Não votei nele. Dei nota dizendo que votaria no Haddad. Mas ele está tendo, até com razões de eu aplaudir, atitudes que ganham apoios impensáveis. Exemplo: a convocação do Sergio Moro para o ministério. Joga crédito para o ponto de partida do governo. Não há governos que não tenham em seus ministérios balanças e contrabalanças.
Na volta do exílio, o sr. participou de governos do MDB e do PSDB. Nas eleições, esses dois partidos foram derrotados pela onda conservadora de Bolsonaro. O que aconteceu que o chamado centro se desmanchou?
Ambos os partidos descumpriram os papéis mínimos para os quais nasceram. O PSDB ficou tão marginalizado diante dos problemas a serem enfrentados que teve a derrota que teve. Culpa pessoal do Alckmin? Quem quiser analisar dirá o sim, dirá o não. Geraldo sim, Geraldo não. Mas teve o arrebentamento interno partidário.
O PSDB estava fraturado de ponta a ponta do país em plena eleição. E, se eu tomo a presença do PSDB como partido da oposição ao longo dos governos Dilma e Lula, quando a corrupção se transformou em um tema —não estou dizendo que houve ou não houve, mas se transformou em um tema de presença política diária—, o papel do PSDB foi de uma omissão total. Ele não cumpriu o papel de anticorrupção.
E o MDB?
Tudo o que estou dizendo vale enormemente para o próprio governo. Se você levar em conta o número de figuras ligadas ao governo sucessivamente acusadas perante o STF... Alguns estão presos. Outros com processo caminhando. Onde o MDB cumpriu essa papel anticorrupção? Pelo contrário. Afundou-se nisso.
O sr. acha que se o PSDB tivesse expulsado o Aécio e demais acusados poderia se credenciar para o papel de anticorrupção?
Pelo menos, tinha o dever de cumprir esse papel. Com uma história pessoal de um jovenzinho que chegou à presidência da Câmara, ligado a essa figura marcante que foi Tancredo Neves, senador da República que quase chegou à Presidência, Aécio tinha o dever de cumprir esse papel de vanguarda. Não cumpriu. Tudo que falo do PSDB canaliza-se em figuras omissas. Lamento dizer que Aécio Neves não cumpriu o papel que o cargo dele o obrigava.
Mas se ele mesmo foi denunciado.
Só agrava o que está dizendo.
O sr. acha que o PSDB deveria ter expulsado Aécio? Que Alckmin deveria ter coordenado o trabalho de investigação interna?
Mas o Alckmin entrou na presidência do PSDB anteontem. Ele ficou literalmente só. Não estou defendendo o Alckmin. Constatando. Alckmin foi candidato à Presidência sem partido. FHC, líder nacional, disse uma palavra sobre isso? Nenhuma. O Aécio nem tinha condições de dizer no grau de estar sob quase que em uma condenação grave. Meu amigo José Serra, por problemas de saúde ou não, silenciado.
Serra também foi acusado.
Lamentavelmente também ele. Você pega o Tasso Jereissati… As lideranças do PSDB deixaram Alckmin literalmente só.
E, nessa reta final, o único que se manifestou contra o Bolsonaro, diante de risco de retrocesso, foi o próprio Tasso. O sr. acha que o PSDB se omitiu?
Estou dizendo que as omissões não são de agora. Vêm vindo gravemente. E não dá para excluir isso do grau de desatenção popular que houve.
Alckmin perdeu para Bolsonaro no interior de São Paulo, depois de ter sido três vezes e meia governador do estado. É pobre como explicação analisar essa derrota pelo mero “errou, não foi enfático, não é bom orador”. Para mim a explicação é esse vazio da corresponsabilidade, sobretudo do PSDB e MDB. Porque o PT ficou no banco dos réus. E também não cumpriu o papel do anti que deveria ter cumprido de maneira enfática.
O sr. já disse que em 1964 os dois lados tinham um projeto de país e que hoje não existe nenhum. Qual seria o projeto nacional para o país?
Que surja um partido que cumpra um papel efetivamente democrático. Os partidos se esvaziaram. Não há debate interno. Nem no PT.
No meu último mandato de deputado federal, o PT tinha uma bancada brilhante. Para qualquer tema, antes de decisão, tinha uma reunião. Isso murchou. “Quem é candidato? Lula quer.
Quem é? Não quer”. Isso se tornou tão autocrático que matou muito a vitalidade do partido. Essa é minha visão de fora.
No PSDB foi assim. No MDB não precisa nem falar. Há algo antidemocrático profundo. Um amordaçamento na sociedade.
O Brasil não tem um projeto?
Se tem, não tive a honra de saber. Em abril, completo 90 anos. Quero comemorar meus 90 anos sabendo qual é o projeto. Juro a você que vou para a rua.
Que projeto faria o sr. ir às ruas?
A preliminar é recriar a mensagem da articulação democrática no país. Ou há partido que democraticamente funcione ou não tem saída.
O sr. acha que a concentração de poder nas mãos de Lula foi nociva?
Foi. Fiz a comparação do que foi a bancada do PT no último mandato que exerci, onde havia uma presença real de debate. O Lula cumpriu um papel de liderança exponencial, mas afogou a possibilidade de participação generalizada. As figuras foram sumindo.
Nos atos contra a prisão dele houve uma mobilização maior, inclusive de jovens. O sr. acha que isso poderia revigorar o partido ou o PT está condenado ao esfacelamento?
Esse drama não é de um, mas de todos os partidos. Ou esses partidos ressurgem ou não sei. Volto agora à sua primeira pergunta, se no quadro atual há riscos [à democracia] ou não. Quando você não tem uma comunidade organizada, tem. Tem lá uma figura importante da velha Grécia que dizia que não há lugar vazio. O vazio se ocupa. É tão verdadeiro isso.
O Bolsonaro ocupou.
Não quero fazer essa comparação para não ficar fazendo fantasias adoidadas: o Hitler ocupou. Havia o vazio na Alemanha. E o vazio se ocupa. Há uma liderança [no Brasil]? Eu diria que, potencialmente, há. Há intelectuais de valor, figuras com conhecimento de história, que percebem tudo que estamos dizendo aqui. Ou não percebem?
O sr. acha que o Bolsonaro pode ser esse líder? O sr. diz que existe um vazio programático e organizativo no país. O sr. acha que alguém pode ocupar esse vazio?
Não sei o que é o Bolsonaro. Quero que o Brasil saia do atoleiro. Mas ele até agora não revelou isso. Para mim, o primeiro gesto dele foi a escolha do Moro, de muita significação. Se ele puder aqui, ali e ali, cria em torno dele este núcleo para um governo que pense. Até agora, não mostrou isso.
Quem poderia ocupar essa liderança?
Tem uma figura que teve uma história. Foi o Fernando, FHC. Foi duas vezes presidente da República, ministro das Relações Exteriores e ministro da Fazenda, em algo que foi significativo, que foi o Plano Real. Ele vai perdoar-me pela relação humana.
Seria um homem que tem condições pessoais para poder dizer “convido, proponho nós três para…”. As precondições ele tem. Por que não assume? Digo, de público, assuma, Fernando. Você tem uma história, tem condições, tem renome, tem um nome limpo. Assuma. Não diga as coisas em meio-termo. Não diga em reticências. O país está precisando de alguém que assuma um papel relevante e congregue em nome disso.
O sr. acha que Moro pode vir a ocupar um papel de liderança? Dizem que ele tem um projeto político.
Não sei se ele tem temperamento político. Porque não basta saber. É preciso ter um quê, um certo charme. Para uma liderança política, ele não revela ter.
Especula-se o nome de Moro para a sucessão, João Doria está se articulando para 2022 e Ciro Gomes já está articulando uma frente cirista. O sr. consegue vislumbrar um cenário para 2022?
Não vai faltar nunca candidato a candidato. Precisamos de um estadista neste país.
O sr. citou FHC.
Não estou dizendo que ele é. Fiz um apelo para que ele seja. Ele vai se zangar comigo. Mas não disse que ele é.
O sr. acha que, se ele tivesse atuado como um estadista durante essa eleição, o resultado seria outro?
Se o PSDB tivesse atuado como deveria, não estaríamos neste atoleiro. O PSDB tem uma corresponsabilidade muito grande por esse quadro negativo.
Por que declarou voto em Haddad?
Porque sou defensor absoluto do dever de votar. Entre os dois, eu dizia “há, pelo menos, do lado de Haddad figuras que eu, de alguma forma, conheço, sei e quem sabe pode criar no entorno dele ”. Do outro lado, eu não sabia nada. Não sei nada do Bolsonaro.
E a própria forma que, ao longo da campanha, o Bolsonaro teve expressões de um radicalismo estúpido até, eu me perguntei por que daria crédito. Eu também não achava que estávamos indo para uma solução. Com devido respeito, Haddad não encarnava uma solução. Haddad é um ser humano respeitável. Mas não encarnava a solução.
Revista Veja: FHC - “O centro radical”
FHC diz que eleição explodiu o sistema, afirma que “fascismo” e “comunismo” são apenas fantasmas e que partido sem conexão com a sociedade estará liquidado
Por Ana Clara Costa, da Revista Veja
Prestes a terminar o quarto volume de suas memórias do período em que ocupou a Presidência da República (1995-2002), Fernando Henrique Cardoso, de 87 anos, acredita que o momento político do Brasil requer “paciência histórica”. Diz que o país vive um período de transição, com o fim de um ciclo iniciado na Constituição de 1988, em que os partidos criados falharam em representar os anseios da sociedade. FHC afirma ser exagero ligar o governo Bolsonaro a um movimento “fascista”, apesar da migração das forças políticas para a direita. O tucano prega a construção de um “centro radical” para se opor a medidas extremas e declara que, se o PSDB não ocupar esse papel, ele não vê razões para continuar no partido. “Se o PSDB virar uma sublegenda do governo, qualquer governo, estou fora.”
O senhor tentou, no período eleitoral, criar uma força democrática de centro, e não deu certo. O que aconteceu?
Não houve interesse do eleitor em escolher o centro porque ele achou melhor botar ordem na casa. Quem simbolizou segurança, ordem e combate à corrupção ganhou. Não houve discussão econômica.
Como ocorreu essa tentativa de costurar uma frente?
Estou mais fora da política do que as pessoas pensam. Mas eu acho o seguinte: quando há uma polarização como houve no Brasil, o medo prevalece acima de tudo. A razão perde sentido prático. As pessoas que querem ser razoáveis, como é meu caso, ficam sem espaço. Uns dizem “Eu sou o bem e quero extirpar o mal”. E, quando você diz “Cuidado, o bem e o mal são relativos, é preciso conviver”, você fala sozinho.
Mas o senhor chegou a fazer um movimento concreto nesse sentido?
Eu falei com algumas pessoas, fiz uma ou outra reunião. Mas não estou no cotidiano do partido e acho também que não tinha mais espaço. A polarização não depende de você querer. Ela acontece. Quando a população descobriu as bases podres do poder, ficou contra o poder e quem o simboliza. Acho um absurdo que alguns tenham sido derrotados, gente séria, competente. Mas é assim que funciona. Política não é uma escolha de quem é mais competente, quem é melhor. É de quem, naquele momento, bate com o sentimento do eleitor.
Como chegamos a esse estado de coisas?
Nossa visão do mundo político nasceu no século XIX e se consolidou no XX. Havia as classes, não necessariamente opostas umas às outras, e os partidos, que representavam uma ideologia pertinente aos interesses e valores dessas camadas. O mundo atual rompeu isso porque a mobilidade social aumentou, a coesão entre esses grupos diminuiu e há fluxos de dinheiro e comunicação muito grandes. O primeiro sociólogo que viu esse movimento chama-se Manuel Castells, meu colega em 1968 em Nanterre (na Universidade Paris X, na França, onde FHC lecionou) e meu amigo até hoje. A Sociedade em Rede, livro que Castells lançou em 1996, é, no fundo, isso. Estamos em um momento de transição, e a nova sociedade é dos que estão conectados. Essa conexão salta estruturas e até instituições nacionais.
“Os dois lados estão inventando fantasmas. Um vê fascismo, o outro acha que o comunismo está à porta. Há uma guerra de narrativas. E narrativas em que não entra o povo”
O Brasil vive um momento de desmonte das estruturas, ou, como o senhor diz em seu último livro, “uma nova era”?
Sociologicamente, eu diria que, nestas eleições, “a história se manifestou estourando tudo de maneira cega”. Há momentos em que há explosões, e aqui houve uma explosão limitada, mas foi uma explosão do sistema anterior. Então, há um processo geral que permeia todas as sociedades que estão conectadas. É preciso agregar a tremenda corrupção que houve ao horror que ela produziu. O povo se assustou e disse “basta!”
Houve uma “direitização” do Brasil?
No espectro direita-esquerda, é claro que estas eleições foram mais para a direita. Antes, os partidos polares eram o PT e o PSDB, e quem fazia o meio de campo era o PMDB, que era o partido de Estado, das estruturas políticas. Na verdade, PT-¬PSDB foi uma polarização forçada. O PT dizia que a direita era o PSDB. Agora viu que não é. A sociedade mudou muito, e aqueles que se supunham progressistas não foram capazes de simbolizar algo que o povo aceitasse. Isso quer dizer que o país é conservador? Pode ser. A tendência dos países em geral é se conservar. Todo mundo fala em mudança, em evolução, mas as pessoas têm medo de mudar. Aqui, vão conservar o quê? Não está claro, porque o governo não existe ainda.
A campanha eleitoral foi amparada em valores mais conservadores, como Igreja, família.
Nesse aspecto, seria um conservadorismo que eu diria que a maioria dos brasileiros aceita. Mas a verdade é que o mundo contemporâneo tem muita diversidade. O que se entendia como família era marido, mulher e filhos. Os líderes hoje — não é o meu caso — têm ou tiveram várias mulheres. Como compatibilizar isso com um valor tradicional? Não sei. Porque a realidade mudou, a diversidade passou a ser parte da vida. Como impedir a diversidade? Pode falar que vai, mas, na hora de fazer, não é tão simples.
O Brasil nunca foi território de êxito para posições fanáticas. Considerando-se o acirramento dos ânimos nas eleições, o senhor acha que esse traço da sociedade brasileira pode se transformar em fascismo diluído?
Não. Olha, os dois lados estão inventando fantasmas. Um vê fascismo, o outro acha que o comunismo está à porta. Isso era na época da Guerra Fria, quando o comunismo existia, havia a União Soviética. Onde está isso hoje? Na China? A China está vendendo, comprando, utilizando os instrumentos de mercado para tomar conta do mundo. Na Coreia? A Coreia do Norte é força que imanta alguém? Não. E o fascismo? O fascismo era uma organização que tinha um pensamento, uma concepção corporativa e que se opunha ao comunismo. Então, o que se vê frequentemente são duas imagens do passado. Há uma guerra de narrativas. E narrativas em que não entra o povo, que não está em uma nem em outra. O povo quer trabalho, proteção contra a violência, essas coisas mais normais.
Seria, então, um movimento cíclico de alternância de poder?
De certa forma, porque Jair Bolsonaro representou o encerramento de um ciclo. Talvez o que tenha terminado agora seja o ciclo que inauguramos na Constituição de 1988, quando tivemos uma visão de pluralidade partidária mas acabamos não criando partidos, e sim corporações de interesses de grupos, de pessoas. Mas isso quer dizer que o novo ciclo vai ser permanentemente como ele é hoje? Não. O importante é entender que o momento que vivemos não tem nada a ver com o que ocorreu em 1964. É outro momento. As Forças Armadas não estão pressionando pelo autoritarismo.
“O PSDB ganha quando ele não é ideológico, quando tem pragmatismo com valores. Será que o PSDB vai ser capaz de se reorganizar de forma mais equilibrada? Se não for, estou fora”
Há declarações de generais sugerindo temor de politização dos quartéis.
Mas eles tentam controlar também. E nem sei se vai haver, porque, na verdade, depende um pouco do que o governo faça e de como a sociedade reaja ao que ele fizer. Não há uma teorização de que chegou a hora de quebrar o Estado e fazer outro.
O senhor vê alguma tendência de autoritarismo, como ocorre na Hungria?
Creio que não. O que não quer dizer que eu não tenha preocupação. Acredito que democracia não é dada para sempre, é preciso que ela esteja ativa. Mas nós vivemos uma situação em que, primeiro, eu não votei em quem ganhou, e quem ganhou, ganhou eleitoralmente. Não tem golpe aí. Segundo, a imprensa continua existindo como ela é. Com sua natureza crítica. Em uma sociedade aberta, a imprensa só sobrevive criticando.
Diante das mudanças de estruturas, que papel deverá ter a oposição no novo governo?
Há espaço para o PT? Primeiro, temos de ver o que sobra nesses escombros. Não creio que o PT vá sumir, porque ele expressa setores da sociedade. É preciso que todos os partidos que quiserem sobreviver entendam que o resultado eleitoral é consequência de atos também deles. Essa repulsa é porque os partidos não funcionaram. Mas, mais que uma oposição, é necessário o fortalecimento do que eu chamo de “centro radical”.
O que seria um “centro radical”?
Um centro que não seja amorfo, mas que tenha posições, e que elas não sejam extremadas. E mais: não adianta juntar apenas deputados. Ou tem a sociedade no meio — líderes empresariais, sindicais, religiosos e universitários — ou não existe. Se for mantida a separação entre política e sociedade, a rede vai acabar ligando a sociedade e a política ficará de fora.
Como fazer essa ligação em meio a tanta frustração com a política?
Esses movimentos que apareceram nestas eleições, o Agora, o RenovaBR, o Acredito, são muito importantes, porque é uma nova geração que surge. E chegou o momento em que a geração que estava no mando precisa passar o bastão — não a geração à qual eu pertenço, que já está há muito tempo fora. Mas isso não é uma decisão pessoal, é preciso que a geração seguinte queira pegar o bastão, que tenha energia para isso. Mas tem de dar um pouco de tempo ao tempo. Não se muda de repente tudo. Tem de ter o que eu chamei, num artigo que escrevi, de paciência histórica. Sei que é fácil dizer isso para quem não está no jogo. Mas é necessário.
O PSDB não sabe se ficará no governo ou se será oposição. O senhor antevê um racha e a criação de uma nova legenda?
É possível, mas não é conveniente. Se o PSDB cometer o erro de ser uma sublegenda do governo, acabou. É mais um. Se ele fizer, pelo lado contrário, oposição sistemática estilo PT, também acabou. Ou ele atua realmente como centro radical, na forma como eu defini, ou ele não tem mais sentido. Acho que o PSDB ganha quando ele não é ideológico, quando ele tem pragmatismo com valores, não o pragmatismo do oportunismo clientelístico. Mas neste momento isso não é aceito, porque o pessoal não está equilibrado. Será que o PSDB vai ser capaz de se reorganizar de uma forma mais equilibrada? Se ele não for, eu estou fora.
O senhor sairá do partido se houver adesão ao governo?
Se o PSDB virar uma sublegenda do governo, qualquer governo, estou fora.
O senhor se desfiliará?
Por enquanto não, por enquanto estou fora da posição, mas vamos ver, não sei qual vai ser a dinâmica no PSDB. Perdemos a eleição por erros também nossos. Temos de ser capazes de fazer autocrítica. Sobreviver porque vai ter um carguinho, sobrevive-se, mas com migalhas. Não com voto da maioria, não com o coração nem com a mente da maioria. Ah, para que vou me meter nisso a esta altura da vida?
O Estado de S. Paulo: Secretário-geral do PSDB propõe fusão com outras siglas
Iniciativa será apresentada pelo deputado federal Marcus Pestana (MG) à direção executiva da legenda; ideia, segundo ele, é que em maio os tucanos renovem o comando partidário e em seguida iniciem o processo
Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo
Após registrar em 2018 o pior desempenho eleitoral de sua história em uma eleição presidencial e perder 20 cadeiras na Câmara, o PSDB vai avaliar uma proposta de fusão com outras siglas para disputar as próximas eleições.
A iniciativa será apresentada pelo deputado federal Marcus Pestana (MG), secretário-geral do PSDB, à direção executiva da sigla. A ideia, segundo ele, é que em maio os tucanos renovem o comando partidário e em seguida iniciem o processo.
“O PSDB tem que se reinventar depois de organizar a bagunça. É insustentável essa quadro partidário pulverizado. Defendo que, após a renovação da direção, abra-se uma interlocução para um processo criativo de fusão”, disse Pestana ao Estado.
O deputado cita quatro siglas para a potencial fusão: PPS, PSD, PV e DEM. Segundo Pestana, ainda é cedo para dizer qual seria o modelo de fusão e a autonomia que cada partido dentro da nova legenda.
O combustível que alimenta esse debate é a proibição de coligação proporcional a partir das eleições municipais de 2020.
Outra ideia colocada na mesa do PSDB é formar uma federação de partidos para aturarem em conjunto no Congresso e até nas próximas eleições municipais.
O presidente do DEM, ACM Neto, descarta a possibilidade de fusão com o PSDB. “Isso não está na pauta. Isso não passa nem perto de nossa perspectiva. Eu não cogitaria nenhuma hipótese de fusão com o PSDB neste momento”, disse.
Dirigentes de outros partidos também evitam, por ora, falar em fusão. Avaliam que tudo vai depender do cenário em 2019 e da relação das siglas com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Em caráter reservado, porém, reconhecem que a proibição de coligações deve empurrar muitos partidos para esse caminho.
Posição. Outro debate que permeia o PSDB é a posição em relação ao governo Bolsonaro. Enquanto parte da legenda, com Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso à frente, adotou uma postura crítica e é contrária ao alinhamento, o grupo do governador eleito João Doria defende o apoio ao presidente eleito.
Veja abaixo a íntegra do documento - Marcus Pestana: Autocrítica, refundação e reposicionamento do PSDB
Marcus Pestana: Autocrítica, refundação e reposicionamento do PSDB
Introdução
O Brasil experimentou a maior crise das últimas décadas. Combinação explosiva entre recessão aguda, estrangulamento fiscal profundo, desemprego alto, confiança e credibilidade abaladas, feridas abertas pelo impeachment, conflito na convivência entre os Poderes republicanos, insatisfação social represada, intolerância crescente e o maior escândalo de corrupção desvendado pela Lava Jato e operações congêneres.
É evidente que a herança deste quadro transformou o cenário de 2018 em um terreno movediço povoado de incertezas, enigmas e interrogações.
O PSDB não é um partido qualquer. Tem história, tem quadros, é responsável por transformações históricas na vida nacional, tem consistência programática. Colheu uma bela vitória nas eleições municipais de 2016 com um crescimento de 25% de seu eleitorado em relação a 2012, enquanto seu principal adversário despencou 61%. Governamos, no plano municipal, um quarto da população brasileira. Fomos protagonistas das eleições presidenciais desde 1994, com um expressivo resultado em 2014.
É evidente que a democracia representativa viveu uma crise silenciosa que veio à tona nas urnas em 2018. Quem achou que tinha o pulso completo da realidade, segundo antigos paradigmas, se surpreendeu. Quem achou que o modelo clássico de fazer política e campanhas funcionaria, se frustrou. A distância crônica entre a sociedade brasileira, sua representação política e o quadro partidário se aprofundou de forma radical nos últimos anos. Esse sentimento explodiu nas urnas em 2018. A vitória de Bolsonaro, um “outsider” com 29 anos de uma vida pública opaca e sem relevância, mas que conseguiu se identificar com o sentimento do “cidadão comum” em torno da defesa dos valores da família, da tradição, da propriedade, da tolerância zero com a corrupção e a violência e do sentimento majoritário anti-PT, sem tempo de TV, sem muito dinheiro e sem presença nos debates, mas com um vigoroso apoio voluntário nas redes sociais e nas ruas, representa uma monumental derrota do que ficou conhecido como “a velha política”, o “establishment”.
O PSDB foi sem sombra de dúvidas um partido diferenciado no quadro brasileiro. Mas não restam dúvidas que também foi radicalmente contaminado pelo ambiente geral. Ficou evidente que o Brasil mudou e é outro. E o PSDB não soube mudar junto e se reinventar, se renovar, mudar para continuar liderando as reformas e transformações necessárias.
Também o cenário internacional está povoado de sinais sobre o descolamento da sociedade contemporânea das formas clássicas de representação e organização política. Em todo o mundo, a democracia moderna, em seu formato clássico, encontra dificuldades de canalizar as expectativas dos mais variados segmentos de uma sociedade extremamente fragmentada e de vocalizar a diversidade presente no tecido social contemporâneo.
A vitória de Trump nos EUA é a demonstração mais vigorosa disto. Foram derrotados não apenas Hillary, Obama e o Partido Democrata. Também o establishment do Partido Republicano o foi. A vitória do Brexit no Reino Unido derrotou de uma só vez o primeiro-ministro conservador e o partido trabalhista; a derrota da reforma constitucional italiana defendida pelos principais partidos, exceto o populista “Cinco Estrelas” e o crescimento da extrema-direita na Europa; demonstram que há uma nova realidade a ser decifrada.
A eleição de Bolsonaro e de diversos outsiders como governadores (MG, RJ, SC, AM, RR, etc.) determinaram o fim do ciclo histórico da redemocratização e da Nova República. Algumas elites tradicionais conseguiram manter sua hegemonia política regional (PA e AL). O PT e as esquerdas mantiveram a liderança no Nordeste brasileiro. Mas a marca dominante das eleições de 2018, onde as exceções confirmam a regra, foi a vitória da chamada “nova política” – seja lá o que isso signifique – sobre a “velha política”. Mesmo as vitórias tucanas de João Dória em São Paulo e Eduardo Leite no Rio Grande do Sul têm interface e traços comuns com este novo universo da política nacional.
Fato é que o PSDB experimentou sua maior derrota. Na votação nas eleições presidenciais nossa votação caiu expressivamente. Diminuímos significativamente nossa presença no Congresso Nacional, nas duas casas. Importantes lideranças emblemáticas do PSDB foram derrotadas.
Em 2014 e 2016, tivemos centralidade na dinâmica política nacional. Em 2018, fomos gravemente derrotados junto com outros atores da “velha política” (MDB, DEM, PT). O ciclo da Nova República está encerrado. Temos finalmente a presença de uma direita organizada e expressiva. Plínio Salgado com seus integralistas tentou. Carlos Lacerda infernizou a vida de Getúlio e JK, mas nunca construiu uma alternativa competitiva em escala nacional. Pretendia testar a aposta em 1966. O golpe abortou as eleições. Agora Bolsonaro e diversos outsiders no Congresso e nos Governos Estaduais, vocalizam vigorosamente princípios e diretrizes de uma direita que nunca teve presença relevante no cenário político. Tudo o que era importante até 2016 (alianças, tempo de TV, financiamento forte, debates) não tem mais lugar preponderante absoluto na disputa política. Emergiu uma nova forma de fazer política e campanhas. O império das redes sociais coloca novos desafios. O PSDB precisa se transformar para sobreviver. O nível de mobilização e engajamento de nossas campanhas era infinitamente inferior ao de Bolsonaro e das esquerdas. Ou nos enraizamos solidamente na sociedade, construindo um partido orgânico com vida intensa, ou seremos dizimados dentro do mapa político brasileiro.
Perdemos e é hora de repensar o futuro. A derrota nos impõe uma severa e profunda autocrítica. Diagnóstico crítico, realinhamento, reinvenção, refundação. O PSDB ainda terá um papel importante como canal do necessário e inadiável diálogo nacional. Temos que nos reorganizar até mesmo para prepararmos passos futuros na direção da reforma do quadro partidário brasileiro, a partir de um processo criativo, inovador e democrático de fusões e reaglutinação de forças. É preciso para além do PSDB, reinventar o campo do “centro democrático”.
O processo de autocrítica e refundação deve passar pelo Congresso Nacional Partidário e pela renovação da Direção Nacional. Mas, este esforço coletivo só faz sentido se for feito em ambiente de respeito mútuo, companheirismo, compromisso com o resultado, respeito a maiorias e minorias. Se for para desencadear um processo autofágico e fratricida, melhor não fazer.
Momentos como esse foram vividos por grandes partidos nas democracias ocidentais: pelo Partido Democrata pré-Clinton, pelo Partido Trabalhista inglês pré-Tony Blair, pelo PSOE pós-Felipe Gonzáles, ou na trajetória de aggiornamento do PCI italiano rumo ao atual PD.
Perdemos uma eleição. Mas ainda há um importante papel reservado de agora em diante para o PSDB. Quem contar a história da redemocratização e da Nova República, que agora encontra seu fim, sem dar centralidade ao protagonismo histórico do PSDB, estará mentindo ou desinformado. Temos história, temos ideias, temos quadros qualificados. O mundo e o Brasil mudaram, temos que mudar junto se quisermos sobreviver. As derrotas quase sempre ensinam mais do que as vitórias. Mas é preciso estar com a alma, a cabeça e o espírito abertos para o aprendizado. Vamos com Fernando Sabino no seu Encontro marcado:
“Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro!”
O Congresso Nacional Partidário: o realinhamento ideológico e programático
O nosso forte presidencialismo e a nossa tradição populista fazem a política brasileira orbitar mais em torno de nomes e pessoas de que de ideias e instituições. Geralmente primeiro se discute candidaturas e depois, de forma apressada e superficial, se constrói um programa de governo. A maioria dos partidos brasileiros têm natureza cartorial, nenhuma consistência ideológica e um único princípio programático: estar sempre no governo, seja qual for ele. O PSDB sempre foi diferenciado neste sentido, com forte identidade ideológica e política, derivada em geral de nossa consistência coletiva, e, em particular, do pensamento de nossa maior referência, o ex-presidente FHC. Mas, é preciso reconhecer que a dinâmica de formulação sempre se deu de cima para baixo. Nunca fomos um partido de massas, com profundas raízes nos movimentos sociais e vida orgânica ativa. Sempre fomos caracterizados, e a imagem não é falsa, como um partido de quadros. Para inovar e mobilizar a estrutura partidária, a militância e a própria sociedade deveríamos realizar, em abril, maio e junho de 2019, um Congresso Nacional, com etapas municipal, estadual e nacional, para o realinhamento participativo ideológico e político do partido e para a reforma do Programa e do Estatuto.
Qual a agenda brasileira na era Bolsonaro? Qual a inserção do Brasil no mundo diante de uma globalização em xeque? Como construir uma nova política e reinventar a democracia brasileira na era da internet e das redes sociais? Como redimensionar as relações Estado/sociedade no Brasil do Século XXI? São algumas das questões que poderíamos propor ao conjunto de filiados e à sociedade num processo intenso de debate, utilizando as ferramentas virtuais disponíveis, o que poderia levar o PSDB a atrair novos líderes, novos militantes. E envolver na discussão e mobilização nossos milhares de vereadores, centenas de prefeitos, dirigentes municipais, intelectuais e técnicos com ação nos plano municipal e regional, que no formato tradicional desempenham sempre papel passivo nas discussões nacionais, não gerando ambiente de pertencimento e compromisso, o que propicia o baixo nível de fidelidade das lideranças regionais e locais aos nossos candidatos. O PSDB estaria ancorado na melhor tradição dos partidos socialdemocratas que fazem de seus Congressos Nacionais o ponto alto da vida partidária.
A Direção Nacional deveria aprovar o calendário e o Regimento Interno do Congresso Nacional, com as “regras do jogo”: sistema de delegação para as etapas superiores, critérios para apresentação de emendas (aditivas, supressivas ou modificativas), dinâmica de mobilização, responsabilidades na condução do processo, etc. Esta proposta, no meu ponto de vista, deveria surgir a partir de um grupo de trabalho presidido pelo Presidente do ITV, Senador Tasso Jereissati, composto pelos três governadores eleitos, pelos novos líderes eleitos na Câmara e no Senado, um prefeito de capital e um vereador.
A Direção Nacional deveria aprovar e baixar o Documento Político para a Discussão, em dezembro de 2018, com o formato original proposto para a apreciação coletiva do partido. O Texto Guia deveria ser redigido por uma comissão com o suporte do Instituto Teotônio Vilela. O Documento Político deveria ficar em consulta pública na internet, com a construção nas redes sociais de uma Tribuna Livre Virtual de debates, organizada por segmentos temáticos para facilitar a interação de pessoas com interesses setoriais. O ITV deveria contratar equipe específica para acompanhar e organizar a sistematização de todo o material e acervo de ideias. Nas Etapas Municipal e Estadual haveria a eleição de delegados às etapas subsequentes e a votação de emendas ao Documento Político inicial. Deveriam ser organizados debates nacionais nas redes sociais para motivar e subsidiar a discussão do Documento. Os diretórios municipais e estaduais deveriam ser orientados a levar as discussões para além das fronteiras partidárias, envolvendo lideranças e técnicos não filiados ou mesmo de outros partidos com afinidades com o PSDB.
Ao final do processo teríamos realizado uma ampla mobilização partidária e social, o que daria uma densidade e uma legitimidade muito maior ao novo documento de orientação política e ideológica do PSDB. Vale ressaltar, o processo é tão ou mais importante que o produto final.
Feita a revisão, a consolidação e a impressão do texto, a partir da etapa nacional do Congresso, ele deveria ser lançado em grande estilo num evento nacional a ser realizado em Junho de 2019, às portas da Convenção Nacional que renovará a direção partidária, transmitido pelas redes sociais.
O PSDB daria uma demonstração clara e concreta de seu compromisso com uma nova política e com a reinvenção da democracia brasileira. E faria a inversão da dinâmica tradicional e improvisada candidato-programa, dispondo de um documento programático legitimado política e socialmente, por um processo inovador. Com um diagnóstico prospectivo claro e um conjunto de ideias e diretrizes sobre o futuro do país, poderíamos partir para as eleições municipais a partir de um novo patamar de vida partidária.
CRONOGRAMA PROPOSTO:
NOVEMBRO 18 – constituição da comissão organizadora
DEZEMBRO 18 – publicação do Documento Político, referência para o Congresso Partidário Nacional
JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 19 – processo virtual e presencial de discussão do documento
ABRIL 19 – congresso e convenções – etapa municipal
MAIO 19 – congresso e convenções – etapa estadual
JUNHO 19 – congresso e convenção – etapa nacional
Monica De Bolle: O que os perdedores revelam
Os eleitores estão dispostos a votar naquilo que não mais representa o consenso liberal social-democrata
Como parte de um ambicioso projeto de pesquisa com colegas do Peterson Institute for International Economics, tenho lido os programas de governo dos principais partidos políticos dos países que compõem o G-20 antes e depois da crise de 2008. Nosso interesse é identificar nas propostas partidárias indícios de políticas e diretrizes com maior conteúdo nacionalista no âmbito da economia, sobretudo no período pós-crise. A análise dessas plataformas acabou revelando mais do que pretendíamos em alguns casos.
As duas maiores economias latino-americanas, Brasil e México, já tiveram ou estão tendo eleições gerais este ano, assim como no período que antecedeu a crise de 2008: esses mesmos países elegeram novos presidentes, congressistas e governadores em 2006. Curioso é que, em 2006, dois candidatos que concorreram à presidência no Brasil e no México também concorreram em 2018. São eles Geraldo Alckmin do PSDB e Andrés Manuel López Obrador (conhecido como AMLO) no México. Como sabemos, AMLO obteve expressiva vitória nas urnas, derrotando o candidato do PRI, partido de centro-direita ao qual pertence o atual presidente. Em 2006, AMLO foi derrotado por Felipe Calderón do também centro-direitista PAN por margem estreitíssima, de manos de 1% dos votos totais.
As plataformas de AMLO em 2006 pelo PRD – partido de centro-esquerda do qual saiu em 2012 para lançar seu atual partido, o MORENA – e de AMLO em 2018 não foram muito distintas: o componente nacionalista está presente nas propostas de uma política industrial com forte presença do Estado, nas políticas comerciais que priorizam a promoção das exportações e a proteção de setores considerados importantes para a criação de empregos, e uma forte crítica às políticas neoliberais que “buscaram a estabilidade dos preços” em detrimento do crescimento e do desenvolvimento.
Nos dois períodos, 2006 e 2018, PAN e PRI pregaram a cartilha do liberalismo econômico sensato, aquele que defende uma política industrial horizontal, beneficiando todos os setores de igual maneira, a abertura comercial respeitando as regras internacionais, a prudência na condução da política macroeconômica sem deixar de lado políticas para a inclusão social. Em 2006, o liberalismo econômico com pitadas social-democratas chegou perto de ser derrotado. Em 2018, foi definitivamente derrotado com o auxílio de uma grande movimentação dos eleitores mexicanos contra a corrupção e em prol da renovação política. A partir de dezembro, o México terá novo governo marcado por claras diretrizes nacional-desenvolvimentistas e com maioria no Congresso.
Interessante é constatar que o PSDB sofreu destino semelhante ao do PRI e do PAN. Contrastando os programas do PSDB e do PT em 2006, tinha o do PT algum conteúdo nacionalista nas propostas de política industrial, embora não fossem muito distintos do programa do PSDB: ambos falavam em “priorizar setores que criam empregos melhores e mais bem remunerados, como a indústria de transformação”. Na área macroeconômica, ambos citavam como prioridade manter a estabilidade dos preços e a sustentabilidade fiscal. Na área comercial, o programa do PT era levemente mais protecionista do que o programa do PSDB. Portanto, é razoável afirmar que no quesito nacionalismo econômico, PT e PSDB tinham pitadas aqui e acolá.
Já em 2018, a diferença é brutal. O programa do PSDB apresentava medidas exatamente no ponto de neutralidade, isto é, a plataforma era uma proposta bem elaborada do consenso liberal ma non troppo que caracterizou as políticas econômicas nos países avançados até a eleição de Trump em 2016. Já o programa do PT foi para os extremos do nacionalismo econômico na política industrial, nas propostas para o comércio, nas diretrizes macroeconômicas. Como escrevi na semana passada, o programa do PSL de Bolsonaro é difícil de avaliar nessas dimensões, visto que não há diretrizes ou propostas, apenas frases vazias.
A conclusão a que chego é que nesse fim de década, os eleitores – quando se preocupam com propostas – estão mais inclinados a votar naquilo que não mais representa o consenso liberal social-democrata do pós-guerra, seja lá o que isso for. O México foi para o campo nacionalista. O Brasil está prestes a entregar cheque em branco, ainda que o nacionalismo econômico não tenha sido, de forma alguma, banido do imaginário nacional. Aos vencedores, as batatas quentes.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
PSDB não tem a linha do Bolsonaro e fará oposição a ele ou ao PT, diz Tasso
Tucano diz que 'ventania no Congresso derrubou bons e ruins' e articula 'grupo do bom senso'
Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Senador com mais quatro anos de mandato e ex-presidente nacional do PSDB, o cearense Tasso Jereissati afirmou que Jair Bolsonaro (PSL) "não tem a linha" de seu partido, que será oposição no próximo governo, seja o militar o presidente, seja Fernando Haddad (PT).
Para Tasso, "o grupo de Bolsonaro é muito perigoso", e senadores já se articulam em um "grupo do bom senso" para resistir a empreitadas polarizantes. A "ventania no Congresso derrubou bons e ruins", lamentou.
O candidato tucano a governador de São Paulo João Doria "não representa a cara" do PSDB, afirmou Tasso.
Como está o clima no Senado?
Está pesado. Com a quantidade de gente que não se elegeu, está todo mundo para baixo, deprimido. Acho que nunca vi isso. A renovação, nas outras eleições, não era tão grande, e tem gente muito boa [que não se reelegeu]. Cristovam [Buarque (PPS-DF)], Armando Monteiro [(PTB-PE), que tentou o governo de Pernambuco], Ricardo Ferraço (PSDB-ES). É uma pena.
Os eleitos não têm o mesmo preparo?
A minha primeira impressão é que caiu [a qualidade] pelos que saíram. Não estou vendo gente com esse nível, não. Vai ter muita gente nova, pode ter surpresas, mas a primeira impressão é caiu. A ventania derrubou tudo, bons e ruins. Mas foram os bons, que eram poucos.
Essa onda conservadora reconfigurou o Congresso.
Não foi só conservadora, não, porque os líderes conservadores também foram [embora]. Armando, que era candidato ao governo, Ferraço... Quer um senador que tenha tido desempenho melhor que o Ferraço nesses anos na linha de economia liberal? Eu vejo alguns de extrema direita, que não são liberais na economia, são estatizantes até.
Têm às vezes viés autoritário. O sr. se preocupa?
Existe a preocupação aqui de fazer um bloquinho, bloquinho, não, um grupo do bom senso, seja de esquerda ou de direita, que vá se aglutinando para evitar essa polarização, e que o bom senso prevaleça.
Mas vai ser uma minoria, não?
Não sei, não sei quem vem.
Se Bolsonaro ganha, o sr. tem preocupação com a democracia?
O grupo dele é muito perigoso nesse sentido, mas acho que as instituições, pelo quadro que estou vendo aqui no Senado, serão uma coisa bem resistente, um ponto de equilíbrio bem forte. A confirmar, em função dos que estão chegando aí.
No segundo turno, o PSDB deveria tomar que postura?
Isso que foi decidido, nem um nem outro. [Nos estados], cada um nas suas eleições que tome a versão que quiser. Mas o PSDB não vai apoiar nem um nem outro, e a expectativa é que qualquer um que ganhe nós sejamos oposição. É a minha visão.
Como viu a postura do Doria na campanha?
Ele andou anunciando a posição bolsonariana antecipadamente. Não se empenhou [na campanha do Alckmin] e aparentemente participou de grupos com outra linha para a Presidência, mas eu não estava perto. A sensação que nós temos é que isso aconteceu e com intuito claro de se eleger, porque a corrente bolsonariana em São Paulo ficou muito forte, uma onda muito grande. No intuito de não perder voto e ganhar voto, ele foi para essa linha e abandonou o Geraldo.
Isso, politicamente, tem que efeito?
É ruim, claro. Tem consequências.
É uma traição?
Claro, principalmente em São Paulo, em se tratando do Geraldo. Afinal de contas, Geraldo foi quem fez ele de cabo a rabo. E é ali do lado, não é uma coisa de um sujeito lá no Piauí que não conhece o Geraldo e votou no Bolsonaro. É dentro da casa dele mesmo.
Doria tenta ter controle sobre o partido. Como vê esse movimento?
Ele pode ser uma saída para o PSDB neste momento de dificuldades? Não acho que ele seja a saída, não. Claro, se ele se eleger governador de São Paulo, terá peso muito grande. Mas não sei se ele representa a cara do PSDB nacional nem a cara do PSDB paulista.
Qual é a diferença dele para o PSDB? O que não se enquadra no perfil?
Pode ser até que o antipetismo seja mais forte do que tudo isso, mas a linha do Jair Bolsonaro não é a nossa linha.
O PSDB sofreu a pior derrota na eleição presidencial, encolheu a bancada.
É um momento bem difícil.
Luiz Carlos Azedo: O voto útil
“Há dois tipos de indecisos: o que não está nem aí para a política e decide de última hora; e o que escolheu um campo político, mas não sabe qual é o candidato com mais chances de ir ao segundo turno”
Um dos ingredientes da democracia é o imponderável nas eleições, sem o qual não haveria alternância de poder. Num país de dimensões continentais como o Brasil, com um contingente eleitoral de 147 milhões de eleitores, a 44 dias das eleições, nada mais natural que o mercado ter uma crise de nervos por não saber quem ganhará o pleito. Objetivamente, as pesquisas mostram isso. É natural que os analistas façam interpretações e tentem antecipar resultados. Acertar com essa antecedência é um bilhete premiado na loteria das consultorias políticas. Para as futuras eleições, é claro. Na atual, é pura adivinhação.
Conversando com um amigo macaco velho do jornalismo político, ele fez uma observação muito pertinente sobre as duas últimas pesquisas eleitorais: “Não sei ainda em quem vou votar, mas sei em quem não voto de jeito nenhum. O que vai decidir essa eleição é o voto útil!” Não vou revelar o “não-voto” do amigo, mas o raciocínio serve para muita gente. Há dois tipos de indecisos: o eleitor que não está nem aí para a política e decide de última hora; e o que já escolheu um campo político, mas não sabe qual é o candidato com mais chances de ir ao segundo turno.
Sem fazer previsões precipitadas, diria que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu se tornar um grande eleitor da disputa, mesmo estando preso em Curitiba, cumprindo pena de 12 anos e 1 mês de reclusão, após ter sido condenado em segunda instância por causa do triplex de Guarujá. A narrativa do golpe contra Dilma Rousseff e a vitimização do petista colaram numa fatia do eleitorado, que já era simpática ao ex-presidente da República. Fosse mesmo candidato pra valer (sua candidatura será impugnada), Lula estaria no segundo turno e poderia até voltar ao poder, como aconteceu com Getúlio Vargas (PTB), em 1950.
Lula opera uma estratégia de risco, afronta a Justiça e as regras do jogo democrático, mas os adversários precisam reconhecer que o plano funcionou: pode até chegar ao horário eleitoral gratuito como candidato. Ganha com isso o PT, que conseguiu varrer para debaixo do tapete os escândalos do mensalão e da Petrobras para evitar uma nova derrocada eleitoral, como a de 2016, quando perdeu 59,4% das prefeituras. Vêm daí as apostas de que Fernando Haddad estará no segundo turno das eleições, beneficiado pela combinação da transferência do prestígio de Lula e do apoio da militância petista nas redes sociais.
Resiliência
Um exemplo desse apoio foi a reação petista ao resultado das pesquisas, que mostraram a fragilidade de Haddad nos cenários sem Lula. Os votos do ex-presidente migraram principalmente para Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT). A AP/Exata, que acompanha as redes sociais em tempo real, registrou que as hashtags #LulaManuHaddad e #Haddad rapidamente se equipararam às menções de Bolsonaro, que lidera a campanha eleitoral nesse meio. Fala-se muito numa disputa tempo de televisão e de rádio versus redes sociais. Ao contrário de Bolsonaro e Marina, que lideram nas redes sociais, Haddad dispõe de razoável condição de campanha no universo analógico e paridade no meio digital.
Lula empurra com a barriga a candidatura até 17 de setembro, utilizando os prazos do processo de impugnação no Tribunal Superior Eleitoral (TRE), para ser substituído por Haddad em pleno horário eleitoral gratuito, que começa em 31 de agosto. Seus marqueteiros dizem que bastariam 60 segundos para fazer a transferência de votos, numa fusão de imagens. Será? Até agora, Lula se passou por vítima de uma grande armação judicial; se o ex-presidente for à televisão, Haddad terá que ser abatido na pista, antes de decolar.
Geraldo Alckmin (PSDB) aposta todas as fichas no tempo de televisão e de rádio para desconstruir a imagem dos adversários e resgatar a própria; subestima as redes sociais. Para chegar ao segundo turno, terá que crescer nos eleitorados de Bolsonaro, à direita; Marina Silva, à esquerda; Ciro Gomes, no Nordeste, e Álvaro Dias, no Sul, que já demonstraram grande resiliência. E avançar entre os indecisos. É aí que voltamos ao ponto de partida. Chegará ao segundo turno quem capturar os votos anti-Lula e/ou anti-Bolsonaro, que são os protagonistas da polarização eleitoral. Ou seja, o voto útil. Por enquanto, segundo as pesquisas, Marina Silva continua melhor posicionada do que Alckmin para isso.
Luiz Sérgio Henriques: A refundação necessária
Reconectar partidos e ideias requer a decisão de nos pormos nos marcos definidos em 88
Há formas e formas de encarar situações críticas, e lá diz o poeta que mesmo um copo vazio, bem observado, está cheio de ar. Em meio às agruras presentes, pressentimos, às vezes sem plena e cabal consciência, que a Carta de 1988 é o que impede sobressaltos, como a convocação de constituintes exclusivas para tal ou qual finalidade, especialmente a reforma política - que há de vir, mas por outros meios. Entre candidatos presidenciais bem posicionados, existem os afeitos à ideia de aumentar perigosamente a eletricidade ambiente, tornando-a mais “intensa”, seja qual for o significado disso.
Afinal, vivemos tempos de crise das democracias e os remédios que se aviam em laboratórios de fundo de quintal nem sempre trazem a cura, quando não são, como no caso dos populismos, piores do que o próprio mal.
Paradoxos não faltam. As instituições de controle se ativaram como nunca. Excessos à parte, puseram a nu mecanismos de financiamento político-partidário de cuja existência suspeitávamos, sem ter a exata noção de seu amplo poder corrosivo. Grupos dirigentes inteiros foram chamados às barras da lei, o que desarticulou alguns dos mais importantes partidos da redemocratização e os respectivos projetos de poder. Ao mesmo tempo, o ambiente de terra arrasada daí nascido é o mais propício a aventureiros de todos os matizes, que se alimentam da antipolítica que eles mesmos semeiam, ao se colocarem “contra tudo o que está aí”. Esta é a hora clássica dos demagogos.
Se as instituições de fiscalização vieram para ficar, com suas exigências de controle e transparência, o sistema político reage e se reagrupa como pode. Tem a seu favor o fato óbvio de que não existe democracia sem partidos e sem Parlamento digno do nome.
Velhos comunistas costumavam dizer que a mais medíocre das “democracias operárias” era preferível à mais pujante das “democracias burguesas”. Devemos parafraseá-los em outro sentido: do ponto de vista de uma vida civil moderna, como a que precisa existir no Brasil, não haver democracia parlamentar, verdadeiramente livre e plural, é o pior dos mundos.
Como dissemos, o establishment reage, vale-se das regras de financiamento exclusivamente público, aposta na maior visibilidade dos detentores de mandato, de modo que se vislumbra um nível baixo de renovação do Congresso e das assembleias estaduais. Eppur si muove, e algo como um processo constituinte, nada espalhafatoso, mas quem sabe promissor, pode estar ocorrendo sob nossos olhos. Este processo, distante de qualquer subversivismo rupturista, atinge um dos pilares da vida institucional: exatamente, o sistema de partidos, às vésperas de ser - em parte - racionalizado com a cláusula de barreira já prevista para este outubro.
Regras, quando pertinentes, costumam ser bem mais do que meros artifícios técnicos. Já que o voto é livre e as urnas são imprevisíveis, impossível dizer quantos e quais partidos terão plena existência parlamentar e assim poderão condicionar, positiva ou negativamente, o futuro programa de reformas.
Sabe-se apenas que serão em número bem menor do que as atuais três dezenas. Deixando de lado qualquer previsão minuciosa, aqui propomos um mapa provisório do sistema de forças em surgimento, apontando alguns dos prováveis rumos à frente.
Já temos de nos haver com uma extrema direita competitiva - e agressiva - pela primeira vez desde a redemocratização. O partido ou grupo de partidos que nesta área se firmarem estarão em linha com tendências globais. Não por acaso seu líder se derrama em elogios à figura tutelar de Trump e tenta capitanear uma versão nativa da Christian Right, com “Deus acima de tudo”. Será capaz de dirigir toda a sociedade com base em valores que dificilmente seriam os de uma apregoada “sociedade aberta”?
Partidos tradicionais, como PP, DEM e em certa medida MDB, vivem uma versão peculiar do dilema dos velhos partidos operários, quando se dizia que as ideias deviam vir “de fora” do aparelho partidário.
Veem-se assediados por vozes e movimentos que postulam um liberalismo distante das esferas do Estado, nas quais aqueles partidos se movimentaram até hoje com maestria e conhecimento de causa. A capilaridade que detêm parece condenar ao insucesso as novas vozes, mas, sem estas, organismos tradicionais caducam e morrem, antes de construir suas pontes para o futuro.
Este “centro ampliado”, de resto, é vital para barrar a pretensão hegemônica da ultradireita, mas não basta. A revitalização do PSDB será requisito para dar gravitação a uma frente democrática de novo tipo, com soluções positivas para as urgências econômicas e sociais do País. Nascido de notável constelação de intelectuais e com a vocação de representar as camadas médias modernas, um bom desempenho tucano nas urnas recolocaria o dilema deste partido, a saber, estar no governo e não desaparecer da sociedade. E desta vez sem espaço para o erro.
Tal como da extrema direita, pouco se pode esperar da esquerda dominante, pelo menos por ora. Até por uma questão geracional, teria cabido aos grupos dirigentes do petismo renovar a política e dar-lhe novo fôlego. Aqui, sim, teria sido necessária uma transformação que liquidasse mitos revolucionaristas e impedisse seu reaparecimento, ainda que só para fins de retórica ou de sustentação a toscos projetos externos, como o bolivarianismo. Uma missão que o petismo deixou de cumprir - e sem refletir sobre este descumprimento ele dará mil voltas sem sair do lugar.
Reconectar partidos e ideias - de preferência a ideologias -, ação e programa, sociedade civil e sociedade política requer a decisão de nos pormos nos marcos constitucionais livremente definidos há 30 anos. A República não precisa de refundação; os partidos que deveriam vertebrá-la, sim. Distinguir uma coisa da outra é um dos modos de separar amigos e inimigos da sociedade aberta.
Mauricio Huertas: “Nova”, “velha” e “boa” política
A emenda pior que o soneto, as reformas necessárias e a diferença entre “nova”, “velha” e “boa” política
Senta que lá vem polêmica! Quando pensei em uma imagem para ilustrar este artigo, foi inevitável lembrar da restauração desastrada da “velhinha de Borja”, como ficou conhecida a bondosa senhora octogenária, restauradora voluntária do interior da Espanha, que há alguns anos tentou “consertar”, por sua conta e risco (literalmente), uma pintura de Jesus Cristo do século 19.
Pois, mal comparando com a campanha eleitoral a sensação é a mesma ao confrontar a legislação antiga e desgastada que havia anteriormente com esse puxadinho improvisado, essa gambiarra apresentada pelo Congresso Nacional para as eleições de 2018, que agora já sentimos os efeitos, em vez de uma verdadeira, profunda e necessária reforma.
O que era ruim ficou pior. Se a população reclamava de campanhas caras e do desperdício de recursos gastos para eleger os políticos de sempre, a resposta deles, na contramão do bom senso, foi exatamente criar um fundo público eleitoral, ou seja, entregar de mão beijada mais de R$ 2,5 bilhões para os donos dos partidos, somados o fundo partidário tradicional com o novo caixa específico para esta eleição, uma farra bilionária inimaginável com dinheiro que deveria ser investido em saúde, educação e desenvolvimento para o país, no lugar de financiar a estrutura podre, viciada e carcomida das legendas partidárias.
Os campeões do financiamento público também são – e veja que nada é por acaso – os líderes no ranking das denúncias investigadas na Lava Jato e em outras operações do Ministério Público e da Polícia Federal: MDB, PT, PSDB e PP, entre outros menos aquinhoados. O que eles pretendiam, com essa legislação remendada em vigor, era cristalizar o domínio político e financeiro deste consórcio fisiologista. Somem-se ao esbanjamento do dinheiro público outras decisões como o monopólio do tempo de propaganda no rádio e na TV, a limitação do acesso aos debates e… pronto! Nem Pinky e Cérebro, aqueles ratinhos do desenho animado, tiveram uma ideia tão genial nas suas armações e trapaças para conquistar o mundo.
A eleição por lista fechada, uma excrescência barrada durante os debates na Câmara e no Senado, funciona na realidade quando os partidos definem livremente quanto e quem vai receber dinheiro público para a sua campanha, dentro da sua lista de candidatos preferenciais, praticamente inviabilizando os demais. O controle sobre o acesso à propaganda oficial também é exclusivo da cúpula dos partidos. Aparece na TV quem eles determinarem. Os outros que se virem sozinhos, quase clandestinos. É a mesma lógica do veto a candidaturas avulsas: o controle absoluto é dos partidos.
A renovação é dificultada a qualquer custo (e esse custo – caríssimo, como já ficou claro – é espetado na conta do povo). Alguns novos partidos tem insignificantes 4 ou 5 segundos de propaganda na TV. Não dá nem para se apresentar minimamente, como fazia no folclórico bordão “Meu nome é Enéas” o falecido presidenciável do igualmente finado Prona. Se o eleitor-espectador piscar o olho, não vê passar o candidato. Isso é justo? É democrático?
Dos debates só participa quem está em partido ou coligação com um número “x” de parlamentares. Ou seja, partido novo (e o Novo é mesmo um dos exemplos concretos e objetivos) está excluído dos confrontos entre candidatos mediados na TV, enquanto participam outros que aparentemente seriam barrados se houvesse teste psicotécnico ou exame antidoping para ocupar uma cadeira. Lamentável como se criam labirintos jurídicos e armadilhas políticas tendo como pano de fundo a “democracia”, essa palavrinha mágica que esconde tantos abusos e absurdos corporativistas e antiéticos, ilusão de ótica que segue beneficiando quem deseja manter tudo como está para ver como é que fica.
Democracia mesmo, aquela que existe quando a boa política (mais que “nova” ou “velha”, mas verdadeiramente “boa”, que corresponda plenamente ao que é exigido, desejado ou esperado quanto à natureza, adequação, função, eficácia e funcionamento da política) é posta em prática, não teremos ainda em 2018 ou até que as reformas estruturais do Brasil sejam tocadas com rigor, coragem, responsabilidade e independência. Por isso o voto em 7 de outubro é tão importante: para a Presidência da República e para o Governo do Estado, mas também – e principalmente – para o Senado Federal, a Câmara dos Deputados e a Assembleia Legislativa. Afinal, quem me representa?
Mauricio Huertas: Políticos, meus velhos, vocês não entenderam nada!
Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.
Senhores políticos, vocês não entenderam nada! Passados cinco anos das já históricas manifestações de junho de 2013, seguem ignorando todos os sinais de vida inteligente vindos de fora do seu universo particular. Se naquela época ficaram atordoados com a juventude alienígena que proliferava em cada canto deste país, buscando em vão seus supostos líderes, inexistentes na realidade horizontal e difusa das redes e das ruas, os nativos da velha política demonstram outra vez que não aprenderam nada ao reproduzir em 2018 todos os erros que motivaram aquele “big bang” dos movimentos pela renovação.
O primeiro grande erro, essencial, além de ignorar os sinais emitidos desde 2013, foi desprezar o recado claro das urnas em 2016. Afinal, deveriam ter percebido que não podia ser apenas coincidência a eleição de prefeitos que, cada um à sua maneira, representavam uma ruptura com o sistema dominante nas principais capitais do país: João Doria em São Paulo, Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, Alexandre Kalil em Belo Horizonte, Nelson Marchesan Júnior em Porto Alegre, Rafael Greca em Curitiba, Luciano Rezende em Vitória, ACM Neto em Salvador, entre outros.
Tentou-se em vão passar réguas ideológicas, geracionais ou partidárias e não se chegou à conclusão óbvia: todos eles representavam de alguma forma o “novo”. Do veterano Grecano Paraná, eleito pelo minúsculo PMN, ao bispo da Universal vitorioso no Rio; do “gestor” João Doria aos políticos de tradição familiar, como o gaúcho Marchesan ou ACM, o baiano reeleito assim como o capixaba Luciano Rezende; mas todos eles notadamente escolhidos pelo eleitor para mudar ou para protestar contra a política local que se praticava até então.
Depois de passar despercebido – ou ser deliberadamente ignorado – esse sinal dado em 2016, os nomes que surgiram como opções para a consolidação de candidaturas “outsiders” à Presidência da República foram sendo seguidamente abduzidos pelas forças da velha política. Fiquemos nos dois mais significativos: Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que desistiram (ou adiaram suas pretensões) diante da monstruosa pressão de políticos e partidos tradicionais.
Aí talvez esteja o erro mais gritante dos principais analistas e estrategistas do mundo político: julgar como favas contadas que a eleição de 2018 será decidida pelas mesmas regras tácitas e os velhos costumes da política institucional brasileira, resumida ao “nós” x “eles”, ou à repetição da disputa simbiótica PT x PSDB, tão normal nas últimas décadas. Afinal, por esse raciocínio raso, restaram no cenário apenas as candidaturas do mecanismo binário e polarizado que se retroalimenta. Então, para vencer, bastaria reunir a maior quantidade de partidos nas coligações e dominar o tempo da propaganda na TV. Será?
Vetustos e velhacos da política não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula- candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?
Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do “rouba mas faz”.
Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos Enéas, Tiriricas e Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.
É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições?
Finalmente, precisamos falar de Geraldo Alckmin. É simples: se o roteiro do candidato tradicional prevalecer ainda sobre a modernidade e a diversidade das redes e sobre a demanda por uma nova forma de fazer política, que não seja tão influenciável pelo tamanho das coligações partidárias e pelo monopólio da propaganda oficial no rádio e na TV, o tucano é o favorito disparado para ganhar essa eleição. Ponto, portanto, para quem fez a aposta na estratégia dessa múltipla aliança com o “centrão” e com o “status quo”. Do contrário, apertem os cintos… Estaremos perdidos no espaço!
*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente