Proteção ambiental
Miriam Leitão: Entendimento geral
Todo mundo entendeu, perfeitamente, que o fim da Renca significaria aumento do risco de destruição na Amazônia
Ao desistir de extinguir a Renca, o governo disse que houve uma “incompreensão geral da sociedade”. Não. Todo mundo entendeu muito bem e isso é que foi um problema para o governo. Como apenas uma parte pequena do território estava fora das áreas de conservação, o que ficou claro é que o fim da reserva mineral era o começo do desmonte das reservas ambientais na região.
O governo deve ter pensado que algo com o nome estranho de Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados) não teria apelo algum para mobilizar a opinião pública, ainda mais sendo uma reserva mineral e criada na época do governo militar. Mas o problema foi a compreensão geral da sociedade sobre o que significava tudo aquilo para a Amazônia: um risco.
Primeiro, está em andamento uma escalada de desmonte de legislação ambiental, como concessão para grupos de interesse contrários à conservação. Segundo, muito recentemente o governo tomou a insensata decisão de reduzir o tamanho da Floresta Nacional de Jamanxin, em mais um sinal de incentivo aos grileiros. Jamanxin é um ícone da luta do Estado contra os desmatadores ilegais. Ela fica ao lado da BR-163 e desde que foi criada, em 2006, há pressão para que o governo recue. Os grileiros optaram pela técnica do fato consumado: entraram depois da criação e alegam que estavam lá muito antes. Mas os arquivos das imagens de satélite de como era em 2006, e como é agora, confirmam que a invasão ocorreu após a área ser oficialmente destinada à conservação. Quando o governo aceitou a pressão para refazer os limites da Floresta Nacional, ele estimulou esta e outras invasões.
A Renca é um mosaico de nove unidades de conservação que foram sendo criadas nos últimos 40 anos. E isso fez com que uma reserva que era inicialmente apenas mineral, ou seja, para evitar que houvesse mineração privada por lá, acabasse se transformando numa das áreas mais protegidas. Fica na Calha Norte, região de pouquíssima densidade populacional e grandes áreas preservadas.
O governo disse, no primeiro decreto de extinção da Renca, que já está havendo garimpo ilegal por lá e que, portanto, se trata apenas de legalizar o que está sendo feito ilegalmente. O especialista em Amazônia Beto Veríssimo, do Imazon, que fez vários estudos e trabalhos na Calha Norte, conta que os garimpeiros estão em torno do Rio Jari apenas e que o problema é de fácil solução. Na Renca, só 0,3% da floresta está desmatado. O grande perigo com o garimpo é o de contaminação dos rios por mercúrio.
O temor do pesquisador Beto Veríssimo e do procurador da República Daniel Azeredo era que o governo estivesse criando o ambiente para mudar o marco regulatório das unidades de conservação, ou alterar os limites das reservas que estão dentro da Renca. Em entrevistas que me concederam, os dois disseram isso. Essa ideia fica ainda mais sólida diante da reportagem publicada ontem no GLOBO, dos repórteres Francisco Leali e Manoel Ventura, mostrando que o governo sabia desde o começo que para viabilizar a mineração na região teria que mudar as unidades de conservação ou os planos de manejo de algumas delas, como a Floresta Estadual do Paru, a Reserva Biológica de Maicuru e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Iratapuru. Os documentos do Ministério das Minas e Energia apontavam a existência de minerais nessas reservas.
O conflito entre o meio ambiente e a mineração ficou mais agudo após o desastre da Samarco em Mariana. Recentemente, o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que foi um “acidente”, uma “fatalidade”. A maior tragédia ambiental do país provocada pela mineração foi fruto do descuido e do não cumprimento de regras mínimas de segurança e precaução. Depois disso, em vez de elevar os níveis de segurança, o setor da mineração aumentou a intensidade do lobby por uma legislação ainda mais flexível.
A Amazônia vive, desde 2013, um retrocesso no movimento que vinha reduzindo o desmatamento. Todo mundo entendeu, perfeitamente, que o fim da Renca significaria aumento do risco de destruição na Amazônia. E por isso a reação foi tão forte.
Cidades colapsadas
É urgente aplicar medidas para conseguir uma mobilidade que contamine menos, evite o colapso do tráfico e permita recuperar espaço urbano
Como campanha de conscientização e experimentação, as medidas adotadas em diferentes cidades para marcar o Dia Sem Carros podem ser boas, mas não devemos nos enganar sobre seu alcance. Pouca eficácia terá essa maior consciência da opinião pública se não existirem alternativas eficientes ao uso do transporte privado. É verdade que muitas pessoas o usam por comodidade, mas é um erro pensar que tudo depende da vontade do povo. A maioria dos que usam transporte privado para trabalhar nos horários de pico fazem isso pois são forçados, especialmente se tiverem que fazer trajetos metropolitanos. Não se pode culpar os cidadãos por um modelo de mobilidade que não escolheram por que gostam, mas por necessidade. Apenas oferecendo uma alternativa igualmente rápida e mais barata é possível esperar mudanças significativas nas decisões sobre mobilidade.
O aumento do tráfego urbano e a maior proporção de carros a diesel na frota elevou perigosamente os níveis de poluição nas grandes cidades, que muitos dias excedem o mínimo tolerável. Estima-se que em aglomerações urbanas como Madri ou Barcelona acontecem mais de 3.000 mortes prematuras a cada ano por causa da poluição do ar.
É urgente implementar medidas para conseguir uma mobilidade que polua menos, evite o colapso do trânsito e permita recuperar o espaço urbano para os pedestres. Mas isso não será conseguido com discursos populistas que criminalizam o carro e descarregam sobre os cidadãos um problema cuja solução não depende só deles. Se tudo ficar em um mero gesto vazio, pouco será alcançado. As prefeituras devem abordar com coragem os planos de mobilidade, incluindo uma melhoria substancial do transporte público, a revisão dos planos de acesso aos centros urbanos (incluindo o eventual pagamento), e uma organização do tráfego que priorize as duas variáveis mais importantes: custo e tempo.
Fonte: El País