progresso
Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo
Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)
Risério, Antonio (org.). A crise da política identitária. Rio de Janeiro: Topbooks, 2022. 561 págs.
Antonio Risério é um intelectual rigoroso e reuniu um time plural e eclético no conjunto de ensaios intitulado A crise da política identitária. Ele e os demais buscaram origem, história, morfologia e linguagem usada pela política identitária, documentando-a com precisão e sem impressões superficiais e/ou intuições vagas. Desenvolveram uma argumentação baseada em análise precisa dos textos que embasam a política identitária. E parecem ter a capacidade de ler muito do que os identitários produzem, em toda a sua geografia política, mantendo a serenidade e agindo frente aos apaixonados pela vitimização com uma postura aberta ao diálogo real.
Para tanto, Antonio Risério, Barbara Maidel, Bruna Frascolla, César Benjamin, Demétrio Magnoli, Gustavo Alonso, Pedro Franco, Ricardo Rangel, Raphael Tsavkko Garcia e Wilson Gomes, entre outros, agarram-se firmemente aos valores clássicos de esclarecimento, precisamente o que é negado e rejeitado quando se recorre a expurgos, julgamentos e condenações.
Nas 561 páginas, 20 ensaios inéditos, uma entrevista e alguns artigos, o livro mostra até que ponto as reivindicações identitárias, em todo o espectro político, são contraditórias e colocam essa política em crise: elas rejeitam uma postura planetária universal que articula as diferenças, mas que acabam por proclamar para si em outro lugar. Será preciso percorrer a história de toda essa literatura de vingança, de todos esses apelos aos assassinatos em nome da restauração da justiça, para perceber que não se trata de tornar o mundo um lugar melhor, mas apenas ocupar o lugar dos odiados dominantes?
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Wilson Gomes insiste com razão que a nova língua dessas correntes, em sua diversidade, forma uma frente aparentemente unida apenas contra o homem-branco-patriarcal-ocidental, responsável por todos os infortúnios do mundo. Mas, assim que tais correntes são criticadas a partir de outras vertentes, elas se dispersam, e, se cada uma pode reconhecer a validade dos argumentos contra seu vizinho em luta, os mesmos argumentos certamente não são válidos para ela.
Há muitas causas diferentes a defender, injustiças a reconhecer e reparar, como mostram as estatísticas maniqueístas expostas por César Benjamin e Bruna Frascolla. A cada um seu território de ativismo e busca por reconhecimento, como mostra Barbara Maidel. Ricardo Rangel acompanha de perto as mutações das lutas feministas, de Beauvoir aos estudos de gênero, dos grupos LGBTQIA+ até Meghan Markle, das lutas anticoloniais às pós-colonialidades e culturas de cancelamento. Rangel sublinha de cada vez a proliferação de vocabulários opacos que permitem eliminar as contradições da realidade e construir um universo autolegitimado.
Pedro Franco ilustra a absorção da política identitária pelas corporações, indicando o paradoxo das consequências, inclusive em governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance - ESG). Raphael Garcia expõe como a teoria política da extrema-direita de Steve Bannon se apropria da crise da política identitária. Pois é preciso olhar com rigor a política identitária em toda a sua presença na geografia política e, ao mesmo tempo, perceber o perigo real daqueles que mobilizam os valores tradicionais retrógrados, como na dupla face de Janus. Esses adversários da direita extrema se baseiam na mesma lógica identitária, no ódio à alteridade e na definição fixa e imutável da identidade. Mais uma vez os extremos se unem.
Confira, a seguir, galeria:
Na história intelectual dessa política se vê que todas essas demandas se baseiam na “desconstrução” de Derrida, na luta contra os dominadores de Foucault e na denúncia da reprodução das elites de Bourdieu. E não nos parece ilegítimo chamar atenção para o fato de que esses mestres intelectuais aceitaram sua mobilização dessa forma, sem dizer nada sobre os entendimentos errôneos e o mau uso de suas obras. Às vezes, o silêncio fala mais alto que as palavras.
O volume oferece muito mais. Além de brilhantes análises conceituais, seu grande mérito é possibilitar uma leitura que estimula o necessário debate intelectual nessa hora de um governo de frente democrática que se avizinha.
Sobre o autor
*Ricardo José de Azevedo Marinho é presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Por que donos de empresas geralmente pagam menos impostos do que seus funcionários
Camilla Veras Mota*, BBC News Brasil
Foi com essa comparação que o empresário Sergio Zimerman defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na segunda-feira (7/11), uma reforma do sistema tributário brasileiro.
Com o exemplo pessoal, o fundador da rede de pet shops Petz argumentava que a ênfase na cobrança de impostos sobre o consumo — em vez da renda ou do patrimônio, por exemplo — concentra riqueza.
De fato, os mais pobres no Brasil pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Essa é uma dinâmica que vai no sentido contrário do que diz a Constituição, segundo a qual, "sempre que possível, os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte" (Artigo 145). Ou seja, quem ganha mais deveria pagar mais.
A seguir, a BBC News Brasil discute em três gráficos algumas das distorções que explicam por que o conjunto de regras tributárias do país penaliza os mais pobres e permite, em algumas situações, que donos de empresas paguem proporcionalmente menos impostos do que seus próprios funcionários.
Tributação concentrada no consumo
Em 2021, o governo arrecadou R$ 2,94 trilhões em impostos. A maior parte, 43,5%, veio da cobrança de tributos sobre bens e serviços.
Um montante de R$ 1,28 trilhão, incluídos aí os tributos cobrados pelas três esferas: municipal (ISS), estadual (ICMS) e federal (IPI, PIS/Cofins).
A ênfase do sistema tributário brasileiro em impostos sobre o consumo é típica de países com baixo desenvolvimento socioeconômico, explica a professora de direito tributário da Universidade de Leeds Rita de la Feria.
"Os países com nível de desenvolvimento mais alto tendem a dar mais importância à tributação sobre a renda dos indivíduos", ela destaca.
Para efeito de comparação, os impostos sobre bens e serviços representam em média 32% da arrecadação total entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma fatia mais de 10 pontos percentuais menor do que no Brasil.
Uma das razões para a divergência, segundo a especialista, está no fato de que os países com nível mais baixo de desenvolvimento, que geralmente têm uma parcela grande da população com renda muito baixa, têm um universo mais restrito de contribuintes para imposto sobre a renda.
Outro motivo vem da complexidade da tributação da renda. Muitas nações em desenvolvimento têm uma administração tributária muito pequena e pouco desenvolvida e, por isso, dão preferência à tributação do consumo, cuja implementação é mais fácil.
"Mas esse não é o caso do Brasil", frisa a especialista. "A administração tributária no Brasil é muito desenvolvida. Talvez por conta da legislação tributária ser tão ruim, o país teve de se adaptar e aperfeiçoar a administração", completa.
A opção de tributar mais o consumo do que a renda tem um efeito prático direto sobre a desigualdade: ele pesa mais sobre os mais pobres. No jargão dos especialistas, é uma modalidade considerada "regressiva" - os impostos "progressivos", por sua vez, são aqueles que contribuem para reduzir a desigualdade.
O peso da tributação indireta sobre os mais pobres
Um exemplo prático: um brasileiro que recebe um salário mínimo por mês e um milionário que compram um xampu de R$ 20 em um supermercado pagam os mesmos 44,2% em impostos sobre o valor do produto, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Nessa situação, em proporção da renda mensal, o mais pobre desembolsa mais do que o mais rico.
A distorção fica visível em trabalhos como o publicado neste ano pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Felipe Moraes Cornelio, Theo Ribas Palomo, Fernando Gaiger Silveira e Marcelo Resende Tonon.
O cálculo do impacto da incidência desses impostos sobre a renda das famílias mostra que os 10% mais pobres pagam o equivalente a 21,2% da renda em "tributos indiretos".
Para os 10% mais ricos, os tributos indiretos representam um percentual significativamente menor da renda total, 7,8%, levando em consideração a renda familiar per capita.
O sistema de tributação do consumo do país, na avaliação de Rita de la Feria, é "um dos piores do mundo".
A especialista, que trabalhou na reforma tributária de Portugal entre 2010 e 2011 e depois acompanhou a de países como Angola, Moçambique, Uzbequistão e Albânia como consultora do Fundo Monetário Internacional (FMI), segue de perto o debate no Brasil. Esteve em 2020 em uma audiência no Congresso como convidada na Comissão Mista da Reforma Tributária e diz esperar voltar a discutir o assunto em breve.
Existe uma grande expectativa de que a reforma tributária seja uma das primeiras pautas tocadas pela terceira gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em seu programa de governo, a chapa Lula/Geraldo Alckmin se comprometeu a "simplificar e reduzir a tributação do consumo".
A ideia de simplificação já consta em algumas das propostas que tramitam no Congresso, entre elas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que prevê a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao IPI e PIS e Cofins (federais), ao ICMS estadual e ao ISS municipal. A inspiração é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado em diversos países.
A PEC 110 também prevê a instituição de uma espécie de IVA — no caso, em regime dual, um de competência de Estados e municípios e outro federal.
À reportagem, a professora da Universidade de Leeds diz preferir, tecnicamente, a PEC 45, por unificar os cinco tributos atuais em apenas um imposto, mas ressalta que qualquer uma das duas "é melhor do que vocês têm agora". "Não há explicação para o que vocês têm agora."
Ricos também pagam menos imposto de renda
Parte da regressividade da tributação sobre o consumo é compensada pelo imposto de renda. Como ele incide proporcionalmente sobre os ganhos dos contribuintes, quem ganha mais, paga mais.
Com um porém: no Brasil, a alíquota efetiva (ou seja, o percentual da renda que de fato é tributado) cresce à medida que a renda aumenta, mas apenas até a faixa entre 20 e 30 salários mínimos. Daí pra frente, quanto mais rico, menor o valor pago de imposto de renda.
Essa foi a conclusão de um estudo recente elaborado pelo sindicato dos auditores da Receita Federal, o Sindifisco Nacional, com base nos dados da declaração de 2021:
"Alguns mecanismos fazem com que ricos ou super-ricos paguem menos tributos do que classe média e os mais pobres", diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional.
Uma parte significativa da distorção, ele explica, se deve ao fato de que o Brasil isenta de pagamento de imposto os ganhos provenientes de lucros e dividendos - uma importante fonte de renda para os mais ricos.
É o caso de muitos dos empresários, por exemplo, que não recebem salário, mas uma participação nos lucros de suas companhias. Ou daqueles que investem em ações - e que, pela legislação vigente, não precisam recolher impostos quando recebem distribuição de dividendos.
O Brasil tributa o lucro, mas ainda na empresa, antes de ele chegar no bolso do acionista. Essa cobrança, contudo, não é equivalente quando se fala em justiça tributária e capacidade contributiva, a ideia do "quem pode mais, paga mais".
A depender do regime tributário em que a empresa se encontra - Simples Nacional, lucro real ou lucro presumido -, a alíquota efetiva pode ser significativamente menor do que a alíquota nominal, que é, de forma simplificada, o percentual que está de fato na lei.
Isso porque as empresas podem fazer uma série de deduções e exclusões para diminuir o montante que serve de base para o cálculo do imposto. E não raro utilizam uma série de benefícios legais, uma prática que tem contribuído para aumentar ainda mais a distância entre o chamado lucro societário, aquele apurado pela contabilidade da empresa, e o lucro tributário, diz Falcão.
Para ele, a isenção da tributação de lucros e dividendos, adotada em poucos países e vigente no Brasil desde 1996, ajuda a inverter a lógica que deveria balizar a tributação do imposto de renda.
"Aqueles que têm maior capacidade econômica e, portanto, maior capacidade contributiva, deveriam pagar mais. Nos países mais desenvolvidos, a tributação é progressiva, no Brasil, ela é regressiva."
A tributação de lucros e dividendos também foi defendida por Lula durante a campanha, assim como o aumento do limite para isenção do pagamento de imposto de renda dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 5.000,00.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
COP27: Mundo ruma para "inferno climático", alerta Guterres
Made for minds*
"A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer. Ou fechamos um pacto de solidariedade climática ou um pacto de suicídio coletivo." Com essas palavras, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou os líderes reunidos na abertura da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27) que os países enfrentam uma escolha difícil: trabalhar juntos agora para reduzir as emissões ou condenar as gerações futuras à catástrofe climática.
Em seu discurso, Guterres pleiteou que os governos – mesmo que estejam distraídos com a guerra na Ucrânia, a inflação desenfreada e crises energéticas – busquem durante as duas semanas da COP27 selar acordos e estratégias sobre como evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
Guterres pediu aos países que concordem em eliminar gradualmente o uso de carvão – um dos combustíveis mais intensos em carbono – até 2040 em todo o mundo, mas acrescentou que os 38 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) devem buscar atingir essa marca até 2030.
"Estamos numa estrada para o inferno"
De acordo com o secretário-geral da ONU, apesar de décadas de negociações climáticas, o progresso tem sido insuficiente para salvar o planeta do aquecimento excessivo, pois os países estão muito lentos ou relutantes em agir.
"As emissões de gases de efeito estufa continuam crescendo. As temperaturas globais continuam subindo. E nosso planeta está se aproximando rapidamente dos pontos de inflexão que tornarão o caos climático irreversível", disse Guterres. "Estamos numa rodovia rumo ao inferno climático com o pé no acelerador."
Guterres pediu por um pacto entre os países mais ricos e os mais pobres para acelerar a transição dos combustíveis fósseis para energias renováveis e a entrega do financiamento necessário para garantir que os países mais pobres possam reduzir as emissões e lidar com os impactos inevitáveis que as mudanças climáticas já causaram.
Responsabilidade de EUA e China
"As duas maiores economias – EUA e China – têm uma responsabilidade particular de unir esforços para tornar esse pacto uma realidade", disse Guterres, em Sharm el-Sheikh, no Egito, palco da 27ª edição da cúpula climática da ONU.
A maioria dos líderes mundiais se reúne no Egito nesta segunda e terça-feira, justamente quando os Estados Unidos estão envolvidos nas eleições de meio de mandato que podem mudar a política americana.
Ademais, os líderes das 20 nações mais ricas do mundo terão a sua cúpula exclusiva poucos dias depois em Bali, na Indonésia. O mandatário do país mais poluente do mundo, o presidente americano, Joe Biden, chegará à COP27 alguns dias depois da maioria dos líderes mundiais, quando estiver a caminho de Bali.
Líderes da China e da Índia – ambos entre os maiores emissores do planeta – aparentam estar se esquivando das negociações climáticas, embora alguns representantes tenham viajado para a COP27 no Egito.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, inicialmente queria evitar a COP27, mas a pressão pública e os planos do antecessor Boris Johnson fizeram-no mudar de ideia. O novo rei Charles 3º, um defensor assíduo do meio ambiente, não comparecerá devido ao seu novo papel como monarca. E o líder da Rússia, Vladimir Putin, também decidiu se abster das negociações climáticas.
"Os poluidores históricos não compareceram"
"Sempre queremos mais líderes", disse o chefe da ONU para temas relacionados ao clima, Simon Stiell. "Mas acredito que há lideranças suficientes para termos um resultado produtivo."
A maioria dos participantes da COP27 são líderes do continente africano, cujos países estão pressionando por uma maior responsabilização das nações desenvolvidas.
"Os poluidores históricos que causaram as mudanças climáticas não compareceram", disse Mohammed Adow, da think tank Power Shift Africa. "A África é o menos responsável e o mais vulnerável à questão das mudanças climáticas."
Nos próximos dias, mais de 100 líderes mundiais discursarão. Grande parte do foco estará em líderes nacionais relatando problemas causados por eventos climáticos extremos, especialmente de países africanos e insulares.
O discurso mais aguardado, no entanto, é o do primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Sharif, cujo país foi atingido por inundações neste ano que causaram ao menos 40 bilhões de dólares em danos e deslocaram milhões de pessoas.
"Minhas expectativas para metas climáticas ambiciosas nestes dois dias são muito baixas", afirmou Niklas Hohne, cientista do NewClimate Institute. Segundo ele, isso se deve especialmente à invasão russa da Ucrânia, que causou uma crise energética e outra alimentar que prejudicaram a ação climática. Muitos países, especialmente na Europa, veem-se forçados a reativar formas mais poluentes de produzir energia.
Os signatários do Acordo de Paris de 2015 se comprometeram a atingir uma meta de longo prazo de impedir que as temperaturas globais subam mais de 1,5 °C em relação à era pré-industrial. Cientistas estabeleceram essa marca como o limite para evitar mudanças climáticas catastróficas.
Texto publicado roiginalmete no portal Made for minds.
Vinícius Müller: “Novo federalismo pode gerar avanços na educação básica”
João Rodrigues, da equipe da FAP
Na sequência da série de entrevistas sobre o Bicentenário da Independência, o quarto episódio do podcast Rádio FAP propõe a reflexão sobre a forma de partilha do poder do Estado brasileiro. O professor Vinícius Müller, doutor em histórica econômica pela Universidade de São Paulo (USP), explica a importância de um novo federalismo.
Integrante do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Vinícius Müller é professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e do Centro de Liderança Pública (CLP). Ele também é autor de diversos livros, entre eles “Educação Básica, Financiamento e Autonomia Regional” e a "A História como Presente".
Os maus resultados econômicos, os desafios para descentralização de poder na organização e atuação do Estado e a relação entre a má qualidade da Educação e o desenvolvimento econômico também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da BRS Explica, TV Amazônica e CNN Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIO FAP
Cacá Diegues: O futuro do futuro
Desde adolescente, sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro, uma expressão criada pelo austríaco Stefan Zweig, um escritor judeu que, fugindo da perseguição nazista, veio viver por aqui. Ele se suicidou em fevereiro de 1942, às vésperas do carnaval, em Petrópolis. Pela mesma época, o poeta Paul Claudel, então diplomata francês no Brasil, glosando a ideia de Zweig, afirmou que éramos o país do futuro e o seríamos para sempre. O que Claudel queria dizer é que o brasileiro gostava mesmo era da expectativa do futuro, mesmo que ele não lhe chegasse nunca. A esperança era suficiente.
Hoje, vivemos uma atmosfera mítica oposta. Pelo menos para os que têm o poder de influenciar a opinião pública, o Brasil não presta para nada e não tem futuro algum. Somos um país definitivamente fracassado, condenado à rabeira da civilização contemporânea, incapazes de tudo. Nossos jornais e redes sociais são feitos desse pessimismo, onde o país é quase sempre identificado com o que há de pior nele, seja na economia, na administração pública, nos costumes, nos espetáculos, no futebol, onde for. Só é profundamente brasileiro aquilo que for profundamente ruim.
Chega. Não quero mais viver esse flagelo da autoestima, essa satisfação com a autocomiseração, esse sossego da morte em vida. Não quero mais rir de mim mesmo, como quem ri de um monstro grotesco imobilizado pela incompetência, piada do resto do mundo. Não é justo que seja assim, não o merecemos. É preciso voltar a crer que o futuro tem futuro, mesmo que ainda esteja longe de agora. E quem o constrói somos nós mesmos. Não podemos fazer do mito de nossa insuperável impotência a confortável explicação para nosso fracasso pessoal.
Não confundamos esse projeto com a ideia da harmonia universal dos infernos. O senador Renan Calheiros, em seu discurso de despedida da presidência do Senado, declarou que “depois das turbulências, é hora de um pouso suave para o Brasil”. Assim como o deputado Rodrigo Maia, ao assumir a presidência da Câmara, declarou que “a harmonia é a palavra-chave que sintetiza um dos pilares da democracia brasileira”. Nem uma coisa, nem outra. O “pouso suave” do senador e a “harmonia” a que se refere o deputado são justamente duas fantasias que convidam à inação.
A vida, como a política, é o contrário disso — é da crise que o progresso humano se alimenta, é da contradição que se organiza a síntese que construirá o bem-estar do futuro. O que nos falta não é “pouso suave” ou “harmonia”, mas o respeito à opinião do outro que não pensa como nós, o direito que o outro tem de existir. É esse o verdadeiro pilar de qualquer democracia.
No quadro famoso intitulado “Redenção de Caim”, pintado por Modesto Brocos no século XIX, uma negra idosa eleva as mãos aos céus, agradecendo a Deus o neto claro que sua filha mestiça acaba de ter com um branco pobre, todos presentes na tela. Segundo o cineasta e escritor João Carlos Rodrigues, “trata-se de uma ilustração muito bem-sucedida de uma teoria então vigente, segundo a qual os negros brasileiros desapareceriam em algumas décadas, esmaecidos pela miscigenação”. Essa teoria do embranquecimento, defendida até por políticos e pensadores progressistas de então, recusava a origem da civilização brasileira, inventando um destino que não tinha nada a ver conosco, nem com a realidade à nossa volta.
Somos sempre vítimas desses “salvacionismos” inventados que nos desviam de nós mesmos e que nos fazem, além de observadores injustos de nossa própria vida, perder tempo e confiança na tentativa de construção de um futuro impossível. Já invejamos a civilização europeia ocidental e, depois, a contemporaneidade anglo-saxã da América do Norte. Esses projetos acabam por nos produzir um “fatalismo narcisista”, como o nomeou Contardo Calligaris. O que é tão desejado e ao mesmo tempo tão inviável acaba por não merecer que façamos qualquer esforço em outra direção alternativa. Merece apenas a autopredação moral e material que nossa frustração está acostumada a praticar.
Em busca ansiosa por amigos através das poucas palavras permitidas pelo smartphone, vivemos hoje a nostalgia de uma modernidade cheia de esperança, substituída pelo cinismo da pós-modernidade que se ri desse passado. Nossas distopias são hoje formadas pelas ruínas dessa modernidade perdida. Nosso futuro estará comprometido se não nos conhecermos e não nos aceitarmos como somos e, a partir disso, construirmos uma civilização democrática e original, mais fraterna e mais generosa, em que temos o direito de acreditar.
Enquanto isso, o carnaval se aproxima inevitável... Viva a mulata!
* Cacá Diegues é cineasta
Daniel Rei Coronato: As novas bandeiras do progressismo mundial
O mundo acompanhou atônito aos acontecimentos vindos das urnas nos mais diversos países e contextos durantes os últimos meses. Combinações explosivas de ressentimento coletivo, sensação de ameaça, empobrecimento sistemático de amplas parcelas da população – além de fatores pouco mensuráveis como o aparente mal-estar das sociedades contemporâneas – desembocaram em resultados que contrariaram expectativas e interpretações correntes. Ainda é pouco compreensível a existência de uma interconexão entre esses fenômenos, assim como suas consequências e repercussões.
Para as frações progressistas, no entanto, é tempo de reflexão. Desde que conquistaram o poder em países importantes na América do Sul, Europa e Estados Unidos – com o discurso de transformação encabeçado por Barack Obama –, passaram a perder sistematicamente força de interlocução. Sofreram sérios reveses, acenando para um esgotamento atrelado a sua capacidade limitada de responder aos anseios dos descontentes que procuram mudança. O enredo singular de cada caso desembocou em uma situação de incredulidade generalizada, perdendo apoio de setores historicamente alinhados e não conquistando apoiadores nas fileiras adversárias.
Crises econômicas e a tortuosa marcha da globalização apresentaram cartas com que a social-democracia e a esquerda democrática tiveram dificuldades para lidar. Assumindo uma gestão macroeconômica de perfil mais liberal, internalizando a sua semântica e retórica ancoradas no eixo fiscal, aparentaram agir como agentes do establishment à serviço da minoria endinheirada. Em alguns casos a vitória da esquerda significou a intensificação de políticas recessivas, patrocinando reformas que diminuíam o bem-estar dos trabalhadores. A defesa sistemática da inserção nas cadeias internacionais de produção, em prol do ganho de competitividade, também colaborou para essa percepção, alimentando o discurso nativista e nacionalista.
A gravidade dos temas globais e o vácuo de projetos transformadores, no entanto, impõem que sejam repensados os eixos centrais do que significaria um progressismo global. Em razão da intensidade das transformações e da metabolização de diversos movimentos sociais, especialmente após a grande crise de 2008, parte dessa agenda já está sendo construída à revelia das organizações partidárias. De maneira ainda dispersa, sinalizam pautas e bandeiras para uma reinserção virtuosa das alas progressistas no debate público, gravitando em torno de três ideias centrais: igualdade, privacidade e Estado.
Igualdade
O conceito de igualdade é amplo, ocupando espaço considerável nas disputas políticas e intelectuais acerca do seu significado. No debate público dos últimos anos esteve especialmente atrelada ao aumento das assimetrias de renda, deterioração das oportunidades de trabalho e estudo nas sociedades de mercado. Mesmo que nunca tenha perdido sua relevância, foi com o movimento Occupy Wall Street e as ações de contestação na zona do euro que voltou ao primeiro plano nos anos recentes. Sob o lema de “Nós somos os 99%”, passaram a denunciar sistematicamente o fato de a minoria dos 1% mais abonados concentrar sozinha uma riqueza desproporcional, beneficiando-se de um sistema tributário e político que intensifica seu poder, garantindo a propagação dessa situação.
A discussão passou a ganhar viés mais programático na esteira de embates intelectuais como entre o francês Thomas Piketty e o grego Yanis Varoufakis, e a emergência de políticos como o senador democrata Bernie Sanders nos Estados Unidos. Em geral, responsabilizaram a “financeirização” e a mudança da geografia na produção industrial, que teriam juntas representado um processo de cisão no modelo de acumulação. O motor de desenvolvimento amparado pelos complexos industriais e suas ramificações foi substituído por economias essencialmente de serviços, alterando a sociabilização e o grau de proteção social que a dinâmica anterior havia permitido para uma parcela importante da população.
As mudanças estruturais patrocinadas pela dobradinha Reagan-Thatcher desenvolveram uma dinâmica própria, ganhando mais força nos anos 1990 e no início da década seguinte. Como consequência, emergiram arranjos tributários mais condescendentes com os afortunados, a diminuição de alíquotas sobre herança e a desregulamentação do setor financeiro, facilitando assim o trânsito internacional de divisas e promovendo as soluções de evasão nos paraísos fiscais. Com essa conjunção de fatores a concentração de riqueza se intensificou.
Em paralelo, o Estado reduziu os aparatos de proteção social, restringindo seu raio de ação. Esse processo aconteceu de maneira diversa no tempo e em cada canto do globo, no entanto, quando o sistema financeiro começou a apresentar seus primeiros sinais de colapso, notou-se uma convergência nessa direção, inclusive nos ambientes de maior igualdade. As reformas apresentadas pelas classes políticas como solução se tornaram imediatamente impopulares porque além de dolorosas, não socializavam as perdas entre as mais diferentes esferas da população.
Nos Estados Unidos a situação foi mais grave, já que o modelo de recuperação impetrado pelo governo Bush salvou a maior parte do sistema financeiro com um plano bilionário de recuperação que não exigia contrapartidas que levassem à superação das causas geradoras daquela situação. O sistema de bônus pagos aos executivos das empresas responsáveis pelo caos econômico foi mantido, gerando consternação em uma massa endividada pelo excesso de liquidez e desempregada, por vezes atolada em financiamentos impagáveis de hipotecas ou créditos educacionais para o custeio do ensino superior.
Para as forças progressistas essa é uma questão central. A luta pela retomada de direitos trabalhistas e estruturação de uma lógica tributária devem vir acompanhadas pela pauta de regularização do financeiro e fiscalização dos paraísos fiscais. Essa não é uma bandeira difusa: em cada país ela se materializou de maneira concreta, afetando os mais diversos estratos sociais. Ela deverá vir acompanhada de um projeto de desenvolvimento que não se restrinja apenas a repartir melhor a renda, atendendo também a reformas que priorizem um modelo social. Nesse contexto, será fundamental repensar o papel dos acordos internacionais de comércio, saindo do binômio atual entre demonizados e aplaudidos sem critério, para projetar cadeias internacionais que promovam o desenvolvimento ao invés de reforçarem distorções ainda mais intensas na divisão internacional do trabalho.
Privacidade
Possivelmente, há alguns anos, a introdução da privacidade entre os temas progressistas produzisse estranhamento. Historicamente, o sigilo de correspondência e informações pessoais e a regulação dos diversos meios de comunicação integraram uma pauta ligada à montagem dos Estados democráticos, e fundamental para a sua existência. Tal pauta tornou-se um direito garantido, como no caso brasileiro, pela constituição federal. Encampado geralmente por grupos liberais e conservadores, entrou definitivamente no radar por força das transformações tecnológicas e dos escândalos sucessivos envolvendo vigilância sistemática por parte de Estados e empresas.
A existência de aparatos estatais que pretendem controlar, cuidar e espionar a população não é novidade, apresentando versões em praticamente todos os regimes de governos, incluindo as democracias. As justificativas variaram a depender do contexto em que está inserido, porém, usualmente eles se legitimaram no combate à alguma ameaça – interna, externa ou ambos – que colocaria em risco o meio de vida ou a própria existência do Estado.
Com o desenvolvimento da tecnologia da informação se especulou como esse poder, então potencial, poderia ser usado para criar um sistema quase perfeito de monitoramento, já que a quase totalidade dos processos passaram a depender integralmente de alguma rede computadorizada. Suspeitas de que algo dessa natureza pudesse já estar ocorrendo começaram a ganhar força após os primeiros esforços de contra-inteligência promovidos pelo governo americano para eliminar a possibilidade de um novo 11 de setembro.
As antigas teorias da conspiração se mostraram verdadeiras com as revelações de Edward Snowden. O ex-agente da CIA desnudou um universo assustador de agências estatais e terceirizadas a serviço do governo americano e aliados, atuando com capacidade de acesso a qualquer informação, de qualquer pessoa do mundo, conectada a algum sistema integrado. Chamou também atenção o fato de diversas empresas de tecnologia e informação agirem em cumplicidade com o governo, também se beneficiando desses metadados, sendo capazes de gerar conhecimentos inimagináveis algumas décadas atrás sobre o comportamento do consumidor. Além disso, o padrão exposto por Snowden de vigilância mostrava o uso político desses instrumentos por parte dos Estados Unidos, espionando governos teoricamente amigos e empresas estrangeiras em disputa com suas correspondentes nacionais.
O pesadelo orwelliano assustou até os incrédulos e levantou uma gigantesca discussão sobre os limites desse tipo de ação por parte de empresas e instituições a serviço do governo. Questionamentos envolvendo a jurisdição, a ética e os desdobramentos futuros produziram uma geração inteira de ativistas defensores dos direitos de privacidade. De modo geral afirmam que com a mudança nas tecnologias, o domínio da informação será mais importante do que qualquer estrutura física de poder, representando a nova fronteira não só da guerra como da produção.
A defesa da privacidade e a democratização no controle dessas informações se converteram em uma pauta global de primeira importância, pois permeia a defesa do cidadão contra a possibilidade permanente de abusos autoritários por parte dos Estados, além de restringir o uso das informações pessoais por empresas sem o consentimento expresso ou o acompanhamento da sociedade. Dela se poderá abrir espaço para o debate de temas ainda incipientes que em breve devem monopolizar as atenções, como inteligência artificial, uso de drones para fins militares e outros da mesma dimensão.
Estado
O indomável processo de construção de sistemas de integração, acordos comerciais e organizações supranacionais parecia condicionar a vitória de um sistema internacional liberal. No embate de valores, o império do mercado aparentava ter triunfado sobre as hostes do Estado, convertendo-se no principal agente de ação e transformação. No entanto, a crença geral no esfacelamento do Estado e das fronteiras nacionais parece ter perdido força nesses últimos anos em razão da solução encontrada para os desafios impostos pela conjuntura, com o recrudescimento de medidas isolacionistas e protecionistas.
O desmonte de parte dos aparelhos de bem-estar social na Europa e em menor grau nos Estados Unidos, além das dificuldades encontradas na América Latina para a criação de um sistema minimamente viável socialmente, criaram uma geração de descontentes e desprotegidos. A diminuição das perspectivas dos mais jovens – em alguns países espremidos entre o desemprego e a precarização -, a desregulamentação do mundo do trabalho e a força do mundo informacional pressionam o sistema político por ação transformadora e criação de novos espaços de representação, paradoxalmente ampliando a importância da esfera estatal.
A volta do protagonismo do Estado parece ser também um ponto de concordância para a maioria dos movimentos sociais que entendem que ele ainda seria a única força capaz de dar proteção à sociedade e promover o progresso social. A multiplicação e a consequente pulverização das demandas dos diversos setores da sociedade levaram a uma excessiva fragmentação das pautas, enfraquecendo-as de maneira geral. Atomizadas, presas aos seus lugares de fala, as bandeiras ligadas aos direitos humanos, à ecologia, às minorias e às distintas frações de trabalhadores passaram a ter dificuldades para dar sustentação aos importantes avanços obtidos ao longo do tempo. Seus avanços mais notáveis foram na esfera do Estado, seja sob a forma de conquista de direitos, seja em termos de políticas públicas e desenho organizacional. Mesmo com diversas outras promessas, entre elas o associativismo típico do terceiro setor, não surgiu nenhuma outra força de organização capaz de substituí-lo em suas funções.
Parece haver certo consenso entre as alas progressistas de que o Estado deve prover educação, saúde e um sistema mais equilibrado de tributação, atuando com medidas anticíclicas em eventuais processos de desestruturação e esfriamento profundo da atividade econômica. No entanto, não parece apenas uma defesa do antigo modelo de bem-estar social ou do desenvolvimentismo experimentado com êxito parcial na América Latina. O que se espera é um Estado capaz de defender a multiplicidade de atores sociais garantindo a eles um ambiente mais igualitário, justo e simétrico sem que as liberdades estejam ameaçadas e a máquina pública fique artificialmente inflacionada. A maior ou menor intervenção nas atividades econômicas dependerá das características e do contexto em que o Estado está inserido. Mas nenhum Estado poderá se privar de democratizar o modelo decisório levando em consideração a transmutação tecnológica e a gigantesca pauta de demandas hoje existentes (*).
* Daniel Rei Coronato - Doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas e professor de Relações Internacionais.
Fonte: neai-unesp.org/