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Nas entrelinhas: Condenação de procuradores pode virar bumerangue
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem, por unanimidade, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o procurador João Vicente Romão a ressarcir os cofres públicos por dinheiro gasto pela força-tarefa da Lava-Jato com diárias e passagens. Segundo os ministros da Corte, houve prejuízo de R$ 2,8 milhões em gastos da operação, valor que deve ser restituído ao Tesouro. Técnicos do tribunal haviam recomendado arquivar o processo.
Para o ministro do TCU Bruno Dantas, relator do processo, e para o subprocurador-geral do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, o modelo adotado na operação permitiu o pagamento “desproporcional” e “irrestrito” de diárias, passagens e gratificações a procuradores, com ofensas ao princípio da impessoalidade, em razão da ausência de critérios técnicos que justificassem a escolha dos procuradores que integrariam a operação.
A decisão é mais um capítulo da “desconstrução” da Lava-Jato, que culminou na anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base no princípio do juiz natural, sustentado pela defesa do petista desde quando o ex-presidente começou a ser investigado pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.
Principal referência da operação, Moro teve sua imparcialidade como magistrado colocada em xeque quando aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro (PL), recém-eleito, para ser o ministro da Justiça, e abandonou a toga. Ambos acabaram rompendo em abril de 2020, quando Moro deixou o governo.
Janot foi condenado por ter autorizado a constituição da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba; ex-coordenador da força-tarefa, Dallagnol por ter participado da concepção do modelo escolhido pela força-tarefa e da escolha dos integrantes da operação; e Romão, por solicitar a formação da força-tarefa. Sete procuradores foram inocentados.
Em nota, a assessoria de Dallagnol afirmou que há perseguição. “A decisão dos ministros desconsidera o parecer de 14 manifestações técnicas de cinco diferentes instituições (…) que referendaram a atuação da Lava-Jato e os pagamentos feitos. Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos”. Agora, ele está impedido de concorrer às eleições, com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por um colegiado.
Casa de enforcado
Entretanto, a decisão do TCU pode virar um bumerangue eleitoral. Iniciada em 2014, Lava-Jato foi uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil. Na época, quatro “organizações criminosas”, que teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas pela Justiça Federal, em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.
Frentes de investigação também foram abertas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações foram iniciadas a partir de uma rede de postos de combustíveis e de um lava-jato de automóveis de Brasília, usada para lavagem de dinheiro — daí o nome da operação. No ambiente de descontentamento com a política e os políticos, a força-tarefa de Curitiba e Moro alavancaram o tsunami eleitoral de 2018, quando Bolsonaro foi eleito.
No decorrer do atual governo, porém, o combate à corrupção deixou de ser uma prioridade para a opinião pública, muito mais preocupada com a pandemia de covid-19, a recessão econômica, o desemprego e o aumento da miséria. O eixo da política nacional se deslocou gradativamente da bandeira da ética para a economia.
Nesse ínterim, os condenados na Lava-Jato cumpriram parte da pena, adquirindo direito à prisão domiciliar ou liberdade condicional. Foram absolvidos ou tiveram suas condenações anuladas por desrespeito ao “devido processo legal”. Lula, que fora condenado e impedido de disputar as eleições de 2018, nas quais era o favorito, permaneceu 580 dias na carceragem da Polícia federal de Curitiba, até sua condenação ser anulada.
Sem entrar no mérito da polêmica jurídica sobre a Lava-Jato, que foi “deslegitimada” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para os réus e condenados na operação esse assunto é como falar de corda em casa de enforcado. Na atual campanha eleitoral, quem ganha com a polêmica é Bolsonaro, apesar dos escândalos de seu governo, porque essa polêmica
aumenta a rejeição de Lula.
*Título editado
Bernardo Mello Franco: Temer, Moreira e a propina do Galeão
A Procuradoria acusa Moreira Franco de pedir R$ 4 milhões de propina na concessão do Galeão. O dinheiro foi repartido entre Temer e Padilha, dizem os delatores da Odebrecht
Segundo a propaganda da ditadura, o Rio entrava na era do “aeroporto supersônico”. O general Ernesto Geisel festejou a abertura do Galeão como “uma atualização do Brasil com o mundo moderno”. Construído pela Odebrecht, o terminal seria capaz de receber o Concorde, que voava a mais de 2.000 km/h. A obra não foi tão rápida assim. Terminou em 1977, quase três anos depois do previsto.
O aeroporto não demorou a apresentar problemas. No primeiro mês, o alarme de incêndio enguiçou. Depois foi a vez de elevadores e escadas rolantes. Abandonado pela Infraero, o Galeão virou um símbolo da degradação da cidade. Em 2010, o governador Sérgio Cabral o descreveu como “uma rodoviária de quinta categoria”. “É uma vergonha para o povo do Rio”, decretou.
Com a proximidade da Olimpíada, o governo Dilma Rousseff decidiu privatizar o terminal. A Odebrecht voltou à cena e venceu o leilão. “A gente teve a estratégia do Anderson Silva, de liquidar no primeiro lance”, gabou-se o executivo Paulo Cesena, em 2013. Quatro anos depois, ele contou outra história à Lava-Jato. Disse que a concorrência foi direcionada no gabinete de Moreira Franco, então ministro da Aviação Civil.
De acordo coma Procuradoria-Geral da República, o acerto rendeu R$ 4 milhões em propina. Os investigadores dizem que o dinheiro foi entregue a dois aliados indicados por Moreira: o também ministro Eliseu Padilha e o então vice-presidente Michel Temer.
Em outubro, o ministro Edson Fachin enviou o caso à Justiça Eleitoral. Ele aceitou uma alegação da defesa de Padilha: os repasses da Odebrecht teriam sido caixa dois de campanha, e não corrupção. Ontem a procuradora Raquel Dodge recorreu contra a decisão. Sustentou que Moreira exigiu os pagamentos para burlar a concorrência e favorecer a empreiteira .“Translúcida, portanto, a mercancia da função pública”, escreveu.
Se o recurso for aceito, as acusações contra Moreira e Padilha vão na mesa de um juiz de primeira instância. Temer se juntará à dupla em janeiro, ao deixara Presidência. Sema blindagem do foro privilegiado, o processo tende acorrerem velocidade supersônica.