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Demétrio Magnoli: Procuradores pretendem preservar estatuto de intocáveis
Há alguma verdade na alcunha 'PEC da vingança', mas corporação tenta seguir como sentinelas da lei autorizados a agir fora da lei
Demétrio Magnoli / Folha de S. Paulo
“PEC da vingança” –é assim que a corporação dos procuradores da República apelidou a proposta de Emenda à Constituição de reforma do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Há alguma verdade na alcunha pois, desde a desmoralização da Lava Jato, a elite política articula-se para limitar investigações sobre corrupção. Sobretudo, porém, o que os procuradores pretendem é preservar seu estatuto de intocáveis –ou seja, de sentinelas da lei autorizados a agir fora da lei.
A Constituição de 1988 fabricou uma anomalia ao desenhar o atual Ministério Público (MP). Inexiste, no mundo, instituição similar com prerrogativas tão amplas e tão pouca responsabilização como o nosso MP.
Numa ponta, os constituintes atribuíram-lhe poderes excepcionais, encarregando-o da tutela dos “interesses difusos” dos cidadãos. A função permite ao MP lançar acusações judiciais amparadas exclusivamente nas crenças ideológicas dos procuradores.
Na outra, isentaram-no de controles externos, traçando um círculo aristocrático de impunidade em torno de seus integrantes. O CNMP, finalmente criado em 2004, funciona apenas como simulacro de controle externo pois o próprio MP indica metade dos conselheiros.
O ser teratológico evoluiu como estufa ideal para a militância de procuradores engajados na missão da reforma da sociedade. Dentro do MP, nasceram partidos políticos com programas e associados, como o “MP Democrático”, sob influência lulopetista, e o “MP Pró-Sociedade”, de inspiração moro-bolsonarista.
A lei, ora a lei: os procuradores-militantes utilizam o poder de investigar e acusar para fazer política sem risco, no conforto da estabilidade, de gordos salários e aposentadorias integrais.
A degeneração do MP ficou evidenciada na hora da desmoralização da Lava Jato. Como esquecer o acordo de imunidade judicial absoluta firmado pela PGR com Joesley Batista, o corruptor confesso da JBS? Ou a tentativa da força-tarefa de Curitiba de gerir recursos devolvidos à Petrobras por meio de um fundo privado? Ou, ainda, o conluio ilegal entre a mesma força-tarefa e o juiz Sergio Moro na condução dos processos contra Lula?
A corporação que alerta contra a “vingança” precisa olhar-se no espelho do desfecho do “caso Lula”. A decisão do STF que reconheceu a parcialidade de Moro ilumina a necessidade de reforma do MP. O mais notório processo de corrupção na história brasileira permanecerá inconcluso para sempre.
Os inimigos de Lula insistirão na narrativa de que existiam provas condenatórias irrefutáveis. Os lulistas persistirão na versão da inocência de um ex-presidente perseguido. A eternização de narrativas polares capazes de reclamar legitimidade é uma mancha indelével de descrédito aplicada ao sistema nacional de justiça –e, ainda, uma lápide apropriada no túmulo de um poder irresponsável.
A PEC em tramitação não tem nem mesmo a pretensão de reformar o MP. Circunscreve-se a uma reforma do CNMP, fazendo muito e pouco ao mesmo tempo.
Muito: a autorização que concede ao órgão de rever atos de integrantes do MP, uma nítida “vingança” destinada a interromper investigações de corrupção. Pouco: a ampliação de 14 para 15 no número de assentos, com a reserva de quatro cadeiras a indicados pelo Congresso, o que mantém a maioria de integrantes do MP, inviabilizando um efetivo controle externo.
Moro confundiu a lei com suas ambições políticas, mas escapou de punição porque abandonou o Judiciário para servir a Bolsonaro. Os procuradores missionários da força-tarefa, que pintaram e bordaram, acabaram expostos pela Vaza Jato mas nunca foram devidamente sancionados. A redoma constitucional os protege, tornando-os imunes às leis com as quais acusam os demais cidadãos.
O Congresso, porém, não quer acabar com a classe dos intocáveis. Prefere estender o privilégio a seus próprios integrantes.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2021/10/procuradores-pretendem-preservar-estatuto-de-intocaveis.shtml
Vera Magalhães: Governo normal faz diferença
Mais que o tradicional “bom dia” nos grupos de WhatsApp das famílias, uma expressão se espalhou pelas redes sociais no Brasil em tempos de governo Bolsonaro: “Não se tem um dia de paz”.
A constatação ganhou especial significado durante a pandemia. Nos aproximamos de forma célere dos 250 mil mortos, a vacinação se dá em ritmo de tartaruga, o auxílio emergencial ainda é um esboço, mas o país parou na Quarta-Feira sem Cinzas para acompanhar a prisão de um deputado da linha de frente da base bolsonarista que não via outra prioridade diante deste quadro que não fosse pregar a volta do AI-5, agressões físicas a ministros do Supremo e a troca sumária de todos os integrantes da Corte.
O chilique do valentão se deu porque o ministro Edson Fachin fez o óbvio: protestar contra a interferência indevida que o general Villas Bôas confessou ter sido feita com aval do Alto-Comando das Forças Armadas na decisão que o STF teria de tomar sobre um recurso do ex-presidente Lula em 2018.
A prisão do deputado ainda mobiliza os três Poderes da República três dias depois. Os deputados, antes prontos a correr em socorro do colega, agora entenderam que ele foi longe demais e que salvar sua pele pode implicar comprometer a própria. Da mesma maneira, Bolsonaro, sempre tão boquirroto quanto Daniel Silveira, fez boca de siri quando o amigo foi em cana. Natural: sabe que tem seus próprios passivos, que incluem os do filho Flávio e os do ministro Eduardo Pazuello, com o Supremo e não vai se queimar por um deputado de 31 mil votos que se notabilizou por rasgar uma placa com o nome de Marielle Franco.
Ainda que o presidente tenha esse gesto isolado de comedimento (que pode ser quebrado a qualquer momento, numa live ou num aglomeração no cercadinho do Alvorada), a própria existência de um Daniel Silveira como deputado e a necessidade de que ele seja preso para parar de atentar contra a democracia mostram quão disfuncional é o governo Bolsonaro, e quanto o Brasil paga dia a dia por isso.
A diferença entre um governo tresloucado e um minimamente normal pode ser vista de forma didática nos Estados Unidos. A simples retirada de Donald Trump de cena e sua substituição pela equipe de Joe Biden fez com que fosse triplicado o ritmo de vacinação no país, a média diária de casos de Covid-19 despencasse de 195.064 para 77.665, e coisas simples como usar uma máscara deixassem de ser tabus ideológicos.
Por aqui, o presidente segue buscando milagres para enfrentar o vírus, enquanto seu ministro faz promessas sem nenhum amparo na realidade de centenas de milhões de doses de vacinas, sem estipular um cronograma seguro e claro de como elas serão fornecidas a estados e municípios.
O resultado dessa completa inépcia de Bolsonaro e Pazuello e do show de horrores da ala bizarro-ideológica do bolsonarismo é que também a economia é profundamente afetada. Em vez de se ocupar do desenho do projeto para a volta do auxílio emergencial e das medidas adicionais necessárias para garantir que ele não estoure as já depauperadas contas públicas, o comando da Câmara passou os últimos dias quebrando a cabeça para tentar livrar a barra do troglodita sem afrontar o STF. Mas ficou claro que, desta vez, os ministros não deixariam barato nenhuma atitude corporativista que fragilizasse o Judiciário.
A votação unânime dos 11 ministros delimita uma risca no chão. O Congresso parece ter entendido isso. O silêncio de Bolsonaro mostra que ele também sentiu o golpe. Que os eleitores também entendam que só elegendo políticos comprometidos com a democracia, o que esses de turno não são, o país poderá sair da anormalidade absoluta para o mínimo de paz que todos pedem em vão nos seus posts no Twitter.
Valdir Oliveira: O justiceiro da vontade popular
Não existe quem possa defender a impunidade. As ações de combate a crimes de colarinho branco são apoiadas por toda a população. Não é de hoje que a sociedade repudia atos de corrupção. Noel Rosa, em 1933, já trazia essa pauta com a música Onde Está a Honestidade? O período do rock também foi muito rico nesse tema. Em Alvorada Voraz, Paulo Ricardo até citava os casos famosos de gente importante, como ele dizia. Com tantas insatisfações, Renato Russo chegou até a gritar: “Que pais é esse?”
Passaram-se ciclos de poder, com nomes e partidos diferentes, mas os casos de desvios se mantiveram presente como se a corrupção fosse parte do DNA do poder. A corrupção é parte da imperfeição humana, por isso, a sedução pelo dinheiro ou pelo poder é um perigo constante.Leia mais
Uma investigação mudou a história recente do Brasil e alterou os rumos do país. A partir dela, renasceu a esperança do fim da impunidade e, inevitavelmente, novos heróis nacionais. A operação, conhecida como Lava Jato, saiu da burocracia jurídica dos processos penais e ganhou as ruas, transformando-se em bandeira política de grande mobilização nacional. O que antes era crime de gente importante, como dizia a música de Paulo Ricardo, se transformou em crime hediondo, popularizando a repulsa pela corrupção, como a que sentimos com os crimes que nos chocam, nos atingem a alma.
Autores de crimes de colarinho branco sempre foram considerados inatingíveis pela polícia e pela Justiça. O dinheiro e o poder sempre foram a proteção à impunidade. A compreensão era de que, no campo jurídico, esse embate não lograria êxito. Assim como na operação italiana Mãos Limpas, que parece ter sido a inspiração para a operação Lava Jato, a estratégia usada foi levar a investigação e julgamento para as ruas, para que os acusadores conseguissem lutar no campo político, vez que no campo jurídico a lição mostrava insucessos.
Ao levar a investigação e o julgamento para as ruas, o juiz pôs em risco sua imparcialidade e comprometeu todo o processo. A política é tão sedutora quanto o dinheiro e a corrupção oriunda da vaidade é capciosa. O conhecimento público de um processo de interesse nacional não é ruim, desde que isso não seja maior do que o próprio processo e que não se torne bandeira de outros interesses que não o da própria Justiça. Caso ocorra, a mácula na Justiça atingirá a confiança daqueles que alimentaram a esperança de um país mais justo e colocará por terra a crença que a impunidade não resistirá aos homens de boa fé.
Ao ganhar as ruas, ancorado na esperança do povo brasileiro, o herói nacional correu o risco de transmudar seu papel, de juiz para justiceiro e, efetivamente, o fez. Adotou, como princípio, a máxima de que os fins justificavam os meios e transformou seu julgamento em guerra a qualquer custo, assumindo, também, o lado de acusador, abstendo-se, por consequência, da imparcialidade, fundamental em um processo justo. Existiram, assim, naquela operação, apenas dois polos: o da acusação e o da defesa.
Quem de nós já não se deparou com uma situação onde a raiva despertou a vontade de fazer justiça com as próprias mãos? Seja em um desencontro no trânsito ou no trabalho ou até em agressões a vulneráveis? O despertar da repulsa nos estimula a reagir impensada e impulsivamente, na profunda certeza de que, de fato, os fins justificam os meios. Porém, por vivermos em sociedade, não podemos permitir que esse limite seja ultrapassado. Caso contrário, como um bumerangue, tal processo tortuoso, um dia, voltará, inapelavelmente, contra nós mesmos.
Um justiceiro pode ser fruto de uma insatisfação profunda ou até da busca pelo fim impunidade. Pode ser, também, fruto da vaidade das conquistas individuais. Seja em um caso ou outro, o justiceiro sempre falha com a Justiça, porque, ao ultrapassar o limite da imparcialidade, da lei e das verdades dos fatos, ele contamina o resultado do seu trabalho. Um justiceiro, sob o manto da cegueira de suas razões, tende, ao final, a vitimizar o réu e passa a navegar, ele mesmo, nas águas da injustiça que se propôs a combater.
O fim da operação Lava Jato também traz nova mudança para os rumos do país. Assim, da mesma forma, a condenação a qualquer preço imperará no julgamento do justiceiro, decorrente da frustração, do engodo, do abuso da boa-fé, do sentimento da perda da oportunidade do combate eficaz e limpo da corrupção. O justiceiro se torna réu do próprio julgamento e, com isso, subtrai do povo a esperança da justiça e do fim da impunidade. A corrupção da vaidade é crime tanto quanto a corrupção de recursos públicos.
A história nos relega uma lição. O povo não deve personalizar irrevogavelmente a esperança. Afinal, somos todos imperfeitos, sujeitos a erros que, muitas vezes, nos igualam. O limite entre o juiz e o justiceiro está na lei e jamais devemos ultrapassa-lo, por mais que haja motivos que estimule essa ousadia. Afinal, como Júlio Cesar, na Roma antiga, devemos nos lembrar sempre que somos mortais e jamais poderemos estar acima do bem e do mal. A lei será sempre o limite do nosso poder.
*Valdir Oliveira é superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Distrito Federal (DF).
O Globo: Na contramão de Aras, procuradores investigam atuação do governo Bolsonaro na pandemia
Integrantes do Ministério Público que atuam na primeira instância abriram ao menos duas investigações para apurar responsabilidades do governo federal
Leandro Prazeres e André de Souza, O Globo
BRASÍLIA - Na contramão do procurador-geral da República, Augusto Aras, integrantes do Ministério Público que atuam na primeira instância abriram ao menos duas investigações para apurar responsabilidades do governo federal na condução das ações de combate à pandemia do novo coronavírus. Eles também têm tentado exercer pressão por meio de recomendações e ofícios solicitando informações ao Ministério da Saúde. Há queixas de que a falta de uma coordenação da PGR tem feito com que as ações sejam dispersas.
Editorial: Aras contraria função constitucional do MP durante a pandemia
Aras vem sendo criticado por colegas em razão da sua suposta omissão em relação ao governo federal nas ações de combate à Covid-19. Nesta semana, a PGR divulgou uma nota dizendo que a responsabilidade por apurar “eventuais ilícitos” de agentes da cúpula dos Poderes da República seria de competência do Congresso. A nota veio três dias depois de a PGR ter pedido abertura de inquérito para investigar a suposta omissão do governo do Amazonas no colapso do sistema de saúde no estado, quando faltou oxigênio em hospitais. Na visão de procuradores, o pedido poupou o Ministério da Saúde.
O GLOBO identificou pelo menos duas investigações sobre a atuação do governo federal na pandemia tramitando na primeira instância. Uma delas é de junho do ano passado e foi instaurada pela Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) para apurar a execução orçamentária das verbas federais destinadas ao enfrentamento à epidemia, após ter se apontado lentidão na utilização das verbas.
Eleição da Câmara: com o apoio de mais dois partidos, bloco de Lira ultrapassa o de Baleia em número de deputados
A mais recente foi instaurada na semana passada pela Procuradoria da República no Amazonas (PR-AM), dias após o colapso do sistema de saúde no estado. O inquérito, que tramita na esfera cível (e não é o mesmo pedido pela PGR), apura as responsabilidades dos governos estadual e federal pela falta de oxigênio hospitalar que, segundo investigações, teria matado pelo menos 29 pessoas.
Conhecimento prévio
Documentos enviados pela Advocacia Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) apontam que o governo federal havia sido avisado sobre o “iminente colapso” do sistema de saúde do Amazonas em 4 de janeiro, dez dias antes da crise. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, admitiu que a pasta teve conhecimento do problema no dia 8.
Um procurador da República que atua no monitoramento das ações do governo contra a Covid-19, e que pediu para não ter seu nome revelado, disse que a atuação do MPF está dispersa porque não teria havido coordenação da PGR. Segundo ele, o Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19 (Giac), presidido por Aras, serviu apenas para que a PGR tentasse controlar as ações dos procuradores.
No primeiro semestre do ano passado, o Giac foi alvo de críticas depois de determinar que todas as recomendações feitas pelo MPF ao Ministério da Saúde fossem encaminhadas à PGR. A medida foi vista, inclusive pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), como uma ofensa ao princípio da independência funcional.
A expedição de recomendações e ofícios solicitando ações e informações foram meios que os procuradores usaram pra pressionar o governo a tomar medidas. Em maio, o MPF recomendou que a pasta exigisse o registro eletrônico de todas as internações em hospitais públicos ou privados durante a pandemia, com objetivo de ter informações em tempo real sobre a ocupação de leitos. O Ministério da Saúde não acatou a sugestão imediatamente. O sistema só foi implementado em agosto após a questão ser levada a um núcleo de resolução de conflito da Justiça Federal.
Na PGR e no Conselho Superior do MPF, que é o órgão máximo de deliberação na instituição, Aras também vem sofrendo críticas. Anteontem, seis dos dez integrantes do conselho rebateram a manifestação do procurador-geral de que cabe ao Congresso analisar os eventuais ilícitos do presidente.
Um subprocurador-geral ouvido pelo GLOBO destacou que Aras pode ser eventualmente responsabilizado perante o Congresso Nacional. A maioria da classe avalia que Aras atua em sintonia com o presidente Jair Bolsonaro, sem a independência que deveria ter.
Em nota, a PGR destacou a criação do Giac, afirmando que “o trabalho possibilitou ações e respostas rápidas em questões como distribuição de respiradores pelo país, falta de remédios do kit intubação, orientação para fiscalização do uso de recursos públicos, medidas emergenciais para a economia, entre outros”.
Diz ainda que foi criada uma “rede nacional de membros focalizadores nos estados” e abertos canais de “diálogo direto e cooperação” com o Ministério da Saúde, a Anvisa e os conselhos nacionais de secretários estaduais e municipais de Saúde. Ressaltou ainda a “autonomia e independência funcional” dos integrantes do MPF para tomarem as medidas judiciais que entenderam cabíveis na primeira instância.
Os conflitos entre Aras e o MPF
Derrotas em eleições internas
Em junho de 2020, eleições internas sacramentaram uma maioria independente em relação a Aras no Conselho Superior do MPF. O órgão tem dez integrantes, dos quais um deles o próprio Aras e outro o seu vice na PGR, Humberto Jacques de Medeiros. Dos outros oito, seis não estão alinhados com ele. Em setembro, o grupo impôs nova derrota, elegendo um adversário, o subprocurador José Bonifácio Borges de Andrada, para ser o vice-presidente do Conselho Superior.
Lava-Jato
Em julho de 2020, após críticas à Lava-Jato, Aras foi cobrado a dar esclarecimentos por alguns conselheiros. Ele reagiu irritado e houve bate-boca. Em agosto, em manifestação inédita, um grupo de oito conselheiros, entre opositores e aliados, enviou um ofício pedindo que Aras prorrogasse as estruturas das forças-tarefa da Lava-Jato de Curitiba e do Rio. Ainda em julho, a maioria também protestou contra o secretário-geral Eitel Santiago de Brito Pereira, responsável pela gestão administrativa de Aras. Em entrevista à CNN, Eitel afirmou que existiam “ilegalidades” nas prisões preventivas da Lava-Jato e disse que "foi Deus o responsável pela presença de Bolsonaro no poder”.
Forças-tarefa
O subprocurador-geral José Elaeres Marques Teixeira, opositor de Aras, sugeriu em setembro de 2020 uma proposta que diminui os poderes dele sobre as forças-tarefas do MPF. Sua criação e prorrogação não seriam mais atribuições exclusivas do procurador-geral e precisariam de análise e autorização do Conselho Superior, a quem caberia também definir a continuidade das atuais forças-tarefas. O relator é o subprocurador Nicolao Dino, também opositor de Aras, mas o procurador-geral vem resistindo em pautar o assunto.
Operação Greenfield
Em novembro de 2020, sete conselheiros pediram que Aras revisse a nomeação de Celso Três, um procurador anti-Lava-Jato, para a Operação Greenfield, que investiga desvios em fundos de pensão. Em dezembro, o novo coordenador da força-tarefa enviou um ofício à PGR com uma proposta que na prática encerraria a Greenfield, na qual chegou a dizer que não queria “trabalhar muito”. Neste mês, o próprio Celso Três pediu desligamento da operação.
Pandemia e estado de defesa
Nesta semana, seis conselheiros rebateram a manifestação de Aras de que cabe ao Congresso analisar “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes” durante a pandemia. Para eles, a possibilidade de enquadramento de ações em crime de responsabilidade, passíveis de impeachment e analisados pelo Congresso, não afasta “a hipótese de características de crime comum, da competência dos tribunais”. Eles também criticaram o trecho da nota de Aras que citava a decretação de estado de calamidade pública para o combate à pandemia como “antessala do estado de defesa”, que pode ser decretado pelo presidente para restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social.
O Globo: Receita Federal vai investigar auditores que investigam Gilmar
Ao saber de devassa feita por auditores fiscais, ministro do STF pediu providências ao presidente da Corte; Toffoli enviou ofícios à Fazenda e à procuradora-geral da República para adoção de ‘providências cabíveis’
Gilmar tem foro privilegiado e só pode ser investigado pelo próprio Supremo
Bela Megale, Daniel Gullino e Carolina Brígido, de O Globo
O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, determinou que a Corregedoria do órgão apure em que circunstância auditores da instituição instauraram investigação sobre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ontem, a revista “Veja” revelou que a Receita trabalha para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte de Gilmar e de Guiomar Mendes, mulher do magistrado.
Um relatório de maio de 2018 apontou uma variação patrimonial de R$ 696.396 do ministro em 2015, considerada sem explicação. O documento afirma que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. Em 2016, o casal movimentou R$ 17,3 milhões.
O documento diz ainda que o “tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte e seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.
Ao tomar conhecimento da notícia, Gilmar Mendes pediu providências ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Toffoli, por sua vez, enviou ofícios a Cintra, Guedes, e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando a “devida apuração e adoção das providências cabíveis”.
“O secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, tomou conhecimento dos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes e que foram objeto de comunicação enviada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, recebida nesta data. O secretário determinou, imediatamente, que a Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração dos mesmos”, diz a nota do Ministério da Economia divulgada ontem.
“A decisão, tomada pelo secretário especial da Receita Federal, foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar conhecimento do Ofício nº 021/ 2019-GP, também encaminhado pelo Presidente do STF e que trata dos mesmos fatos”, concluiu o o texto.
No ofício enviado a Toffolli, Gilmar aponta “abuso de poder” por parte dos fiscais da Receita. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.
O ministro do Supremo também pediu a “adoção de providências urgentes" para “apurar a responsabilidade por eventual ilícito” e destacou que “nenhum fato concreto é apresentado” nos documentos publicados pela revista.
Gilmar destaca ainda que iniciativa como essa investigação não é “inovadora”. “Referida casuística, aliás, não é inovadora, nem contra a minha pessoa e nem contra membros do Poder Judiciário, em especial em momentos em que a defesa de direitos individuais e de garantias constitucionais desagrada determinados setores ou agentes”, afirmou. Como ministro do STF, Gilmar tem direito ao foro privilegiado e só pode ser investigado criminalmente pela própria Corte.
Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) afirmou que “nada há de ilegal ou anormal na existência de investigação na vida fiscal do Ministro Gilmar Mendes” e destacou que as autoridades tributárias devem ter um rigor maior em relação às chamadas pessoas politicamente expostas, grupo que incluiu ministro do STF, porque há “maior risco de se envolverem em casos de corrupção”.
“O que deve ser ressaltado é que não há qualquer justificativa, moral ou legal, portanto, para qualquer nível de indignação do referido ministro do STF ou de qualquer outra autoridade pública quanto à existência da investigação de sua vida fiscal”, diz o texto da Unafisco.
A associação ressaltou que os auditores fiscais têm o dever de manter o sigilo das investigações, e que “eventual quebra de sigilo deve ser rigorosamente apurada e punida”. A nota afirma, no entanto, que a apuração sobre uma eventual quebra de sigilo não pode “causar qualquer prejuízo à continuidade das investigações”.