procurador-geral da república
Por 21 a 6, CCJ do Senado aprova recondução de Aras à frente da PGR
Nome de Augusto Aras, atual procurador-geral da República, ainda precisa ser validado pelo plenário
Julia Lindner e Paulo Cappelli / O Globo
BRASÍLIA - Por 21 votos a seis, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta terça-feira a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para um novo mandato. Durante a sabatina, que durou cerca de seis horas, ele criticou a Operação Lava-Jato e defendeu o Supremo Tribunal Federal (STF) de críticas relacionadas ao inquérito das Fake News. O nome do procurador ainda precisa ser apreciado em plenário, o que deve acontecer ainda nesta terça-feira, em regime de urgência.
Na sessão da CCJ, Aras também fez uma série de acenos aos parlamentares, que serão responsáveis por sua recondução ao cargo. Em referência ao seu antecessor, Rodrigo Janot, o atual procurador disse que "poderia distribuir flechadas, criminalizando a política", mas não o fez.
O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA AUGUSTO ARAS
Sabatina na CCJ: Colunistas do GLOBO analisam sabatina de Augusto Aras no Senado
Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para permanecer no posto até setembro de 2023. Durante a sabatina, ele buscou rebater críticas de suposta omissão em relação ao governo. O procurador-geral afirmou que adotou as medidas cabíveis para apurar uma possível tentativa de interferência de Bolsonaro na PF, além de apurações envolvendo ministros da Educação, da Saúde e do Meio Ambiente.
Ele reforçou, ainda, que o Ministério Público "não é de governo nem de oposição", e sim um órgão constitucional.
— Posso citar decisões que não foram concordes com o governo, mas com a Constituição. A manifestação do PGR foi pela obrigatoriedade das vacinas. Foi pela constitucionalidade do inquérito das fake news. Este procurador-geral da República também requereu o inquérito dos atos antidemocráticos e manteve esse inquérito na via da primeira instância porque não foram constatadas ações de parlamentares nos atos referentes a organizações e financiamento. Isso não significa dizer que num futuro próximo parlamentares ou pessoas com prerrogativa de foro não venham a ser investigadas — disse.
Ao ser indagado sobre um eventual alinhamento com Bolsonaro, Aras respondeu que não cabe a ele ser "censor" de autoridades, mas sim agir de forma técnica como "fiscal das condutas que exorbitem a legalidade".
— O procurador já demonstrou que se tivesse alinhamento, o único alinhamento é com esta Carta (Constituição). Já demonstrou que contraria, sim, posicionamentos de governos, mas também este procurador não é procurador da oposição.
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O procurador também declarou que não permitiu que o Ministério Público "quisesse se substituir ao Legislativo, ao Judiciário ou ao Executivo" e defendeu a separação dos Poderes:
— Cumprir a Constituição é compreender a separação dos Poderes, é poder saber que o dever de fiscalizar condutas ilícitas não dá aos membros do Ministério Público nenhum poder inerente aos poderes constituídos, harmônicos e independentes entre si.
'Houve ameaças reais aos Ministros do Supremo'
Aras também saiu em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que "houve ameaças reais" a ministros da Corte nos casos das prisões do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). De acordo com ele, "a ameaça direta e frontal já não poderia ser ignorada" nas situações mencionadas, pois a liberdade de expressão não estaria contemplada propriamente na fake news.
— No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira, quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos Ministros do Supremo, de maneira que, se, em um primeiro momento, a liberdade de expressão era o bem jurídico constitucional tutelado mais poderoso que existe dentro da nossa Constituição e da Constituição americana, que é o primeiro dos princípios. Em um segundo momento, já se abandonou a ideia da liberdade de expressão para configurar uma grave ameaça — disse.
CPI
Questionado sobre qual será a sua postura em relação ao relatório final da CPI da Covid, Aras evitou entrar no mérito da decisão. Ele se limitou a dizer que pretende agir de acordo com a Constituição e dentro do prazo legal. Segundo ele, cabe ao procurador-geral se manifestar "em respeito às leis".
— Tenham certeza que o PGR, qualquer que seja ele, à época do recebimento do relatório, já terá uma equipe estudando todos os elementos coligidos. E assim será muito mais fácil em 30 dias examinar as milhares de páginas que hoje já compõem a CPI.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/reconducao-de-aras-pgr-aprovada-pela-ccj-do-senado-25168810
Ricardo Noblat: Autorizado por Bolsonaro, Augusto Aras tenta emparedar a Lava Jato
A tudo assistem os militares, impassíveis
Às escâncaras, não, porque seria arriscado e pegaria mal. Mas em conversas cifradas ao telefone, ou na privacidade dos gabinetes no Congresso ainda frequentados por alguns em plena pandemia, políticos de várias tendências comemoram com discrição a ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra a Lava Jato.
Quem diria, hein? Quem diria que o candidato a presidente da República que mais se beneficiou do combate à corrupção, logo ele seria o responsável indireto pela saia mais justa aplicada à Lava Jato desde o seu nascimento em 2014, a poucos meses das eleições gerais daquele ano, as últimas a serem vencidas pelo PT?
Augusto Aras, na prática, tem se comportado menos como Procurador-Geral da República, e mais, muito mais como procurador de Bolsonaro. É a ele que deve o cargo que seus colegas jamais lhe dariam. Aras não procuraria motivos para pôr em xeque a Lava Jato sem a prévia autorização do presidente.
Procuraria se Sérgio Moro ainda fosse o ministro da Justiça indemissível como pareceu um dia? Da Operação Mãos Limpas, na Itália, emergiu o governo de extrema-direita de Berlusconi, um empresário riquíssimo e corrupto. Da Lava Jato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, parceiro de milicianos.
Berlusconi tentou cooptar para servi-lo como ministros os dois juízes que encabeçaram a Operação Mãos Limpas, mas eles se recusaram. Sem constrangimento, Moro deixou-se cooptar, inebriado pelo sucesso. Acreditou na promessa de Bolsonaro de que seria promovido a ministro do Supremo Tribunal Federal.
Acabou usado por Bolsonaro, como disse outro dia, e deixou-se usar, como nunca dirá, para fortalecer a impressão de que este seria um governo com gosto de sangue na boca e decidido a pôr um freio na corrupção. Aí os filhos Zero caíram nas malhas da Justiça. Aí Bolsonaro quis intervir na Polícia Federal. Ai Queiroz…
Quando Queiroz foi preso em uma das casas do advogado da família Bolsonaro, Moro havia tascado fora. Hoje, aposentado, resta-lhe sonhar em ser candidato a presidente em 2022. Ou a governador do seu Estado. Ou a Senador, deputado federal, sabe-se lá. Fez pior negócio de sua vida e corre atrás do prejuízo.
A operação de desmanche da Lava-Jato deixa satisfeitos os políticos ficha suja, os que já pecaram e os que se animam a pecar. Reforça, por tabela, a ainda capenga base de apoio ao governo no Congresso que se sente protegida. Mas, em contrapartida, deixa mal os militares dentro ou fora do governo.
Recorde-se que eles gozam da fama de serem ferozes inimigos da corrupção. Exaltaram a Lava Jato por todos os meios ao seu alcance e homenagearam Moro com todas as medalhas em estoque no almoxarifado das Forças Armadas. E, no entanto, assistem impassíveis à tentativa de destruição de sua obra.
A vida tem lá dessas coisas. Selva!
Representante do Ministério da Saúde em Pernambuco é do balacobaco
Amigos para sempre
Ela chama o hotel Copacabana Palace de sua casa no Rio de Janeiro, e ali já posou para fotos muito à vontade. Refere-se à Itália como o país dos seus sonhos que visita com frequência.
Ama de paixão maquiar-se, ir a festas da alta sociedade do Recife e vestir-se com roupas de grifes, de preferência as mais caras. Seus críticos dizem que em certas ocasiões ela ostenta em demasia.
Uma amiga da praia de Boa Viagem, que a admira e inveja, cita em sua defesa um colunista social que já morreu: “Os cães ladram e a caravana passa”. E pergunta: “Como era mesmo o nome dele?”
Ibrahim Sued, o pai do moderno colunismo social brasileiro, que em sua coluna, publicada durante 41 anos no GLOBO, criou e absorveu termos que entraram para o vocabulário popular.
Paula Amorim, de idade incerta, não é uma pantera, nem mesmo uma locomotiva, mas costuma estar onde possa ser vista e reconhecida como uma mulher atraente e simpática.
Não é uma mulher evento. Recife já teve os “Irmãos Eventos”, eram dois, que não perdiam uma festa, um coquetel, uma exposição, enfim uma boca livre, fossem convidados ou não.
Curadora da própria imagem, Paula vai de leve. O que não a impede de, em certas ocasiões, roubar a cena. Tornou-se inesquecível sua aparição no velório do governador Eduardo Campos.
Em sociedade, tudo se sabe. Tanto mais em cidade de muro baixo. O velório foi no Palácio do Campo das Princesas. Então candidato a presidente da República, Campos morreu na queda de um avião.
De repente, entrou no palácio aquela mulher elegantemente trajada toda de preto. Pelo menos duas coisas a destacavam, além da expressão compungida: a altura dos saltos e o chapéu.
Não era qualquer chapéu – embora nenhuma das mulheres que por ali circulou tivesse sido vista usando um. Era “o chapéu”, enorme, desses que aparecem em filmes sobre enterros de gente rica.
Seria exagero dizer que, por um momento apenas, ela tenha eclipsado o morto. Mas eclipsou as demais mulheres presentes, sim. O alvoroço entre os políticos foi notado.
Cunhada do ex-deputado federal João Fernando Coutinho, presidente estadual do PROS, irmã de um militar que já foi segurança da primeira-dama Marcela Temer, Paula é solteira.
Aos que privam da sua intimidade, ela conta que sua renda decorre basicamente da compra de joias penhoradas pela Caixa Econômica que ela revende a uma clientela especial.
Há meses que se ouvia em Brasília que uma pernambucana era muito influente no Ministério da Saúde. Bingo! Paula foi nomeada representante do ministério em Pernambuco.
Sem experiência em Saúde ou gestão pública, ela é amiga há mais de 30 anos do general Eduardo Pazuello, o ministro interino. Substituirá uma enfermeira. Ganhará 10 mil reais por mês.
Segundo a assessoria de Pazuello, ele e Paula foram apresentados “por conhecidos em comum”, e a nomeação se baseou na “relação de confiança e amizade” entre ambos.
Está bem. É suficiente. Gigi chegou lá. Ademã. Vamos em frente.
Míriam Leitão: Aras realiza o sonho de Jucá
Decisão de Aras não têm clareza e não são correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investiga a corrupção no país
Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado, Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.
Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo. Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o que está tentando ser.
A Lava-Jato ameaçou toda estrutura política, e parte importante do mundo empresarial, com as investigações que mostraram a troca de financiamentos ilegais por favores dos detentores de cargo ou de mandatos públicos. Por isso, com esse movimento ele alivia muita gente. Principalmente o presidente que o escolheu e que pode nomeá-lo ministro do Supremo. O que Aras está fazendo não é correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investigou a corrupção. Ele alega que está agindo em nome da transparência, quando seus atos não têm qualquer clareza.
Enquanto isso, no Ministério da Justiça, como vem revelando em seu blog no Uol o jornalista Rubens Valente, está sendo montada uma estrutura para investigar servidores públicos, policiais e intelectuais que se declaram antifascistas. A Rede pediu ao STF que impeça o governo de continuar com essa estranha investigação. O deputado Eduardo Bolsonaro reagiu postando em seu Twitter uma frase que mostra, em poucos toques, várias distorções deste governo. “Ué querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao movimento Antifa?” O filho do presidente acha que é errado ser contra o fascismo. O bom seria ser fascista? Está convencido de que a máquina do Estado pertence ao governo Bolsonaro. Portanto, nela não podem trabalhar os servidores que não estejam alinhados com o pensamento dos atuais governantes. De acordo com a primeira das colunas de Valente sobre o assunto, há um dossiê de 579 pessoas, com nomes, fotos e endereços feitos pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça. O relatório registra que há “policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologias antifascistas”.
O Ministério da Justiça considera suspeito o fato de alguém ser antifascista. O filho do presidente acha que eles não podem estar no governo. Então esses policiais espionados devem ser demitidos por disseminarem tal ideologia? Há momentos em que o país parece ter sido tragado por uma inversão total dos valores. Na ditadura havia em todos os ministérios, órgãos, autarquias e universidades departamentos que vigiavam servidores, alunos, professores. Eram os inúmeros braços do Serviço Nacional de Informações (SNI). Esse é o perigo real.
Aras está preocupado é com a Lava-Jato. De um lado, quer enfraquecer a Polícia Federal e por isso reaviva uma velha disputa de poder que já havia sido arbitrada pelo Supremo. De outro, afirma que a Lava-Jato é uma “caixa de segredos”, que tem dados de milhares de pessoas medidos em terabytes. Conseguiu levar todas as informações para Brasília e diariamente diz algo para quebrar a confiança no trabalho dos procuradores.
O presidente Jair Bolsonaro jamais teve como bandeira a luta contra a corrupção. Usou-a para se eleger, mas sempre quis limitar as investigações, principalmente as que se aproximam de sua família. O gravador do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado captou uma conversa com Romero Jucá em que ele propunha um pacto para estancar a sangria desatada pela Lava-Jato. Isso é o que Aras está conseguindo.
Merval Pereira: Farsa tupiniquim
O procurador-geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção de controlar a Lava-Jato
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, quer que “o natural, bom e antigo” combate à corrupção substitua o que chama de “lavajatismo”, um neologismo muito usado pelos bolsonaristas quando querem menosprezar alguma atividade de que não gostam, como “mundialismo”, em vez de globalização.
Isso não quer dizer que o que Aras está fazendo com a Lava-Jato corresponda a uma ação direta de conluio político com o presidente que o escolheu por fora da disputa interna no Ministério Público. Mas que, tentando desmoralizar a Lava-Jato, está ajudando Bolsonaro a manter o Centrão protegido, isso está.
Defendendo a tese de que a Polícia Federal não pode fazer busca e apreensão em gabinetes de parlamentares, Augusto Aras também faz com que o “antigo” jeito de combater a corrupção no Brasil volte a prevalecer, o que sempre levou a que autoridades, empresários e políticos não caiam nas malhas da Justiça.
Isso não é novidade nos países em que a corrupção avassaladora foi combatida por uma nova geração de juízes e promotores que não se deixaram amarrar por uma burocracia que sempre beneficia os infratores. Na Itália foi assim com a Operação Mãos-Limpas. Com apoio popular grande durante os primeiros anos, a Operação acabou atingida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular.
Os juízes Di Pietro – que mais tarde entraria na política - e Davigo foram convidados para serem ministros no Governo Berlusconi, resultante do movimento contra a Mãos Limpas, mas recusaram diante da evidência de que o que Berlusconi queria mesmo era desmobilizar a Operação.
Entre nós, algo parecido aconteceu. O então juiz Sérgio Moro, e boa parte do eleitorado, foram seduzidos pela falsa promessa de Bolsonaro de que combateria a corrupção com base na Lava-Jato, e entrou no governo. Bastou que investigações chegassem perto da família presidencial, todos ligados a Fabricio Queiroz, para que Bolsonaro quisesse controlar a Polícia Federal, especialmente a seção do Rio, local de atuação de Queiroz e dos Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, a tentativa petista de desmoralizar as condenações do ex-presidente Lula levou a um vazamento de conversas dos procuradores da Lava Jato em Curitiba, entre si e com o então juiz Sérgio Moro. Durante meses o site The Intercept-Brasil publicou essas conversas, geradas pela ação de um grupo de hackers que está na cadeia, e não revelou nenhuma ação que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes, que indicasse conluio contra qualquer investigado da Operação Lava Jato, muito menos o ex-presidente Lula, o objetivo evidente da operação de invasão de celulares.
Na Itália, tomou corpo, depois de anos de apoio da opinião pública, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial o Juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações. O mesmo vem acontecendo com o ex-juiz Sérgio Moro, os Procuradores do Ministério Público Federal e membros da Polícia Federal que fazem parte da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção, latente desde que foi escolhido por Bolsonaro, de controlar a operação. Uma das alegações mais risíveis é a comparação de quantos terabytes (unidade de medida utilizada para armazenamento de dados na informática) de informações a força-tarefa de Curitiba tem em relação ao Ministério Público.
Como são dez vezes mais, isso significa para Aras não indicação de produtividade, mas sinal de que alguma coisa secreta está acontecendo por lá. Em vez de aprovarem reformas que evitariam a corrupção, na Itália houve uma reação do sistema político, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade.
Aqui está acontecendo a mesma coisa, com a mutilação de medidas propostas por Moro para combate à corrupção e decisões judiciais, até mesmo do Supremo Tribunal Federal, que dificultam o combate à corrupção. O fim da prisão em segunda instância e dificuldades para as delações premiadas são apenas exemplos mais recentes. A historia se repete como farsa tupiniquim.
Ricardo Noblat: Relapso, foi. Desonesto, Janot não é
Janot está pagando o preço por ter sido descuidado, relapso e até temerário quando se reuniu com um advogado de Joesley em um botequim de Brasília
De Rodrigo Janot, Procurador Geral da República em final de mandato, o mínimo que se diz nos gabinetes mais poderosos de Brasília é que foi feito de bobo pelos delatores do Grupo JBS, e traído por seu homem de confiança Marcelo Miller, até há pouco procurador da República ocupado com casos da Lava Jato.
O máximo, que Janot e Miller embolsaram algum dinheiro do Grupo JBS para apressar os ritos de sua delação premiada. Miller abandonou o emprego estável na Procuradoria para ajudar na defesa do grupo. Mas desde antes de fazê-lo, orientou a delação de Joesley Batista e discutiu futuros honorários.
Faz sentido, sim, dizer que Janot foi feito de bobo. E que sua pressa em denunciar Temer levou-o a aceitar as exigências descabidas de Joesley para delatar. Daí a sugerir que ele possa ter sido desonesto, não faz o menor sentido. Nada tem a ver com a biografia dele. Nem com seus atos recentes. É maldade pura. Ofensa.
Janot estaria refém de Miller se com ele tivesse extraído vantagens financeiras da delação de Joesley e dos executivos da JBS. Uma vez refém, não o investigaria como fez, não o acusaria de ter atuado como advogado de defesa de Joesley enquanto era procurador, e não pediria sua prisão temporária negada pelo ministro Edson Fachin.
O que Miller não teria a contar para rebater Janot e destruí-lo se o procurador-geral de fato fosse seu refém... Janot está pagando o preço por ter sido descuidado, relapso e até temerário quando se reuniu com um advogado de Joesley em um botequim de Brasília. Não por ter prevaricado. Quem disser o contrário que prove.
Hubert Alquéres: Centrão, de coadjuvante a protagonista
Desde a redemocratização, o Centrão sempre esteve no poder, mas em papel de coadjuvante. Fernando Henrique Cardoso e Lula, com enormes diferenças, contaram com as forças do atraso em nome da governabilidade. Mas sem transformá-las em principal núcleo de sua base de sustentação.
Com a vitória no Congresso do “Fica Temer”, a constelação de siglas partidárias que formam essa massa gelatinosa adquiriu status de protagonista. Chegou ao núcleo duro do poder, em condomínio com o PMDB, com quem tem identidades nos métodos e na forma de se fazer política.
A assunção do Centrão altera os polos da dualidade estabelecida no governo Temer. Desde o início havia um lado renovador, expresso na equipe econômica, em quadros como Pedro Parente e mesmo em políticos antenados com a modernidade como José Serra e Mendonça Filho.
Havia também o lado arcaico constituído por partidos e políticos formados e forjados em práticas patrimonialistas. Velhos camaradas como Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Moreira Franco, Eliseu Padilha.
Michel Temer é originário desse campo. Por circunstâncias, se compôs com o polo reformista.
Os dois blocos não deixaram de existir, bem como os seus conflitos. O que muda de figurino é a opção do presidente pelo atraso como forma de administrar o contencioso em sua base de sustentação.
Até a delação da JBS, Temer vislumbrava a possibilidade de entrar para a história como um presidente reformista, condottieri da travessia para 2018. Daí nasceu a agenda da reforma, a autoridade da equipe econômica e a escolha do PSDB como principal aliado. Quanto mais seu grupo era atingido, mais força ele transferia para os tucanos, pois necessitava deles para manter a pinguela.
Se antes a preocupação era com a imagem com a qual entraria na história, com a denúncia do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, passou a ser pela sobrevivência. Às favas a história e a opinião pública. Com esse espírito foi a guerra no Congresso, tendo o Centrão como principal estaca de sustentação.
Em grande medida, a escolha se deu por falta de opção. Com o escândalo que o vitimou, perdeu apoios no PSB, PPS e PSDB. Seu aliado preferencial entrou em barafunda com o enrosco do seu presidente licenciado Aécio Neves.
O PSDB saiu da votação dividido, não confiável aos olhos do governo, e queimado com seus eleitores que não aceitam suas dubiedades éticas. Ainda teve de pagar o mico do parecer do tucano mineiro Paulo Abi-Ackel, à favor de Temer. Tudo isso para, mais cedo ou mais tarde, ser alvo da “reacomodação de forças” no interior do governo.
Sim, os tucanos são os grandes perdedores desse imbróglio, com suas vísceras expostas à opinião pública. Divididos, ou não, continuarão no governo, mas com status rebaixado, como coadjuvantes. E com a autoestima de seus militantes esgarçada.
A decepção de peessedebistas históricos com as dubiedades do alto tucanato fica patente em carta dos economistas Edmar Bacha, Elena Landau, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha ao senador Tasso Jereissati: “Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”.
A hegemonia no interior do condomínio governista sai das mãos das forças comprometidas com a austeridade fiscal, com os fundamentos macroeconômicos e com as reformas e vai para setores acostumados à gastança, que só entendem a linguagem da liberação de verbas e cargos.
Essas forças podem até dar uma base sólida a Temer para enfrentar novas denúncias, o que não pode ser confundido com a necessária estabilidade para levar as reformas adiante. Mesmo uma reforma da previdência extremamente desidratada, limitada à idade mínima, encontrará resistência em uma base que se move exclusivamente em função de interesses clientelistas e fisiológicos.
A dependência do Centrão põe em riscos ganhos da política econômica, compromete o equilíbrio das contas públicas e alimenta desconfianças do mercado de que Temer fará novas concessões populistas às corporações para preservar o seu mandato.
A equipe econômica fica tensionada pela compulsão da base de fazer bondades com o erário público. Há um exemplo emblemático: a expectativa era obter R$ 13 bilhões com a MP do Refis/2017, mas a arrecadação deve ficar em R$ 500 milhões se for aprovado o parecer do deputado Newton Cardoso Jr (PMDB-MG), que atendeu a pleitos de empresários da indústria e do agronegócio.
De concessão em concessão o governo perde seu ímpeto reformista, deixa de lado qualquer veleidade modernizante.
O Centrão estava órfão e recolhido ao fundo do palco desde a cassação do seu líder Eduardo Cunha. Com a delação de Wesley Batista vislumbrou a oportunidade de voltar ao primeiro plano, cerrando fileira em torno de Temer. Assumiram o papel de Pit Bull do Temerismo por saber que é dando que se recebe. E já estão recebendo.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo