processo
O que é o orçamento secreto, que será julgado pelo Supremo
Made for minds*
O Supremo Tribunal Federal deve iniciar nesta quarta-feira (07/12) o julgamento de ações que questionam a constitucionalidade do orçamento secreto, um mecanismo pouco transparente de transferência de recursos públicos para atender a interesses de parlamentares criado em 2020, no segundo ano da gestão Jair Bolsonaro (PL).
As ações foram propostas por quatro partidos – Cidadania, PSB, PSOL e PV – e questionam a falta de transparência sobre autoria, valor e destinação das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto, além da falta de critérios técnicos para alocação das verbas e a escolha arbitrária dos parlamentares beneficiados.
Os processos tramitam sob a relatoria da ministra Rosa Weber, atual presidente o Supremo. É possível que o julgamento seja concluído apenas no próximo ano, caso algum dos ministros da corte decida pedir vista.
A ministra já havia concedido em novembro de 2021 uma decisão liminar que suspendeu o orçamento secreto, mas no mês seguinte liberou o mecanismo após o Congresso ter alterado as normas sobre sua aplicação e passar a exigir a indicação do nome da pessoa que havia solicitado a emenda, como um deputado ou um senador.
Porém, essa regra deixou uma brecha para manter em segredo o parlamentar interessado. Ela permitiu que um "usuário externo", ou seja, qualquer pessoa, fosse incluída como a interessada na emenda, escondendo o padrinho político.
Campanha e governo de transição
O orçamento secreto foi um dos temas explorados na campanha eleitoral deste ano por opositores de Bolsonaro. Simone Tebet, candidata derrotada do MDB a presidente, que apoiou no segundo turno a campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que o orçamento secreto poderia ser o "maior esquema de corrupção do planeta Terra".
Lula também criticou o mecanismo e prometeu na campanha acabar com orçamento secreto. Atualmente, porém, o presidente eleito vem sinalizando que apoiaria uma solução intermediária, que mantenha as emendas de relator desde que elas sejam transparentes e destinem verbas para programas alinhados às prioridades estratégicas do governo.
A nova posição do petista contribui para que ele construa um entendimento com os atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que são grandes beneficiários das emendas de relator e pretendem se reeleger para o comando das duas Casas.
Por sua vez, com Lira e Pacheco contemplados, aumenta a chance de Lula conseguir a aprovação pelo Congresso, ainda neste ano, da PEC da Transição, que amplia o limite de gastos nos dois primeiros anos do novo governo.
Os presidentes da Câmara e do Senado planejam apresentar ao Supremo uma outra alternativa para as emendas de relator, de acordo com o site Poder360. Segundo essa proposta, todas essas emendas seriam transparentes e vinculadas ao nome do congressista responsável, e 95% das verbas seriam divididas de forma proporcional às bancadas de cada partido – o restante teria seu destino decidido pelos presidentes de cada Casa, com 2,5% para cada um deles.
Como funciona hoje
O orçamento secreto é uma maneira de o governo e o comando da Câmara e do Senado distribuírem verbas públicas para atender interesses dos deputados e senadores que os apoiam.
As autorizações para destinar essas verbas são incluídas no Orçamento depois de ele já ter sido aprovado, por meio das emendas parlamentares.
Há quatro tipos de emendas: as individuais (indicadas por um congressista específico), de bancada (atendem às bancadas de cada unidade da Federação), de comissão (solicitadas por esses órgãos colegiados do Congresso) e de relator.
As usadas no orçamento secreto são as emendas de relator, sob o código RP9. Elas são incluídas pelo relator-geral do Orçamento, um parlamentar escolhido a cada ano para ser o responsável pela redação final do texto.
As emendas de relator costumavam ser usadas apenas para fazer pequenas correções no Orçamento. Em 2020, uma nova regra mudou isso.
Essas emendas passaram a destinar bilhões de reais para obras, compras de veículos e diversos outros gastos, sem transparência e às vezes ligados a indícios de corrupção.
A nova regra foi criada para assegurar apoio dos parlamentares do Centrão a Bolsonaro. O orçamento secreto foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021.
Por que ele se chama secreto
A mídia batizou o mecanismo dessa forma porque é impossível identificar em alguns casos qual deputado ou senador é o responsável pela criação da emenda. No começo, também era muito difícil identificar o destino do dinheiro.
Quando ele veio à tona, funcionava assim: o relator-geral incluía no Orçamento uma emenda genérica destinando verbas extras a um órgão do governo – para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo.
Em seguida, os parlamentares que tinham acordos com o governo ou com o comando da Câmara e do Senado enviavam à pasta ofícios – não disponíveis ao público – pedindo a transferência de verbas da sua "quota" para, por exemplo, asfaltar vias de trânsito ou comprar tratores. O dinheiro era então repassado.
As primeiras reportagens sobre o orçamento secreto identificaram suspeitas de compras superfaturadas de máquinas e equipamentos agrícolas com essas verbas.
Apesar de o Congresso ter alterado as regras sobre as emendas no final de 2021 para atender ao Supremo, a figura do "usuário externo" manteve a falta de transparência do mecanismo. No primeiro semestre deste ano, essa estratégia respondia por um terço do total das emendas de relator negociadas, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
Em 4 de outubro, foram realizadas as primeiras prisões em uma operação da Polícia Federal (PF) sobre o orçamento secreto. O esquema, revelado pela revista Piauí, envolve o registro de consultas e procedimentos médicos falsos no Sistema Único de Saúde (SUS) para justificar o recebimento de verbas do orçamento secreto em pequenas cidades no Maranhão e no Piauí.
Uma das pessoas presas foi Roberto Rodrigues de Lima, ele mesmo um "usuário externo". Em seu nome, havia R$ 69 milhões em emendas do orçamento secreto – sem que estivesse claro qual era o parlamentar interessado.
A PF já havia realizado outras operações para apurar desvios ligados ao orçamento secreto em verbas destinadas para educação e saúde em Rio Largo (AL) e para obras de pavimentação em cidades do Maranhão. Há outras investigações em andamento.
Qual é o envolvimento de Bolsonaro no orçamento secreto
Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso de que não repetiria as práticas adotadas por presidentes anteriores para construir e manter coalizões governamentais no Congresso, o que ele chamava de "velha política".
Ao assumir o poder, porém, ele percebeu que seria difícil governar só com o respaldo de seus eleitores, sem negociar apoios de deputados e senadores. Em 2019, ele teve uma taxa de sucesso legislativo no Congresso de 31%, a menor desde a redemocratização, segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Essa taxa mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma.
Para reverter esse cenário, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo a políticos do Centrão e deu aval à criação da nova regra para as emendas de relator, que resultou no orçamento secreto.
Ao fazer isso, Bolsonaro garantiu apoio do Congresso ao seu governo e proteção contra um eventual processo de impeachment. Por outro lado, abriu mão do poder de decidir o destino de uma parte relevante das verbas públicas disponíveis.
Os maiores beneficiários das emendas de relator eram integrantes da base de apoio a Bolsonaro no Congresso. Esses parlamentares, por sua vez, capitalizaram politicamente a destinação dessas verbas em suas campanhas eleitorais e no apoio aos seus candidatos, como ao próprio Bolsonaro.
Após perder as eleições, testemunhar a debandada de ex-aliados do Centrão e enfrentar dificuldade para fechar as contas do governo, Bolsonaro encaminhou em novembro ao Congresso um projeto de lei para remanejar os recursos das emendas de relator para despesas obrigatórias previstas no Orçamento deste ano.
A Transparência Internacional Brasil, organização que atua para defender o combate à corrupção, considera que o orçamento secreto é o maior processo de "institucionalização da corrupção" de que se tem registro no Brasil.
"O que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais", afirmou o diretor executivo da organização, Bruno Brandão, à BBC Brasil.
Qual é o valor do orçamento secreto
Em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. No ano seguinte, a cifra foi para R$ 17,14 bilhões. Neste ano, são R$ 16 bilhões, segundo o OLB. Nesses três anos, a soma de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.
Desde o início do orçamento secreto, seu montante superou em muito o destinado a emendas individuais e de bancada, que eram as mais usadas até então para atender pedidos dos deputados e senadores.
Em 2022, o valor aprovado para as emendas de relator foi 50% maior do que o das emendas individuais, e o triplo do das emendas de bancada.
Com tanto dinheiro a mais indo para o orçamento secreto, o volume de recursos disponível para o governo definir prioridades e decidir livremente onde gastar diminuiu. Para manter esse mecanismo, o governo teve de cortar verbas de outras políticas públicas, como da Farmácia Popular.
Em 2019, as emendas parlamentares representavam 5,4% do gasto com despesas discricionárias do governo. Neste ano, elas são 24% do valor aprovado para essas despesas.
Na prática, isso significa que cada vez mais são os deputados e senadores que decidem para onde irão as verbas, com menos transparência e coordenação de prioridades.
Texto publicado originalmente no portal Made for Minds.
Revista online | A identidade imperial russa e a guerra na Ucrânia
Paulo César Nascimento e Leone Campos de Sousa*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
“Tudo que cessa de crescer começa a apodrecer”, assinalou, certa vez, Catarina II, imperatriz da Rússia de 1761 a 1796, referindo-se à necessidade de seu país expandir-se constantemente de forma a garantir seu status de potência entre as nações europeias. Essa aspiração tem sua origem em Pedro I, que a antecedeu em quatro décadas, e prossegue, por vias tortuosas, até a atual Rússia pós-soviética de Vladimir Putin, influenciando inclusive sua fatídica decisão de invadir a Ucrânia.
Para sustentar a ambição russa de aumentar a influência e o poder do czarismo, Pedro e Catarina tinham tanto que competir com os países que então representavam o Ocidente desenvolvido – Inglaterra, Holanda, Alemanha e França –, quanto copiá-los em certos aspectos. Para tal, procuraram transformar a velha Rússia oriental, dotando-a de infraestrutura moderna. Racionalizaram sua enorme burocracia, incentivaram a ciência e, através do fortalecimento do exército, ampliaram as fronteiras do império por meio de várias conquistas militares. Um ponto muito importante dessas mudanças foi a transferência da capital de Moscou para São Petersburgo, cidade construída por Pedro I com o intuito de ser a “janela para a Europa” da Rússia.
Esse processo de modernização, contudo, nunca incorporou o iluminismo europeu, nem muito menos as instituições democráticas que se desenvolviam na parte ocidental do velho continente. Os sucessivos czares construíram extensas ferrovias, dotaram seus exércitos da mais moderna artilharia e formaram técnicos e especialistas no exterior; no entanto, não reformaram a monarquia autocrática absolutista, que permaneceu sem grandes alterações até à Revolução de 1917.
Essa característica da Rússia – desenvolver-se para competir com as potências europeias, mantendo ao mesmo tempo a tradição autocrática de governo –, refletia na verdade uma ambiguidade da identidade nacional do país, visível na intelligentsia russa. Parte dela, ressentida pelo atraso cultural e político da Rússia vis-à-vis o Ocidente, enaltecia elementos da sua cultura autóctone, como a enigmática “alma eslava”, a “simplicidade” do muzhik – o camponês russo –, assim como a espiritualidade do povo, representada pela igreja ortodoxa. Veneravam as tradições eslavas e, ao mesmo tempo, criticavam o materialismo e o racionalismo ocidentais, bem como a falta de humanidade e transcendência nas sociedades europeias.
Uma outra parte dos intelectuais russos, ao contrário, tomavam o Ocidente como modelo a ser seguido pela Rússia, para que esta pudesse progredir e entrar no mapa mundial como a potência que suas dimensões territoriais, recursos naturais e milenar civilização exigiam. Lamentavam a autocracia czarista, o atraso social e a falta de liberdades democráticas do país. Sua visão do Ocidente, no entanto, muitas vezes pecava por ingenuidade, como se fosse possível transferir mecanicamente para a Rússia as condições que propiciaram o progresso dos países europeus. Aliás, tal ingenuidade parece ser uma constante entre os “ocidentalistas” russos.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Por óbvio, as posições pró e contra o Ocidente nunca apareciam de forma cristalina, nem suas fronteiras eram rigidamente delimitadas. Era comum intelectuais russos mudarem de visão ao longo da vida, relutando sobre o que a Rússia deveria ser. O escritor e publicista do século XVIII, Denis Ivanovich Fonvisin, resumiu assim o drama russo: “Como poderemos remediar os dois preconceitos contraditórios e muito danosos: o primeiro, que tudo o que temos é horrível, enquanto nos países estrangeiros tudo é bom; e o segundo, que nos países estrangeiros tudo é terrível, e conosco tudo é bom?”. Já no plano simbólico, nada atesta melhor essa dubiedade da identidade nacional russa do que a iconografia imperial da águia bicéfala, com uma cabeça apontando para o Oriente e outra para o Ocidente.
A revolução russa de 1917 não alterou significativamente o quadro da identidade nacional russa, mas deu a ela nova roupagem, além de ter conciliado, pelo menos temporariamente, seus aspectos mais contraditórios. O marxismo popularizou-se entre a intelligentsia russa, a partir da segunda metade do século XIX, justamente porque atendia tanto os sonhos da escatologia eslavófila, que previa que a Rússia se tornaria uma “terceira Roma”, como as aspirações dos ocidentalistas, para quem a ciência do materialismo histórico desenvolvida por Marx apontava para a necessidade de uma revolução socialista que tiraria a Rússia de seu atraso histórico.
A Rússia, a partir de 1917, colocou-se dessa forma como foco irradiador de uma nova era histórica da humanidade. Dalí em diante, seriam os russos, com sua revolução, que iriam mostrar os novos caminhos de desenvolvimento ao Ocidente. É certo que no bolchevismo havia certos elementos que lembravam a busca dos eslavófilos por raízes próprias. Afinal de contas, Lenin rompeu com a socialdemocracia europeia, formando um tipo de partido centralizado até então inexistente entre os marxistas, além de adaptar o marxismo às condições russas, ao saltar a etapa democrático-burguesa pregada pela teoria e avançar direto para o socialismo.
Estas considerações à parte, Lenin e os bolcheviques mantiveram uma firme perspectiva internacionalista. A revolução russa deveria servir como uma faísca irradiadora das revoluções nos países ocidentais, sem as quais a Rússia soviética teria muito mais dificuldades em construir plenamente uma sociedade socialista. O Ocidente, contudo, não respondeu ao apelo revolucionário, deixando a Rússia isolada entre as nações capitalistas. Essa conjuntura minou a perspectiva internacionalista do partido comunista, que sob o comando de Stalin, nos anos vinte do século passado, desenvolveu a teoria do “socialismo em um só país”, segundo a qual a Rússia, já sob o manto da União Soviética, seria capaz não somente de construir o socialismo sem ajuda do Ocidente, como ainda de desempenhar, para os revolucionários de todo mundo, o papel de “pedra-de-toque” do movimento comunista.
Posteriormente, a espetacular vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial elevou ainda mais o status da URSS, que atingiu, junto com os EUA, a condição de superpotência, realizando dessa forma o velho sonho dos profetas da eslavofilia, já que Moscou se tornou finalmente uma “terceira Roma”, ultrapassando, em termos de poder, influência e grandeza, a Roma dos latinos e a Constantinopla do Império Bizantino.
Somente ancorando nossa análise na sociologia weberiana, que enfatiza a importância dos valores e da motivação dos atores na orientação da ação social, somos capazes de compreender como a velha Rússia dos czares, atrasada e camponesa, pôde dar esse gigantesco passo em poucas décadas. A revolução de 1917 elevou a Rússia a este patamar grandioso não tanto por causa da doutrina marxista ou da economia socialista, mas porque soube canalizar, impulsionar e dar um sentido novo à milenar aspiração russa ao status de uma civilização ímpar na história da humanidade.
Ainda assim, a URSS continuava sendo um gigante de pés de barro. Alcançou paridade em ogivas nucleares e força militar com os Estados Unidos, mas continuava atrás dos países ocidentais em termos de instituições políticas democráticas, condições sociais e dignidade humana. A elite soviética pós-stalinista sabia disso, assim como a classe média urbana, sempre ávidas por produtos de consumo das economias capitalistas e informação sobre o Ocidente. Por fim, o inacreditável custo humano do empreendimento socialista, a estagnação econômica e a falta de liberdades elementares – civis, políticas, e de expressão artística – acabaram por minar a legitimidade do regime soviético.
Foi nesse contexto de crise e estagnação que ocorreu, com a Perestroika lançada por Mikhail Gorbachev, em 1986, uma significativa mudança da visão da elite dirigente em relação ao Ocidente, que pode ser atestada no apelo do governante soviético à construção de uma “casa comum europeia”. Mais que um modus vivendi pacífico com o Ocidente, a Rússia buscava ser parte integrante da civilização europeia. Mesmo o desmoronamento da União Soviética não alterou esta aspiração, ao contrário, até incentivou-a. Os primeiros anos da Rússia pós-soviética, ainda sob a liderança de Boris Yeltsin, foram marcados por um intenso sentimento pró-ocidental entre as elites urbanas do país. Parecia que, livre das amarras da União Soviética, e de volta ao convívio com as democracias ocidentais, a Rússia poderia ingressar em um período ilimitado de progresso político, econômico e social.
Como se sabe, nada disso aconteceu. Ao invés de construir uma economia de mercado avançada e gerar riqueza social, a Rússia enveredou pelo caminho de um capitalismo selvagem e corrupto, passando a conviver com desigualdades sociais nunca existentes no regime socialista anterior. Para humilhação do país, sua influência internacional diminuiu tanto que foi obrigada a engolir a expansão da OTAN na área de influência da antiga URSS. Os Estados Unidos, por sua vez, foi paulatinamente entregando a enfraquecida Rússia à própria sorte, na medida em que voltava sua atenção para enfrentar o crescente poderio da China.
Confira entrevista: Roberto Freire: “Votar em Lula é salvar a democracia”
Este novo contexto levou a percepção do Ocidente na Rússia passar de simpatia para animosidade aberta. Forças políticas nacionalistas cresceram entre o eleitorado russo. Já em 1993, o partido liberal-democrático de Vladimir Zhirinovsky (ultranacionalista, apesar do nome) saiu o grande vencedor das eleições legislativas. O próprio partido comunista russo, reorganizado por Guennady Ziuganov após o colapso da URSS, renasceu das cinzas, adotando uma plataforma política com marcado tom nacionalista. A elite mais liberal de economistas e políticos, muito influente nos anos de transição da URSS para a Rússia pós-soviética, praticamente desapareceu do mapa político.
No tocante à política externa, a Rússia buscou reaver sua hegemonia na região que denomina de “exterior próximo”, a antiga área de influência da URSS. Em 1991, por iniciativa de Moscou, foi criada a Comunidade de Estados Independentes, composta de 11 ex-repúblicas soviéticas, e, no ano seguinte, a Organização de Segurança Coletiva com Armênia, Belarus, Cazaquistão e outros Estados da antiga Ásia Central soviética. A nova assertividade da Rússia foi demonstrada também quando o governo russo reprimiu militarmente a tentativa de independência da Chechênia, uma república islâmica da federação russa, em um conflito que se arrastou de 1994 a 1996.
É preciso assinalar que os ziguezagues na identidade nacional russa, ora aproximando-se do modelo ocidental, ora rejeitando-o, não obedecem a qualquer lei histórica ou ciclos inevitáveis. Uma variedade múltipla de fatores – econômicos, sociais e políticos – atuam em sinergia para empurrar a Rússia para um lado ou outro. A classe ou o estrato da sociedade de onde a elite governante russa é proveniente, seu grau de cosmopolitismo e o nível cultural que detém, também exercem influência na formação da sua visão sobre o que a Rússia deveria ser.
Além disso, o contexto internacional oferece seus próprios incentivos, diferentes em cada época, para a liderança russa se aproximar ou se afastar do mundo ocidental. Toda essa gama de fatores não impede o historiador, em retrospectiva, de reconstituir a trajetória que levou a uma ou outra opção, mas torna mais difícil ao analista político prever as tendências do futuro. Não se pode esperar, igualmente, que uma mudança em favor ou contra o que se percebe como “perspectiva ocidental” traga consequências imediatas para o rumo da política do país, devido aos múltiplos constrangimentos internos e externos que limitam os governantes russos.
Em linhas muito gerais, o que se pode afirmar é que, sempre que a Rússia se inclina para o Ocidente, se aproxima de ideais de liberdade, justiça e modernidade; e, por outro lado, toda a vez que o país vai buscar sua identidade no que entende como sendo suas fontes autóctones tradicionais, a tendência à autocracia se fortalece, até porque, em sua história, a Rússia desconheceu o iluminismo e não teve experiências significativas com a democracia.
Quando Putin então assume o poder em 1999, a Rússia já havia abandonado a perspectiva de seguir o modelo de sociedade dos países desenvolvidos do Ocidente, e buscava, através de um crescente sentimento nacionalista, reerguer-se enquanto nação. Putin reorganizou a economia do país, obtendo grande crescimento econômico em seu primeiro governo (1999-2008), em larga medida graças à alta de preços de petróleo e gás, além de fortalecer as forças armadas e elevar o nível de vida da população. Com isso, manteve altos índices de popularidade durante todo o seu mandato.
Quem ouve as constantes diatribes proferidas atualmente pelo governante russo contra os Estados Unidos e a União Europeia, pode ter a impressão de que Putin representa a fina flor da tradição antiocidental eslavófila do país. Mas na verdade, como grande parte da elite russa do século XIX até os tempos atuais, ele foi durante algum tempo ambivalente a respeito do que a Rússia deveria ser em termos identitários. A formação em direito pela Universidade de Leningrado, uma das melhores do país, e a carreira como agente de inteligência da URSS com anos de trabalho na Alemanha Oriental (DDR), ampliaram seus horizontes intelectuais e com isso seu espírito crítico.
Quando ocorreu a tentativa de golpe contra Gorbachev, em agosto de 1991, Putin renunciou ao cargo de tenente-coronel na KGB, declarando naquela ocasião: “Assim que o golpe começou, eu imediatamente decidi de que lado estava”. Atitude surpreendente, haja vista o apoio que a KGB havia dado aos golpistas. Já sobre o regime soviético, quando foi eleito presidente em 2000 ele declarou em seu “Manifesto do Milênio”:
“O comunismo e o poder dos soviéticos não fizeram da Rússia um país próspero, com uma sociedade em desenvolvimento dinâmico e um povo livre. O comunismo demonstrou vividamente a sua inaptidão para um autodesenvolvimento sólido, condenando o nosso país a um atraso constante em relação aos países economicamente avançados. Foi um caminho para um beco sem saída, que está longe da corrente dominante da civilização”.
Ou seja, fica claro aqui o rechaço de Putin à experiência soviética porque esta afastou a Rússia da “corrente dominante da civilização” – a civilização dos países desenvolvidos do Ocidente que, àquela época, estava na sua mente como modelo a ser seguido.
Não menos intrigante é a conversa que teve lugar em 2015, entre o cineasta norte-americano Oliver Stone e Putin, em que este revelou que “décadas atrás”, em uma das visitas de Bill Clinton a Moscou, teria dito “meio a sério, meio como piada” que “provavelmente a Rússia deveria pensar em se juntar à OTAN”. Piada ou não, o fato é que já havia sido assinado, em 1997, o “Ato Fundador OTAN-Rússia”, acordo com o intuito de aproximar a Rússia e o bloco militar em assuntos envolvendo segurança mútua. E em 2002, já com Putin ocupando o Kremlin, formou-se um “Conselho OTAN-Rússia” no qual o país chegou até a ganhar um assento permanente na sede do Bloco, em Bruxelas.
Mas na medida em que consolidava seu poder, Putin foi percebendo os ventos nacionalistas que sopravam na Rússia, e incentivou-os ainda mais, esquecendo sua antiga consideração com a civilização ocidental. Para essa empreitada, recorreu à Igreja ortodoxa russa, que se tornou a maior propagadora dos “valores tradicionais russos”. É da boca do Patriarca de Moscou, Kiril I, seu fiel aliado, que saem os mais veementes ataques à cultura e ao modo de vida ocidentais. O influente filósofo e nacionalista russo Aleksandr Dugin, considerado por muitos como o “guru de Putin”, também contribuiu para a disseminação de ideais antiocidentais, pregando a fundação de um “império euroasiático” com Rússia e China, para se opor à hegemonia do mundo ocidental.
Como era de se esperar, a defesa dos “valores tradicionais” da Rússia por Putin veio pari passu com o aumento de sua disposição autocrática. Ele modificou a constituição do país para se perpetuar no poder, alternando os cargos de presidente e primeiro-ministro, controlou os governadores e a mídia, e reprimiu a oposição liberal, prendendo, exilando ou envenenando seus desafetos e opositores. Por outro lado, a frustração de boa parte da sociedade com o que era percebido como tentativas dos EUA e seus aliados europeus de diminuir e humilhar a Rússia fez Putin endurecer ainda mais sua política externa. Uma série de acontecimentos deteriorou a relação entre a Rússia e o Ocidente, especialmente na área de segurança. A já mencionada expansão da OTAN foi um deles. Dos anos 90 em diante, a OTAN foi aceitando novos membros, sendo quatorze deles, em um total de trinta, ex-repúblicas soviéticas e países na órbita de influência da antiga URSS.
É preciso considerar, entretanto, que aqueles países não entraram na OTAN à força, mas procuraram o bloco militar justamente pela percepção de que a Rússia poderia ameaçar sua segurança. Contribuíram para isso a guerra que o governo russo moveu contra a Chechênia e seu apoio a favor de separatistas pró-Rússia na Geórgia. Por outro lado, o bombardeio da Sérvia – tradicional aliado da Rússia – pela OTAN em 1999, durante a guerra civil na ex-Iugoslávia, assim como a invasão do Iraque pelos EUA e Reino Unido, em 2003, acirraram a desconfiança no Ocidente por parte da Rússia.
Nenhum fator, contudo, perturbou mais a Rússia do que a situação na Ucrânia. Tornando-se um Estado independente após o colapso da URSS, a Ucrânia procurou inicialmente resolver suas pendências com Moscou. A desnuclearização do país foi uma dessas controvérsias, já que Kiev herdou grandes estoques de armas atômicas da URSS, mas um acordo com a Rússia, em 1992, possibilitou a devolução das ogivas nucleares aos militares russos. Outra disputa surgiu em torno das bases da Frota russa do Mar Negro, mas esse problema também foi superado, pelo menos temporariamente, com as negociações que levaram, em 1997, ao Tratado de Partição, que permitiu à Rússia arrendar as bases navais em Sebastopol, ao mesmo tempo em que era reconhecida pelos dois lados a inviolabilidade das fronteiras existentes. Outros tratados resolveram disputas relacionadas com o fornecimento de energia por oleodutos e gasodutos através do território ucraniano, dívidas de Kiev com Moscou, e outros problemas menores. A entrada da Ucrânia na Comunidade de Estados Independentes, nos anos 1990, possibilitou parcerias comerciais entre os dois países e as relações entre a Ucrânia e a Rússia melhoraram.
Na medida, contudo, em que o sentimento antiocidental foi crescendo na Rússia, o governo de Putin passou a exercer pressão, inclusive militar, sobre qualquer orientação pró-ocidental na área de seu “exterior próximo”, como o mencionado apoio militar da Rússia aos separatistas de certas regiões da Geórgia, em 2008, como castigo pela inclinação pró-europeia do governo daquele país. Os ucranianos passaram a se perguntar se o mesmo não poderia ocorrer com a Ucrânia, se a Rússia resolvesse apoiar o movimento separatista de russos étnicos na região ucraniana do Donbass. A Ucrânia, que já havia pedido entrada na OTAN, em janeiro daquele ano, passou a mostrar uma gradual inclinação ao ocidente, apesar de o presidente à época, Victor Yushchenko (2005-2010), ter assegurado a Putin que o pedido de entrada de seu país no bloco militar ocidental não era uma atitude contra a Rússia. Os russos desconfiavam de Yushchenko, a quem consideravam muito pró-ocidental, mas, de qualquer forma, França e Alemanha se opuseram à entrada da Ucrânia no bloco, porque isso seria cruzar uma linha vermelha com a Rússia, e o fato é que, desde 2008, a Ucrânia está esperando sua admissão, a qual até nossos dias nunca entrou na pauta da OTAN, mesmo após a invasão do país pelas forças russas.
Apesar dos altos e baixos que marcaram as relações entre Rússia e Ucrânia desde o fim da URSS, os problemas foram contornados até 2014, quando uma revolta popular derrubou Viktor Yanukovitch (2010-2014), que havia sido eleito em 2010 e era considerado o presidente mais pró-russo que a Ucrânia teve desde sua independência. Com as promessas de não-adesão do país à OTAN e a adoção do russo como um dos idiomas oficiais da Ucrânia, Yanukovitch granjeou simpatias no Kremlin, o que teve como consequência uma significativa melhora nas relações entre os dois países. Mas o presidente ucraniano, pragmático, não deixava de enxergar as vantagens econômicas que uma aproximação com a União Europeia poderia trazer, e passou a elaborar planos para um tratado de livre comércio com o bloco europeu, o que irritou o governo russo. Moscou passou a ameaçar adotar sanções econômicas contra a Ucrânia, e a pressão russa acabou por fazer Yanukovitch desistir do acordo com a União Europeia. O cancelamento do tratado, porém, levou a uma revolta popular que fez o presidente renunciar e se exilar em Moscou.
A Rússia retaliou anexando a Crimeia, em fevereiro de 2014, e passou a apoiar militarmente os separatistas de etnia russa da região do Donbass, que formaram as autodeclaradas repúblicas de Donetsk e Luhansk, dando início a um conflito com o exército ucraniano que perdura até hoje. No dia 1º de março daquele mesmo ano, o parlamento russo autorizou Putin a usar força militar na Ucrânia. As negociações entre Rússia, Ucrânia e as repúblicas autônomas, que tiveram lugar em Minsk, em 2014 e 2015, não lograram um cessar-fogo nem um desenho institucional que mantivesse as repúblicas separatistas, com certa autonomia, dentro da Ucrânia.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, seguida em setembro do mesmo ano pela anexação de Donetsk, Luhansk, Zaporozhye e Kherson, regiões do leste do país povoadas por russos étnicos, deteriorou de vez a relação com o Ocidente. É possível que uma causa mais imediata da agressão russa tenha sido o declínio da economia do país, nos últimos anos, que vinha abalando a popularidade de Putin. É muito comum líderes políticos insuflarem aventuras externas para desviar a atenção de problemas internos e recuperar apoio popular. Ainda assim, é difícil imaginar uma ação dessa magnitude sem um forte sentimento antiocidental na Rússia.
É preciso destacar, entretanto, certas características específicas do nacionalismo russo atual que podem ter acirrado o conflito. Ao contrário do que alguns analistas apressados têm argumentado, Putin não está almejando reconstruir o império soviético, apesar de ter classificado o colapso da URSS como “a maior catástrofe do século XX”. O nacionalismo que ele incentiva, e a restauração da Rússia que almeja, possuem na verdade mais em comum com o antigo império czarista do que com os tempos soviéticos. Na antiga URSS, o Ocidente era percebido como sinônimo de capitalismo, e as divergências entre ambos se baseavam fundamentalmente em sistemas econômicos diferentes. Atualmente, Ocidente significa aos olhos russos uma civilização com valores antagônicos à própria identidade e tradição russas. Além disso, o nacionalismo russo camuflado da época socialista não possuía o caráter étnico e grão-russo chauvinista da época atual, que era característico do império czarista, denominado por Lenin de “prisão dos povos”.
Em artigo divulgado sete meses antes da agressão à Ucrânia, Putin revela esse nacionalismo étnico grão-russo. Ele relembra a origem comum dos povos da Ucrânia, Rússia e Belarus, que se remonta à Rússia de Kiev (Rus de Kiev) do século IX, para argumentar que as tribos eslavas eram unidas pela mesma língua, tradições culturais, laços econômicos e fé ortodoxa. A seguir, descreve como, a partir de 1654, o território ucraniano passou a fazer parte da Coroa russa em troca de proteção aos seus habitantes. Putin, entretanto, esconde outras influências que partes substantivas da Ucrânia sofreram, e que deixaram suas marcas na identidade ucraniana moderna.
A história da Ucrânia mostra que até 1648 a grande maioria dos ucranianos vivia sob jurisdição da Comunidade Polonesa-Lituana, e que a influência social e cultural da nobreza polonesa perdurou no país até à Revolução de 1917. A região da Transcarpátia ucraniana foi parte da Hungria, da Idade Média até 1919, e a Crimeia, conquistada dos turcos otomanos pelo império russo, na época de Catarina II, possui forte tradição islâmica e comunidades tártaras até à época atual. Ignorando o desenvolvimento da identidade ucraniana, Putin alega que a Ucrânia moderna foi produto da era soviética, uma espécie de entidade artificial, fruto da “generosidade” dos bolcheviques, esquecendo-se que a questão nacional era tratada por Lenin segundo os princípios da autodeterminação dos povos, e não por razões de bondade. Putin acusa ainda a Ucrânia de querer reescrever sua história desvinculando-a da Rússia, e isso devido a pressões dos Estados Unidos e da União Europeia. E arremata que “a verdadeira soberania do Estado ucraniano só é possível em parceria com a Rússia”. Putin, dessa forma, trata a Ucrânia como se o país ainda fosse a “pequena Rússia” da periferia do antigo império czarista.
O que Moscou realmente reativou da era soviética foi a escola stalinista de falsificação. Para justificar uma invasão tão transparente, o Kremlin lembrou a relação da Ucrânia com a OTAN, como se aquele país estivesse prestes a ser aceito no bloco; exagerou a importância de grupos ucranianos de extrema-direita, afirmando que a invasão militar tinha também como propósito “desnazificar” um país que é governado por um presidente de ascendência judaica; e muito na lógica usada por Hitler para ocupar em 1938 a região germanizada dos Sudetos, pertencente à antiga Tchecoslováquia, Moscou alegou que a intervenção era necessária igualmente para defender os russos étnicos da região do Donbass, que estariam sofrendo uma política de extermínio por parte do governo do atual presidente Volodymyr Zelensky.
Como um jogador compulsivo de pôquer, Putin apostou todas as fichas em um perigoso jogo geopolítico que pode voltar-se contra ele. O plano inicial de tomar Kiev e derrubar o governo ucraniano falhou, e a Rússia viu-se isolada política e diplomaticamente do mundo desenvolvido, além de sofrer severas sanções econômicas. Sua aproximação com a China, para contrabalançar o isolamento internacional, tem certa limitação, pois o governo chinês, embora tenha criticado as sanções ocidentais, não endossou a invasão da Ucrânia, preferindo abster-se nas votações sobre a guerra na ONU. Pior ainda, se a intenção era evitar a expansão da OTAN, o tiro saiu pela culatra, pois Suécia e Finlândia, países com tradição de neutralidade, solicitaram admissão no bloco militar.
Confira, a seguir, galeria:
A atual estratégia de Moscou parece se limitar a salvar as aparências e declarar que o objetivo da “ação militar especial”, como o alto comando militar russo denomina a invasão da Ucrânia, foi alcançado com a anexação das regiões do Donbass. Mas a julgar pela contraofensiva ucraniana em curso, a guerra vai continuar por tempo indeterminado, solapando os recursos da Rússia e obrigando Moscou a convocar centenas de militares de reservistas, o que pode minar a popularidade de Putin. Sem encontrar saída para o problema que criou, o governo russo faz constantes ameaças de usar o armamento nuclear do país, aumentando desta forma a escalada do conflito com o Ocidente.
O isolamento do país deve acentuar ainda mais o nacionalismo antiocidental na sociedade russa, assim como a guerra afasta a Ucrânia de sua tradicional ligação com a Rússia, empurrando os ucranianos para uma identidade cada vez maior com a Europa ocidental. Se fizermos um paralelo histórico com a situação do Japão e da Alemanha, podemos constatar que, após o fracasso desses países em expandir seu poder através de guerras e ocupações territoriais, ambos se reinventaram e se tornaram nações prósperas, respeitadas e influentes no mundo. A Rússia, ao contrário, continua a agonizar sobre a perda do status imperial e os rumos de sua identidade nacional. Catarina II, ao afirmar que seu império só seria mantido através da expansão, parece ter lançado uma maldição que continua assombrando o país.
Sobre os autores
Paulo César Nascimento é cientista político, formado pela Universidade de Brasília (UnB).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
*Leone Campos de Sousa é socióloga, graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Lula diz que, se eleito, Brasil passará por um processo de reconciliação
Victoria Azevedo*, Folha de São Paulo
A quatro dias do segundo turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quarta-feira (26) que, caso ele seja eleito, o Brasil irá passar por um processo de reconciliação.
"O bolsonarismo vai continuar, o ódio vai continuar por um tempo, os fanáticos vão continuar por um tempo. Mas acho que a gente vai ter um processo de reconciliação da população brasileira", disse.
O ex-presidente afirmou ainda que o presidente Jair Bolsonaro (PL), seu adversário na corrida eleitoral, é "anormal" e que ele criou "um determinado ódio" no país que "não existia nas eleições".
"Nasci na vida política fazendo negociação. Acho que vamos estabelecer uma política de boa convivência com a sociedade brasileira. Chega de animosidade", seguiu o petista.
Lula concedeu entrevista à Rádio Mix Manaus na manhã desta quarta.
O petista também criticou declarações de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas e disse que o atual mandatário ataca as urnas porque "como sabe que vai perder, ele está tentando encontrar uma coisa para culpar".
"O povo vai decidir soberanamente e o que ele decidir todo o mundo vai acatar porque nós não duvidamos da urna."
Lula seguiu dizendo que as eleições deste ano são entre a "manutenção e a conquista da democracia" no país ou "a continuidade da barbárie que que representa o governo Bolsonaro".
Ao ser questionado sobre qual será a composição de seus ministérios em um eventual governo, Lula disse que não vai sentar na cadeira antes de ganhar e que, primeiro, é preciso ganhar as eleições para depois discutir essa questão.
"Não está na hora de anunciar nada. Está na hora de ganhar as eleições. Vou fazer [composição de] ministério que represente a sociedade brasileira, com gente competente e com gente fora do PT."
"Falta apenas quatro dias para as eleições, só quatro dias. Quando chegar às 19h, às 20h vamos ter o resultado. E aí, sim, se eu ganhar, vou começar a discutir os ministérios."
Sobre uma eventual participação da senadora Simone Tebet (MDB), terceira colocada no primeiro turno e aliada de Lula na segunda rodada do pleito, o petista disse que ela é um quadro político importante, mas que anunciar algo agora seria se precipitar.
"Obviamente que a gente pode ter muita contribuição da Simone mas eu só não posso dizer que Simone vai ser ministra porque eu estaria precipitando uma coisa que eu não quero precipitar."
Ele disse que sua eventual equipe ainda não está formada porque "depende de muitas coisas". "Tenho pensado no meu travesseiro, porque se eu comentar com alguém vai vazar a notícia. E eu não quero que vaze notícia. Quero primeiro ganhar as eleições, esse é o principal objetivo."
Lula também voltou a fazer um apelo para que as pessoas comparecem às urnas e disse que essas eleições são as mais importantes dos últimos anos no Brasil.
"Não se abstenha. Não anule o voto. Escolha o seu candidato a presidente da República. É muito importante que o povo compareça a votar", disse.
O ex-presidente também defendeu a realização de uma reforma tributária que "cobre mais de quem tem mais e cobre menos de quem ganha menos", afirmou que irá manter o auxílio de R$ 600 com acréscimo de R$ 150 para crianças menores de seis anos, que terá aumento do salário mínimo com aumento real acima da inflação e disse que defende isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Ao ser questionado se chegou a hora de taxar as grandes fortunas, Lula respondeu: "Chegou a hora, sempre é a hora".
Texto publicado originalmente no Folha de São Paulo.
O que pode acontecer com juíza que induziu menina estuprada a evitar aborto
BBC News Brasil
Em audiência no dia 9 de maio, Ribeiro Zimmer induziu a menina de 11 anos, vítima de estupro, a desistir de fazer um aborto legal. Trechos da sessão foram divulgados em um vídeo publicado Portal Catarinas e pelo The Intercept (ler mais abaixo).
"Você vai ao médico, e a gente vai fazer essa pergunta para um médico, mas você, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?", disse a juíza à menina.
O caso reverberou por todo o país — após repercussão negativa, a magistrada deixou a Vara da Infância onde atuava. Ela foi promovida e transferida para outra cidade. Ribeiro Zimmer alegou que já havia sido promovida antes de o caso ter vindo à tona e resolveu aceitar o novo cargo.
A Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou, em nota, que está apurando a conduta da magistrada. O CNJ também confirmou à BBC News Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, que está analisando o caso e que já recebeu quatro representações contra Ribeiro, uma delas assinada por sete de seus conselheiros (o órgão tem 15 integrantes). Além disso, recebeu outras três de advogados e associação.
Mas o que pode acontecer com a juíza Joana Ribeiro Zimmer? Ela pode ser realmente punida? Qual é o passo a passo da apuração? E qual tipo de punição ela pode receber?
Há seis penas que podem ser aplicadas a magistrados quando há desrespeito a qualquer dos deveres previstos no Art. 25 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) — sendo a mais grave a demissão.
No entanto, esta não se aplica à juíza, uma vez que ela exerce a magistratura há mais de dois anos.
Sendo assim, caso seja considerada culpada ao fim da sindicância, a punição máxima que poderia receber seria a aposentadoria compulsória.
Confira abaixo:
1) Advertência
Trata-se da pena mais leve e aplicada ao magistrado que age de forma negligente em relação ao cumprimento dos deveres do cargo. Só pode ser aplicada a juízes de primeiro grau (como é o caso de Joana Ribeiro Zimmer).
2) Censura
A aplicação desta punição ocorre quando o magistrado atua de maneira negligente repetidas vezes em relação ao cumprimento do cargo. Também pode ser usada apenas na punição de juízes de primeiro grau. O magistrado punido com censura não pode constar de lista de promoção por merecimento por um ano, desde a data do trânsito em julgado.
3) Remoção compulsória
Trata-se de punição aplicável tanto a juízes de primeira instância quanto aos de segunda instância. Nesse caso, o magistrado é transferido para outra comarca de forma obrigatória.
4) Disponibilidade
O magistrado é posto em disponibilidade (inatividade remunerada) ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória. Só após dois anos afastado o juiz pode solicitar seu retorno ao trabalho. O prazo, por si, não garante o retorno. Cabe ao tribunal julgar o pleito. Durante esse período, é vedado a ele exercer outras funções, como advocacia ou cargo público, salvo um de magistério superior.
5) Aposentadoria compulsória
A aposentadoria compulsória é a mais grave das cinco penas disciplinares aplicáveis a juízes vitalícios. Afastado do cargo, o condenado segue com provento ajustado ao tempo de serviço. Pode ser aplicada quando o magistrado: I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, ou III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
6) Demissão
Só pode ser aplicado a juízes ainda não vitaliciados (ou seja, com menos de 2 anos no cargo) Ao juiz não-vitalício será aplicada pena de demissão em caso de: I - falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis; II - manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; III - procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; IV - escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; ou V - proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
Como funciona o processo?
Segundo o CNJ, na apuração preliminar, a Corregedoria Nacional "procede à avaliação das provas existentes, a fim de estabelecer se houve prática de infração disciplinar, o que determina a propositura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) ou, em hipótese contrária, se as provas são frágeis ou insuficientes, pode acarretar o arquivamento do procedimento".
"Se a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidir pela instauração do PAD, o parecer será apreciado pelo Plenário do CNJ, quando todos os conselheiros se manifestarão sobre o caso".
"Se o pedido for aceito, haverá abertura do processo disciplinar e a magistrada terá garantida a ampla defesa e contraditório, conforme previsto na Constituição Federal. Encerrada a apuração, será apresentado relatório para nova apreciação do Plenário".
Punições como remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória de magistrados só podem ser aprovadas por maioria absoluta do conselho.
O CNJ foi instalado em 2005 para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
São 15 membros, com mais de 35 anos e menos de 66, com mandato de dois anos, admitida a recondução por mais um.
O conselho é sempre presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria é sempre ocupada por um ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Os demais membros são um ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um desembargador de Tribunal de Justiça; um juiz estadual; um juiz do Tribunal Regional Federal; um juiz federal; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho; um juiz do trabalho; um membro do Ministério Público da União; um membro do Ministério Público Estadual; dois advogados; dois cidadãos de "notável saber jurídico e reputação ilibada".
Atualmente o presidente do conselho é o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria é ocupada pela ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do STJ.
Ao longo de sua história, o CNJ puniu 126 juízes, sendo 69 (55%) com aposentadoria compulsória (punição mais severa) até outubro do ano passado, segundo a assessoria de imprensa do órgão.
Entenda o caso
Em reportagem do Portal Catarinas, em parceria com o The Intercept Brasil, divulgada na segunda-feira (20/6), é possível ouvir no vídeo a menina de 11 anos sendo encorajada a manter a gestação.
Ao falar com a criança, a juíza Joana Ribeiro Zimmer pergunta: "Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?". Depois de uma resposta negativa da vítima, pergunta se gostaria de "escolher o nome do bebê" e se "o pai do bebê" concordaria com a entrega à adoção.
Também faz outras perguntas como: "Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro para a gente poder fazer essa retirada antecipada do bebê para outra pessoa cuidar se você quiser?"; "Você vai ao médico, e a gente vai fazer essa pergunta para um médico, mas você, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?"; "Você acha que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção?"
Na audiência com a mãe da menina, Ribeiro Zimmer questiona sobre a gestação da menina.
"Quanto ao bebezinho, você entendeu que se fizer uma interrupção, o bebê nasce e a gente tem que esperar esse bebê morrer? A senhora conseguiu entender isso? Que é uma crueldade? O neném nasce e fica chorando até morrer."
"E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Então, essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal. A gente pode transformar essa tragédia."
A mãe da criança então diz: "É uma felicidade porque não estão passando pelo o que eu estou passando".
A menina teria sofrido o abuso sexual com 10 anos. O Conselho Tutelar da cidade em que ela morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que, por sua vez, ingressou com o pedido para que a criança fosse levada a um abrigo provisoriamente.
Ela descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde lhe foi negado o procedimento para interromper a gestação negado e que este só seria realizado com uma autorização da Justiça.
Na decisão, a juíza Ribeiro Zimmer disse que o encaminhamento ao abrigo, inicialmente feito a pedido da Vara da Infância para proteger a criança do agressor, agora tinha como objetivo evitar o aborto. A suspeita é que a violência sexual ocorria em casa.
A magistrada afirmou que a mãe da menina disse em juízo que queria o bem da filha, mas ponderou que, se a jovem não tivesse sido acolhida em um abrigo, teria feito o procedimento de aborto obrigada pela mãe.
Outro lado
Em entrevista ao jornal Diário Catarinense após a divulgação do caso, a magistrada afirmou que não é contra o aborto.
Ela justificou sua decisão por um "conceito" da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde.
"A palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde. Isso não quer dizer que eu sou contra o aborto, só que o aborto passou do prazo."
No entanto, nos três casos em que a legislação brasileira permite o aborto (estupro, risco de vida materna ou mal formação fetal incompatível com a vida), não há limite de idade gestacional.
Na entrevista, a magistrada rebateu as críticas e disse que não quer expor a menina.
"Por coerência, eu prefiro que me acusem de tudo quanto é coisa, mas a menina esteja preservada. É muita covardia eu querer me defender, eu tenho mil coisas para me defender, mas é muito covarde eu tentar me defender e expor a menina, a mãe da menina, a família. Então eu prefiro aguentar sozinha essa pressão."
Ela também falou que corre "risco de vida" e não quer dar gastos adicionais para o tribunal em relação a isso, como, por exemplo, guarda-costas para a segurança dela.
"Tem outra questão que é a segurança institucional de que os meus dados já foram quebrados e eu já corro risco de vida. Então, tem mais uma responsabilidade de não gerar um custo para o tribunal de ter que colocar seguranças, tem mais isso. Não posso sair falando por aí e o tribunal ter de ficar sustentando guarda-costas."
Ribeiro Zimmer atuava na área da Infância e Juventude desde 2004. Após promoção por "merecimento" pelo TJ-SC, ela foi transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí, e vai atuar na Vara Comercial.
Até ser promovida, seu salário era de R$ 32.004,65 mil brutos mensais. Mas, em abril, devido aos auxílios a que tem direito, ela ganhou R$ 59.129,75 brutos.
Em nota distribuída à imprensa, a juíza Ribeiro Zimmer afirmou ser "de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça, com toda a responsabilidade e ética que a situação requer e com a devida proteção a todos os seus direitos e garantias constitucionais".
*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil
TSE tem maioria contra cassação de Bolsonaro/Mourão por disparos em massa
Cinco dos sete ministros da Corte votaram contra a deposição dos atuais chefes do Executivo Federal de seus respectivos cargos
Weslley Galzo e Pepita Ortega / O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já tem votos para rejeitar as ações que pedem a cassação dos mandatos do presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Cinco dos sete ministros da Corte votaram contra a deposição dos atuais chefes do Executivo Federal de seus respectivos cargos. A chapa é acusada de promover disparos em massa de notícias falsas e ataques a adversários, por meio do WhatsApp, durante as eleições de 2018.
Bolsonaro conquistou uma vitória parcial na primeira sessão do TSE realizada na terça-feira, 26. No início do julgamento nesta quinta-feira, 28, os ministros Carlos Horbach e Edson Fachin juntaram seu votos no sentido de absolver a chapa Bolsonaro Mourão. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos já haviam votado em tal sentido.
Embora os ministros já tenham descartado a alternativa judicial para afastar o presidente do cargo e impedi-lo de disputar a reeleição, no ano que vem, a Corte abriu discussão para aprovar uma nova tese jurídica sobre disparos em massa, com o objetivo de difamar oponentes. Cinco ministros já acompanharam a proposta do relator para a criação de tal tese.
O julgamento é marcado por recados ao Planalto sobre a disseminação de fake news e o processo eleitoral. O ministro Edson Fachin indicou que a Justiça Eleitoral tem o dever de antecipar as sanções a todos que violarem o processo eleitoral ‘ainda que isso venha a contrariar quem se apresente e eventualmente dele saia derrotado’. “A derrota e a vitória diante dos votos sufragados nas seguras urnas eletrônicas faz parte das regras do jogo democrático”, ponderou.
Já o ministro Alexandre de Moraes, que vai presidir o TSE nas eleições 2022, afirmou que é ‘fato mais do que notório’ que os disparos em massa ocorreram e continuam ocorrendo. “A neutralidade da Justiça que tradicionalmente se configura como a “Justiça é cega”, não se confunde com tolice. A justiça não é tola. Podemos nos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. É muito importante esse julgamento, porque nós não podemos criar um precedente de que tudo que foi feito ‘vamos passar um pano’. Essa milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia”, registrou.
O ministro ainda destacou a importância do julgamento, indicando que a falta de provas pode obstar uma condenação, mas não impede a ‘absorção, pela Justiça Eleitoral do modus operandi que foi realizado e vai ser combatido nas eleições 2022’. “Nós já sabemos os mecanismos, já sabemos quais as provas rápidas que devem ser obtidas, em quanto tempo e como. Não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamento espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados”, ponderou.
Alexandre ainda foi incisivo sobre a criação de uma tese sobre o tema, frisando a necessidade da mesma para o combate à disseminação de discurso de ódio ‘contra as eleições, contra a Justiça Eleitoral e contra a democracia’ nas eleições 2022. “Esse será um precedente importantíssimo para que a Justiça Eleitoral possa, assim com os outros mecanismo aprimorados nos últimos dois anos sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, ter mais um instrumento importante. Com um recado muito claro: se houver repetição do que foi feito em 2018 o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil”, afirmou.
Assista!
Tese
Relator das ações, Salomão propôs que o julgamento sirva de baliza para casos semelhantes no futuro. Ele quer que o uso de aplicativos de mensagens com financiamento de empresas privadas, na tentativa de tumultuar as eleições com desinformação e ataques, passe a ser considerado como suficiente para condenar candidatos por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.
O corregedor propôs cinco parâmetros para analisar a gravidade de casos semelhantes: o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão no eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e o financiamento de empresas privadas, com a finalidade de interferir na campanha.
No mérito do caso envolvendo os atuais ocupantes dos Palácios da Alvorada e do Jaburu, o corregedor disse reconhecer a ocorrência de disparos em massa na campanha de 2018. Avaliou, porém, que as provas juntadas aos autos do processo não foram suficientes para condenar os vencedores da eleição presidencial. O caso tramita na Corte há quase três anos e já foi reaberto para reunir novos elementos.
“De fato, as provas dos autos demonstram que, ao menos desde o início da campanha, o foco residiu mesmo na mobilização e captação de votos mediante o uso de ferramentas tecnológicas, fosse na internet ou, mais especificamente, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas” afirmou Salomão. “Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados”, completou.
A despeito do conhecimento dos fatos, Salomão argumentou que “a parte autora (Coligação O Povo Feliz de Novo) não logrou comprovar nenhum dos parâmetros essenciais para a gravidade no caso, apesar das inúmeras provas deferidas nessas duas ações”. O voto do relator foi acompanhado integralmente pelo ministro Mauro Campbell e parcialmente por Sergio Banhos, que não reconheceu a existência dos disparos.
O TSE julga dois pedidos de investigação apresentados pela coligação “O Povo Feliz de Novo”, encabeçada pelo PT com o apoio do PC do B e do PROS. O julgamento é o último grande ato de Salomão como corregedor da Corte. Ele passará o cargo para o ministro Mauro Campbell na próxima sexta-feira, 29.
Como relator do caso, Salomão foi responsável por imprimir celeridade ao processo de investigação. Antes dele, outros dois ministros haviam conduzido as ações contra a chapa presidencial sem obter avanços.
A produção de provas começou a caminhar após cooperação entre Salomão e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio TSE. Em setembro, Moraes compartilhou as provas dos inquéritos das fake news e das milícias digitais com a Corte eleitoral. Durante a leitura do voto, Salomão citou diversas vezes os elementos probatórios levantados pelas investigações em curso no Supremo.
“As provas compartilhadas pelo STF corroboram a assertiva de que, no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente Jair Bolsonaro atuavam de modo permanente na mobilização digital, tendo como modus operandi ataques a adversários políticos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas”, disse Salomão. “Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldades vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meios digitais”.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tse-retoma-acoes-que-pedem-cassacao-da-chapa-bolsonaro-mourao-assista-ao-vivo/
MPT pede afastamento de Sérgio Camargo da Fundação Palmares
Investigação concluiu que atual gestor é responsável por perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso
MPT no Distrito Federal e Tocantins
Brasília - O Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) foi à Justiça Trabalhista e pediu o afastamento imediato de Sérgio Nascimento de Camargo da Presidência da Fundação Palmares pela prática de assédio moral.
A Ação Civil Pública, ajuizada na última sexta-feira (27/8), também requer que a Fundação Palmares não permita, submeta ou tolere a exposição de trabalhadores a atos de assédio moral praticado por qualquer de seus gestores, além de cobrar, no prazo de 180 dias, diagnóstico do meio ambiente psicossocial do trabalho, realizado por profissional da área de psicologia social.
O MPT também pede que a Fundação Palmares e seu presidente, Sérgio Nascimento de Camargo, sejam condenados, a título de reparação por danos morais coletivos, no valor de R$ 200 mil, a serem pagos de maneira solidária.
Perseguição política-ideológica:
Após um ano de investigação e de ouvir 16 depoimentos, entre ex-funcionários, servidores públicos concursados, comissionados e empregados terceirizados, o procurador Paulo Neto, autor da Ação Civil Pública, concluiu que há perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso por parte do Presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo.
Segundo o procurador, “os depoimentos são uníssonos, comprovando, de forma cabal, as situações de medo, tensão e estresse vividas pelos funcionários da Fundação diante da conduta reprovável de perseguição por convicção política praticada por seu Presidente e do tratamento hostil dispensado por ele aos seus subordinados”.
Os fatos apurados na investigação do MPT comprovam que Sérgio Camargo persegue os trabalhadores que ele classifica como “esquerdistas”, promovendo um “clima de terror psicológico” dentro da Instituição.
Para definir quem são os “esquerdistas” da Fundação Palmares, o presidente Sérgio Camargo monitora as redes sociais dos trabalhadores e até mesmo associa o tipo de cabelo com aparência típica de “esquerdista”.
Os relatos colhidos pelo MPT também confirmam o uso recorrente de palavrões e tratamento grosseiro contra os subordinados. A situação resultou no desligamento até mesmo de servidores concursados, que pediram para sair da Fundação em virtude do clima instalado a partir da chegada de Sérgio Camargo à presidência.
A Ação Civil Pública será julgada pelo juízo da 21ª Vara do Trabalho de Brasília.
Processo nº 0000673-91.2021.5.10.0021
Fonte: Ascom/MPT
https://mpt.mp.br/pgt/noticias/mpt-pede-afastamento-imediato-de-sergio-camargo-da-presidencia-da-fundacao-palmares-por-assedio-moral
El País: Estados Unidos processam Facebook por monopólio
Procuradores de 48 Estados do país e o órgão regulador do Comércio pedem que a empresa de tecnologia venda o Instagram e o WhatsApp
A Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos (FTC na sigla em inglês) e um grupo de procuradores de 48 dos 50 Estados do país entraram com uma ação contra o Facebook nesta quarta-feira para reduzir o tamanho da empresa e sua posição de mercado. De acordo com o processo, a empresa de tecnologia dirigida por Mark Zuckerberg mantém seu “monopólio” no setor de redes sociais há anos por meio de condutas empresariais que atentam contra o livre exercício da concorrência.
A reação da empresa de tecnologia foi imediata e, em comunicado, lamentou os “efeitos adversos” que essas restrições terão sobre a comunidade empresarial e os usuários de seus serviços. O penúltimo capítulo da repressão antitruste à gigante de Palo Alto gerou inquietação no pregão, com o índice de tecnologia Nasdaq caindo quase 2%. Os restantes índices registraram ligeiras quedas, devido ao continuado bloqueio em torno do novo pacote de estímulos.
A ação, movida em um tribunal federal de Washington, foi anunciada pela procuradora-geral do Estado de Nova York, Letitia James, que lidera a ação. Os Estados acusam o Facebook de adquirir ilegalmente concorrentes como Instagram e WhatsApp, privando dessa maneira os consumidores dos benefícios e vantagens de um mercado competitivo com maior proteção da privacidade. O Facebook comprou o Instagram em 2012 por um bilhão de dólares e o sistema de mensagens WhatsApp dois anos depois por 1,9 bilhão de dólares. Desde que foram adquiridas pelo Facebook, as redes sociais viram sua popularidade disparar, contribuindo para reforçar o monopólio da empresa de tecnologia, que começou em um alojamento estudantil de um campus e cujo valor agora é estimado em mais de 800 bilhões de dólares.
Os reguladores federais e estaduais investigaram a empresa de Zuckerberg por 18 meses. “Essa conduta prejudica a concorrência, deixa os consumidores com pouca margem de escolha para suas redes sociais pessoais e priva os anunciantes dos benefícios da concorrência”, disse a FTC em um comunicado. Os autores da ação solicitam ao tribunal que obrigue o Facebook a desinvestir em ativos ou implementar uma reestruturação de seus negócios, especialmente em relação à rede social fotográfica e ao popular serviço de mensagens.
“As redes sociais são fundamentais para a vida de milhões de norte-americanos. A prática do Facebook de se entrincheirar e manter seu monopólio nega aos consumidores o benefício da concorrência”, afirmam os reclamantes, em uma conduta que consideram claramente “anticompetitiva”.
O processo ilustra a crescente ofensiva nacional e internacional contra o gigante da tecnologia. Legisladores e reguladores há muito buscam o Facebook, Google, Amazon e Apple por seu domínio no comércio, eletrônicos, mídia social, mecanismos de busca e publicidade na Internet, algo que para muitos representa uma injeção econômica em tempos de crise devido à pandemia, mas que, na consideração de outros, como o presidente Donald Trump e seu rival, o presidente eleito Joe Biden, representa um risco pelo poder e influência que acumulam. Tanto o partido Democrata quanto o Republicano têm sido a favor da regulamentação da atividade das grandes tecnologias, o que foi comprovado nos últimos meses em uma ação do Departamento de Justiça contra o Google por abusar de sua posição diante da concorrência. Outro na mesma direção é esperado, a pedido de legisladores republicanos e democratas, até o final do ano. Os reguladores na Europa também defendem leis mais rígidas para limitar o domínio da indústria de tecnologia e impuseram multas de bilhões de dólares por violar as leis de concorrência.
As batalhas contra o Facebook devem desencadear uma guerra jurídica árdua e prolongada, diante da qual a tecnologia parece blindada por seu valor de mercado incomensurável e uma defesa de luxo mais do que provável. A empresa rejeitou repetidamente que viola quaisquer regras antitruste. Muito poucos casos antitruste importantes apontaram para fusões aprovadas e encerradas anos antes; na verdade, a Federal Trade Commission aceitou os acordos para adquirir o Instagram e o WhatsApp pelo Facebook durante o mandato de Barack Obama.