privatizações

População foi às ruas para protestar contra a privatização da companhia Vale do Rio Doce, vendida

30 anos de privatizações: investimentos caem e dívida pública sobe

Vinicius Konchinski | Brasil de Fato

Há pouco mais de 30 anos, durante a gestão do então presidente Fernando Collor (hoje no PTB), o governo lançou um plano robusto de privatizações: Programa Nacional de Desestatização (PND), que existe até hoje.

Naquela época, com o país em processo de redemocratização e precisando crescer, a venda de grandes empresas públicas era apresentada como uma dupla solução: primeiro, levantaria dinheiro para pagamento da dívida nacional; depois, contribuiria com o crescimento dos investimentos no país já que setor privado aumentaria sua participação neles.

:: Sob Bolsonaro, estatais abandonam o social e lucram na crise ::

Passados todos esse anos e vendidas estatais estratégicas como a Vale do Rio Doce e a Telebras, é possível dizer que as privatizações não serviram a nenhum dos objetos propostos: a dívida pública brasileira é maior do que era quando o PND foi lançado, em 1990; já o investimento ficou menor do que há 30 anos.

Segundo dados oficiais compilados pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV), em 1990, o Brasil investia 20,66% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Só o governo federal investia 0,88% do total gerado pela economia brasileira num ano; estatais investiam 1,48%; já o setor privado investia 15,45%.

Desde de que as privatizações começaram, com a venda da Usiminas, em 1991, a taxa de investimento oscilou, mas nunca atingiu os 21%. Em 2013, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), chegou a 20,91%. Desde então, caiu e fechou 2021 em 19,17%.

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Quando o PND foi lançado, economistas liberais argumentavam que, ao vender suas empresas ao capital privado, o Estado "abriria espaço" para que o investimento privado crescesse e as modernizasse. Em 2021, no entanto, o setor privado investiu 17,11% do PIB nacional, percentual maior do que em 1990, mas insuficiente para elevar o nível de investimento total.

Entre 2010 e 2020, o investimento privado correspondeu a 14,77% do PIB, na média. A taxa é menor do que a registrada em 1990.

Já o investimentos das estatais que restaram caiu para 0,66% em 2021. Isso é menos da metade do de 30 anos atrás.

"Ao contrário do discurso neoliberal de que é necessário o esvaziamento do Estado para que então o setor privado possa avançar, o que se observou de maneira geral é que a privatização não implicou adicional de investimento produtivo", ratificou o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann.

Dívida aumentou

Segundo Pochmann, as privatizações das estatais sequer serviram para aumentar a capacidade de investimento do governo federal, que em 2021, ficou em 0,26% do PIB – cerca de um quarto do que era em 1990. Ele lembrou que existia essa previsão quando o PND foi lançado. As vendas arrecadariam recursos, que seriam usados para pagamento da dívida pública, e assim sobrariam fundos para construção escolas, hospitais, estradas, por exemplo.

:: Eleições de 2022 devem definir privatização ou preservação de estatais ::

Os números, porém, mostram que não foi isso que aconteceu. Além do investimento federal nunca mais ter alcançado o patamar de 1990, a dívida brasileira aumentou de lá pra cá, apesar do dinheiro recebido com a venda das estatais. Em 1990, a dívida pública bruta era de 63% do PIB, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela fechou 2021 em 80,3%, segundo estatística do Banco Central (BC).

"O recurso que os governos arrecadam por conta da privatização serviram basicamente para atender o serviço da dívida pública [os juros]. Não serviu para ampliação de investimento ou gasto social", afirmou Pochmann.

Discurso equivocado

Simone Deos, que também é professora da Unicamp, disse os dados sobre investimentos e dívida são eloquentes para demonstrar a ineficiência das privatizações como solução para o crescimento e desenvolvimento. Para ela, é errado pensar que o investimento público "tira espaço" do privado.

:: Privatizações de aeroportos devem virar dívida para governo ::

Ela explicou que, na verdade, o que acontece é o contrário. Empresários só investem quando têm expectativa de lucro. Quando o setor público investe, a economia como um todo tende a crescer. Se isso acontece, é maior a chance do empresário lucrar. Maior também a chance de ele querer investir.

"O investimento público e investimento privado geralmente aumentam ao mesmo tempo", disse ela. "Não existe essa coisa de um expulsar o outro. Na verdade, o que deveria haver é uma complementaridade."

:: Privatização da Eletrobras ameaça centro de pesquisa ::

Daniel Negreiros Conceição, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que essas expectativas equivocadas não são meros erros. Para ele, há interesses no aumento das privatizações no Brasil. Esse interesse é de grandes empresários, os maiores beneficiados das vendas das estatais.

"Os capitalistas obviamente não querem enfrentar a concorrência estatal", disse Conceição. "Cada vez que você estatiza e começa a promover serviços públicos, você tira a oportunidade do setor privado fazer isso. Então o sonho do capitalista é a privatização."

Bolsonaro revive pauta

Segundo Conceição, esses capitalistas têm hoje influência sobre "extremistas liberais" que comandam a economia nacional durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Por isso, neste governo, as privatizações voltaram à pauta econômica.

Durante a gestão Bolsonaro, o governo privatizou 36% das estatais brasileiras. Quando ele assumiu a Presidência, a União controlava 209 empresas. Hoje, são 133.

::Bolsonaro já privatizou um terço das estatais ::

A última privatização relevante realizada foi a venda do controle da Eletrobras, maior empresa de energia da América Latina. A operação também ocorreu porque, segundo o governo, isso possibilitaria o crescimento de investimentos da companhia.

A venda, aliás, ocorreu enquanto países como França e Alemanha discutem reestatizar empresas de energia para garantir sua soberania.

"O Brasil está na contramão. Parece surdo e cego ao que acontece no resto do mundo", reclamou Simone Deos.

Leia mais: Juca Abdalla, o banqueiro que lucra com a privatização da Eletrobras e administrará a Petrobras

Grandes privatizações desde 1990:

Governo Fernando Collor (1990 a 1992)
. Usiminas (siderúrgica)

Governo Itamar Franco (1992 a 1994)
. Companhia Siderúrgica Nacional
. Embraer (aviação)

 Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002)
. Telebras (telefonia)
. Vale do Rio Doce (mineração)
. Bancos estaduais

Dilma Rousseff (2011 a 2016)
. Instituto de Resseguros do Brasil (seguradora)

Michel Temer (2016 a 2018)
. Distribuidoras de energia
. Linhas de transmissão

Jair Bolsonaro (2019 a 2022)
. Eletrobras (energia)
. BR Distribuidora (combustíveis)
. Transportadora Associada de Gás - TAG (combustíveis)
. Refinaria Landulpho Alves (combustíveis)

Edição: Thalita Pires

Matéria publicada originalmente no portal Brasil de Fato


Evandro Milet: Capitalismo brasileiro consegue avançar aos tropeções

É animador, por exemplo, perceber que privatizar não é mais um palavrão, a não ser para a esquerda mais corporativista

Evandro Milet / A Gazeta

Nós costumamos reclamar, com razão, das mazelas do capitalismo brasileiro. Capitalismo de laços ou de compadrio, insegurança jurídica, burocracia, protecionismo, custo de capital, lobbies setoriais, corrupção, subsídios indevidos ou intermináveis, manicômio tributário, legislação trabalhista, ambiente de negócios em geral etc. etc. etc.

Mas será que absolutamente nada mudou ou nada aconteceu de positivo nos últimos anos? Depois do desastre do governo Dilma, aprendemos o que é pedalada, que não se deve mascarar as contas públicas, que não se pode baixar juros na marra e que intervenções voluntaristas no mercado de energia geram contas mais altas. Aprendemos que apesar das reclamações, o teto de gastos segurou os jabutis que eram incluídos sistematicamente no orçamento e disciplinou a ideia de que despesas devem apresentar de onde vem a receita correspondente.

Aprendemos também que essa disciplina fiscal permitiu baixar juros provocando uma saudável debandada das aplicações de renda fixa para investimentos de risco e a explosão dos investidores privados na Bolsa e nas inúmeras startups que pipocam pelo país inteiro. Com isso, muitos financiamentos antes custeados pelo Tesouro no Bndes, com alto custo fiscal, foram substituídos por investimentos privados via IPO’s - que muitos não sabiam o significado - ou outras emissões.

Juros baixos também turbinaram a construção civil com crédito imobiliário e lançamentos que enchem as páginas dos jornais. Aqueles que ainda acham que o governo deve comandar a economia começam a perceber que esses rudimentos de ambiente de negócios saudável já demonstram que nem precisa o governo se meter. Ou se meter com muito cuidado para, principalmente, destravar caminhos. Ou se meter para fazer privatizações, concessões ou PPPs. Animador é perceber que privatizar não é mais um palavrão, a não ser para a esquerda mais corporativista que não tem noção da ineficiência de operação de governos quaisquer pelo rigor da contratação de pessoas e insumos e pela avalanche de órgãos fiscalizadores que fazem tremer a caneta de qualquer burocrata, ameaçado no CPF.

E a legislação trabalhista? Todos os candidatos a empreendedor pensavam dez vezes antes de contratar empregados, conhecendo inúmeras histórias de decisões trabalhistas esdrúxulas em benefício indevido de empregados e morriam de medo de passivos trabalhistas impagáveis. Fora a insanidade medieval de não permitir terceirizações de atividade-fim, o que inviabilizaria no Brasil uma Apple ou Nike que projetam produtos e contratam execução onde der. Isso mudou com nova legislação, facilitando a contratação de pessoal, apesar de reclamações indevidas de precarização ou de eventuais decisões dissonantes de alguns juízes.

Justiça seja feita à equipe do Ministro Meirelles no Governo Temer, responsável por grande parte dessas iniciativas.
Do lado das grandes empresas muita coisa mudou. A Lava Jato, por mais que se reclame de eventuais excessos, criou uma preocupação saudável contra a corrupção. O compliance se espalhou pelas grandes com legislação específica e o quase pavor de apoio a políticos e a ameaça de quebrar a empresa, além do medo generalizado de combinar negócios escusos que poderiam aparecer cristalinos em delações premiadas.

Mudou também, com a globalização e as exigências crescentes dos consumidores internacionais, quanto às iniciativas de diversidade e sustentabilidade ambiental, agora sintetizadas na sigla ESG. Muitos ainda reagem às iniciativas de grandes empresas aos processos de admissão de pessoas negras ou de variadas orientações sexuais defendendo uma visão antiga de meritocracia, indefensável frente à desigualdade social. Esses terão que atualizar seus conceitos sob pena de serem engolidos por boicotes ou processos.

Não há dúvida que estamos longe ainda de um saudável ambiente de negócios. As reformas não andam, a nossa classificação como país nos critérios internacionais de competitividade continua lá na rabeira, a produtividade fundamental para o crescimento não avança e a educação está à deriva, com o Ministério entregue sucessivamente a pessoas despreparadas. E agora volta a ameaça de inflação e dos juros altos.

Que os sinais positivos ajudem a evitar um retrocesso que se avizinha perigosamente.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/capitalismo-brasileiro-consegue-avancar-mesmo-que-aos-tropecoes-0821


Arminio Fraga: Reestatizar o Estado e privatizar as estatais

O Estado empresário falha como Estado e como empresa

Em função da substituição do presidente da Petrobras, várias perguntas têm vindo à tona. Faz sentido o Estado ter empresas? Ter sócios? Subsidiar o preço dos combustíveis?

Reina no Brasil enorme confusão sobre o papel do Estado e das empresas na organização da sociedade. Ao Estado o cidadão delega responsabilidades que incluem da definição de regras de convivência social à provisão de bens e serviços.

Para cumprir seu papel, o Estado tem várias opções: contratar pessoas e atuar diretamente; contratar empresas privadas; criar empresas, com ou sem sócios privados, com ou sem controle acionário e contratar organizações privadas sem fins lucrativos.

Algumas funções são indelegáveis: administrar o Estado, fazer leis, julgar, ter Exército e polícia me parecem casos claros.

Em muitas áreas, a contratação de empresas privadas pelo Estado faz todo sentido. Empresas são organizações que visam maximizar o seu valor, através da geração de lucros ao longo do tempo. Para tanto, buscam minimizar custos e inovar.Um bom exemplo é o saneamento, um setor regulado. Um governo pode licitar o serviço de saneamento de um território ao menor preço. O setor é particularmente adequado ao modelo em função da facilidade de se desenhar e monitorar o contrato. O que se deseja basicamente é entregar água limpa bem como recolher e tratar o esgoto.Privatizações nas áreas das telecomunicações, energia e bancos mostraram que empresas privadas são superiores ao Estado por serem mais eficientes, sem, no entanto, comprometer a qualidade (o que requer monitoramento). Coleta de lixo e correios exibem o mesmo potencial. Em setores não regulados, como petróleo, mineração, aço e fertilizantes o argumento a favor da privatização é ainda mais forte, pois há plena transparência do binômio preço/ qualidade.

Existem razões adicionais para que o Estado não seja dono de empresas. A propriedade cria a tentação da oferta de vantagens a seus clientes, funcionários e fornecedores, não raro em troca de propinas, de motivação política ou meramente patrimonial. Pensem no caso de um banco: empréstimos baratos para aliados, contratos de propaganda com amigos, salários acima de mercado...

Visto por outro ângulo, empresas públicas podem praticar formas disfarçadas de gasto público, que não constam de orçamento, um atentado à democracia e à boa prática econômica. Não deve causar surpresa que os beneficiários dessas benesses sejam contra a privatização.

Em alguns casos, por razões genuinamente estratégicas ou mesmo políticas, o Estado pode querer algum grau de controle sobre os destinos de uma empresa privatizada. Por exemplo, eu não venderia uma das grandes estatais restantes para uma estatal de outro país ou mesmo para uma única empresa privada.

Neste caso, é possível a adoção de um modelo de capital pulverizado, sujeito à criação de uma ação especial (uma “golden share”) que impediria a concentração exagerada do controle da empresa e daria ao governo veto sobre certas matérias.

Minha conclusão, amplamente amparada pela história do Brasil, é de que apenas sob condições muito raras o Estado deve ser dono de empresa. A perda de eficiência e os riscos de desvios de objetivos são muito grandes e desnecessários. O Estado empresário falha como Estado e como empresa.

Em tese, a existência de acionistas minoritários poderia inibir alguns dos desvios e problemas apontados acima. Na prática não tem sido o caso, como se viu no extraordinário caso do petrolão e no ruinoso uso da Petrobras para reduzir os preços dos combustíveis.

O artigo 238 da Lei das SA dá alguma cobertura ao uso de empresas estatais para objetivos não econômicos (a função social). No entanto, com a Lei das Estatais, o Estado passou a ser obrigado a ressarcir os gastos não econômicos de suas empresas, que agora disputam espaço no orçamento. A transparência aumenta as chances de que as prioridades públicas serão respeitadas e ajuda a minimizar as chances de corrupção. Esta lei representa um avanço, mas blindagem plena, só com venda de controle.

De qualquer forma, subsidiar o preço de commodities parece fazer pouco sentido. Por que não subsidiar outros preços na economia? No caso, em função das notórias externalidades negativas do uso de combustíveis fósseis, parece ainda menos recomendável o subsídio. Essa tentação seria bem menor não fosse o Estado o controlador da Petrobras.

Há casos em que a contratação de empresa privada pode não atingir seus objetivos. Em artigo de 1998, o professor Andrei Shleifer, de Harvard, lista condições para tal, com destaque para as dificuldades de se monitorar o impacto das economias de custos sobre a qualidade do serviço.

Nesse caso, existe um espaço a se explorar pela via das organizações privadas sem fins lucrativos (OSs aqui no Brasil, por exemplo). As OSs podem equilibrar custos e benefícios dos modelos estatal e privado. Evidências preliminares no setor de saúde no Brasil mostram resultados bastante díspares, mas os casos de sucesso sugerem que essa pode ser uma boa alternativa.

Outras áreas merecem experimentos privados, com ou sem fins lucrativos, como por exemplo a educação, onde também há problemas de avaliação de desempenho. Cabe estudar melhor o assunto, o que requer maior acesso a dados, para monitoramento e avaliação adequados.

Muitos, inclusive eu, defendem que parte do nosso frustrante ritmo de desenvolvimento decorre de mecanismos políticos que levam à captura do Estado por grupos de interesse —uma “privatização do Estado”. Defendi aqui a desestatização de empresas públicas e mistas e de algumas atividades de interesse público (que fique claro que o financiamento de áreas cruciais como educação e saúde devem seguir na conta do Estado).

Ou seja, é hora de reestatizar o Estado e privatizar as empresas públicas.


Elena Landau: Memória tumultuada

Ministro Guedes marcou sua gestão por tentar adaptar a realidade a seus devaneios

A Controladoria-Geral da União (CGU) organizou um seminário sobre Os Desafios da Desestatização há poucos dias. Uma das estrelas do evento foi Paulo Guedes, que se confessou frustrado por não ter vendido nada, apesar das promessas de campanha. De fato, é inexplicável que um governo eleito com uma pauta de desestatização tão clara e com metas tão ousadas tenha feito tão pouco.

Infelizmente, não ouvimos um mea-culpa. Sem um bom entendimento dos desafios, não se consegue traçar um plano para superá-los. Repetindo a cantilena de sempre, atribui aos acordos políticos no Congresso a responsabilidade da tibieza do programa. Mas não disse em que exatamente nossos parlamentares estão atrapalhando.

Como não há desejo de vender Petrobrás, Caixa ou Banco do Brasil, muito pouco depende de anuência do Legislativo. Só a Eletrobrás está pendente. A lista de intenções do governo chama atenção pela ausência das empresas que não precisam de autorização específica, como EBC, EPL, Infraero ou Valec. Ou mesmo, a liquidação de outras, como Hemobrás.

Enquanto o ministro falava, o Gabinete de Segurança Institucional enviava para publicação no DOU uma resolução recomendando a criação da Alada – Empresa de Projetos Aeroespaciais SA. Já será a segunda estatal criada neste governo.

Se for para achar os inimigos da privatização, Guedes não precisa atravessar a rua, estão todos na Esplanada dos Ministérios. Cabe a ele, como presidente do Conselho do PPI, convencer seus colegas a desapegarem de suas estatais.

Ao final, não faltou, é claro, a promessa de fazer quatro grandes vendas em 2021. Semana que vem, ano que vem, 90 dias, tanto faz. Ninguém dá bola mesmo.

Não fosse o introito, a palestra não teria trazido nenhuma novidade. É ali que Guedes se revela como historiador. Em tom professoral, inicia explicando por que temos um Estado tão grande. A razão é ter sido moldado pelos militares, com objetivo de acelerar o tempo e aprofundar a infraestrutura. E então completa o raciocínio: “A estrutura de Estado foi montada durante um regime politicamente fechado… Era até relativamente sofisticado que em vez de ter um, houve um rodízio de presidentes. Então, ao contrário de alguns lugares onde a gente pode caracterizar claramente como um regime ditatorial, aqui o Congresso ficou funcionando, operando, havia uma eleição indireta”.

Guedes marcou sua gestão por tentar adaptar a realidade aos seus desvarios. São os trilhões das privatizações, os 40 milhões de testes do amigo inglês ou o mundo se surpreendendo com o Brasil. Mas, dessa vez, passou de qualquer limite. Pode fazer a projeção delirante que quiser, mas reescrever a história política do País não dá. É um desrespeito a quem viveu durante o regime militar; a quem perdeu parentes para a tortura; aos que foram exilados; aos inúmeros deputados cassados, assim como ministros do STF; à imprensa que foi calada; aos artistas censurados; à toda sorte de perseguição que sofreram os que ousaram se colocar contra esse regime “relativamente sofisticado”.

Sem falar na herança econômica da hiperinflação, da concentração de renda, da década perdida e das suspeitas de corrupção que envolviam obras faraônicas, como a Transamazônica ou as usinas nucleares de Angra.

Ele pode até ser a favor do golpe e da ditadura, mas não pode fingir que não aconteceu. Impossível ignorar as atrocidades do governo muito sofisticado de Garrastazu Médici.

Diz ele que tinha apenas 13 anos quando foi “instalado” o governo militar, muito jovem para ter percepção ou opinião. Eu nem era nascida quando Getúlio se matou, nem por isso eu posso afirmar que o presidente morreu de causas naturais.

Para quem leu Keynes três vezes no original, deve ser fácil encarar os cinco volumes de Elio Gaspari. Se tiver com preguiça pode ir direto para o A Ditadura Escancarada.

Eu tinha seis anos quando veio o golpe. Com apenas dez, ouvi com meu pai o discurso de Mario Covas e lembro dele dizendo: “Belíssimo, mas vai ser cassado”. Logo depois, veio o AI-5. Quem era um adolescente em 64, já era um homem em 68.

Paradoxalmente, Guedes falou do ato institucional mais de uma vez em seu mandato. A memória volta quando lhe convém. Pode ser ato falho de quem acha melhor governar sem Congresso.

Ao fim da palestra, prometeu o desfazimento do Estado gigante porque “agora temos um governo liberal-democrata”. Com um porta voz desses não é à toa que o liberalismo tem sido tão questionado.

Vade retro.


Um belo resultado dessas eleições e uma boa notícia para os liberais: o aumento da diversidade nas Câmara de Vereadores pelo País.

*Elena Landau, economista e advogada


Luiz Carlos Azedo: O modelo dos militares

“A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defende um amplo programa de privatizações, porém, os militares são nacional-desenvolvimentistas”

Comparar as biografias do ex-senador Amaral Peixoto e do ex-presidente Ernesto Geisel ajuda a entender como os projetos liberal-democrático e nacional-desenvolvimentista se digladiaram, à sombra do populismo, durante a maior parte do período republicano. Genro de Getúlio Vargas, Amaral teve papel decisivo nas articulações com os Estados Unidos para o Brasil entrar na guerra contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e na construção das alianças do governo Juscelino Kubitschek; Geisel presidiu a Petrobras e sucedeu o general Garrastazu Médici na Presidência, sendo responsável pelo desalinhamento da política externa brasileira em relação aos Estados Unidos, com o acordo nuclear com a Alemanha, o reatamento de relações com a China e o reconhecimento da independência de Angola. Foram adversários políticos por toda a vida.

Amaral lançou a candidatura de Juscelino (PSD) à Presidência da República na eleição de 1955, com um discurso desenvolvimentista cujo slogan era “50 anos em 5”, tendo como companheiro de chapa João Goulart (PTB). Com 35,6% dos votos, contra 30,2% de Juarez Távora (UDN), Juscelino somente tomou posse porque o general Henrique Lott, legalista, desencadeou um movimento militar que a garantiu. Responsável pela construção de Brasília, atraiu investimentos estrangeiros, promoveu a industrialização, o desenvolvimento do interior e a integração do país, num ambiente de estabilidade política e liberdade. Entretanto, deixou como herança dívidas interna e externa elevadas, aumento da inflação e concentração de renda, que alimentaram a crise política dos anos 1960 e desaguaram no golpe militar de 1964.

Geisel herdou a crise do “milagre econômico” do general Médici, idealizado pelos ministros João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen, com o objetivo de preparar a infraestrutura necessária ao desenvolvimento: transportes e telecomunicações, ciência e tecnologia, indústrias naval, siderúrgica e petroquímica. Grandes obras de infraestrutura foram executadas: a hidrelétrica de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica. Houve crescimento médio de 11,2% ao ano, com uma inflação inercial de 19%. A crise do petróleo de 1974, porém, interrompeu o ciclo e forçou uma mudança de rumo na economia.

O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), lançado por Geisel, porém, fracassou. Fora idealizado por Reis Velloso, Simonsen e Severo Gomes para enfrentar a crise internacional provocada pelo “choque do petróleo “ (os países produtores formaram um cartel e passaram a ditar os preços). Geisel fez a maior intervenção estatal na economia da história do país, com medidas de regulação (taxa de câmbio, taxa básica de juros, regras para exportação e importação, tributação, etc.) e um ajuste estrutural na economia, com redução da dependência do petróleo árabe, por meio do investimento em pesquisa, prospecção, exploração e refino de petróleo dentro do Brasil, além de investimento em fontes alternativas de energia, como o álcool e a energia nuclear.

Privatizações
No governo Geisel, graças ao fechamento da economia e subsídios generalizados, o Brasil conseguiu dominar todo o ciclo industrial, porém a dívida externa e a inflação explodiram. O modelo de capitalismo de Estado dos militares naufragou na moratória de 1982, no governo Figueiredo, que sucedeu Geisel. A crise de financiamento do setor público colocou em xeque não só o modelo, mas o próprio regime militar. Após sucessivas derrotas eleitorais, em 1974, 1978, 1982, Tancredo Neves (PMDB), um político liberal-democrata, foi eleito em 1985, em pleito indireto, no embalo de greves de trabalhadores, protestos estudantis e uma campanha por eleições diretas para presidente da República que não vingou no Congresso. Mas a saída da crise só veio com o Plano Real, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Nos bastidores do governo Bolsonaro, há uma disputa surda entre dois modelos: a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defende um amplo programa de privatizações, porém, os militares, que assumiram o comando das empresas estatais e querem o controle das agências reguladoras, são nacional-desenvolvimentistas e não estão muito dispostos a cumprir essa missão. Na semana passada, em Washington, nos Estados Unidos, o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, anunciou que a Eletrobras não será privatizada como estava previsto, mas capitalizada com base no mesmo modelo adotado em 1994 pela Embraer, que vendeu 55% das ações ordinárias da companhia, com direito a voto, em leilão na bolsa paulista.

O ministro também quer rediscutir a relação da Eletrobras com a Eletronuclear, a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) e a Itaipu Binacional. Bento Albuquerque disputa com Guedes o controle da Petrobras e foi um dos artífices do megaprograma de construção do submarino nuclear brasileiro, cujo estaleiro franco-brasileiro, em Itaguaí, corre o risco de ficar fora do programa de construção das novas corvetas da Marinha (estimado entre US$ 1,6 bilhão e US$ 2 bilhões) e virar um elefante branco.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-modelo-dos-militares/


Gil Castello Branco: A vez e a hora da liberal-democracia

O economista americano Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia em 1976, que lecionou na Universidade de Chicago por três décadas, dizia: “Se o governo administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”.

Lembrei-me da frase de Friedman ao ver vários economistas com passagens pela mesma universidade —o berço do liberalismo —assumirem funções no futuro governo, com a finalidade de destravar o Estado brasileiro, mastodôntico e corporativo. Os alvos iniciais serão a alteração das regras e do modelo previdenciário, a desestatização/desmobilização e a reforma do Estado.

O primeiro desafio será a aprovação no Congresso da reforma da Previdência para reduzir o déficit que atingiu R$ 268,8 bilhões no ano passado. A encrenca começa aí. A Previdência urbana e rural tem um rombo de R$ 182,4 bilhões, mas atende a quase 30 milhões de pessoas. O Regime de Previdência dos Servidores Públicos tem déficit de R$ 86,4 bilhões e só atende a 1,1 milhão de pessoas. Isoladamente, as maiores defasagens percentuais entre as arrecadações e os benefícios pagos estão nas previdências rural e dos militares, cujas receitas cobrem apenas cerca de 8% dos pagamentos. Diante desses números, como irão reagir os principais grupos de apoio a Bolsonaro, a bancada ruralista e a caserna, se os seus interesses forem contrariados? Não é simples refazer o pandemônio previdenciário, repleto de “privilégios e direitos adquiridos”, por mais injustos que sejam.

O segundo desafio passa por concessões, privatizações e venda de imóveis do patrimônio da União. O Brasil tem atualmente 138 empresas estatais que possuem 508 mil servidores e movimentam anualmente R$ 1,3 trilhão, mais de cinco vezes o PIB do Uruguai. Em tese, um prato cheio para gerar recursos para abater a trilionária dívida do país. Mas bastou ser anunciado o nome do futuro presidente do Banco do Brasil — e o BB nem está na relação das empresas privatizáveis — para a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil comprar espaço na capa do jornal “Correio Braziliense” para criticar o escolhido por ser “vinculado ao mundo das finanças privadas e defensor inconteste das privatizações”.

Já o valor global do patrimônio imobiliário público federal é estimado em R$ 947 bilhões. O potencial de arrecadação é enorme, mas a falta de estrutura da Secretaria do Patrimônio da União é muito maior. O governo não tem vocação para gerir um conjunto de bens dessa natureza. Paga aluguéis a terceiros no valor de R $1,6 bilhão e recebe cerca de R$ 400 milhões como arrecadação decorrente dos seus bens.

O terceiro desafio é a reforma do Estado, com a eliminação de órgãos e atividades superpostas, redução dos privilégios, das reservas de mercado, dos monopólios, dos subsídios e dos generosos financiamentos concedidos pelos bancos públicos aos amigos do rei. A diminuição da quantidade de ministérios deverá implicar a revisão da estrutura de cargos e salários. Existiam 23.140 cargos de Direção e Assessoramento Superior e Funções Comissionadas do Poder Executivo, segundo dados de outubro de 2018.

Se reunidos todos os cargos, funções e gratificações atingia-se a 99.403! Os salários dos servidores federais são, em média, 96% superiores aos da iniciativa privada, conforme estudo do Banco Mundial. Nesse sentido, o governo Bolsonaro não participou da festa, mas já chegará pagando a conta, como a do descabido aumento dos subsídios dos ministros do STF, com reflexos de R$ 6 bilhões, e os reajustes salariais autorizados por Temer em 2016, com parcela a vencer em 2019. O corporativismo irresponsável solapa a austeridade fiscal nos Três Poderes e no Ministério Público.

Quando perguntavam ao economista e diplomata Roberto Campos —um liberal de carteirinha —se havia saída para o Brasil ele citava três: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. Com suas ideias avançadas para a época, Roberto Campos deve estar exultante: atualmente, são vários os aeroportos que nos levam ao exterior e os liberais chegaram ao poder, inclusive o seu neto.


Miriam Leitão: Privatizar é bom ou ruim?

Na Infraero, foi assinado um acordo coletivo que impede demissão até 2020. Só que a empresa está diminuindo pelas vendas de aeroportos ou de participações. Há quatro mil funcionários excedentes. Isso ao custo de R$ 1 bilhão por ano. O que faz essa irracionalidade é um velho defeito das estatais ao qual os dois governos passados cederam: o corporativismo.

Os funcionários das estatais têm sido eficientes em apresentar seus interesses como sendo o interesse coletivo. E mesmo o economista mais preocupado com as contas públicas, se trabalhar numa das empresas do governo, vai defender o próprio bolso quando a mudança o afetar. Há casos recentes disso. As estatais são empresas de propriedade coletiva, mas, na prática, seus donos têm sido os trabalhadores e os políticos. O poder nas empresas é distribuído aos políticos como se fosse o butim a que eles têm direito porque venceram a guerra eleitoral.

Não se pode privatizar pelos defeitos que o Brasil acumulou dentro da parcela estatal da economia e é melhor não se iludir sobre o caráter das empresas privadas. É velho — e velhaco — o patrimonialismo brasileiro. Muitas empresas privadas continuam a ordenhar o Estado. O capitalismo não é uma ideia vencedora no Brasil. Direita e esquerda, ao governarem, impuseram mais Estado e mais proteção e subsídio às empresas que se definem como nacionais.

O ideal é que não se privatize por ideologia, nem para cobrir o rombo do ano, mas com uma ideia do que se quer naquele setor. Na telefonia, deu certo. Eu sei que quem me lê já quis jogar um celular na cabeça de qualquer uma das operadoras que atuam no país. Eu mesma tenho ímpetos diários. Mas foi pela privatização que o brasileiro passou a ter telefone. Graham Bell registrou a patente da sua invenção em 1876. Noventa e seis anos depois foi criada a Telebrás. Até ser privatizada, em 1998, não havia conseguido, em quase 30 anos, universalizar o telefone. Mais de metade dos brasileiros não tinha acesso à invenção de Graham Bell, no final do século XX. O que deu certo nessa área foi o setor privado e a regulação. Nos últimos anos, o órgão regulador piorou.

A pergunta que está no ar agora é se será bom privatizar a Eletrobras. O modelo que o governo rascunhou parece interessante. Ele não privatiza, aceita ser diluído. Isso permite que a Eletrobras venha a ter o controle pulverizado. Se der certo, ela terá milhares de donos, será uma empresa pública, do público. Há inúmeras companhias assim pelo mundo afora. Mas nem isso é garantia de que dê certo.

É preciso boa governança para que uma empresa aberta e de capital diluído seja eficiente. E sempre será indispensável boa regulação. O governo começou a mudar as regras do setor elétrico, de um modelo intervencionista para um pró-mercado. A famosa MP 579 foi a intervenção que já custou muito caro ao país e ao mercado. Agora, se quer expurgar os efeitos dessa regulação do governo Dilma.

O setor elétrico é de uma complexidade espinhosa. É um mercado de múltiplos interesses e de equilíbrio frágil. As novas regras ainda não foram escritas. Apenas houve uma nota técnica de para onde se quer ir e uma consulta pública que recolheu boas sugestões. Os técnicos começariam a redigir a MP quando veio a decisão de privatizar a Eletrobras. Qual MP escrever primeiro? Esse é o dilema. Se as regras vierem depois da venda, pode haver zonas de confusão. Se forem escritas antes, pode atrasar a venda.

Durante a grande guerra provocada pela 579, a MP intervencionista, as empresas do setor perderam o medo de entrar na Justiça. Judicializaram tudo. Agora, ameaçam de novo, quando se fala em mudar as regras, mesmo que seja para melhor. A Justiça existe exatamente para definir contenciosos, mas uma nova temporada da discórdia judicial eleva a incerteza regulatória.

É bom privatizar, mas não é trivial. No caso da Infraero, a venda de Congonhas, aeroporto rentável, vai piorar o passivo trabalhista da estatal. O governo diz que vai exigir que o comprador financie parte de um plano de demissão voluntária e vai capitalizar a empresa com a venda das participações em aeroportos privatizados. Vamos ver. O diabo tem residência conhecida. Mora nos detalhes.

 


Merval Pereira: Infraestrutura defasada 

Com as privatizações de volta ao debate político-econômico, um trabalho de Cláudio Frischtak da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios para o Ipea esclarece a situação da infraestrutura brasileira e indica as razões pelas quais se torna necessário privatizar as empresas e os ativos de infraestrutura do país, inclusive, ressalta o economista, o fato de o Estado brasileiro — imerso na maior crise fiscal da República — não ser mais capaz de responder às necessidades de investimento.

Outra razão básica é má alocação de capital por conta da captura de órgãos e empresas públicas por grupos de interesses, tanto políticos como econômicos. Agora mesmo em sua caravana pelo Nordeste, o ex-presidente Lula teve a coragem de ir à Refinaria Abreu e Lima para defender o investimento feito em conjunto com o governo venezuelano. Hugo Chávez não pôs um mísero centavo na obra que seria conjunta, que já custa quase dez vezes mais do que o previsto e não se justifica em termos econômicos. O Ipea, no contexto do projeto Desafios da Nação, pediu à consultoria de Frischtak para calcular o estoque de capital em infraestrutura no país e qual seria um estoque-alvo que refletisse uma infraestrutura modernizada, e quantos anos seriam necessários para atingirmos esse alvo em função do que investiríamos no setor.

Os quatro grandes setores de infraestrutura — transportes, energia elétrica, saneamento e telecom — foram analisados, e o resultado é que estamos particularmente atrasados em saneamento e transportes; e mais próximos da fronteira em telecomunicações (privatização há duas décadas). No agregado, a estimativa central de estoque de capital em infraestrutura é de 36,1% do PIB em 2016, quando o alvo deve ser 60,4% do PIB.

Segundo Frischtak, se começássemos este ano de 2017, e investindo mais do que duas vezes o que fizemos em 2001-16 (ou seja, 4,15% versus 2,02%), levaríamos 20 anos para atingir o objetivo de modernização. Se continuarmos a investir o que vimos investindo, literalmente nunca modernizaremos a infraestrutura do país, afirma o economista.

O trabalho fez também um cálculo do impacto do sobrepreço nas obras públicas sobre o estoque de capital, que pode ter representado uma redução de até 4,6% do PIB no estoque, “uma medida bastante dramática do custo da corrupção”. Mas uma correção de rumos, nesse aspecto, pode ao longo dos anos diluir o impacto, ressalva Frischtak, que vê nessa possibilidade “mais uma razão premente para mudarmos as práticas deletérias que permeiam o sistema político e o Estado”.

Em síntese, diz ele, rótulos e ideologias à parte, mobilizar recursos, agentes e investimentos privados (inclusive e particularmente pelas privatizações) é a única forma de atualizarmos a infraestrutura do país — essencial para a competitividade da economia e o bem-estar da população.

O setor mais distante do estoque-alvo é o de transportes, que precisa mais do que duplicar o estoque de capital (para 26,5% do PIB), o que demandaria praticamente triplicar os investimentos feitos nos últimos anos, investindose quase 1,29% do PIB a mais do que já se investe para alcançar a meta em 20 anos. Dos 2,1 pontos de PIB necessários a mais por ano para modernizar a infraestrutura do país nesse horizonte temporal, o setor absorveria 61%. Já saneamento é o segundo maior desafio em termos relativos, demandando investimentos duas vezes e meia maiores do que a média do milênio. Em energia elétrica, haveria necessidade de um grande esforço em termos absolutos: investir em média 1,05% do produto ao ano, um incremento anual de 0,43 pontos de PIB.

Finalmente, o setor de telecomunicações é aquele mais próximo de alcançar o estoque-alvo em 20 anos, bastando expandir em 0,14% do PIB ou 24% os investimentos anuais em relação à média 2000-16.

Atingir o estoque-alvo nos anos estimados supõe uma execução eficiente dos investimentos ao longo dos anos — diferentemente do observado nas últimas décadas — e um reequilíbrio na sua alocação intrassetorial em muitos casos (a exemplo de transportes).

Nesse sentido, diz o estudo, a modernização da infraestrutura no país e a oferta de melhores serviços irão requerer nova governança pública dos investimentos, com o reforço no âmbito técnico dos processos de planejamento, e maior autonomia decisória e financeira das agências, “cujo fortalecimento é fundamental para reduzir a insegurança jurídica e a incerteza regulatória que afasta os investimentos privados, essenciais para a modernização da infraestrutura do país nas próximas décadas”.

 


Helena Chagas: As privatizações do PMDB

Nada como não ter votos. Só mesmo um presidente que não foi eleito, sabe que não tem a menor chance de sê-lo no futuro e não tem qualquer compromisso com programas aprovados nas urnas para fazer tudo o que Michel Temer está fazendo. Sob o argumento do rombo estratosférico nas contas públicas, vamos vender a Eletrobras, a Casa da Moeda, os aeroportos - incluindo a jóia da coroa, Congonhas - e até abrir parte do setor de tráfego e segurança aéreos ao capital privado.

Nada a observar sobre o cavalo-de-pau privatista do Executivo peemedebista se, em algum momento, esse programa tivesse sido apresentado e discutido com o país - como normalmente se faz em campanhas eleitorais, debates, entrevistas, programas de TV. Há sentido, do ponto de vista fiscal e da própria eficiência do Estado, na privatização de algumas empresas. Há fartas razões a justificar a concessão de certos serviços à iniciativa privada.

Só que o distinto público não pode ir dormir um dia num país cheio de estatais, ainda que ineficientes, e acordar no outro com todas elas na prateleira do supermercado. É preciso ter um modelo pronto, detalhado e amplamente discutido. É necessário haver regras que dêem segurança aos compradores e novos investidores - que, obviamente, querem o lucro - mas, sobretudo, garantam ao consumidor que ele será beneficiado com serviços melhores e não terá que pagar mais.

É o mínimo que se espera para assegurar que não haverá privatização feita na bacia das almas, enchendo o bolso de todo mundo, menos daqueles que pagam as contas. É na forma como essas coisas são feitas que mora o perigo.

Há muitos e muitos anos não se falava em privatizar a Eletrobras, e o anúncio da decisão de vender a combalida empresa pegou todo mundo no susto. Não ficou bem explicado nem quando e nem como as coisas vão acontecer. Políticos desconfiados de Minas e do Nordeste correram para tirar do pacote Furnas e Chesf. Então para elas não vale?

A oposição, meio apática, pouco reagiu - a não ser pela ex-presidente Dilma Rousseff, que virou alvo por causa da mudança de regras que promoveu no setor e apanhou sozinha.

Mas mercado e investidores, ávidos pelos novos negócios em meio ao deserto em que vivem hoje, entraram em estado de euforia, mesmo sem dados mais concretos sobre a privatização da gigante do setor elétrico. As ações da empresa subiram 49% e o valor da estatal na Bolsa cresceu R$ 9 bilhões num dia.

Sucesso total!, festejaram os peemedebistas. E resolveram repetir a dose no dia seguinte, botando aeroportos, Casa da Moeda e mais cinco dezenas de ativos estatais no balaio das privatizações. Na mesma pressa, no mesmo improviso, no mesmo açodamento. Sem a perspectiva de que os processos estarão concluídos daqui a um ano e cinco meses, quando, na melhor das hipóteses, Temer descerá a rampa do Planalto.

Vai deixar, em janeiro de 2019, alguma dessas privatizações concluída com sucesso, revertendo em benefícios para o país e sua população?

Aí é que está: isso pouco importa para o grupo de peemedebistas que está hoje no governo. Seus objetivos parecem ser bem mais imediatos: passar a idéia de que vão tapar o rombo no caixa e dar assunto para a platéia se distrair. Quem sabe, discutindo essa ou aquela venda, ela se esquece de assuntos mais explosivos que devem pipocar nos próximos dias, como o conteúdo da delação do operador Lúcio Funaro e a nova denúncia do PGR Rodrigo Janot?

Depois, seja o que Deus quiser. Sobretudo se, nesse depois, os peemedebistas tiverem tido, no limite da irresponsabilidade, oportunidade de tratar de outras razões e interesses que cercam os processos de privatização no Brasil.

 

 


Míriam Leitão: Um governo errático 

O governo teve um surto hiperativo nas últimas horas. Anunciou na segunda-feira a privatização da maior empresa de geração de energia. Na terça, pôs à venda 57 outros ativos. Ontem de manhã, tomou a correta decisão de aumentar o acesso dos trabalhadores ao PIS/Pasep. De tarde, por decreto, impôs ao país o fim de uma reserva ambiental com área do tamanho do Espírito Santo, que fora criada no governo militar.

Parecem coisas distintas, mas a soma dos atos governamentais mostra uma administração errática e perigosa. Ela pode tomar a qualquer momento uma decisão boa ou trágica, bem pensada ou confusa. Nunca se sabe a que lobby o governo vai atender. Na área ambiental, o presidente Michel Temer tem conduzido um retrocesso assustador. Já é o pior na questão ambiental de todos os governos desde a redemocratização. E agora superou até o governo militar ao arrancar do mapa da conservação da Amazônia 47 mil Km2 que haviam sido protegidos há 30 anos no governo do presidente João Figueiredo.

Quanto mais o presidente Temer quer regredir na área ambiental? Que novos crimes ambientais quer cometer? Há 33 anos, em 1984, a ecologia era um tema valorizado apenas por pequenos grupos e a questão climática ainda engatinhava. Só em 1987, três anos depois, foi publicado o Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum”. Só em 1992 ocorreu a Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para um Acordo do Clima. E, mesmo antes de tudo isso, Figueiredo criou essa reserva entre o Pará e o Amapá e proibiu a mineração no local. Desfazer isso hoje, depois de tudo o que se sabe, é um retrocesso inacreditável e que cai sobre o país na forma autoritária de um decreto.

Preparar uma empresa para a venda e definir o modelo são um processo complicado, o que significa que esta administração não tem como fazer tudo no período curto que tem pela frente. Devia escolher em que focar na área da privatização. Tanto é verdade que está falando em vender a Lotex desde que assumiu e já se passaram 15 meses do atual governo. Ontem foi novamente anunciado que ela será vendida.

Antes de comunicar a decisão de vender ações da Eletrobrás o governo já havia começado uma revisão da regulação do setor para corrigir os inúmeros problemas do excessivo intervencionismo da MP 579 do governo Dilma. Foi feita uma consulta pública e agora o Ministério das Minas e Energia está iniciando uma consolidação das propostas para redigir o decreto com as mudanças. Nesse contexto, faz sentido pensar em mudar a governança da Eletrobras. A estatal sempre foi vítima da espoliação política. O PMDB a dividiu em várias sesmarias para que os caciques de cada região dominassem um pedaço. O fim dessa ingerência dos políticos certamente vai aumentar a eficiência da gestão e isso é que foi comemorado pelo mercado no primeiro dia. A queda de ontem das ações era previsível, porque sempre ocorrem esses movimentos de realização após uma grande alta. A mudança de regras do setor elétrico, a negociação de uma saída para os prejuízos causados pela má regulação, a privatização da Eletrobras fazem parte de um conjunto harmônico de decisões.

O que não faz sentido é anunciar no dia seguinte a venda de outros 57 ativos que vão de linhas de transmissão, Casa da Moeda, 15 aeroportos, entre eles o de Congonhas, rodovias, terminais rodoviários, companhias docas. Se fosse capaz de executar todas essas vendas, já teria feito alguma. O governo Temer está desde o seu começo anunciando que vai anunciar a lista de projetos do Programa de Parcerias de Investimento. Tem menos de um ano para realizar todos esses leilões, porque depois o país estará voltado para as eleições. Conseguirá?

Existem momentos de bom senso no atual governo. Raros. Ontem, a boa notícia foi a decisão de reduzir a idade para sacar as cotas do PIS/Pasep. Mulher com 62 anos e homem com 65 anos terão acesso a esse dinheiro que sempre pertenceu ao cotista. A poupança compulsória sub-remunerada do trabalhador é um velho defeito da economia brasileira. A aprovação ontem da TLP em comissão no Senado é mais um passo na direção certa. O problema do governo Temer é que seus acertos são menores do que seus erros. E alguns dos erros podem provocar danos irreversíveis.