prisão
Demétrio Magnoli: Lula não é um preso político
PT e PSOL não se opõem à subordinação da Justiça ao governo, com a condição de que seja o seu governo
11 de julho de 2017. Na entrada do teatro Bolshoi, os espectadores foram informados do cancelamento da estreia do balé Nureyev, substituído de última hora pela peça de repertório “Dom Quixote”. Segundo a justificativa oficial, os ensaios tinham sido insatisfatórios.
No mês seguinte, o premiado diretor da peça, Kirill Serebrennikov, um crítico contumaz de Putin, compareceu a um tribunal de Moscou, que o sentenciou a um ano de prisão por corrupção.
Nureyev não estreou porque o Kremlin vetou a celebração de um gay —e, ainda por cima, emigrado– pela icônica companhia teatral. Serebrennikov foi condenado por razões políticas, não por corrupção. Lula não é um preso político, independentemente do que se pense sobre a sentença de Moro.
Na Espanha, autoridades do antigo governo da Catalunha respondem, em prisão cautelar, a acusações de rebelião. Os partidos nacionalistas catalães e o esquerdista Podemos classificam os encarcerados como presos políticos.
Os processos, porém, não mencionam ideias, mas ações: a convocação, em outubro passado, de concentrações populares para impedir que agentes policiais fechassem os locais de votação do plebiscito separatista, declarado ilegal pelo Tribunal Supremo. Discute-se, nos processos, se o grau de violência usado contra os policiais é suficiente para caracterizar rebelião contra a unidade espanhola.
Todo o contexto é político, mas os réus não são presos políticos. A Espanha distingue-se da Rússia pela independência do Judiciário. O Brasil figura ao lado da Espanha —e, por isso, Lula não é um preso político.
Preso político, ou preso de consciência, é o indivíduo encarcerado por suas ideias, mesmo quando a sentença descreva crimes comuns.
Na Turquia, desde o fracassado golpe de Estado de 2016, os tribunais condenaram centenas de jornalistas, professores e funcionários públicos por conluio com os golpistas. Os céleres processos turcos dispensaram provas firmes. Na Venezuela, o líder opositor Leopoldo López foi condenado a quase 14 anos de prisão por incitamento à violência nos protestos de rua de 2014.
A promotora-geral, responsável pelo caso, partiu para o exílio em 2017 e denunciou a fraude judicial da qual participou. Na Turquia e na Venezuela, há presos políticos; no Brasil, não. É que, aqui, os tribunais não são tentáculos do governo.
A prisão política é um ato de origem política, nunca de raiz judicial. Na Espanha, a propaganda secessionista é livre —tanto que partidos separatistas disputam eleições e, na Catalunha, exerceram o governo regional.
Na Rússia, na Turquia e na Venezuela, os governos limitam as liberdades civis, perseguindo opositores por meios judiciais. Na Espanha, como no Brasil, políticos governistas estão presos por corrupção. Na Rússia, na Turquia e na Venezuela, ao contrário do Brasil, a proximidade do poder é garantia de impunidade.
De Delúbio a Lula, passando por Dirceu e Palocci, todos os condenados petistas foram declarados presos políticos pelo PT –e, no caso de Lula, o PSOL aderiu à prática. Mas PT e PSOL não inscrevem Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Geddel ou Maluf no mesmo círculo. A razão para a duplicidade nos conduz à Venezuela: os dois partidos não se opõem à subordinação da Justiça ao governo, com a condição de que seja o seu governo.
Juízes erram, cedem a preconceitos, engajam-se em cruzadismos, sofrem pressões legítimas ou escandalosas (como a do comandante do Exército). Por isso, é tão importante o debate sobre a revisão judicial.
Mas, no Brasil, o governo não controla os tribunais, algo que Temer e seus aliados sabem por experiência própria. Decorre daí que nem a crença na tese delirante de uma conspiração universal dos juízes autoriza tratar Lula como preso político. O PT e o PSOL declaram-no preso político pelo mesmo motivo que tratam Leopoldo López como preso comum.
* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.
Sérgio C. Buarque: O populismo e nova seita no Brasil
No palanque armado no pátio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, uma nova seita emergiu no sábado, através da fala do profeta Luís Inácio Lula da Silva, com seu carisma e gestual sedutor e mobilizador da militância. O excepcional orador, tanto pelo jogo de palavras do seu discurso quanto, principalmente, pela encenação, produziu um grande espetáculo teatral, com movimento no palco, alteração do tom de voz e dos gestos, dramatização que emociona as massas.
Lula abusou da encenação, caminhava, virava para os lados, abaixava-se para enfatizar a afirmação, complementada pelo movimento das mãos e destaque dos dedos. Um artista que domina o palco e mobiliza as emoções e impulsos dos seus liderados, despertando ódio aos que ameaçam com a prisão do grande líder.
A história mundial tem exemplos notáveis de líderes com o carisma e a encenação populista de Lula, que, combinando o espetáculo com o ataque às instituições, provocaram grandes desastres políticos e sociais.
O populismo sempre encontra terreno fértil para se desenvolver em situações de crise social e política, descrédito da sociedade e desmoralização das instituições, precisamente o que experimentamos atualmente no Brasil. Nestas condições, mais valem a retórica e a identificação com o líder carismático que as ideologias, as propostas políticas e as análises e escolhas racionais.
Considerando a formação política de Lula e as diferentes circunstâncias históricas, seria uma desproporção comparar o ex-presidente com Hitler ou Mussolini, dois dos maiores populistas da história que levaram seus países ao totalitarismo. Mas o discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos foi uma preciosa aula de populismo e de encenação dramática, em tudo semelhante ao Führer e ao Duce. Com uma grande vantagem tecnológica para o ex-presidente: os poderosos meios de comunicação de massa de que dispõe o ex-presidente do Brasil, inclusive da imprensa, atacada duramente por ele no seu pronunciamento.
A Globonews transmitiu todo o discurso ao vivo, os noticiários divulgaram longos trechos da sua arenga quase histérica, alcançando, desta forma, milhões de brasileiros em todo o território. Ao mesmo tempo em que mobilizou os seus simpatizantes, a fala de Lula, já com ordem de prisão, despertou a indignação dos seus desafetos, ampliando o clima de intolerância e fragmentação política no Brasil.
Se os movimentos e gestos dramáticos de Lula lembram as manifestações exaltadas de populistas de triste memória, a sua mensagem central contém a mesma forma direta de ligação das massas ao grande líder, situado por cima das instituições.
A sua crítica ácida à imprensa e, mais ainda, às instituições jurídicas, Ministério Público e juízes das diversas instâncias (incluindo STF), reforçam esta relação do ídolo com o povo, por cima e ao arrepio da República. “Eu não sou mais um ser humano. Sou uma ideia”, afirmou o ex-presidente Lula num momento supremo de megalomania. Embora ninguém saiba dizer qual é mesmo a ideia da “metamorfose ambulante”, como se classificou em algum momento, os milhões de simpatizantes exultam e se identificam com o populista. Na verdade, o que emerge desse discurso é uma religião, perigosa religião, carregada de fanatismo pelo profeta, que gera o ódio contra as instituições republicanas.
* Sérgio C. Buarque é economista e consultor
Roberto Freire: Lula preso. Vamos falar de futuro
Após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste fim de semana, condenado na Lava-Jato, não está em jogo somente o destino de um político ou de um partido.
É o quer fazer crer parte de uma militância com sua narrativa de que há uma motivação política para excluir Lula do processo eleitoral.
Assim, o lulopetismo tenta salvar a todo custo e de todas as formas – com as poucas armas que lhe restam, como a espetacularização midiática –, uma esquerda descompromissada com a democracia e sem real interesse em promover reformas no Brasil.
O que vem sendo chamado de política identitária é a identificação pessoal com um candidato, como um valor mais importante do que suas propostas, programas e coerência.
Isso resume o autoritarismo político e a obsessão do lulopetismo em vulnerabilizar, com um discurso coletivo, os indivíduos que, confusos, buscam um salvador para lhes devolver a confiança perdida.
O lulopetismo se apropriou das premissas da defesa do progresso da humanidade, dos direitos humanos e da libertação dos grilhões da pobreza, para reduzir a luta por um mundo mais justo à defesa de um indivíduo apenas.
A transferência simbólica da sede do PT para Curitiba concretiza, enfim e literalmente, a morte anunciada: o PT, está agora encarcerado em Curitiba com Lula.
Sem opções, o PT volta às suas origens, tratando as instituições vigentes e ordens judiciais sob uma lógica de assembleia de sindicato, como nos velhos tempos de São Bernardo do Campo, resultando no isolamento que escancara seu próprio ocaso, enquanto força política expressiva na vida nacional.
Não estamos mais falando de um País dividido.
Reconheço a importância histórica da prisão de Lula diante de um Brasil tão estarrecido quanto esperançoso por respostas.
Tudo indica que o próximo passo deve ser a aceleração das apurações, nos diversos processos e inquéritos em que estão atolados o ex-presidente e seu entorno, especialmente as lideranças de outras agremiações partidárias.
Avançam a aprovação de mudanças na legislação penal e o fim do foro privilegiado, tal como existe hoje, por pressão da sociedade e iniciativas do Supremo Tribunal Federal, que já produziram projetos em tramitação no Congresso (PECs).
Paradoxalmente, o impacto deste fato histórico no cenário político e nos sentimentos de toda população brasileira – emanados dos perfis das plataformas digitais em tempos de profundas transformações –, nos mostram novos caminhos.
Não se passa um País a limpo sem que se coloque o dedo na ferida. O Brasil depende fundamentalmente disso para o seu desenvolvimento em todos os aspectos. Apesar de tudo, não estamos órfãos e, pelo menos, não vimos desabar nossas aspirações pela busca de um futuro melhor.
Tudo isso me faz pensar na temática da identidade nacional.
Sobre este tema, cujas pesquisas têm sido cada vez mais recorrentes nos meios acadêmicos nacionais e internacionais, vale trazer da memória a atualidade de Mário de Andrade.
O autor do romance Macunaíma aposta numa ideia de Brasil como unidade composta de diversidades, levando em consideração a contribuição de diversos setores da sociedade.
Surge a necessidade pungente da volta de uma inteligência nacional, expressa em um projeto que reagrupe em seu seio diversas correntes conexas e que se torne o agente de progresso social que a sociedade brasileira tanto reclama.
Conclui-se que este momento é emblemático: trata-se de uma oportunidade excepcional para a emancipação e, por que não dizer, para o resgate da vida, da alegria e da vontade de mudar as coisas, de alguma esperança para a construção de um futuro melhor. Enfim, de gerar um novo olhar para o mundo, só possível em um ambiente de militância democrática e de pluralismo.
William Waack: ‘Uma ideia’
Será que se percebe que a crise em que estamos é resultado do apego a ideias equivocadas?
Lula preso deveria ser página virada na história política do País, mas temo que não seja. É óbvio que a prisão do principal chefe populista brasileiro em mais de meio século virou símbolo de enorme relevância numa esfera, a da política, que vive de símbolos. Não é pouca coisa ver atrás das grades um poderoso e rico, como Lula. Também não se pode ignorar o efeito para a autoestima de enorme parcela da população da noção do fim da impunidade. Um homem que nunca demonstrou grandeza exibiu-se apequenado e raivoso ao ser preso em meio a seguidores da seita que ainda conduz. Contudo, não é o destino do indivíduo aqui o mais relevante.
Ironicamente, Lula foi condenado e inicialmente preso por crime incomparavelmente menor em relação aos que cometeu, e não considero como pior deles o formidável aparato de corrupção que presidiu com a alegre colaboração de elites sindicais, acadêmicas, empresariais e o corporativismo público e privado. Apequenar o Brasil lá fora, diminuindo nosso peso específico, destruir o tecido de instituições (começando pelo da Presidência), fazer a apologia da ignorância e decretar o atraso no desenvolvimento econômico compõem pesada conta que mal começou a ser paga. O Brasil teve o azar de abraçar o lulopetismo na curva de subida de um benéfico superciclo global de commodities que não se repetirá por muito tempo.
Em outras palavras, a pior e imperdoável obra lulista foi ter desperdiçado uma (única?) oportunidade de livrar o País rapidamente de desigualdade e injustiça sociais.
A prisão de Lula, paradoxalmente, não parece estar aprofundando entre nós o debate em torno dos eixos que seriam essenciais para recuperar o País em prazo mais dilatado – digamos, a próxima geração. Será que, além dos erros de conduta do indivíduo Lula, percebe-se que a crise em que estamos (começando pela econômica) é resultado do apego a ideias completamente equivocadas? O ímpeto de punir aumentou e, junto dele, consolida-se a perigosa noção de que vale tudo para pôr rápido na cadeia quem for denunciado – claro, diante da ineficiência da Justiça não chega a ser tão espantosa assim a evolução dessa mentalidade punitiva. Estamos na fase de mandar às favas os princípios (o verbo mais usado é outro, impublicável), contanto que o safado esteja preso. Porém, temo ter de afirmar que já caímos na armadilha, começando pelas elites pensantes, de acreditar ingenuamente que lavando a jato corruptos o sistema político volta a funcionar.
Não parece ter ganhado ainda sentido e direção claros essa onda de descontentamento e indignação que encurralou a política e agora fracionou perigosamente o Judiciário – que de fato manda hoje na política, por meio de figuras populares que não foram eleitas. Primeiras instâncias do Judiciário, por exemplo, pegaram o gosto de sangue e emparedam instâncias superiores pela atuação política em redes sociais e mídia. Por sua vez, as instâncias superiores estão profundamente divididas e renderam-se ao hábito de falar dentro e fora do plenário do STF para o que consideram que sejam suas audiências prediletas. Nesse quadro fluido e volátil não consigo identificar um Estado-Maior ou Central da Conspiração (muito menos das Forças Armadas).
No plano geral da política hoje não há quem puxe, só há empurrados. Por um fluxo que pede “mudança” sem apontar qual (fora o anseio, legítimo e correto, pelo impecável ficha-limpa). Falta algo importante ainda para que o encarceramento do populista sem caráter corresponda a uma página de histórica virada. Meu receio é de que a prisão de Lula acabe surgindo como grande evento que, na percepção do dia a dia, não se revela tão grande assim. Nesse sentido, vale a pena citar o que ele disse ao discursar para integrantes da seita no dia da prisão, quando declarou ser ele mesmo “uma ideia”. É ela que nos atrasou e conduziu à beira do abismo. Precisa ser derrotada, e ainda não foi.
El País: Brasil, um gigante abatido
A prisão do ex-presidente Lula chega num dos momentos mais frágeis da economia e da democracia do país que há poucos anos inspirava o mundo
“Em que momento o Brasil se ferrou? Em 1500, quando os portugueses chegaram.” A ironia de Clóvis Rossi, um dos mais respeitados jornalistas brasileiros, poderia ser ecoada por milhões de compatriotas. É uma sensação muito comum, como se algo estivesse dado errado desde o princípio, como se seus problemas estivessem tão arraigados na história que dificilmente terão uma solução. O saque colonial, um sangrento regime escravista que chegou até quase o século XX, uma independência sem heróis proclamada pelo herdeiro de um rei português... Com uma bagagem assim, são muitos os que pensam que seu país já nasceu ferrado e que a desigualdade social, a violência e a corrupção fazem parte de sua natureza.
Há apenas uma década, tudo era muito diferente. Em 2008, enquanto a Europa e os Estados Unidos mergulhavam numa crise econômica, o Brasil batia recordes de crescimento – 7,5% ao ano. O velho mito do país do futuro parecia a ponto de se tornar realidade. Aquilo era uma potência que despontava, um gigante com uma população de 200 milhões de pessoas que aspirava a desempenhar um papel crucial à frente da coalizão de nações emergentes. O mundo confiava tanto no Brasil, e os brasileiros estavam tão seguros de si mesmos, que de uma só tacada organizaram a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos. E no comando, um herói popular, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cortejado pela elite da política mundial.
Como se tudo aquilo tivesse acontecido em 1500, e não anteontem, o Brasil é hoje um país arrasado pela crise política e moral. Nem sequer o anúncio da retomada da economia, após três anos desastrosos, conseguiu aliviar os ânimos. O Brasil tem um presidente, Michel Temer, rejeitado por mais de 90% dos cidadãos. Tem um Congresso com dezenas de parlamentares, incluindo os líderes dos principais partidos, investigados por corrupção. Registra 60.000 homicídios por ano, com uma guerra cotidiana nas favelas e 725.000 presos amontoados nas cadeias – a terceira maior população carcerária do mundo. Até mesmo Lula, agora preso, condenado por corrupção e deixando para trás a imagem de um país devastado, entre a raiva de seus seguidores e a euforia dos que comemoram sua desgraça. Tudo isso em meio a um dos momentos mais frágeis da democracia e com uma atividade econômica que ainda não entrou no círculo virtuoso que um dia este país experimentou.
O Brasil afundou tanto que, pela primeira vez desde a volta à democracia, em 1985, os comandantes do Exército se permitem fazer pronunciamentos políticos e lançar ameaças veladas. Agora descobre-se que muitos brasileiros “perderam a vergonha” de defender a ditadura, como diz Clóvis Rossi na Folha de S. Paulo. São os que colocaram em segundo lugar nas pesquisas para a eleição de outubro o ultradireitista Jair Bolsonaro, um sujeito que se negou a condenar o assassinato da vereadora e ativista Marielle Franco, no Rio de Janeiro, outra recente comoção no país.
Mas, sem voltarmos a 1500, quando foi que realmente tudo começou a dar errado? Há uma data fundamental: 2013. Já com Dilma no poder, a estratégia do PT de se proteger da crise mundial injetando dinheiro público na economia dava sinais de cansaço. E, de repente, o mal-estar explodiu. A fagulha foi algo que parecia insignificante: o aumento da tarifa do transporte público. Mas aquilo acendeu um pavio que se espalhou pelo país inteiro, com mobilizações protagonizadas por jovens de esquerda. Dilma ainda venceu as eleições do ano seguinte com a diferença de votos mais apertada da História, mas a situação piorou rapidamente. O Brasil mergulhou na pior crise econômica em 100 anos. Para completar o que Rossi chama de “combinação letal”, as investigações dos contratos da Petrobras revelaram que o sistema político se alimentava de um gigantesco esquema de corrupção.
“Nos anos anteriores o consumo havia se ampliado, e surgia uma nova mentalidade de exigência da qualidade dos produtos”, explica a socióloga Fátima Pacheco. “Essa ideia se trasladou à política. O antigo ditado “rouba, mas faz” se transformou em “se rouba, não faz”. A tensão ganhou as ruas entre 2015 e 2016. Agora os manifestantes eram outros: a classe média, que sofria a crise e se indignava com os escândalos.
Os até então sócios de centro-direita do PT reagiram destituindo Dilma. Para a esquerda, foi o equivalente a um golpe de Estado, golpe este que seria completado agora, segundo Lula, com a sua prisão. A presidenta foi substituída por alguém tão impopular quanto ela, seu vice, Michel Temer. “E a perda de credibilidade se estendeu por todo o sistema político”, afirma Pacheco.
Clóvis Rossi tem 75 anos e, pela primeira vez na vida, assistirá em outubro a uma eleição direta sem Lula. Com a ausência daquele que apesar de tudo continuava sendo favorito, ninguém tem a menor ideia do que pode acontecer. Com um debate público cada vez mais violento e a ameaça de Bolsonaro, muitos brasileiros temem que o pior ainda está por vir.
Luiz Carlos Azedo: Seguro morreu de velho
A estratégia da cúpula petista agora mira as eleições proporcionais, ninguém acredita em projeto de poder sem Lula. A narrativa de candidato preso por razões políticas fragiliza sua defesa
As mudanças mais significativas da reforma ministerial do governo Temer foram a ida de Moreira Franco para o Ministério de Minas e Energia e a efetivação do general Joaquim Silva e Luna no Ministério da Defesa. O primeiro sinaliza para os investidores a intenção de levar adiante o programa de concessões do governo no setor mineral, a privatização da Eletrobras e a continuidade dos leilões de exploração de petróleo da camada pré-sal; o segundo, o ostensivo protagonismo dos militares numa conjuntura politicamente complicada, na qual o mais importante é a manutenção do calendário eleitoral, a realização de eleições sem violência e a garantia da lei e da ordem durante a campanha. As demais mudanças foram seis por meia dúzia, ou seja, na maioria dos casos, acabaram efetivados homens de confiança dos antigos ministros. Temer não agregou massa crítica na reforma.
Os investimentos estrangeiros e a tranquilidade nos quartéis são tudo o que o presidente Michel Temer precisa garantir até o fim do mandato, com a saída de Henrique Meirelles do Ministério da Fazenda (e o esgotamento do programa de reformas do governo no Congresso, por falta de base de sustentação). A economia está condenada ao “mais do mesmo”, apesar da inflação abaixo da meta e dos juros em seu menor patamar histórico, com a Selic em 6,5%. Embora não sejam conquistas nada desprezíveis, o governo perdeu substância na reforma ministerial, a ponto de o MDB ter sido o partido que mais defecções sofreu no troca-troca partidário: 10 deputados. A opção daqui para a frente será se preparar para a eventualidade de uma terceira denúncia contra Temer, que arrasta as correntes da Operação Lava-Jato.
As viagens de Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira na sexta-feira e no sábado, porém, são sinais de normalidade política. O presidente da República estará na Cúpula das Américas; o presidente da Câmara viajará ao Panamá e o presidente do Senado, ao Japão. Com isso, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, terceira na linha de sucessão, assumirá a Presidência da República, interinamente. As condições em que isso ocorrerá, de certa forma, dependerão da ministra. Na quarta-feira, o STF terá que lidar com a rebordosa da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois o ministro Marco Aurélio Mello pretende pôr “em mesa” para votar um novo pedido de habeas corpus em favor de Lula, na esperança de que a prisão seja revista com o voto da ministra Rosa Weber. Cármen Lúcia decidirá se o plenário apreciará ou não. Como diria Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.
Desde a intimação para se apresentar voluntariamente à Polícia Federal, na sexta-feira passada, por determinação do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, o “jus esperneandi” do petista se tornou o maior espetáculo da Terra. Lula transformou a prisão numa produção midiática, com criação de imagens para a campanha do PT, nas quais divide a cena com candidatos do partido e seus aliados às eleições deste ano. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), que também está enrolada na Lava-Jato e deve se candidatar a deputada federal, comanda a “resistência” petista. Ontem, à frente dos manifestantes que protestam contra a prisão de Lula nas imediações da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde ele está detido, anunciou que a sede do PT será transferida para a capital paranaense enquanto o ex-presidente estiver na cadeia.
Escracho
Um balanço das manifestações mostra o isolamento político do PT e a baixa capacidade de mobilização social. O ato de São Bernardo, defronte ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nem de longe lembrou as históricas assembleias metalúrgicas da greve de 1978, no emblemático Estádio da Vila Euclides, nas quais Lula emergiu para a história como sindicalista. Antigos aliados deram as costas ao ex-presidente, que contou com a solidariedade de corpo presente de apenas dois presidenciáveis, Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSol), ambos de olho nos votos dos órfãos eleitorais de Lula. Apesar da agressividade dos protestos e da repercussão internacional, a escala de solidariedade a Lula foi baixa, reforçando a tese de que é a competência dos advogados que deve orientar a defesa, e não o fervor ideológico petista.
A estratégia da cúpula petista agora mira as eleições proporcionais, ninguém acredita em projeto majoritário sem Lula. Essa posição é reforçada pela preocupação de construir a imagem de ex-presidente injustiçado por razões políticas. Do ponto de vista jurídico, porém, essa postura vem colecionando fracassos, pois afronta todo o Judiciário. A sessão do Supremo de amanhã pode ser a última chance de libertar Lula antes do fim do prazo de registro de candidaturas, porém, o constrangimento criado para o STF pode pôr tudo a perder.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-seguro-morreu-de-velho/
Carlos Alberto Torres: O "tipping point" do quadro político
No dia 7/04/18, sábado, o quadro político mudou. A prisão de Lula, como gostam de referir-se alguns cientistas sociais, foi um ponto de inflexão ou de virada, também conhecido como um “tipping point” (*).
Doravante, nada permanecerá igual: nem o quadro político eleitoral, nem o posicionamento dos protagonistas nos três poderes. A sociedade se movimentará em busca de uma alternativa do campo democrático para eleger o novo presidente da república.
Será na justiça, particularmente no STF, que se verificarão as mudanças de posição mais evidentes. Provável que pelo menos mais um juiz mude o seu entendimento para apoiar a atual jurisprudência determinando o cumprimento da pena imediatamente após a condenação em 2ª instância, somando-se aos que já a defendem. Não cabe especular quem será nem como isso se dará.
Até o PT poderá vir a fazer uma inflexão radical em sua política - uma "autocrítica" - para encampar a luta contra a impunidade. Alguns argumentam que, com isso, o PT estaria voltando à sua origem, quando defendiam a ética na política; essa é a sua melhor alternativa se olham para a história. Mas a maioria dos petistas ainda insiste em defender que o PT sequer existiria sem Lula, e apostam no “volta Lula”. Suas principais lideranças históricas já estavam presas; agora foi a vez de Lula. Se Lula não for libertado não terão mais nada a perder; a realidade os obrigará a mudar de estratégia para disputar as eleições. Pela lei da sobrevivência, poderão abandonar os seus heróis de ontem e passar a exigir a punição de todos os bandidos. Cuidem-se, desde Renan e Jucá até o Sarney, o Temer, o Aécio e até a própria Gleisi. Em se tratando do PT, nada surpreenderá!
A sociedade brasileira como que estava emparedada por uma barreira invisível, política, simbólica. Esta barreira impedia que, simplesmente, realizássemos uma premissa da justiça e da democracia: punir a todos os poderosos envolvidos em ilícitos, porque não podíamos punir a Lula.
Lula, ao usar todo o seu prestígio e popularidade, inclusive internacional, para escapar da justiça e da devida punição, tornou-se a grande esperança de todo um mundo de conhecidos e reconhecidos criminosos escondidos atrás de diferentes mecanismos viciosos de nosso aparato legal, como o “foro privilegiado”, do fajuto cumprimento da pena somente após o “trânsito em julgado”, e de inúmeros outros vieses judiciais historicamente inseridos na legislação penal para manter impunes aos poderosos.
Esgotou-se o tempo de Lula. O seu discurso nos momentos que antecederam à sua prisão, sem respeitar a dignidade dos cargos que ocupou, foi lamentável. Incentivou à ocupação de lotes urbanos, terras rurais, queima de pneus...; ameaçou os meios de comunicação livres, clamou por revolução, proclamou-se como sendo uma ideia...; atacou a justiça, os seus jovens profissionais concursados, os policiais federais, os procuradores e os juízes que o levaram à condenação. Proclamou-se dezenas de vezes inocente e perseguido! O ato foi apenas o que foi: uma catarse e um ritual de passagem. Lula respondeu com uma débil desobediência, teatralmente, para montar o espetáculo cinematográfico que culminou com a sua prisão inevitável!
Os méritos de Lula, entretanto, ninguém lhe retirará! Duas vezes presidente da república, a história saberá lhe fazer justiça. Os brasileiros, ao apoiarem majoritariamente que ele pague suas dívidas com a justiça e a sociedade, o fazem sem ódio, mas como um gesto fundamental, para que o Brasil supere a sua crise e recupere a esperança!
Como chegaram ou chegamos, socialmente, a este ponto? Como deixaram ou deixamos isso acontecer? Deixemos apenas o lixo rolar ladeira abaixo! Permaneçamos, todos, no alto da montanha! A tarefa da reconstrução democrática terá que ser de todos nós, desta vez sem essa coisa do "nós vezes eles"!
O nosso rumo é a democracia e o Estado Democrático de Direito! Mas, sejamos claros, os brasileiros querem acabar com a impunidade dos poderosos e querem esvaziar as cadeias, com menos pobres e pretos e mais criminosos de colarinho branco nelas, porque estes são, exatamente, os mais perigosos.
Jorge Oliveira: O Brasil não se comoveu com a prisão do Lula
Depois de renunciar em agosto de 1961, movido por forças ocultas, o ex-presidente Jânio Quadros, voltou para São Paulo e sobrevoou a cidade demoradamente até o avião descer no aeroporto. No saguão estava a esperá-lo o governador Carvalho Pinto (1959/1963) e mais alguns gatos pingados. Frustrado, Jânio perguntou, surpreso:
- Governador, onde está o povo?
- Que povo, presidente, está de porre? - respondeu o governador diante da irritação de Jânio.
O ex-presidente, “que se deu um golpe”, esperava voltar a presidência nos braços do povo depois de deixar o poder. O diálogo é lembrado pelo jornalista Mauro Ribeiro, autor do livro “Diário de um confinado”, que conta a história do retiro de Jânio Quadros em Corumbá, em 1968, por ordem dos militares, que ele cobriu para a Tribuna da Imprensa.
Esse episódio guarda semelhança com o que aconteceu no último fim de semana, quando o ex-presidente Lula desobedeceu a ordem de prisão do juiz Sérgio Moro e ficou confinado durante 26 horas no prédio do sindicato esperando que o povo aparecesse nas ruas para protestar contra a sua prisão. O que se viu, na verdade, foi a repetição da cena de Jânio. Lá, na porta no Sindicato dos Metalúrgicos, a plateia vermelha era tão manjada de outros carnavais que muitos foram cumprimentados com beijinhos do alto do palanque pelos personagens da ribalta.
Inconformado com a ausência do povo, Lula ainda tentou inflamar seus figurantes vermelhos horas antes da prisão: entrou e saiu do carro para mostrar as televisões que a multidão o impedia de deixar o prédio para acompanhar os agentes da Polícia Federal. No resto do país, os recrutas do Exército Vermelho do Stédeli ainda tentaram uma solidariedade ao ex-presidente à maneira antiga fechando as rodovias com pneus em chama. É uma forma tão velha de protestar que os policiais desinterditam os locais em pouco tempo com pá mecânica. O PT envelheceu nos métodos de fazer protestos. E o seu líder foi esquecido pelo povo, que no domingo, aqui no Rio, encheu às ruas para acompanhar o Botafogo ser campeão.
Os brasileiros não deram muita bola para o circo armado na porta do sindicato. Prova disso é que a Cinelândia e Copacabana, locais simbólicos de manifestações políticas, no Rio, estavam vazios. Em São Paulo, a Avenida Paulista também fechou os olhos para as firulas petistas, enquanto os carros da Polícia Federal desfilavam pelas ruas da cidade conduzindo Lula para cumprir pena em Curitiba. Se Lula queria comoção dos brasileiros, frustrou-se. Contentou-se mesmo com a proteção de antigos companheiros de sindicato e os figurantes do Boulos que deixaram o local horas depois da prisão do líder. Nem mesmo dois expoentes petistas apareceram por lá: Jacques Wagner e o governador petista do Ceará, Camilo Santana. Nenhum outro político de expressão esteve ao lado de Lula.
Acostumado a entourage que o cerca, Lula agora está sozinho, isolado, fechado entre quatro paredes. Os oito seguranças, os carros de apoio, o cartão corporativo ilimitado e outras mordomias a que tem direito como ex-presidente, por enquanto, ficam congelados. Para se ter uma ideia, Lula já gastou 7 milhões de reais do contribuinte desde que deixou o governo. A Dilma, outra privilegiada, só em 2017 torrou R$ 1 milhão e 400 mil reais em passagens para ela e assessores. A soma de despesas dos ex-presidentes, de 1999 para cá, já chega a R$ 36 milhões.
A exemplo de Jânio, Lula também perde a cabeça quando bebe e é capaz de qualquer ato intempestivo. Antes do discurso na porta do prédio do sindicato estava agarrado a uma garrafinha que resistiu largar, contrariando alguns assessores que insistiam em impedir que ele bebesse mais alguns goles antes de se apresentar aos militantes. Portanto, deve-se relevar as agressões dele a Justiça, a mídia, aos procuradores e o incentivo a invasão e a bandalheira que propôs no seu pronunciamento. O Lula sóbrio não é afeito a insultos nem tampouco de instigar atos de violência.
Lula desobedeceu a ordem judicial porque precisava fazer campanha política. Vitimizou-se para se mostrar perseguido e inocente das acusações. E ao se atrasar para se entregar estava consciente de que o seu ato criaria um certo suspense. Indiscutivelmente, a sua reação gerou uma das mais maiores audiências de TV no país. Ora, em um ano eleitoral, Lula soube tirar proveito de uma situação adversa para consolidar seus votos nas camadas mais populares contando a sua história de vida e fazendo um discurso populista para os mais humildes.
Esses mitos populistas, a história registra, não morrem politicamente, pois crava no inconsciente do povão que só ele, somente ele, é o messias salvador. E a bebida, ao contrário do que se pensa, é um instrumento de aproximação com o povão. Então, não se engane, a imagem que mostra o Lula resistindo em largar a garrafinha é também, para ele, um instrumento de campanha.
Então, só para lembrar: mesmo depois de renunciar a presidência da república, depois de um porre, Jânio ainda foi o que quis na política brasileira. Lula, portanto, ainda tem um grande caminho pela frente. E a sua prisão, não se engane, ele vai saber tirar proveito dela lá na frente.
O povão é carente de líder, infelizmente.
Punto Continenti: Prisão de Lula? Inevitável, diz Alberto Aggio
Em entrevista ao jornalista Rainero Schembri, do portal de notícias Punto Continenti (http://puntocontinenti.it/), da Itália, o professor e historiador Alberto Aggio comenta a prisão do ex-presidente Lula, no último sábado (7). Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Professor Alberto Aggio, o que se pode dizer da prisão de Lula?
Alberto Aggio - A prisão do Lula é o resultado normal de um país que quer ver preservada a justiça, que quer ver o Brasil como, de fato, um país republicano no qual a lei é igual para todos. É evidente que trata-se de um caso muito particular. Pela primeira vez na história um ex-presidente é julgado, condenado e preso por um crime comum. Lula não é um preso político. Essa é uma narrativa que não se sustenta. Ele negociou ativos de todos os brasileiros, quando era presidente, para benefício próprio. E, esse processo pelo que foi condenado é apenas um deles, há mais processos nesse sentido contra o ex-presidente.
Muitos dizem que a prisão de Lula tem como finalidade evitar que ele participe das próximas eleições presidenciais de outubro próximo, uma vez que Lula aparece na frente das pesquisas. O que o senhor pensa disso?
De fato, há essa coincidência. Lula aparece na frente nas pesquisas. Mas a questão é que os processos contra ele são de crime comum. Não seria possível a justiça brasileira não levar adiante as denúncias que foram feitas contra ele. E não são poucas é pior: são gravíssimas. Os processos não são de crime político e sim de crime comum, que não podem deixar de ser executados. São os chamado crimes de “colarinho branco”. Lula é hoje um ex-operário e ex-dirigente sindical milionário. Seu envolvimento com empreiteiras e outros setores do capital são comprovados é bastante nocivos ao país. Lula não será impedido de disputar as eleições por conta da prisão e sim da lei da ficha limpa, que nasceu de uma emenda popular e o próprio PT ajudou a aprovar no Parlamento. Ele diz que não pode ser candidato que for condenado em segunda instância pela justiça. Lula é o o PT sabem disso, mas politizam os processos para tentar recuperar o terreno político perdido depois do impeachment e das eleições municipais de 2016, quando perderam mais da metade das prefeituras que governavam.
Se a popularidade de Lula é tão grande é porque a população pensa que os seus governos foram positivos para ela, sobretudo no plano social. A sua prisão não poderia gerar muito sérios problemas?
A popularidade de Lula é indiscutível. No entanto, ele não é uma unanimidade. Deve ter um eleitorado que gira entre 20 e 30 por cento. É isso é uma força importante na medida em que o quadro político está inteiramente fragmentado, como nunca se viu antes. Lula é enfim um mito político. Conjuga a ideia do herói dos pobres, do Robim Wood, mas foi também muito amigo dos ricos. Nos últimos anos se tornou um lobbysta da Oldebrecht. Ontem, se comparou a Jesus Cristo dizendo aos populares “eu vivo em ti”, um sinal para a nova campanha do Lula Livre: “eu sou Lula”. Trata-se de uma visão de elites, típica do discurso que se convencionou chamar de populista.
O senhor não teme que Lula indo à prisão fique ainda mais forte, se transforme num mito, numa verdadeira lenda nacional e internacional?
Lula já é um mito. E com todo mito, se não quisermos aderir à ele, temos que saber ser críticos, pensar e sermos capazes de analisá-lo. Não creio que se fortaleça com a prisão. Ao contrário. O que se viu na sua prisão é que Lula está isolado politicamente no campo de uma esquerda já anacrônica, com discurso anacrônico, incapaz de abordar o mundo de hoje. Lula faz hoje um discurso bolivariano, com recordações saudosistas da época do sindicalismo, há quase 40 anos atrás, sem nenhuma projeção para o futuro de forma séria. E pior, sem reconhecer que seu segundo governo e os dois sucessivos de Dilma é que levaram o país a maior crise econômica da sua história, com desemprego recorde e crescimento da polarização política nuca visto no país. Creio que será bom para o Brasil que se ultrapasse o mito Lula é seu período, para que possamos nos reintegrar ao mundo, fazermos as reformas para isso, e olharmos para frente. Lula continuará com alguma força, mas hoje já é passado.
Sem Lula, esquerda ou se une ou estará fora do 2º turno, diz Lessa
'Neutralização da esquerda' começa com impeachment e acaba com prisão, diz professor
Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo
A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fecha o ciclo de neutralização da esquerda no Brasil.
"Esse processo começou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e termina com o impeachment preventivo de Lula", diz Renato Lessa, professor de filosofia política da PUC do Rio e investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Para Lessa, se os pré-candidatos da esquerda não compuserem uma frente, há o sério risco de a eleição de 2018 ser disputada entre um candidato de centro-direita e outro de extrema direita.
"Sei que vai predominar a discussão sobre a cabeça de chapa, mas essa visão de curto prazo vai ter que ceder lugar a uma conversa estratégica, ou teremos a perspectiva real de 35% da opinião política não ter expressão nas eleições de 2018, o que é ruim para a democracia".
Folha - Qual é o significado da prisão do ex-presidente Lula?
Renato Lessa - Trata-se de algo gravíssimo, de consequências imprevisíveis. E é um processo que se completa. Cada vez mais perde materialidade o fato inicial que teria levado ao impeachment de Dilma Rousseff, as pedaladas, que eram práticas triviais, embora juridicamente condenáveis, nos governos anteriores.
No contexto de perda de maioria parlamentar de Dilma, isso levou ao impeachment. No entanto, achava-se que esse processo se esgotaria com o impeachment e a virada de governo, a substituição pelo poder do outro grupo. Mas essa manobra para trocar o grupo no poder se completa é com a prisão de Lula.
Pensando historicamente: o governo de Getúlio em 1945 termina não porque Getúlio era um ditador. Ele tinha deixado de ser um ditador, os militares que o apoiaram enquanto ditador o depõem quando ele começa a democratizar o regime. O governo João Goulart acaba do jeito que acabou. E não o governo Lula, mas Lula como personagem político que poderia voltar também sai de cena. É algo para se pensar: como terminam os governos de extração popular no Brasil?
O que se produziu nos últimos dois ou três anos foi um processo de neutralização de um segmento importante da política brasileira, a esquerda.
Em que sentido a esquerda está neutralizada hoje?
Houve um deslocamento do governo de uma maneira heterodoxa e depois a neutralização política do provável sucessor, Lula. São dois impeachments. Esse processo começou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e termina com o impeachment preventivo de Lula. Quebrou o vínculo da esquerda com sua base eleitoral, popular, tirando o principal líder de cena, Lula.
Um aspecto importante desse processo é o eixo Curitiba-Porto Alegre, com um grau impressionante de coordenação. Ao mesmo tempo, do lado do Supremo Tribunal Federal, uma negação de habeas corpus por 6 a 5. É inusitada a mudança da pauta não tratar do caso genérico em primeiro lugar para depois tratar dos casos particulares. Se fosse outra pauta, o resultado era outro, Lula não seria preso, o jogo continuaria.
É um processo obscuro, que produz consequências graves. O país está sendo governado pelo sindicato dos deputados. Os representantes se representam no governo, não representam ninguém por trás deles.
Essa ideia de que justiça se faz com a punição, esses comentários panglossianos de que com a prisão de Lula está garantido o Estado de Direito. É a hegemonia do discurso da limpeza, de prender todo mundo. O brasileiro quer ter um preso para chamar de seu. Ficamos com essa concepção de justiça. Pode continuar com fome, desigualdade, pessoas seis horas por dia no ônibus para trabalhar. Tudo pode. Mas tem que haver lisura.
Quão eficiente foi a manobra de neutralização da esquerda?
Idealmente, configurada a impossibilidade prática da candidatura de Lula e, para mim, já está configurada, é preciso trabalhar com o modelo que os uruguaios têm há bastante tempo, uma Frente Ampla de recomposição da democracia.
Mas o PT aceitaria uma Frente Ampla sem ocupar a cabeça da chapa?
Por isso comecei o raciocínio dizendo idealmente. Seria interessante que o Ciro Gomes conversasse com o Fernando Haddad, a Manuela D'Ávila, e alguém um pouco mais para o centro. A criação de uma frente ampla voltada para a recuperação do ambiente democrático e sinalizando pautas de igualdade social. E Lula deveria deixar uma mensagem de convergência.
Os candidatos desse campo terão de convergir para que algum deles chegue com chance de vitória no segundo turno. Há o risco real de haver um segundo turno entre a centro direita e o inominável, a extrema direita. Na prática, sei que vai predominar a discussão sobre quem vai estar na cabeça de chapa, mas, em algum momento, essa visão de curto prazo vai ter que ceder lugar para uma conversa estratégica, ou então teremos a perspectiva real de 35% da opinião política não ter expressão nas eleições de 2018, o que é ruim para a democracia.
A prisão do Lula sinaliza que todos os políticos podem ser presos, ou há duas velocidades e duas medidas?
Mesmo que continuem a prender políticos, vão ser dois pesos e duas medidas, porque não vão conseguir prender, do outro lado, alguém com a estatura do Lula. Não existe um equivalente que desmonte o campo da centro direita brasileira, que represente um desafio brutal como a neutralização do Lula significa para o campo da esquerda.
Mesmo que a Lava Jato continue, ela vai pegar personagens periféricos, ou governadores como Sergio Cabral, que destruiu o próprio estado. O Aécio Neves não corresponde ao Lula em termos de estatura na organização e ele foi protegido. O próprio presidente Temer, até certo ponto, não é processado porque tem o sindicato dos deputados que garante a sua proteção. E mesmo que vier a perder o foro, sem mandato, o seu processo vai começar na primeira instância e sendo o presidente um especialista jurídico, vai transitar em julgado daqui 50 anos, mesmo se mantiverem a decisão de segunda instância.
Como fica a esquerda com Lula fora do jogo?
A esquerda tem um desafio enorme. Os nomes estão postos "“ Ciro Gomes, talvez Fernando Haddad e, com menor expressão eleitoral, mas com expressão política, a Manuela Dávila. Guilherme Boulos, pelo PSOL, vai numa linha completamente autonomista.
O PSOL tem a perspectiva de colher os despojos, não de cooperar numa frente comum.
Faria sentido esses três nomes conversarem e incluírem elementos de centro mais progressistas. Não sei se todos os tucanos estão satisfeitos com o que está acontecendo, talvez também o campo da Rede. É necessária uma conversa para a recomposição de um campo de centro-esquerda reformista moderno, capaz de dar segurança para a economia, mas, ao mesmo tempo, repor a perspectiva social.
Uma das questões é a dificuldade de encontrar o candidato de centro. Toda vez que se cita o candidato que seria de centro, em qualquer país do mundo, ele seria considerado de direita. Geraldo Alckmin (PSDB) não é de centro, tem valores conservadores. Não é um xingamento, e só uma topografia. Rodrigo Maia (DEM) também.
Qual é o impacto da comoção em torno da prisão do Lula? Qual é a força e durabilidade desse movimento?
Ela vai permanecer durante algum tempo. Mas vai depender muito de como a prisão vai ser feita, quanto tempo Lula vai ficar preso e qual é a capacidade que ele vai ter de falar da prisão, sua relação com o mundo aqui fora. A prisão produz efeitos, mas eles vão aos poucos se incorporando na rotina das pessoas, a menos que ele tenha um operador político aí ativando isso de alguma maneira.
O país hoje tem uma extrema direita aberta, com visibilidade, que representa o resíduo de boçalidade presente no Brasil, mas entrou no sistema político e tem um candidato competitivo. Não acredito que esse candidato vá perder votos porque o Lula vai sair. Esse candidato expressa demônios que estavam no fundo da garrafa e foram destampados a partir do processo de impeachment. Algo que mesmo os líderes do impeachment não imaginavam que pudesse acontecer. Os caciques do PMDB e PSDB não imaginavam que essa subcultura protofascista se disseminasse tanto.
Enquanto isso, não há discussão de uma agenda que precisaria ser discutida na eleição. Ninguém pode negar que a questão da Previdência precisa ser discutida, embora eu discorde da forma como o governo Temer fez isso. Uma boa hora para discutir é uma campanha eleitoral, com conteúdo, não só com marketing político.
Essa discussão não foi levada ao cidadão, tentou se passar essa agenda através de uma mudança heterodoxa no ciclo político.
Apesar de dizerem que Temer mantinha ótimo trânsito com o Parlamento, a mãe de todas as reformas, da Previdência, não vingou, a reforma trabalhista é uma medida provisória que vai vencer daqui a pouco. A única reforma que passou foi o teto de gastos, que fica prejudicado se a da previdência não passar.
O Estado de S. Paulo: ‘Sem Lula, esquerda não tem candidato’, diz historiador
Para o pesquisador José Murilo de Carvalho, o PT terá que se aproximar do centro se quiser ser competitivo em 2018
Wilson Tosta, do O Estado de S.Paulo
Mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenado e preso na Operação Lava Jato e, a partir de 2019, com um novo presidente eleito, o Brasil seguirá dividido e longe da normalidade, avalia o historiador José Murilo de Carvalho. Estudioso das mudanças que marcaram a política nacional, o pesquisador diz, porém, que mesmo na prisão Lula poderá ser um ator político importante. Já o PT não vai – “nem deve”, pondera – desaparecer, mas precisará se refundar.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Há quem compare Lula ao caso de Juscelino na ditadura. São situações análogas?
Não muito. O ódio contra JK era devido à sua aproximação com o varguismo, vinculado, segundo militares e líderes udenistas, ao comunismo, embora tivesse sido acusado também de corrupção, coisa nunca provada. (JK) Foi preso, humilhado, sujeito ao arbítrio dos inquéritos policiais-militares. A natureza política da ação contra ele era inegável. Agora há também alegações de viés político na condenação de Lula, mas sem a obviedade do caso de JK. E não há IPMs (Inquéritos Policial Militar).
O que se abre agora, para a campanha de 2018, com a prisão do ex-presidente?
Se Lula de fato não puder concorrer – tudo é possível neste país – e dada a rejeição pelos grandes partidos, o maior beneficiário será o candidato de extrema-direita, segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto. Um panorama preocupante, pois lembra a vitória de (Fernando) Collor (presidente de 1990 a 1992, quando foi derrubado por impeachment). Sem Lula, a esquerda não tem candidato viável. Se quiser competir para valer terá que fazer alianças ao centro. No centro, também não há candidato convincente. Enfim, mais instabilidade, menos concentração na tarefa de retomar o crescimento.
A prisão de Lula encerra uma era na política brasileira?
Prisão de ex-presidente por crime comum é fato inédito em nossa história. Mas não sei se irá encerrar o ciclo iniciado em 1985. Será mais um tropeço, como o foram os dois processos de impeachment.
Mesmo preso, Lula poderá influenciar o processo eleitoral?
Sem dúvida. (Eurico Gaspar) Dutra, depois de depor (Getúlio) Vargas em 1945, embora fosse um “poste” eleitoral, ganhou as eleições em função do anúncio do endosso de Vargas: “Ele disse!”. O PT não tem candidato viável sem Lula, mas o apoio dele a outro candidato pode fazer diferença. Há uma diferença entre o PT de hoje e o PTB de Vargas. O último sobreviveu e cresceu mesmo sem o carisma do chefe. O PT ainda depende demais do carisma de Lula.
Com a prisão do ex-presidente, o petismo e o lulismo tendem a desaparecer ou a se reduzir?
O PT não vai, e não deve, desaparecer. Precisamos de um forte partido de esquerda para a saúde de nossa democracia. Mas ele terá que por os pés no chão e começar um processo de refundação, inclusive para reduzir a dependência de Lula.
As pressões sobre o Supremo tiveram peso na decisão dos ministros de liberar a prisão de Lula?
Sem dúvida. Refiro-me, sobretudo, à declaração do comandante do Exército feita na véspera. Nenhuma corte está isenta de pressões externas, por mais que alguns juízes queiram acreditar nisso.
Como analisar a manifestação do comandante do Exército?
A declaração foi infeliz e intempestiva. A Constituição diz que as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais. A intervenção no Rio para garantia da lei e da ordem, ordenada pelo Executivo, foi perfeitamente constitucional. A declaração do comandante, sem que houvesse ameaça aos poderes constitucionais, foi política e inadequada.
Isso não evoca o passado do regime militar?
Nas décadas de 1950 e de 1960, declarações de chefes militares, individuais ou coletivas, eram frequentes e culminaram nas quedas de Vargas e de Goulart. Não creio que haja ameaça de intervenção militar na fala do comandante, mas suas declarações revivem velhos fantasmas.
Os militares podem voltar a ter peso na política?
Um dos pontos positivos das crises da República iniciada em 1985 foi a neutralidade política mantida pelas Forças Armadas. Seria um enorme retrocesso democrático se essa neutralidade fosse rompida. Resta saber se os comandos da Marinha e da Aeronáutica compartilham a posição do comandante do Exército.
A crise política chegou ao STF?
Até pouco tempo, o STF era o poder da República menos atingido pela descrença dos cidadãos. Não é mais. Suas hesitações e contradições, os conflitos e bate-bocas entre ministros, a loquacidade de seus membros fora dos autos, tudo isso tem contribuído para o desgaste da instituição. Muito ruim para a saúde da República.
Esse processo de politização tem volta?
A judicialização da política não é fenômeno apenas brasileiro. Mas aqui ela tem adquirido dimensões preocupantes. Juízes e promotores não são eleitos, não são representantes dos cidadãos. O vácuo de poder gerado pelo descrédito dos outros poderes e dos partidos políticos é que tem incentivado o ativismo judicial. Só a extinção do vácuo poderá sanar o mal.
A eleição de 2018 pode levar o Brasil de volta à normalidade?
Com ou sem Lula, as eleições não trarão de volta a normalidade. O próximo presidente, seja quem for, terá que construir sua base parlamentar, fazer os velhos acordos de sempre e não terá forças, ou vontade, de fazer as reformas de que o País necessita para retomar o crescimento e para atacar o problema máximo do País que é a redução da desigualdade.
Ricardo Noblat: Conivência com crime
Sobre nota do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
Na tarde do sábado, em São Bernardo do Campo, no entorno da sede do Sindicato dos Metalúrgicos aonde Lula se refugiara para escapar à prisão, foram registrados pelo menos sete casos de hostilidade e agressões a repórteres e profissionais da imprensa que estavam por lá a serviço.
Em Fortaleza, manifestantes a favor de Lula quebraram as portas de vidro da sede da TV Verdes Mares, picharam muros e pintaram o prédio com tinta vermelha. Na noite do mesmo dia, equipes de televisão foram destratadas nas proximidades dos aeroportos de São Paulo e Curitiba.
Houve, como de hábito, notas de entidades e de associações de classes que condenaram “por inaceitável” o uso da força contra trabalhadores como quaisquer outros – é o que somos. Mas uma das notas, pelo seu conteúdo enviesado e pérfido, destacou-se das demais.
O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), repudiou as agressões, como estava obrigado a fazê-lo. Mas disse que “essa situação lamentável” deveu-se também “à política das grandes empresas de comunicação que apoiam o golpe”.
Aproveitou para acusá-las de adotar “uma linha editorial de hostilidade contra as organizações populares”. E frisou: “Para impedir que casos de agressão e tentativas de censura se repitam, é preciso que se retome a democracia, o que só será possível com Lula livre (…)”.
Quer dizer: condenou as agressões e justificou-as ao mesmo tempo. Imputou a culpa por elas a agressores e a agredidos. E condicionou o fim dos ataques à mudança da linha editorial das empresas de comunicação, à retomada da democracia e à libertação de Lula.
Absurdo, extemporâneo, abusivo para dizer o mínimo. Para dizer o que de fato é: conivência com crime. Ou agressão deixou de ser crime, não importa contra quem?