previdência

PD #49 - Leonardo Cavalcanti: Encontro marcado com a Previdência

Nas entranhas da economia, o macroambiente de negócios inclui pelo menos seis variáveis: sociais, ecológicas, legais, tecnológicas, políticas e demográficas. De forma geral, se fosse possível estabelecer um ranking, os especialistas acreditam que o último desses fatores seja o mais emblemático para um crescimento sustentável, pois trata do tamanho da população, da taxa de natalidade, da distribuição de renda, da expectativa de vida e do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Tudo junto é capaz de influir positivamente ou não no futuro de país. Na prática, isto significa que análises demográficas seriam mais importantes do que as avaliações sobre as taxas de inflação e os juros, as balanças comercial e de pagamentos, o emprego, a renda e a infraestrutura. Reforço: é impossível isolar hierarquicamente tais coisas, mas aqui trataremos tudo isso num livre exercício de riscos e cenários, antes que alguém se sinta estimulado a começar a atirar pedras.

A demografia superaria, assim, nesse ranking fictício, leis tributárias e trabalhistas, resultados eleitorais e impactos tecnológicos. A análise de cenários e riscos, portanto, deveria levar em conta o crescimento ou a queda na população. Isso tem a ver com   a atual política brasileira,  principalmente  às  vésperas  da  votação da reforma da Previdência. Nos estudos das  tendências  estruturais, há a previsão de envelhecimento da população e a queda  da  taxa de natalidade nos países de Terceiro Mundo.  Mais  uma  vez, tais coisas são mais fortes do que as revoluções tecnológicas e até mesmo aspectos ambientais – como, por exemplo, a escassez  de  água –, por mais fortes que tais comparações possam parecer.

Quanto mais o país demorar a encarar a reforma da Previdência, pior para os brasileiros, algo que só se complicará para as próximas gerações. E aqui os sindicatos de servidores públicos e de trabalhadores da iniciativa privada terão de ser cobrados no futuro pelos atos irresponsáveis de não defenderem o debate efetivo. E tal cobrança será feita pelos filhos e netos, pois serão eles os mais prejudicados com ausência de mudanças na legislação.

Referendar estudos contaminados sobre a saúde do Estado é fechar os olhos para governos estaduais. Mesmo com todos os desmandos políticos e toda a corrupção instalada, negar o déficit  é quase uma covardia com os que virão. O mais  contraditório disso está no fato de os sindicatos se apoiarem na base mais fisio- lógica do governo federal no Congresso Nacional para isolar qual- quer possibilidade de debate.

Rombo

O rombo do Instituto Nacional do Seguro Social (lNSS) chega hoje a R$ 150 bilhões.

Temos ainda uma conta de mais R$ 77 bilhões no serviço público – e não adianta a tal conversa do tal fundo do funcionalismo, pois o Estado continua a ser mais do que generoso com a turma. Antes da sanha endoidecida recair  sobre  este  articulista,  entretanto,  vale  dizer que, sim, há poucas iniciativas mais nobres e efetivas do que  oferecer proteção ao servidor público. Um Estado só avança com políticas públicas elaboradas por gente  séria  e  com  estabilidade,  livre de pressões e perseguições políticas. Mas isso não significa que  os funcionários possam inviabilizar uma discussão necessária e urgente, independentemente de ser travada por governos de centro, direita ou esquerda. Na falsa polêmica dos contrários a qualquer reforma, os mais prejudicados seriam os mais pobres.

Como se disse, é falso e, mais uma vez, um argumento covarde na tentativa de justificar a manutenção de privilégios.

Um país, para apresentar qualquer crescimento, precisa de crescimento sustentável e de igualdade social. Apenas uma sociedade justa é capaz de se proteger do autoritarismo e de defender políticas mais amplas, favoráveis ao crescimento, implodindo uma casta política.

Assim, mesmo que o governo Michel Temer não consiga mexer no texto da Previdência, as mudanças serão feitas um dia, caso o país pretenda oferecer algum alento para a população mais pobre. Apenas um candidato cínico será capaz de ser contra mudanças previdenciárias. E teremos um encontro marcado com a reforma, queiram os corporativistas ou não. O Planalto sabe das dificulda- des de votar o texto até o fim do ano.

As chances de o país voltar à inflação e aumentar o desemprego parecem reais, distantes de qualquer chance efetiva de crescimento. A saída seria acreditar que os concorrentes ao Palácio do Planalto sejam capazes de abrir a discussão com a sociedade. Mas aí é ser otimista em demasia. Não custa.

 

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Rogério Furquim Werneck: Temas menos espinhosos

Diante das dificuldades de aprovar Previdência ainda neste governo, o Planalto deveria ter mantido o plano do jogo e persistido

Na reta final, o Planalto preferiu abandonar o plano de jogo e improvisar. E qual era mesmo o plano de jogo que o governo Temer conseguiu vender ao país, em meados de 2016, quando se deparou com as reais proporções do descalabro fiscal deixado por Dilma Rousseff?

Diante da necessidade de um ajuste fiscal da ordem de 5% do PIB — politicamente inviável —, o novo governo arguiu que o esforço para reequilibrar as contas públicas não precisaria ser feito de imediato. Poderia ser empreendido aos poucos, desde que com inequívoca determinação, no decorrer de vários anos, que se estenderiam não só pelo curto mandato tampão de Temer como pelo mandato presidencial seguinte.

A promessa de um esforço fiscal paulatino ganhou credibilidade, à medida que providências adotadas pelo novo governo desencadearam um círculo virtuoso que parecia deixar antever uma saída ordenada do atoleiro fiscal em que o país fora metido.

Tiveram especial importância, entre tais providências, a nomeação de uma equipe econômica de excelente nível, a imposição de um teto à expansão do gasto público, a transparência com que passaram a ser tratadas as contas públicas, a reversão da irresponsabilidade fiscal que vinha pautando a gestão das instituições financeiras federais e a submissão, ao Congresso, de uma proposta ousada e abrangente de reforma da Previdência Social.

Em meados do ano passado, não faltava quem acreditasse que o governo estava prestes a conseguir mobilizar, no Congresso, a maioria requerida para a aprovação da reforma da Previdência. Foi quando sobreveio o 17 de maio. E o presidente se viu forçado a consumir parte substancial do seu capital político para se manter no cargo.

No fim do ano, quando Temer voltou a ter condições de retomar o esforço de mobilização da bancada governista para aprovação da reforma, as condições se revelaram muito mais adversas.

A votação da reforma teve de ser adiada para fevereiro. Mas, findo o carnaval, Temer não quis nem esperar o final do mês. Preferiu jogar a toalha. Ao alegar que a urgência da intervenção no Rio de Janeiro inviabilizara a aprovação da reforma, permitiu-se perpetrar uma cambalhota política de alto risco, que já tive oportunidade de analisar neste mesmo espaço, há duas semanas (“O malabarismo de Temer”, 23/2).

A reforma da Previdência era um passo crucial para manter a credibilidade do discurso de ajuste fiscal paulatino que, bem ou mal, conseguiu manter sob controle um quadro de contas públicas alarmantemente insustentáveis. Diante das dificuldades de aprová-la ainda neste governo, o Planalto deveria ter mantido o plano de jogo e persistido, com mais empenho do que nunca, na campanha política em favor da reforma, que já tinha logrado avanços promissores no convencimento da opinião pública, desde que passara a bater na tecla certa da eliminação de privilégios.

No prometido esforço paulatino de ajuste fiscal, é ao próximo governo que caberá, afinal, a maior parte do esforço requerido. E para dar credibilidade a essa promessa, será preciso não só assegurar a eleição de um presidente comprometido com o ajuste fiscal, mas também convencer o eleitorado e, indiretamente, o Congresso, de que a reforma é imprescindível.

Fazer da reforma previdenciária a questão central da campanha eleitoral — para manter a credibilidade do discurso do esforço paulatino de ajuste fiscal — é o que recomenda a prudência. O eleitorado precisa entender que a União está tão quebrada quanto os estados. E que qualquer discussão consequente sobre programas de dispêndio — inclusive na área de segurança pública — não pode prescindir de um entendimento prévio e claro desse fato.

Mas o governo está em outro clima. E agora prefere se ater a temas menos espinhosos. Tudo indica que, mais uma vez, o Brasil poderá marchar para as eleições passando ao largo do problema primordial que tanto lhe tolhe as possibilidades. Será lamentável se, no estado em que está, o país acabar tendo mais uma campanha presidencial marcada pelo escapismo.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio


Rogério Furquim Werneck: A quem interessa que a reforma não passe?

Entre os minimamente bem informados, há amplo entendimento de que contas da Previdência se tornaram insustentáveis

No início desta semana, acumulavam-se sinais de que o governo poderia estar prestes a jogar a toalha e, para efeitos práticos, dar por oficialmente abandonada a longa batalha pela aprovação da reforma da Previdência no atual mandato presidencial. E já se notava certa tensão, entre o Planalto e o Congresso, em torno da ingrata divisão do ônus político de tal desfecho.

Nos últimos dias, o governo entendeu que era preciso desfazer essa impressão. Anunciou que o Planalto estava empenhado em novo e decisivo esforço de mobilização da bancada governista para tentar aprovar, até o fim de fevereiro, uma proposta um pouco menos ambiciosa de reforma. Será a última ofensiva do governo em um longo jogo que se revelou ainda mais difícil do que de início se esperava.

Aos trancos e barrancos, ao fim de mais de duas décadas de esforços, é inegável que o país adquiriu compreensão muito mais clara da inevitabilidade da reforma. E boa parte desse avanço deve ser creditada à equipe econômica do atual governo.

Entre pessoas minimamente bem informadas, já há amplo entendimento de que as contas da Previdência se tornaram insustentáveis. Os números falam por si. Só na esfera federal, o déficit do sistema chegou a R$ 269 bilhões no ano passado. E a esta cifra tão absurda ainda têm de ser adicionados os assustadores déficits previdenciários dos governos subnacionais, cujos orçamentos vêm sendo inviabilizados pelo crescimento descontrolado das folhas de inativos. O Estado do Rio Janeiro é só o líder de uma longa fila de estados e municípios quebrados.

Tem também se disseminado a compreensão de que, sem a reforma da Previdência, não há como superar o quadro de descalabro fiscal que vem impedindo uma retomada sustentável do crescimento da economia e a eliminação do drama que hoje enfrentam 12 milhões de desempregados no país.

Em entrevista concedida em meados de janeiro, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, assegurou que, se a proposta de reforma fosse aprovada, não mais que 9,5% dos trabalhadores teriam perdas superiores a 1% do seu benefício de aposentadoria (“Valor”, 15 de janeiro). Com a recémanunciada disposição do governo de flexibilizar em alguma medida a proposta de reforma, é bem provável que o percentual de trabalhadores significativamente afetados se torne ainda menor. E, no entanto, o governo está longe de estar convicto de que ainda será possível formar no Congresso a maioria de 60% requerida para aprová-la.

Entender por que uma reforma tão crucial — com resultados potenciais tão promissores e com custos mais significativos restritos a uma parcela relativamente pequena do eleitorado — continua a enfrentar tantas dificuldades para ser aprovada é tema para discussões intermináveis. Mas parcela importante da explicação tem a ver com a resistência ferrenha que as castas mais bem posicionadas de funcionários públicos vêm fazendo à reforma. Embora isso seja mais do que sabido, ainda falta compreensão clara de como tal resistência vem de fato bloqueando a formação da maioria requerida para aprovação da reforma no Congresso.

Não parece ser uma questão meramente eleitoral, que poderia advir de preocupações do parlamentar com possíveis reações da parte do seu eleitorado composta por funcionários públicos. Isto pode até explicar o comportamento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda. No caso dos partidos da base aliada, contudo, as razões da oposição à reforma parecem ser bem mais diretas.

Com frequência, o parlamentar está irremediavelmente enredado pela teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionários públicos — quase sempre bem posicionados — tanto em Brasília quanto nos estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.

Seria muito bom se evidências mais objetivas e sistemáticas das reais proporções desse enredamento pudessem ser levantadas tanto pela mídia como em pesquisas de mais fôlego.

*Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

 


Roberto Freire: Sim à reforma, não aos privilégios!

Com a retomada das atividades do Congresso Nacional, as atenções da opinião pública se voltam para os debates sobre a proposta de reforma da Previdência, tão necessária quanto urgente, que pode ser votada pelo plenário da Câmara Federal no próximo dia 19 de fevereiro. Para que se tenha uma ideia da dimensão do problema para as contas públicas do país, o rombo previdenciário sobre a União, os estados e municípios atingiu, somente no ano passado, nada menos que R$ 305,4 bilhões. É evidente que, se nada for feito para promover uma maior racionalidade ao sistema, o Brasil não suportará tamanho déficit e chegará a um patamar insustentável em um futuro próximo.

O PPS teve um papel importante e contribuiu decisivamente para o aprimoramento do projeto da reforma, relatado com competência e responsabilidade pelo deputado Arthur Maia (BA). O parlamentar apresentou nesta semana o novo texto da proposta, que contém três modificações básicas em relação à versão anterior: a exclusão de regras na aposentadoria para os trabalhadores rurais, idosos de baixa renda e pessoas com deficiência que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC); a diminuição do tempo de contribuição de 25 para 15 anos para trabalhadores da iniciativa privada terem aposentadoria parcial; e a concessão de pensão integral para famílias de policiais mortos em serviço.

Até o dia da votação, em meio às discussões entre os parlamentares, é possível que sejam feitas outras emendas ao projeto. Dois pontos inegociáveis no texto, segundo o próprio relator, são a fixação de uma idade mínima para aposentadoria e a unificação das regras para os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada, combatendo os atuais privilégios de determinados grupos. Trata-se, aliás, do ponto central da reforma: acabar com regalias inaceitáveis de corporações muito fortes, em especial no Legislativo e no Judiciário, e promover uma maior igualdade entre os brasileiros na questão previdenciária.

Segundo estimativas do economista André Gamerman, da ARX Investimentos, em análise feita para o jornal “O Globo”, o eventual adiamento da reforma da Previdência para 2019 significaria um custo de ao menos R$ 177 bilhões (ou 2,4% do PIB) em um período de dez anos. Em 2017, o déficit do INSS – que abrange um contingente de 30 milhões de aposentados – alcançou R$ 182,4 bilhões. Se considerarmos somente os servidores públicos, o rombo foi de R$ 86,3 bilhões. A realidade inescapável, contra a qual se insurgem justamente aqueles que não estão enquadrados no sistema único do INSS e não querem perder as suas benesses, é que o déficit na Previdência hoje já ameaça a aposentadoria de milhões de brasileiros e o próprio funcionamento do sistema.

Não há como deixar de constatar que existe hoje, no Brasil, um escandaloso descompasso entre os regimes previdenciários dos servidores públicos e dos trabalhadores da iniciativa privada. O RGPS (Regime Geral da Previdência Social) abrange todos os indivíduos que contribuem para o INSS (trabalhadores da iniciativa privada, funcionários públicos concursados ou não, militares e integrantes dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo), enquanto o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) é organizado por Estados e municípios para servidores públicos ocupando cargos que exigem concurso. O teto atual do RGPS é de pouco mais de R$ 5,5 mil, ao passo que um servidor público pode receber uma aposentadoria de até R$ 33,7 mil, seis vezes mais. É necessário e urgente que esse processo seja equalizado, acabando com tamanha disparidade. Defendemos um regime único de aposentadoria que elimine privilégios, diminua o desperdício e reduza o enorme déficit nas contas públicas.

No caso dos servidores públicos das estatais, que contribuem de acordo com o regime geral do INSS, há também uma previdência complementar dos fundos de pensão – cujos valores são aplicados pela entidade que administra o fundo, com base em cálculos atuariais. Apesar da roubalheira que atingiu também essa área nos governos do PT, é inegável que os fundos de pensão exercem um papel importante, beneficiando quase 7 milhões de brasileiros, entre participantes ativos e dependentes. Entre esses fundos, estão a Funcef (fundo de pensão dos funcionários da Caixa), a Petros (Petrobras), a Previ (Banco do Brasil) e o Postalis (Correios). Esse sistema de contribuição previdenciária deve ser adotado como alternativa para os servidores públicos em geral.

Historicamente, o PPS sempre adotou uma posição reformista e se posicionou de forma francamente favorável às mudanças, inclusive na Previdência. Costumo lembrar que votei favoravelmente a todos os projetos de reforma previdenciária apresentados desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, passando até mesmo pelos períodos de Lula e Dilma. Em reunião realizada ainda em dezembro do ano passado, o Diretório Nacional do partido aprovou o fechamento de questão a favor da proposta do governo. Afinal, este é o momento de mostrarmos à sociedade que os partidos têm sua importância e responsabilidade com o país. A reforma da Previdência é uma questão de relevância nacional e será decidida pela política.

Apesar da necessidade premente de reformarmos a Previdência, sabemos que a aprovação do projeto não é uma tarefa simples. Para que se torne realidade, é preciso alcançar o quórum qualificado de 308 votos favoráveis na Câmara, o mínimo necessário para uma mudança constitucional. Há certa dificuldade neste momento, sobretudo por se tratar de um tema que provoca algum conflito e muita controvérsia, movimentando toda a sociedade. De qualquer forma, temos o compromisso de trabalhar no sentido de viabilizar a reforma já para este ano, oferecendo ao país novas perspectivas e elementos que solidifiquem ainda mais a recuperação econômica em curso.

Diferentemente que apregoam os adversários contumazes da reforma, arautos do atraso e defensores dos privilégios, o projeto não retira nenhum direito. Ao contrário: combate injustiças, promove maior igualdade, reduz o déficit e protege aqueles que mais precisam, garantindo a aposentadoria de todos os brasileiros hoje e no futuro. Não podemos mais perder tempo. É preciso agir. O Brasil não pode quebrar.

 


Murillo de Aragão: Melhor que a encomenda, o Brasil se salvou, e 2018 poderá ser bom

Termina 2017 melhor do que a encomenda e as expectativas mais prudentes. Avançamos significativamente na modernização das relações trabalhistas graças à proposta do Executivo acatada pelo Congresso, que também aprovou outras medidas relevantes para alentar a economia.

Entre elas estão a PEC destinada a conter os gastos públicos, a nova lei de exploração do pré-sal (quebra da exclusividade da Petrobras, que terá participação de um terço dos investimentos) e a mudança da taxa de juros do BNDES, agora referenciada no que o governo paga para se financiar no mercado, entre outros projetos voltados para o equilíbrio fiscal e o retorno à estabilidade.

O leitor já conhece uma série de estatísticas que demonstram as conquistas do programa de reformas que o governo pôs em prática como meta a alcançar. Mas alguns números funcionam como selo de validade dessa nova fase.

Entre janeiro e outubro, segundo dados que o presidente Temer mencionou – e sofreram depois pequeno ajuste – em artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, o superávit da balança comercial atingiu US$ 58,47 bilhões, com evolução de 51,8%. Até dezembro (segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), esse valor vai a US$ 64,3 bilhões. Depois de longo período estagnada, a produção industrial cresceu 1,6%.

Sinal dessa virada, as exportações de veículos escalaram 55,7%, superando as 560 mil unidades nas contas do acumulado de 2017. A venda de veículos novos no mercado interno aumentou 9,28% em relação a igual período do ano anterior.

Ou seja: recuperamos o dinamismo econômico e vamos crescer mais de 1% depois da tragédia dilmista. A operação Lava Jato também avançou e continuou a promover alterações sistêmicas no cenário político. As ações do Judiciário, especialmente do Supremo e do TSE, apesar de seu ativismo, colaboraram com os ventos modernizadores encampados pela sociedade.

Não prosperamos mais por conta das ações atabalhoadas da Procuradoria Geral da República de Rodrigo Janot que, no afã de impedir Raquel Dodge, tumultuou a cena polícia com denúncias do tipo meio barro, meio tijolo. O saldo foi um desgaste injustificado para o país que custou meio ponto no PIB. Entre maio e agosto, o Brasil ficou em compasso de espera.

O comércio varejista viveu o melhor Natal desde 2010, segundo informações divulgadas nesta terça-feira pela Serasa Experian. As vendas realizadas na semana que concentra as atividades das lojas aumentaram 5,6% em relação a igual período do ano anterior. A previsão da Confederação Nacional do Comércio (CNC) também é otimista – crescimento de 5,2% neste ano.

Isso confirma a expectativa de que a economia chega ao final de 2017 melhor do que imaginavam os mais generosos especialistas. Muita gente começou o ano prevendo crescimento do PIB de apenas 0,5%. Agora, segundo “O Globo”, com a retomada mais intensa do nível de emprego e do consumo do público, melhoraram também as projeções econômicas para 2018. “Há estudos que indicam expansão acima de 3% no ano”, diz o jornal.

A reforma previdenciária poderia ter sido aprovada e consolidado melhores expectativas. Venceu, nesse ponto, o corporativismo e o obscurantismo.

Pelo menos o debate da reforma ganhou consistência, mesmo tendo sido sabotado pelo discurso pseudoprogressista de setores da oposição. Os brasileiros não devem se enganar. A Previdência pública consome bilhões para sustentar poucos. E o modelo é insustentável.

Assim, entre mortos e feridos, o Brasil se salvou e poderá ter um 2018 um pouco melhor.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


Samuel Pessôa: Olhando para a frente e para trás

Na coluna com o mesmo título publicada em 1º de janeiro de 2017, destaquei que o cenário de 2017 seria contingente à tramitação da proposta da Previdência.

Meu cenário central era que três quartos do texto seria aprovado, o que posteriormente ocorreu na comissão da Câmara em abril, e que, a aprovação definitiva pelo Congresso, seria uma condição para o que então escrevi:

"O crescimento econômico será de 0,3%, a inflação, de 5%, e a Selic no final de ano estará na casa de 10,5%, com câmbio por volta de R$ 3,40 por dólar".

O cenário mostrou-se errado. A tramitação da Previdência engasgou -talvez seja aprovada em fevereiro- e, no entanto, o mercado aceitou confortavelmente esse revés. Diferentemente do que ocorreu no segundo semestre de 2015, o câmbio e o risco-país não explodiram.

Adicionalmente, o PIB será de 1%, e não de 0,3%; a inflação será de pouco menos de 3%, e não de 5%, e a Selic é 7%, e não 10,5%.

A surpresa positiva na atividade veio da agropecuária. Este setor cresceu 12,5% e contribuiu, portanto, com 0,6 ponto percentual (pp) para o crescimento. A expansão da economia excluindo a agropecuária -que representa 5% do total- foi de 0,4%. Por outro lado, a safra excelente gerou forte surpresa desinflacionária: 1,6 ponto percentual da diferença de 2 pontos entre meu prognóstico e a inflação observada deveu-se à desinflação de alimentos. O restante da surpresa desinflacionária veio dos serviços: esperávamos desinflação neste setor de 1,4 pp, e ela foi de 2,4 pp. Meus modelos não captaram a quebra da inércia inflacionária nos serviços.

Também houve surpresa positiva na inflação dos EUA: ficou 0,6 ponto percentual abaixo do projetado.

Entrementes a dívida pública se acumula e nos aproximamos da dominância fiscal (quando a dívida é tão grande que a política monetária perde a capacidade de conter a inflação). Temos um encontro marcado com as contas públicas no primeiro semestre de 2019.

As surpresas positivas na inflação doméstica e internacional nos deram tempo: transpusemos 2017 com relativa calma, mesmo sem a aprovação da reforma da Previdência. Trata-se de um interregno. De fato, o mercado aponta que em 2020 a Selic subirá para a casa de 11% a 12%.

Para 2018, minha projeção é de crescimento de 2,8%, com recuo da agropecuária de 2%. O crescimento da economia excluindo agropecuária sairá de 0,4% em 2017 para 2,9% em 2018. Aceleração liderada pelo consumo das famílias e com recuperação, por volta de 4%, do investimento. A inflação deve ficar em torno de 3,5%, com os preços administrados rodando a 5%, e os livres, a 3,2%. Deve haver queda adicional na inflação de serviços de pouco menos de 1 ponto percentual e a inflação de alimentos ficará relativamente baixa, na casa de 2,5%. A safra de 2018 será muito boa, mas não excepcional como a de 2017.

Há dois riscos para o cenário básico. Primeiro que haja surpresa inflacionária na economia americana ou na chinesa. Os juros internacionais subiriam mais cedo.

O segundo risco é repetirmos 2014: o processo eleitoral não discutir o problema fiscal e não haver, portanto, delegação da sociedade para enfrentá-lo.

A solução do problema fiscal demandará um cardápio que associará em doses variáveis elevação de receita e redução do gasto. Há diversas combinações que atendem ao princípio da estabilidade fiscal. Elas não são neutras do ponto de vista distributivo. Há espaço para a política. Que ela seja empregada com sabedoria.

* Samuel Pessôa é economista

 


Samuel Pessôa: Ordem dos fatores estava certa

 

Nelson Barbosa, em sua coluna de sexta-feira (22) neste espaço, argumentou que a equipe econômica de Temer errou ao priorizar primeiro a PEC do Teto dos Gastos e em segundo lugar a reforma da Previdência.

Se a reforma da Previdência era tão importante, por que motivo a equipe econômica priorizou a PEC que estabelece um teto ao crescimento do gasto público?

Segundo Nelson, houve oportunismo do governo de Michel Temer -deixou a tarefa mais difícil para outros governos- ou, talvez, tenha sido somente um erro de cálculo dos "fiscalistas de planilha do Ministério da Fazenda".

Nelson está errado e parece não ter entendido a lógica de nossa economia política, isto é, como as políticas públicas são criadas e implantadas no contexto da disputa entre grupos com diferentes interesses numa sociedade democrática. Para ele, se a maior pressão sobre o Orçamento é a Previdência, vamos primeiro reformar a Previdência. Essa é, a meu ver, a resposta "de planilha". Infelizmente não é a resposta correta dada nossa economia política.

A reforma da Previdência ficou perto de ser aprovada em meados do ano, segundo experientes analistas políticos. Não houve falta de capital político para aprová-la. O que ocorreu foi que, quando a aprovação da reforma se materializou, a Procuradoria-Geral da República produziu de forma acelerada denúncia contra Temer.

É evidente que a intenção de Rodrigo Janot foi abortar a tramitação da reforma previdenciária. E o motivo é claro. A reforma, diferentemente do que se alardeia, não é somente do INSS. Ela mexe muito com o serviço público federal. E, após seis meses da aprovação, com o serviço público dos Estados e dos municípios.

Ou seja, a reforma foi abatida pelas corporações do serviço público. Aliás, de longe, o grupo que mais pressionou contra a reforma agora em dezembro.

Nada garante que, se a ordem cronológica entre teto e reforma da Previdência tivesse sido trocada, alguma ação análoga não teria ocorrido.

O gasto público tem crescido além do PIB desde 1992. O diagnóstico da PEC do Teto é que esse crescimento insustentável é consequência de nossa economia política -particularmente, consequência da ação dos grupos de pressão, que, por algum motivo ainda não esclarecido pela ciência política, são particularmente fortes no Brasil.

Adicionalmente, há o diagnóstico de que a manutenção desse estado de coisas nos devolverá ao ambiente econômico da década de 1980, de triste memória.

Ou seja, a PEC do Teto é uma muleta para auxiliar nossa sociedade a disciplinar nosso conflito distributivo. Se o teto for rompido, consequências ocorrerão. E essas consequências -vedam-se alta de salários e contratação de novos servidores, aumento real de salário mínimo, renovação de desonerações etc.- facilitarão a aprovação de outras medidas, inclusive a reforma da Previdência.

O limite constitucional ao crescimento do gasto público visa mudar os incentivos da política e, portanto, o comportamento. Se funcionará ou não, são outros quinhentos. O abismo inflacionário está conosco. Mas certamente o teto do gasto não é fruto de planilha. A planilha indicaria o caminho de Nelson.

Se Nelson deseja ajudar o país, deveria tentar convencer os deputados petistas -partido com o qual tem laços- a apoiar o atual projeto. É bom não esquecer que, se os petistas tivessem apoiado a reforma de FHC -que, como sempre lembra Nelson, perdeu por apenas um voto-, nós não estaríamos nesta situação.

 


Luiz Carlos Azedo: Emenda das corporações

O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens

O adiamento da votação da reforma da Previdência demonstrou a força das corporações dentro do Congresso, cujo lobby atuou no corpo a corpo com os deputados e por meio de campanhas em rádio e tevê. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passou recibo de que estão sendo negociadas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, novas mudanças no texto. A principal é uma regra de transição para os servidores públicos que ingressaram na carreira até 2003. Hoje, esses servidores têm direito à integralidade e paridade, ou seja, conseguem se aposentar com o valor do último salário e têm reajuste igual ao servidor da ativa.

O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, para ter direito aos dois benefícios, o que gerou forte reação dos servidores. Meirelles resiste às novas mudanças, mas admite os estudos: “São ideias que estão sendo veiculadas, mas, na realidade, a proposta que está na mesa é a proposta do substitutivo que não contempla esta modificação. Com isso, teremos tempo para discutir isso com calma.”

O problema do governo é que o lobby da alta burocracia que se aposenta com salário integral é muito poderoso. Ele atua em todos os poderes, em todos os níveis, e tem entidades sindicais e associações profissionais que não sofrem os efeitos da crise, porque esses servidores têm estabilidade no emprego. Magistrados, delegados federais, promotores, auditores fiscais e gestores lideram as pressões. Esse lobby é muito mais eficaz e refinado, por exemplo, do que o dos trabalhadores do setor privado. É capaz de produzir análises e estudos sobre a questão da Previdência que mostram o “outro lado” da questão.

Um dos argumentos é de que o governo se aproveita de uma situação conjuntural, a recessão, para inflar dados e alarmar a população. Os dispêndios totais da Previdência com benefícios, equivalentes a 6,9% do PIB em 2006, viriam revelando uma tendência de queda relativa desde então, só revertida em 2015, diante do recuo de 3,8% no PIB, quando os gastos passaram de 6,9% para 7,4% do montante global da produção final de bens e serviços na economia do país. Como o governo diz que pretende estabilizar os gastos da Previdência em 8% do PIB nas próximas décadas, argumentam que a meta já foi ultrapassada.

Na guerra de narrativas, o governo ainda está perdendo, mas o discurso de que o sistema de Previdência tira do pobre e dá para o rico está ganhando terreno. Nas contas do governo, o apoio da população à reforma subiu para 37%. Mais de 50% da população, porém, ainda rejeitaria as mudanças. O efeito colateral da campanha feita pelo governo nos meios de comunicação é a coesão dos servidores públicos federais, que pressionam deputados e senadores. Uma canetada, às vezes, pode inviabilizar um projeto ou deixar um político em apuros.

Na pauta

Ao jogar a votação da matéria para o próximo ano, quando os parlamentares disputarão eleições, a aprovação da reforma será ainda mais difícil. Ela não será votada na próxima semana porque o governo não tem mais do que 240 votos na Câmara para aprová-la. No Senado, a situação também estava complicada. Não foi à toa que o líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR), pulou na frente e anunciou que não haveria votação.

A grande dúvida é saber se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai mesmo pôr em votação em 19 de fevereiro. Ele anunciou essa intenção para não sepultar de vez a reforma da Previdência. E desfazer a impressão de que o governo havia capitulado. Ter uma data para votação foi a maneira de evitar uma debandada dos deputados que estavam comprometidos com a reforma e neutralizar o desgaste dos partidos que fecharam questão a favor de aprovação, a pedido de Temer, estressando suas bancadas, mas viram o governo recuar sem avisar aos aliados.

Uma das dificuldades do governo é a posição do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou de manobra a tentativa do governo de responsabilizar o partido pela não votação. Argumenta que a legenda tem apenas 46 deputados de 513. O líder tucano classificou de fictício o fechamento de questão pela Executiva da legenda: “Não existe punição possível para esses casos no estatuto de nenhum partido. Se punir, o sujeito vai à Justiça e ganha. Isso é briga fictícia, fazer de conta que fechou questão e está resolvido. Eu sou favorável à reforma para retirar privilégios. Mas não é fácil aprovar.”

 


Merval Pereira: O pós-TRF-4

O anúncio de que o governo só colocará em votação a reforma da Previdência depois do carnaval, no dia seguinte ao término do horário de verão, não tem nada a ver com esses dois eventos, tem apenas uma razão: fingir que ainda existe uma esperança de aprovação após negociações no recesso parlamentar. Mas o que determinou mesmo a data foi o anúncio do julgamento do ex-presidente Lula em 24 de janeiro.

Com ele fora do páreo, é possível que alguns dos deputados recalcitrantes se encorajem, na esperança de que a reforma ajude a economia a melhorar e aumente a possibilidade de um candidato que reúna as forças políticas de centro.

Se a confirmação da sentença contra Lula não provocar grandes manifestações populares pelo país, como sonham os petistas e aliados, a campanha eleitoral ganhará outra dimensão.

O governo terá condições de reunir os partidos aliados em torno de uma candidatura, que tanto pode ser a do governador Geraldo Alckmin pelo PSDB, no caso de ele decolar nas pesquisas, ou outro do grupo que reúna as melhores condições de disputa, como 40% do tempo de televisão e apoio distribuído pelo país.

Sem Lula na cabeça de chapa, mesmo que ele lance um candidato de seu agrado, que parece hoje ser o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que, no entanto, não quer entrar nessa disputa, preferindo uma vaga quase certa no Senado, a briga ficaria mais fácil, na visão de governistas.

Isso na suposição de que o ambiente político ficaria menos radicalizado. Caso contrário, o cenário é imprevisível. O ex-ministro José Dirceu, solto aguardando recursos contra uma pena de mais de 30 anos, pretende incendiar o país a partir de Porto Alegre, conclamando a militância a uma reação que começaria no dia do julgamento de Lula no TRF-4 e se estenderia por outros cantos.

Mas da última vez em que tentaram tal manobra, não deu certo. E no Sul do país o ambiente político é antipetista, ainda que possa sair de lá o candidato a vice. O senador Roberto Requião, dissidente do PMDB do Paraná, estaria disposto a se filiar ao PT para se unir a Lula numa chapa de esquerda.

Só o tempo dirá qual será a capacidade de Lula de mobilizar movimentos radicalizados de protesto a seu favor. Enquanto isso, os governistas fazem contas para o caso de um cenário menos catastrófico, que permitiria a aprovação da reforma previdenciária e animaria a economia do país.

A reação do mercado financeiro ao adiamento foi ruim, e não há quem acredite na possibilidade de aprovação depois do carnaval. Se essa impossibilidade se confirmar, o cenário econômico pior ajudará uma candidatura de esquerda, seja o indicado por Lula, seja Ciro Gomes, do PDT.

A incógnita é Bolsonaro, que pode murchar com a saída da disputa de Lula, ou pode, como apontam algumas pesquisas, agregar a seu eleitorado uma parte de eleitores radicalizados do petista, sem marca ideológica. Outra que pode pegar petistas desiludidos ou em debandada é Marina Silva, da Rede.

Difícil avaliar a força de Lula para eleger um candidato, pois hoje a situação é bem diferente de quando ele tirou da cartola o nome de Dilma Rousseff, em 2010. Naquele momento Lula estava no auge de sua popularidade, o país crescendo a 7,5% ao ano, e ninguém conhecia bem aquela que viria a ser a primeira mulher presidente do país.

Na reeleição em 2014, com a Lava-Jato indicando um esquema de corrupção disseminado pelos governos petistas, o PT quase perde a eleição. O simbolismo do fracasso da indicação de Dilma por Lula pode afetar sua escolha para substituí-lo, embora as pesquisas mostrem uma tendência a segui-lo de boa parte de seus eleitores.

A aprovação da reforma da Previdência dependerá desse ambiente político pós-decisão do TRF-4.

 


Luiz Carlos Azedo: Fora de combate

No mesmo dia em que a Executiva do PSDB fechou questão a favor da reforma da Previdência, já sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o governo jogou a toalha e desistiu da votação do substitutivo do deputado Arthur Maia (PPS-BA), que nem sequer chegou a entrar em pauta. O presidente Michel Temer, que muito batalhou pela votação, acabou fora de combate. Foi novamente internado na tarde de ontem no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde passou por novo procedimento cirúrgico para desobstruir a uretra.

Temer passa bem, mas terá que usar uma sonda. Entretanto, deve receber alta em 48 horas. Em outubro, o presidente da República passou por uma cirurgia no mesmo hospital. Na ocasião, ele foi internado com quadro de retenção urinária por hiperplasia benigna da próstata. Desde que recebeu alta, porém, voltou ao ritmo intenso de trabalho na Presidência, inclusive nos fins de semana. Não aguentou o tranco.

Com Temer no estaleiro, o esforço do governo para aprovar a reforma da Previdência não foi suficiente para convencer a base governista. Mesmo com as direções do PMDB, do PTB, do PPS e do PSDB fechando questão, as respectivas bancadas continuaram divididas. Além disso, o clima no Senado também não era dos melhores. Seu presidente, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao dizer na terça-feira que não votaria a reforma neste ano, deu mais um argumento para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desistir de vez de pôr a polêmica matéria em pauta.

Coube ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciar que a votação da proposta de reforma da Previdência ocorrerá somente em fevereiro do ano que vem. Ele próprio negociou um acordo para isso com Eunício e Maia. No Palácio do Planalto, alimenta-se a expectativa de uma eventual convocação extraordinária do Congresso para isso, mas o risco é virar outra Batalha de Itararé. O governo não tem os 308 votos de que necessita para aprovar a reforma, esta é a verdade dos fatos que se impôs à cúpula governista.

Quem não gostou nem um pouco do recuo dos governistas foi o presidente Michel Temer, que acabou surpreendido após sair da cirurgia. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também ficou pendurado no pincel, pois havia dado entrevista anunciando o propósito de votar a reforma ainda neste ano: “Continuamos trabalhando para aprovar o mais rápido possível a reforma. O objetivo, como tenho dito, é votar na semana que vem”. Meirelles virou dublê de ministro e pré-candidato, pois pretende disputar a sucessão de Temer pelo PSD. Acredita na possibilidade de reeditar o desempenho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, caso a reforma seja aprovada e a economia comece a bombar em 2018.

Derrubada

O veto do presidente Michel Temer que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha foi derrubado ontem pelo Congresso, em sessão conjunta, com 302 votos de deputados e apenas 12 favoráveis. Na votação entre os senadores, o placar foi de 43 votos a 6.

Com a decisão, os candidatos não poderão bancar a própria campanha com recursos próprios além do limite previsto para cada cargo. Serão enquadrados na regra de pessoas físicas, que podem fazer doações até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. A questão, porém, ficará sub judice, porque as regras precisam ser aprovadas um ano antes da eleição. O mais provável é que as dúvidas sobre o assunto sejam dirimidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O clima no Congresso quanto ao veto tem muito a ver com o desequilíbrio provocado pelas novas regras de campanha eleitoral, que acabaram com financiamento de pessoas jurídicas. Há uma interpretação generalizada de que as novas regras vão favorecer candidatos ricos, celebridades e políticos ligados às igrejas evangélicas.

 


Hubert Alquéres: Na prática a teoria é outra

“De tal maneira que, depois de feito, desencontrado eu mesmo me contesto. Se trago as mãos distantes do meu peito é que há distância entre intenção e gesto.” O verso do poeta Chico Buarque no seu Fado Tropical serve para ilustrar o desencontro tucano no tocante à reforma previdenciária.

Seu novo presidente, o governador paulista Geraldo Alckmin, e as principais lideranças peessedebistas fizeram arraigadas defesas da reforma na convenção partidária, mas apenas sete dos seus 46 deputados federais se mostram dispostos a votar favorável à PEC da Previdência.

Onze são contrários e o restante, bem ao estilo tucano, está em cima do muro ou esconde como vai votar. Não estranhem se muitos sequer apareçam no dia da votação.

O PSDB sempre se jactou de ser o partido das reformas. De fato, no governo Fernando Henrique Cardoso, implementou um programa reformista extremamente benéfico ao país.

Teve a coragem política de enfrentar e derrotar as forças do atraso, capitaneadas pelo Partido dos Trabalhadores, que se opuseram à estabilização da moeda, à quebra do monopólio do petróleo, ao saneamento do sistema financeiro, à privatização das teles ou à lei da responsabilidade fiscal.

FHC só não conseguiu aprovar a idade mínima na reforma da previdência porque o então tarimbado deputado tucano Antônio Kandir “se enganou” na hora de votar, apertando a tecla abstenção.

Desde aquela época a socialdemocracia entendia a reforma da previdência como imprescindível para o equilíbrio fiscal e para acabar com privilégios, principalmente de funcionários públicos. De lá para cá o déficit previdenciário cresceu exponencialmente, colocando o país diante da possibilidade de um colapso de proporções catastróficas.

Por tudo isso, seria mais do que natural os parlamentares tucanos cerrar fileiras em torno da PEC da Previdência e o PSDB fechar questão em torno de sua aprovação. Entretanto, as resistências internas são enormes.

Ungido presidente do partido praticamente por unanimidade, Geraldo Alckmin tem uma enorme batata quente em suas mãos.

Não bastam apenas suas palavras favoráveis à reforma previdenciária. Terá de demonstrar a que veio. Se será capaz de levar sua legenda a superar a crise, de dar um norte ao partido. Não entregar a mercadoria - e por ela entenda-se fechar questão pela aprovação da PEC -, Alckmin estará complicando, e em muito, a possibilidade de ter em seu palanque o PMDB e outros partidos da base governista. Não por acaso, já incentivou seus secretários deputados, Samuel Moreira e Floriano Pesaro, a assumirem seus mandatos no dia da votação da reforma.

Um PSDB dilacerado na hora da votação será a prova viva de uma liderança fraca, incapaz de aglutinar os seus, que dirá as outras forças do campo democrático.

A torre de Babel instalada na bancada tucana é produto da longa crise de identidade do PSDB. Por não ter defendido o seu legado e por não ter gerado um novo projeto para a nação, a socialdemocracia perdeu o seu charme, entrou em barafunda.

Em vez de crescer, inchou.

Isso reflete-se na sua bancada de parlamentares, onde cada cabeça é uma sentença. Contam-se nos dedos os que são capazes de subordinar seus interesses particulares aos interesses da nação. As justificativas para serem contrários à reforma dão bem a dimensão desse processo de confusão mental.

Muitos comungam do temor de que com a aprovação da PEC, a economia se recupere a ponto de tornar competitiva uma candidatura saída do ventre governista como a do ministro Henrique Meirelles ou do presidente da Câmara Rodrigo Maia.

O PSDB vai trabalhar para que o país não dê certo? O quanto pior melhor nunca foi a sua praia.

Ademais, a candidatura Alckmin não empolgará corações e mentes por meio de dubiedades dele ou de seu partido em relação às reformas. Ao contrário, suas chances eleitorais estão na clareza de adotar um programa abertamente reformista e renovador dos costumes políticos.

Convenhamos, seria muita esquizofrenia deputados do PSDB ajudarem a enterrar a reforma da previdência, ao mesmo tempo que o tema é bandeira em seu programa e seu candidato a presidente pretenda defender a medida em seu palanque. Isto cheiraria a hipocrisia, facilmente notada pelos eleitores, explorada por seus adversários e desmascarada pela imprensa e formadores de opinião.

Com a dubiedade tucana, os partidos governistas se sentirão com as mãos livres para lançar um candidato que defenda o legado de Temer. Obviamente, a divisão do centro prejudicaria Geraldo Alckmin.

Iludem-se os deputados que pensam se reeleger defendendo privilégios de corporações, a exemplo da nota técnica da bancada que exigiu novas concessões ao funcionalismo. Não atrairão o eleitorado cativo do PT e se indisporão com seu eleitorado tradicional e reformista.

Suponhamos uma derrota da PEC pela falta de dez ou quinze votos de deputados do PSDB. O argumento Kandir não cola mais. Ao PSDB ficará o fardo de ter enterrado a reforma da previdência por duas vezes e de ser um partido no qual na prática a teoria é outra.

 

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo.


Merval Pereira: Argumento eleitoral

Providencialmente para o governo Temer, a reforma da Previdência se transformou no tema central da campanha presidencial que já começou, mesmo que indiretamente. Depois de tempos patinando sem encontrar argumentos políticos convincentes de mobilização de sua base para a aprovação do projeto, o governo ganhou inesperadamente o argumento que faltava: PT e PSDB, cada qual à sua maneira, se colocam contra a reforma, aquele escancaradamente, este subrepticiamente, porque receiam que a reforma alavanque a economia, levando água para o moinho governista.

Essas atitudes partidárias de potenciais adversários estão convencendo a base governista na Câmara de que talvez o risco imediato de desagradar eleitores se transforme em trunfo de médio prazo, fazendo com que governistas disputem a eleição em condições econômicas favoráveis, com desemprego em baixa e investimentos em alta.

O discurso do combate aos privilégios está ganhando apoio na opinião pública, informam pesquisas internas, e as corporações de servidores públicos que se colocam contrárias à reforma não são, em sua maioria, eleitores dos partidos do centrão, e sim do PT, que deu continuidade à reforma previdenciária iniciada no governo de Fernando Henrique e engavetou-a para não trombar com os sindicatos.

O PSDB, que tem historicamente compromisso com as reformas e as privatizações, está correndo o risco de cometer o mesmo erro de 2006, quando o então candidato presidencial Geraldo Alckmin se abraçou às estatais para se livrar da pecha de privatista lançada pelo PT.

Agora, parte do partido já não representa um setor modernizador homogêneo da sociedade, contra os privilégios, mas busca o apoio desses mesmos privilegiados, numa equivocada ânsia de votos onde não é bem visto, pelas suas virtudes, das quais abre mão para cultivar defeitos.

Verdade seja dita, o governador Geraldo Alckmin mantém o discurso a favor da reforma da Previdência. Só não tem força para fechar questão, diante da reação de um grupo minoritário. Dependendo do tamanho dessa dissidência, pode ser que o partido se reencontre com seus valores.

O governo, enfim, encontrou uma linguagem efetiva para reunificar sua base partidária, colocando na mente de seus apoiadores a dúvida cruel: se não aprovarem a reforma, quem ganhará é o PT, que a combate, e não necessariamente os governistas. E a conseqüência será a piora da economia, fazendo com que a oposição chegue à eleição reforçada.

O governo terá que apertar o cinto mais fortemente para compensar a repercussão negativa da derrota. Se a reforma da Previdência for aprovada, e a economia pegar ritmo de crescimento, os beneficiados serão os governistas. Não votar, portanto, não é uma opção para quem está no barco do governo, incluindo nesses até mesmo os que votaram a favor da continuação das investigações contra Temer.

Tratados em conseqüência como inimigos a serem destruídos, estão sendo aceitos de volta ao ninho governista, mesmo que com ressalvas.Voltaram a receber benesses, mesmo que em medida menor que os fiéis. Neste fim de semana está sendo decidido se é possível votar a reforma na semana de 18, ou se a dificuldade persistente obrigará a adiar o esforço.

Nesse caso, a decisão é marcar a votação para o dia 2 de fevereiro, na volta do recesso. Assim o governo teria mais de um mês para trabalhar as dissidências que ainda resistem. A volta do recesso pode ser benéfica, se o deputado constatar na sua base que o bicho não é tão feio quanto parece. Mas há o risco de muitos desistirem, se sentirem de perto a rejeição à reforma da Previdência.