previdência

Luiz Carlos Azedo: A guerra do leite

“Bolsonaro, para atender os aliados. sinaliza que o ministro Paulo Guedes não tem carta branca em matéria de abertura da economia”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a queda de braço com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a bancada do agronegócio em relação à alíquota de importação do leite, o primeiro round de uma série de disputas da equipe econômica com os setores da economia que apoiaram Jair Bolsonaro na campanha eleitoral e querem mais proteção econômica em troca do apoio no Congresso. Segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), o governo deve publicar até amanhã a medida que aumentará o imposto de importação de leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia, compensando o fim da taxa antidumping que era adotada pelo Brasil até a semana passada e foi extinta por Guedes. No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comemorou o aumento do imposto.

A decisão tomada por Bolsonaro para atender os aliados sinaliza que o ministro Paulo Guedes não tem carta branca em matéria de abertura da economia. O decreto deve considerar a antiga taxa antidumping, de 14,8% para o leite da União Europeia, mais os 28% da taxa atual de importação, o que somaria 48%, que era cobrada sobre o leite em pó importado desde 2001. No caso da Nova Zelândia, havia um adicional de 3,9%. O pretexto é compensar os efeitos do dumping, ou seja, a suposta concorrência desleal ao vender para o Brasil um produto abaixo de seu preço de custo, causando prejuízo à produção local.

A decisão contraria a ideia de menos intervenção do Estado na economia e mais liberdade para o mercado, além de ser controversa quanto à importação de leite em pó, que é baixíssima. Não há comprovação de dumping da União Europeia, pois as importações estão na faixa de US$ 1.000 por dia, um valor considerado baixo; não houve importações da Nova Zelândia. O leite em pó importado contribui com apenas 2,4% do consumo nacional. Na verdade, o que existe é o temor de que ambos aproveitassem o fim da alíquota para “inundar” o mercado brasileiro de leite em pó. “Não tenho dúvida de que é preciso abrir a economia, mas essa abertura tem de ser gradual, cuidadosa, para não desmobilizar o setor produtivo nacional”, pondera o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), ex-secretário de Agricultura de São Paulo.

A mudança de rumo gerou tensão no governo. A ministra da Agricultura lidera a reação do agronegócio à redução dos subsídios no crédito agrícola com a mudança do modelo de financiamento em estudos na equipe econômica. Guedes procurou Tereza Cristina pessoalmente, em seu gabinete, na segunda-feira à noite, e despachou o secretário executivo da Economia, Marcelo Guaranys, e o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, para uma reunião com a bancada ruralista na manhã de ontem. Já chegaram derrotados, Bolsonaro apoiou a bancada.

Ao atender produtores de leite insatisfeitos com a revogação da taxa antidumping, porém, o presidente da República arranha a credibilidade da abertura da economia, porque põe em dúvida o modelo que será adotado pelo governo. Mesmo na Frente Parlamentar do Agronegócio há questionamentos sobre a eficácia, a médio e longo prazos, do excesso de proteção. Além disso, outros setores econômicos em dificuldade com a concorrência, como as indústrias têxtil e de calçados, começam a atuar no sentido de manter subsídios e fechar a economia.

Previdência

Outro sinal de “devagar com o andor” em relação à política econômica foi a decisão de Bolsonaro sobre a idade mínima para aposentadoria no país. A equipe econômica defendia 65 anos para homens e mulheres; o presidente da República reduziu para 62 anos para homens, e 57 para mulheres, com validade até 2022, no fim de seu mandato. A proposta facilitará a vida do governo no Congresso, mas terá repercussão negativa junto aos agentes econômicos. O projeto de reforma da Previdência somente será finalizado depois de Bolsonaro deixar o Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, onde se recupera de uma pneumonia e da operação de retirada da bolsa de colostomia, o que pode acontecer hoje ainda. A equipe econômica quer garantir uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos e criar mecanismos de ajustes automáticos no sistema de previdência, sem necessidade de novas emendas constitucionais. Na versão encaminhada a Bolsonaro, quem ganha mais pagará mais, com alíquotas de 7,5% a 14%.

Paz no Senado

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fechou acordo com os líderes das bancadas para a composição das comissões permanentes da Casa. O MDB ficará com a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Comissão Mista de Orçamento e de Educação. PSD, Assuntos Econômicos (CAE) e Relações Exteriores (CRE); o PSDB, Desenvolvimento Regional (CDR) e Fiscalização e Controle (CFC); PT, Direitos Humanos; Rede, Meio Ambiente; PSL, Agricultura; DEM, Infraestrutura; Podemos, Assuntos Sociais; PP, Ciência e Tecnologia; PRB e PSC se revezarão na Comissão Senado do Futuro.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-guerra-do-leite/

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Merval Pereira: Reformas ganham peso

Medidas contra a corrupção e o crime organizado serão usadas para compensar a impopularidade da reforma da Previdência

Há um consenso no Congresso sobre a necessidade de fazer a reforma da Previdência, o que já é meio caminho andado. Anteriormente, ainda havia quem discutisse se existe mesmo o déficit do sistema. Hoje, alguém que ainda insista nessa discussão bizantina está isolado, como se vivesse em outro mundo.

Há também um consenso no governo, que inclui até mesmo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, de que a prioridade é da reforma da Previdência. O pacote de medidas contra a corrupção e o crime organizado, que está sendo apresentado por Moro aos parlamentares, vai ser usado para compensar a impopularidade da necessária reforma da Previdência.

Nesse ponto, as duas reformas se interligam, na estratégia do governo, tendo como norte a opinião pública. É o avesso da opinião do senador Renan Calheiros, de capitanear a imposição de parâmetros e limitações para as reformas, como maneira de evidenciar uma suposta independência do Congresso diante do Palácio do Planalto.

Equilibrando-se entre o “novo” e o “velho” Renan, criando um falso conflito entre personalidades contrárias, uma substituindo a outra sempre em benefício do país, o senador propunha-se a ser o resgatador da força do Senado, mas acabou apenas revelando um comportamento cínico, com traços esquizoides, na interpretação do psicanalista Joel Birman.

Perdeu uma eleição a que não deveria ter concorrido, para o senador Davi Alcolumbre, que o derrotou não por méritos próprios, ainda a serem provados, mas por representar justamente uma proximidade conceitual do novo Senado com os projetos do governo Bolsonaro, sem que essa posição signifique uma subalternidade em relação ao Planalto.

Quem parece estar chamando a si a responsabilidade da aprovação da reforma da Previdência é o reeleito presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que se movimenta para assumir papel determinante nas negociações.

Ao tentar sair na frente e intensificar as conversas sobre o tema com governadores e até mesmo com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com quem se encontrou ontem, o presidente da Câmara evidencia a precariedade dos articuladores políticos do governo, sem, no entanto, afrontá-los, assumindo o protagonismo em uma matéria de fundamental importância para a retomada do crescimento.

Faz isso com naturalidade, já que é reconhecidamente adepto da mesma visão econômica defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O ministro-chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, marcou posição na articulação da derrota de Renan Calheiros no Senado, ganhando uma dimensão política que o credencia a participar dessa ação, ao contrário do Major Vitor Hugo, líder do governo na Câmara.

Rodrigo Maia ganhou uma eleição demonstrando grande capacidade de apoio, e está muito empenhado na reforma econômica. No Senado, Davi Alcolumbre só ganhou porque o governo e a maioria do Senado queriam derrotar Renan. Não ganhou por conta própria, e ainda precisará provar que conseguirá substituir a liderança de Renan, que até mesmo o ministro Paulo Guedes pensava que viria a ser reeleito.

O ministro Moro corre em paralelo com seu pacote anticorrupção, e está muito satisfeito com as conversas que tem tido com parlamentares. Mas sabe que há um caminho difícil para que a receptividade se transforme em votos. Ele não vê motivos para que a simultaneidade dos projetos prejudique a aprovação, mas já admite que é preciso entender melhor a posição das lideranças, sinalizando uma flexibilidade nas negociações.

O treino está sendo realizado em ritmo de jogo, que só começará para valer com a volta do presidente Bolsonaro ao Planalto, quando os pontos sensíveis da reforma da Previdência, como idade mínima e prazo de transição de um modelo para o outro, serão definidos. O uso contínuo das redes sociais, até mesmo do hospital, e o hábito dos novos parlamentares de também usá-las para balizar seus votos indicam que Bolsonaro e seu governo apostam suas fichas na mobilização da opinião pública.


Luiz Carlos Azedo: O trilema das reformas

“O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência”

O economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, batizou de trilema os cenários possíveis para o Brasil a médio prazo. Como aperitivo, faz uma comparação entre o que aconteceu no Brasil e na China nos últimos 40 anos, com base num resumo de Jorge Caldeira, no livro História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil). Quando foi lançado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), na década de 1970, o regime militar apostou no mercado interno e na construção de uma economia autossuficiente em todas as áreas, uma visão autárquica e baluartista de país. Deu errado. A China apostou na globalização, no comércio exterior e na complementariedade. Resultado, em 1979, no final do governo Geisel, em dólares de 2010, o Brasil tinha um PIB de 926 bilhões e a China, de 327 bilhões; em 2017, o PIB do Brasil chegou a 2, 3 trilhões e o da China saltou para 10,1 trilhões.

As causas desse nosso desempenho estão diagnosticadas: economia fechada, com baixa produtividade e muita insegurança; desigualdades muito altas, com 12 milhões de desempregados e 30 milhões abaixo da linha de pobreza; e sistema educacional de baixa qualidade, com o Brasil em 66º lugar entre 73 países no PISA (Programme for Internacional Stuident Assessment), atrás de todos os países da América Latina, com exceção do Peru e da República Dominicana. A grande preocupação de Porto é uma recidiva do padrão de desenvolvimento da década de 1970, cujo resultado seria a retomada do crescimento com agravamento das desigualdades.

Para quem acompanha a política em Brasília, esse cenário não deve ser subestimado, porque pode resultar da convergência de variáveis que estão fortemente presentes no governo Bolsonaro e no atual Congresso. As variáveis positivas são o avanço das reformas liberais no plano fiscal e previdenciário, com ampliação das concessões e parcerias público-privadas. São fatores negativos: manutenção do “capitalismo de laços” e restrições aos privilégios das corporações de caráter parcial ou meramente simbólico, com restrições às políticas sociais e intervencionismo econômico. Trocando em miúdos, nesse rumo, a economia pode crescer sem inflação e baixa produtividade, a taxas entre 2,2% e 1,6% ao ano, com queda na renda média das famílias na base da pirâmide.

Há mais dois cenários possíveis. O melhor é a globalização inclusiva, cujo maior obstáculo aparente hoje é a nova política externa. Além de ajuste fiscal estruturante, desregulamentação, privatizações e parcerias público-privadas, o Brasil precisa de um ambiente de segurança pública e jurídica, mais foco na educação básica, proteção social aos vulneráveis e uma política trabalhista que possibilite investimentos e gere mais empregos. Assim, poderia crescer em 4% e 3,4% ao ano. O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência.

O pior cenário é o pacto perverso do populismo com o corporativismo, que tenta conciliar as demandas da população com as das corporações. Nesse cenário, as reformas serão mitigadas no Congresso, com soluções de curto prazo para a crise fiscal, inclusive na reforma da Previdência. Esse é um horizonte de crescimento próximo do zero, depois de mais um voo de galinha.

Boechat, 66 anos

Conheci Ricardo Boechat em Niterói, no começo dos anos 1970, quando fui trabalhar no jornal O Fluminense e estudar ciências sociais na Universidade Federal Fluminense. Ele era repórter da coluna do Ibrahin Sued, no jornal O Globo. Éramos jovens militantes do antigo PCB e compartilhamos, em 1975, a angústia de ver nossos “assistentes” presos e a gratidão de saber que nenhum deles — nem José Otto de Oliveira nem Aírton Albuquerque Queiroz, respectivamente, de quem recebíamos o jornal clandestino Voz Operária — havia nos denunciado. Graças a isso, pudemos prosseguir nossas vidas profissionais.

Nos cruzávamos, às vezes, na barca Rio-Niterói, até o dia em que Boechat resolveu comprar uma moto e atravessar a ponte por meios próprios. Por causa da minha vida cigana, nosso último encontro foi na redação do jornal O Globo. Ele era colunista e eu, que trabalhava na sucursal de São Paulo, de passagem pelo Rio de Janeiro, fui à redação visitar Ali Kamel, que me resgatou para a grande imprensa, e lá o reencontrei, como a outros velhos amigos comuns, entre os quais meu xará Luís Carlos Cascon, então chefe de reportagem, também de Niterói. Depois, tivemos apenas algumas conversas por telefone. Boechat era tudo isso que os amigos estão falando. Destaco, porém, três qualidades do seu caráter: a coragem, a integridade e o amor ao próximo. Mando aqui meus pêsames para Veruska, sua mulher, colega jornalista que conheci em Vitória, e para os demais parentes e amigos. Força aí!

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O Globo: Governo quer regras próprias para aposentadoria de policiais civis e federais

Proposta para esses profissionais é de idade mínima de 55 anos e comprovação do tempo de função

Por Geralda Doca e Gabriela Valente, de O Globo

BRASÍLIA - A proposta de reforma da Previdência em estudo no governo prevê que policiais federais e civis tenham regras próprias para aposentadoria, com idade mínima e tempo de contribuição diferentes dos demais trabalhadores. A idade mínima desses profissionais deverá ficar em 55 anos para homens e mulheres.

Já o tempo de contribuição deve permanecer 30 anos (para o homem) e 25 anos (mulher). No entanto, haverá uma nova exigência: será preciso comprovar o exercício efetivo da função por 25 anos. Atualmente, a categoria pode se aposentar com 20 anos de atividade policial (homens) e 15 anos (mulher), sem exigência de idade mínima. Essas condições foram negociadas com a bancada da bala na tramitação da reforma do ex-presidente Michel Temer.

O texto também deve dar um tratamento diferenciado aos trabalhadores rurais . Mas, diferentemente do governo anterior, eles também terão que dar a sua parcela de contribuição. Ou se eleva a idade mínima (hoje de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens) ou esse grupo passará a contribuir para o sistema, ainda que seja com uma alíquota baixa. Atualmente, basta comprovar o serviço no campo por um período de 15 anos para ter acesso ao benefício.

Já os policiais militares e bombeiros dos estados não terão idade mínima de aposentadoria porque serão equiparados aos integrantes das Forças Armadas. O governo já decidiu que o regime previdenciário dos militares também passará por ajustes, com mudanças nas alíquotas de contribuição e aumento do tempo na ativa de 30 anos para 35 anos.

O texto final da reforma ainda está sendo formatado. A equipe econômica pretende insistir na ideia de desvincular os benefícios assistenciais do salário mínimo — um dos pontos polêmicos da minuta que circulou no início da semana. O argumento é que o Brasil é o único país onde não há diferenciação entre benefícios assistenciais e previdenciários, o que desestimula as pessoas a contribuir para o regime.

De acordo com a minuta, o auxílio seria de R$ 500 para a pessoa com 55 anos de idade, e de R$ 750, a partir dos 65 anos. Para a pessoa que completar 70 anos de idade e comprovar pelo menos dez anos de contribuição, haveria um acréscimo de R$ 150. Atualmente, deficientes e idosos de baixa renda recebem um salário mínimo ao completar 65 anos de idade.

Aquecimento à tramitação
O governo pode usar o projeto que dá autonomia ao Banco Central como aquecimento para a tramitação da reforma da Previdência no Legislativo. De acordo com fontes ouvidas pelo GLOBO, a ideia é medir o poder de fogo da base aliada. Isso poderia também orientar a equipe econômica nas negociações com o novo Congresso, que teve um alto grau de renovação de parlamentares.

A reforma da Previdência tem de ser feita por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que, para ser aprovada, precisa passar pelo plenário da Câmara em dois turnos, com os votos de 3/5 dos deputados. Ou seja, ela precisa de, no mínimo, 308 parlamentares a favor.

Já um projeto de lei complementar, que é o caso da mudança de status do BC, também passa por dois turnos de votação, embora não precise de quórum qualificado. São necessários apenas os votos da maioria absoluta dos deputados. Na prática, a proposta passa com 257 votos.


César Felício: À espera do condutor

Cenário para reforma é favorável, mas não é possível errar

O mundo político tende a aguardar o restabelecimento pleno do presidente Jair Bolsonaro para dar início à batalha pela reforma da Previdência. Não há possibilidade de delegar responsabilidades neste momento dada a baixíssima tolerância ao erro que existe em relação a este tema no Congresso e no mercado.

Bolsonaro governa nas circunstâncias históricas mais propícias nos tempos recentes para realizar uma reforma da Previdência substantiva. É uma constatação mesmo de fontes que não têm motivos para apoiar o ajuste. A pista livre e seca, contudo, não impede que o condutor lance o carro no barranco. Ninguém pode arbitrar a negociação a não ser o presidente da República, que precisa curar-se de uma pneumonia antes de decidir sobre a idade mínima.

Um atraso de alguns dias na alta de Bolsonaro, por si só, não tem muito efeito na reforma. Como alerta o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice, antes da instalação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a emenda da Previdência não tem como tramitar. Ressalvada a possibilidade do quadro de saúde do presidente se deteriorar, o que parece causar algum ruído entretanto são possíveis erros de comunicação sobre a recuperação presidencial da cirurgia de reversão da colostomia. Quem já passou pelo procedimento considerou exageradamente otimista as previsões iniciais de que a cirurgia duraria apenas três horas, e de fato ela durou mais, bem como avaliou que a previsão inicial de alta em apenas uma semana pouco conservadora. Talvez fosse mais prudente não ter alimentado este tipo de expectativa. Mas quem defende uma reforma profunda tem motivos para estar razoavelmente otimista.

Bolsonaro retoma a meada que Temer interrompeu depois do vendaval da JBS, com a legitimidade do voto e o mérito de ter tratado do tema durante a campanha. Não prometeu manter direitos "nem que a vaca tussa" como a sua antecessora Dilma. O agravamento da crise fiscal empurra governadores e prefeitos para se envolverem na reforma da Previdência, de um modo que não se observou no governo de Lula. A mudança nas regras atuais conta com apoio quase consensual da mídia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, conta com um grau de credibilidade que compensa fartamente a sua inexperiência na máquina pública.

Por último, Bolsonaro tem contra si uma oposição no meio sindical, enfraquecida, não apenas pela reforma trabalhista de 2016, mas também pela derrocada petista, o que não era o caso de Fernando Henrique Cardoso nos anos 90. "O governo tem todas as condições para aprovar a reforma", resumiu o cientista político Antonio Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Está portanto nas mãos do presidente a aprovação da proposta.

Cabe a Bolsonaro não errar. Nada menos que 23 dos novos deputados atendem pela alcunha de capitão, sargento, major, cabo, delegado ou general. Destes, 14 são do PSL, ou quase um quarto da bancada da sigla. Os deputados com patente, um deles inclusive com o hábito de andar fardado pelo Congresso, representam pouco mais de um terço dos 61 integrantes da "bancada da bala", segundo cálculo do Diap. Bolsonaro não conseguirá fazer uma reforma da Previdência ampla sem pactuar com cuidado a situação de policiais e militares.

Reduzida a 77 deputados, de acordo com o Diap, a bancada ruralista tende a pressionar por condições diferenciadas para o trabalhador rural. Esta também deve ser uma demanda da bancada nordestina, de forma um pouco generalizada. São representantes de Estados em que o eleitorado rural ainda representa um contingente importante. Por outro lado, a proposta de capitalização da previdência tende a mobilizar os deputados de alguma forma vinculados ao sistema financeiro.

Definidas as linhas gerais do texto e azeitada a articulação, Bolsonaro precisa calibrar o calendário. Uma reforma da Previdência ambiciosa, por meio de uma emenda constitucional nova, não se aprova em poucas semanas, como quer fazer crer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Há que se pensar, com muito otimismo, em aprovação na Câmara em julho e no Senado entre setembro ou outubro, se tudo der certo, na avaliação de Queiroz. Ele lembra que a reforma mais rápida foi aprovada por Lula em 2003, e tramitou por nove meses no Congresso. Ainda assim, foi votada depois de um acordo para que o Senado sugerisse alterações em uma PEC paralela.

Reforma trabalhista
O fenômeno não é brasileiro, é global: a automação da indústria, que começa a se estender para o setor de serviços, destrói empregos e induz a um movimento de redução de custos do trabalho. A liberalização do comércio mundial, e, em alguns casos, da imigração reforçam a tendência de desvalorização da mão de obra local.

Se a realidade por si só é amarga, a mistificação não precisaria ser feita. Soa cínico o discurso oficial de que o trabalhador jovem poderá optar no futuro entre ter uma carteira de trabalho azul, a porta da esquerda, com todos os direitos e poucas ofertas, ou outra verde-amarela, porta da direita, produto da livre negociação entre empregado e empregador.

Jovem que entra no mercado de trabalho não tem outro ativo para oferecer a não ser a disposição para topar qualquer empreitada. Não está na posição de escolher coisa alguma. Está claro que quem terá a opção é o empregador, a quem caberá estabelecer todas as cláusulas contratuais. A relação é obviamente assimétrica.

Na construção do discurso antitrabalhista oficial ganha destaque a identificação da CLT com a Carta del Lavoro, de Mussolini. Confundem, deliberadamente, ideologia com história. É fato que Getúlio inspirou-se no ditador italiano, mas Mussolini não era um demiurgo. Os acontecimentos históricos nas primeiras décadas do século 20, em especial a Revolução Russa e a catástrofe de 1929, levaram ao poder governos que procuraram intervir nas relações sociais para mantê-las sob controle. Foram criadas válvulas de escape, na Itália fascista, nos Estados Unidos de Roosevelt, no Reino Unido durante os governos trabalhistas, na Argentina de Perón, no México de Cárdenas. É por um imperativo histórico, e não ideológico, que no mundo inteiro estes mecanismos de proteção estão sob ameaça ou sendo revertidos.


Luiz Carlos Azedo: Febre e pneumonia

“Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação”

A recuperação do presidente Jair Bolsonaro está mais complicada do que se imaginava. Segundo a equipe médica do Hospital Alberto Einstein, uma tomografia de tórax e abdome mostrou “boa evolução do quadro intestinal e imagem compatível com pneumonia”. O boletim médico também registrou febre na noite de quarta-feira. Bolsonaro passou por uma cirurgia para retirar uma bolsa de colostomia e refazer a ligação entre o intestino delgado e parte do intestino grosso, em 28 de janeiro, sequelas da facada que levou em Juiz de Fora na campanha eleitoral.

Voltamos assim ao tema da necessidade de separação entre o paciente e o presidente, que já abordamos aqui na coluna. A verdade é que Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação, quando deveria deixar a função a cargo do vice-presidente, Hamilton Mourão, por mais que isso incomode aos seus partidários ciumentos. No fundo, é uma grande bobagem, porque a situação em que se encontra, lutando para restabelecer a saúde, reforça o “mito”; isto é, ao mesmo tempo, deifica e humaniza sua imagem.

Segundo o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, foram feitos exames viral e bacteriano, e descartaram o viral. “Trata-se de uma causa bacteriana”, disse, ou seja, há uma infecção a ser combatida. Por isso, os médicos trataram de reforçar a dose de antibióticos. Bolsonaro não sente dor, continua com uma sonda nasogástrica e um dreno no abdome. Recebe alimentação parental e líquidos por via oral; faz exercícios respiratórios e caminha pelos corredores. É um paciente que está em recuperação, que precisa de cuidados especiais, mas não corre risco de vida.

Também não corre o menor risco político, apesar das teorias conspiratórias em relação a Mourão. A oposição não tem interesse que o vice substitua Bolsonaro, simplesmente porque prefere um político na Presidência; um general, não. Os demais generais que já mandam no governo não pretendem trocar um ex-capitão com 30 anos de experiência parlamentar e grande popularidade, eleito por voto direto, por um colega eleito de carona. O que existe nos bastidores do governo é uma disputa entre a turma do bom senso, que prefere um ambiente de negociação com o Congresso e diálogo com a sociedade, e a tropa de choque de Bolsonaro, que ascendeu ao governo e ainda não desceu do palanque eleitoral.

Apoio condicionado
Enquanto o presidente permanece hospitalizado, o governo vai bem, obrigado, na relação com o Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está alinhado com as reformas e mantém diálogo fácil com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na Presidência do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) é um aliado de primeira hora. A propósito, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, surpreendeu a oposição com o movimento de reaproximação com a ala derrotada do MDB no Senado, ao pedir que Alcolumbre sondasse o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) para saber se o político pernambucano aceitaria ser o líder do governo na Casa. Aceitou de pronto.

O reequilíbrio nas relações do Palácio do Planalto com o MDB no Senado segue a velha receita da política de conciliação; o partido já se reposiciona para negociar seu apoio com o Palácio do Planalto. Essa aproximação deve se consolidar com a indicação de um deputado do MDB para a liderança do governo no Congresso. O mais cotado é o deputado Alceu Moreira (RS), gaúcho e líder ruralista.

O ponto fora da curva é o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que sofre com o fogo amigo. Pisou na bola ao convocar uma reunião de parlamentares do “apoio consistente” e do “apoio condicionado”, ou seja, da oposição. Os grandes partidos da base do governo não foram à reunião. Estreante na Câmara, lida com um problema que não é novo. A negociação da reforma da Previdência está sendo feita diretamente entre o ministro Paulo Guedes e o presidente da Casa, Rodrigo Maia, mais ou menos como aconteceu com o Plano Real, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, passou a negociar diretamente com o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA).

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Cristiano Romero: Obstáculo da reforma está na desinformação

Uma das características marcantes do debate nacional é a manipulação da informação. É mais fácil “dialogar” quando o interlocutor não sabe exatamente do que se está falando. Muito antes do advento das “fake news” que se propagam feito erva daninha nas redes sociais, notícias falsas, lendas urbanas e mistificações já se disseminavam com enorme facilidade para além das conversas de bar.

A ignorância repetida como verdade, registre-se, nunca foi privilégio de pessoas com baixo acesso à educação formal e aos meios de comunicação. Nas universidades públicas, lócus do conhecimento e supostamente do livre debate de ideias, elites intelectuais, reféns do corporativismo, são contrárias às reformas de que o Brasil precisa para se tornar socialmente mais justo. Funcionam como igrejas, de um credo só, onde opiniões que questionem o status quo de seus “donos” (professores e funcionários) não são bem-vindas. Mesmo quem tem por ofício, como os jornalistas, informar da maneira mais ampla, objetiva e desinteressada possível, queda-se muitas vezes pelo caminho obscuro da desinformação. O alheamento aos problemas renitentes deste imenso país é um defeito inaceitável na conduta de quem possui o dever de informar.

A discussão urgente sobre a necessidade de o país mudar as regras de aposentadoria de seus cidadãos, principalmente dos funcionários públicos, é hoje a principal vítima da manipulação de informação, uma forma perversa de se perpetrar a desinformação. Uma sociedade mal informada é campo fértil para a sagração de populistas, demagogos e patrimonialistas.

Por que privilégios do funcionalismo não revoltam jovens da Vila?

A defesa de ampla e profunda reforma previdenciária é missão árdua em Brasília, palco das decisões nacionais. Em tese, não deveria ser tão difícil, afinal, se a reforma é para reduzir privilégios do funcionalismo público de um lado e, do outro, adequar as regras de aposentadoria dos trabalhadores do setor privado – que se aposentam pelo INSS, com piso de um salário mínimo e teto pouco acima de R$ 5 mil – à evolução da demografia, o pendor por mudanças seria determinado pelo grupo mais numeroso de brasileiros. Infelizmente, não funciona assim.

O desequilíbrio é chocante e deveria impressionar os moradores da Vila Madalena, animado bairro de classe média de São Paulo, reduto de jovens em sua maioria contrários a mudanças na Previdência e a reformas que revolucionem a vocação histórica do Estado brasileiro de destinar a maior parte de seus parcos recursos a quem menos precisa de sua ajuda (grandes empresas, estudantes de famílias abastadas, multinacionais da indústria automotiva, Estados e prefeituras mais ricos, funcionários públicos, monopólios, estatais etc).

Temas como o fim da estabilidade do funcionalismo e a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, mudanças que poderiam ajudar a diminuir a concentração de renda reinante por aqui desde quando nos chamávamos Ilha de Vera Cruz. A razão para tanta conversa fiada é uma só: desinformação. Junte-se a isso a velha prática da esquerda brasileira de defender slogans antes de conhecer as ideias que os justifiquem e pronto: o debate será sempre torto e, portanto, inútil, o que contribui decisivamente para o país ter dezenas de milhões de pessoas vivendo em regime de miséria absoluta e outras dezenas de milhões em estado de pobreza imobilizante.

Os números da Previdência em 2018 foram os seguintes:

1) contabilizando o que todos – trabalhadores e patrões – contribuímos para o INSS e as despesas com pagamento de aposentadoria, pensões e benefícios assistenciais, faltaram R$ 195,19 bilhões. Este foi o déficit da Previdência Social, que se refere a um universo de cerca de 30 milhões de pessoas, entre aposentados, pensionistas e beneficiários de programas assistenciais;

2) a outra parte da conta está nos regimes próprios de previdência do funcionalismo federal e dos militares, um contingente de aproximadamente um milhão de pessoas. Neste caso, a conta também não fecha: entre o que servidores e militares contribuíram em 2018 para a aposentadoria e o que os aposentados e pensionistas receberam, o saldo, negativo, chegou a R$ 46,4 bilhões entre os civis, R$ 43,9 bilhões no caso dos militares e a R$ 4,8 bilhões entre funcionários do Distrito Federal, cujos benefícios ainda são pagos pela União. Total: R$ 95,1 bilhões, R$ 10 bilhões acima do rombo de 2017.

Assim, o déficit total da Previdência no último ano somou a incrível cifra de R$ 290,3 bilhões, R$ 20 bilhões a mais que no ano anterior. Se faltou dinheiro, como o Tesouro Nacional cobriu a conta? De duas formas, como se vem fazendo há muitos anos: tomando dinheiro emprestado no mercado a juros altos e cortando gastos de outras áreas, como educação, saúde e segurança pública, além de investimentos onde o Estado é demandado.

A área que mais perde é a saúde e apenas esse fato deveria ser suficiente para mobilizar o pessoal da Vila Madalena, preocupado com os rumos da nação. Muitos não ligam uma coisa à outra, mas por que o Brasil melhora a passos de cágado os indicadores de saúde e educação de sua população? Claro, o problema não é só falta de recursos, mas isso explica uma boa parte do problema. O fato é que, enquanto não houver uma solução de médio e longo prazos para as contas Previdência, o Brasil terá sempre mania de grandeza, em vez de grandeza.

No debate, alguns alegam que uma parte da conta – os benefícios assistenciais não contributivos, como o abono salarial – deveria estar fora do déficit, e que este deveria refletir apenas o saldo entre contribuições e despesas. É um argumento razoável, mas é preciso ponderar que a Constituição de 1988 introduziu o conceito de seguridade, inspirado no modelo espanhol e que vai além da Previdência. O que está por trás desse modelo é a ideia de que todos – cidadãos e empresas – devemos contribuir para melhorar a vida de quem tem menos oportunidade, parte da visão de que uma sociedade com menos desigualdades é melhor para todos. De toda forma, retirar as despesas assistenciais não acabaria com o déficit.


Zeina Latif: A verdadeira batalha

Como os políticos irão reagir quando eleitores começarem a atacar a reforma?

Passados pouco mais de três meses desde a vitória nas urnas, a agenda econômica do governo vai ganhando contornos, com o que será e o que não será feito. Uma reforma da Previdência que impacta a todos, sim; uma reforma tributária ampla consolidando os impostos indiretos, não. Haverá algumas privatizações de empresas “não estratégicas” (a da Eletrobrás não está clara), sendo maior a ênfase na venda de ativos de empresas e bancos estatais, conforme as recomendações do time econômico anterior.

O mais recente capítulo foi o vazamento da minuta da reforma da Previdência. A Secretaria da Previdência trabalhou bem, fazendo jus à elevada reputação do time. A proposta é muito boa e mais ambiciosa do que a de Michel Temer, como na introdução da idade mínima e na regra de transição. Ela inclui temas novos, como a mudança das regras de abono salarial e de pensão por morte, além da criação do regime de capitalização. Para Estados e municípios, é considerado um prazo de dois anos (parece muito tempo) para a mudança das regras de aposentadoria. Não ocorrendo, valeria a nova regra dos servidores federais.

Já discuti em artigos anteriores que o desafio maior não é o de desenhar as reformas econômicas, mas sim aprová-las. Não que se possa minimizar o desafio técnico. Afinal, defender ideias gerais é fácil. Difícil é detalhar as medidas, com base em diagnósticos corretos e levando em consideração o arcabouço legal vigente. O desafio maior, no entanto, é o da política.

Para começar, não sabemos qual será a decisão final de Jair Bolsonaro, um político sensível à opinião pública, conforme aponta Christopher Garman. A proposta vazada ainda não passou pela chancela do presidente, sendo que membros do governo apontaram que ela será desidratada.

O episódio também reforça a visão de que o governo não constitui ainda um time coeso. A vida de Paulo Guedes da porta para fora do Ministério da Economia não é fácil. Mal o documento circulou, e o vice Hamilton Mourão afirmou que nem ele nem Bolsonaro concordam com a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. Também se manifestou o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, afirmando que “a proposta será bem diferente do texto vazado”. Não teria sido mais adequado o próprio ministro da Economia, e apenas ele, se manifestar?

A dificuldade política é inevitável e ainda desconhecida. Afinal, somos um país tomado por grupos organizados que bloqueiam reformas liberais. Talvez por isso mesmo Guedes busque o diálogo com os demais poderes da República, para acelerar a tramitação da reforma e evitar grandes mudanças no seu teor, e reduzir o risco de judicialização.

Possivelmente a batalha no Congresso será menos dura do que no governo anterior. O debate sobre a Previdência está mais maduro e Bolsonaro conta com elevado capital político. Em compensação, se para Temer esta reforma era uma opção, uma vez que a proximidade das eleições trazia alguma perspectiva aos agentes econômicos, para Bolsonaro ela é a condição de sua sobrevivência política; e ele sabe disso.

Para muitos analistas, a renovação no Congresso é um facilitador. Isso tampouco está claro. O novo Congresso está repleto de políticos que representam corporações e que se elegeram por conta das redes sociais. Os eleitores não reelegeram os parlamentares reformistas que relataram as principais reformas aprovadas por Temer, incluindo o secretário da Previdência Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista na Câmara.

Como os políticos irão reagir quando seus eleitores começarem a atacar a reforma?

Ao contrário do que se imagina, o resultado da pressão social nem sempre é positivo. Não à toa cientistas políticos alertam para o risco da consulta direta à sociedade sobre políticas públicas. As escolhas da sociedade, com frequência, não são aquelas que privilegiam o bem comum, desta e das próximas gerações.

A batalha começou.

* Economista-Chefe da XP Investimentos


Míriam Leitão: O que não pode cair na reforma

Por Alvaro Gribel (Míriam Leitão está de férias)

O projeto que vazou sobre a reforma da Previdência não é a versão que será encaminhada ao Congresso porque ainda passará pelo filtro do presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, o economista Fábio Giambiagi se debruçou sobre o texto porque de alguma forma ele servirá de parâmetro para a versão final da PEC. Segundo ele, há duas medidas com forte impacto fiscal e que precisam sobreviver às negociações. A primeira é a criação dos fundos estaduais de previdência, que vão desafogar as finanças dos estados. A segunda é o sistema de pontos, que soma a idade ao tempo de contribuição, para se conseguir a aposentadoria integral. “Esse projeto é mais duro do que a reforma do Temer e isso é importante porque é preciso recuperar o tempo perdido. Também reúne ideias da própria PEC 287, do projeto Tafner/Armínio e tem a previdência fásica do ministro Lorenzoni. Essa união de propostas pode facilitar a busca de um consenso”, explicou. A reforma original de Temer buscava economizar cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos. Guedes falou em R$ 1 trilhão no mesmo período, mas há versões mais leves. Quem compreende a gravidade da crise torce para que o ministro da Economia consiga exercer a sua influência sobre o presidente.

‘Tem que pegar todo mundo’
A bancada do Partido Novo se reuniu ontem com o secretário de Previdência, Rogério Marinho, para esclarecer pontos da reforma e acertar a estratégia de comunicação da proposta. O Novo é o partido que tem maior afinidade com a agenda liberal do ministro Paulo Guedes e deve dar os oito votos de sua bancada para a aprovação da PEC. Segundo o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), o partido vai defender que o texto contemple todas as categorias, incluindo políticos e militares, mas não deve se opor caso a proposta vá diretamente a plenário. “A discussão pode ser feita com a sociedade e no próprio plenário. Se for para o país ganhar tempo nessa burocracia da Câmara, não vejo problema em pular as comissões”, afirmou.

Aposta unânime
Os investidores dão como certa a manutenção dos juros em 6,5% na reunião do Copom que termina hoje. Nada menos que 99,6% dos contratos no mercado futuro projetam que a Selic ficará estável. O curioso é que o restante, que é apenas residual, foi para o negativo pela primeira vez desde que o BC posicionou os juros em 6,5%, em março. “Os investidores estão aguardando o comunicado que sai após a decisão. Dependendo da mensagem, essa probabilidade de corte nos juros pode crescer”, conta Pablo Spyer, da Mirae, que fez o levantamento.

Guerra fiscal a jato
Já é possível ouvir o rufar dos tambores de uma nova guerra fiscal. O governo do Rio também estuda cortar o imposto sobre o querosene de aviação para 7%. Ontem, São Paulo reduziu seu ICMS sobre o combustível para 12%. Para a economista Ana Carla Abrão, no fim, todos perderão. “A concorrência vai gerar um movimento de redução de alíquotas Brasil afora. O país perde com essa disputa entre os estados. O que o governo federal pode fazer é promover uma reforma tributária, mas ela nunca sai do papel também por conta dos conflitos federativos”, disse a economista.

Drible no Regime
No caso do Rio, ainda há outra complicação. O estado está no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). A princípio, isso impede a concessão de incentivos tributários adicionais, diz Ana Paula Abrão. Para driblar a restrição, o governo estadual teria que convencer a comissão de acompanhamento do programa de que vai perder arrecadação com a migração de voos para São Paulo. “Em tese, não poderia. Mas é possível argumentar que, se não der, pode ser ainda pior. O grande problema é que a guerra fiscal funciona como um torcedor na arquibancada. O primeiro que se levanta enxerga o jogo melhor. Depois, todos vão ficando de pé, desconfortáveis e vendo com a mesma dificuldade do início”, explica a economista.

Gargalo elétrico
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico se reúne hoje para analisar o baixo nível de água dos reservatórios. O ministro de Minas e Energia, Bento Costa Lima Leite, terá que decidir se aciona as térmicas para poupar água ou se espera o fim do período chuvoso. Entra ano e sai ano, o setor elétrico continua sendo um gargalo ao crescimento.


Vera Magalhães: Negociação inevitável

A área política do governo está convencida de que a reforma ambiciosa consignada na minuta divulgada pelo Estado não é muito palatável nem a Jair Bolsonaro nem ao Congresso. Daí porque três ministros opinaram à coluna que será preciso suavizar a proposta para que ela seja aprovada. A divergência é qual o melhor momento para começar a fazer concessões: se antes de fechar o texto do Executivo ou já no parlamento.

A divulgação antecipada do texto serviu como termômetro da reação da sociedade. O entusiasmo do mercado e dos especialistas e a ausência de gritaria maior por parte de corporações foram considerados sinais positivos para a largada. O temor era de que uma oposição vigorosa a um texto que ainda não é final, pois não passou pelo crivo de Bolsonaro, pudesse queimar a largada da campanha publicitária que o governo prepara para embalar a reforma numa narrativa favorável. Ela será na linha de que tirar o peso excessivo do sistema previdenciário sobre as contas públicas vai liberar o Estado para prestar serviços melhores e realizar investimentos que permitam a retomada do emprego e dos gastos sociais. Nas palavras de um dos negociadores, humanizar a ideia de reformar a Previdência.

A vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a disposição do presidente da Câmara de fazer a reforma avançar rápido são motivo de alívio nos diferentes gabinetes do Executivo. A ordem é, inclusive, tratar Maia como corresponsável pela reforma, dividindo com ele os louros (e, portanto, a responsabilidade de chegar aos 308 votos necessários) pela sua aprovação. Isso porque os negociadores de Bolsonaro se lembram dos atritos entre ele e a equipe de Michel Temer e querem evitar esses tropeços – ainda mais de obstáculos já esperados no Senado.

SENADO 1
Impasse no PSDB atrasa acordo para Mesa e comissões

O acordo para contemplar a senadora Simone Tebet (MDB) com a presidência da Comissão de Constituição e Justiça esbarra numa disputa interna do PSDB. O partido topa ceder a CCJ para Simone, mas isso leva a uma disputa pela primeira vice-presidência da Casa. O presidente Davi Alcolumbre (DEM) quer Antonio Anastasia no posto, mas o também tucano Izalci Lucas ameaça sair do partido se não for contemplado.

SENADO 2
Planalto preocupado com ira de Renan contra Flávio Bolsonaro

Preocupa o Planalto a ira com que Renan Calheiros (MDB) tem se referido a Flávio Bolsonaro mesmo depois de passados alguns dias de sua derrota na disputa pela presidência do Senado. Ele continua atribuindo ao filho do presidente a decisão de desistir. Ministros dizem que terão de atuar para serenar os ânimos, embora avaliem que o emedebista já não tem o mesmo potencial de causar estragos que já teve no passado.

SEGURANÇA
Risco de contrabando ronda pacote de Moro

Tão logo chegue ao Congresso, o pacote anticrime de Sérgio Moro enfrentará uma chuva de emendas que pode desconfigurá-lo. Deputados novatos do bloco bolsonarista, ansiosos por corresponder à demanda da sociedade por projetos na área de segurança pública, veem na proposta do superministro, que vai angariar todos os holofotes da área no primeiro semestre e deverá ter prioridade para tramitar em relação a outros projetos de lei, a chance de surfar na onda popular. Propostas como a redução da maioridade penal e a flexibilização do porte de armas, que não têm relação direta com os principais objetivos da proposta de Moro, podem ser colocadas de contrabando na discussão. O ex-juiz terá de mostrar jogo de cintura de negociação política – algo para que ainda não foi testado – para evitar os penduricalhos. Ele é contra a liberação do porte de arma, o que será foco de controvérsia com apoiadores do presidente. A negociação será necessária também para se contrapor às tentativas na mão contrária: de esvaziar o pacote dos itens que incomodam os políticos, como o que tipifica caixa dois como crime eleitoral.


Eliane Cantanhêde: O governo começou!

Com minuta da Previdência e pacote de Moro, governo sai do papel e Congresso se move

O governo começou de fato nesta segunda-feira, 4, com a abertura oficial do Ano Legislativo, o anúncio do pacote antiviolência e anticorrupção e a divulgação pelo Estado da minuta da reforma da Previdência. Foi o melhor e mais produtivo dia da Presidência de Jair Bolsonaro desde a posse.

Na mensagem presidencial lida no plenário da Câmara, ele lançou a “guerra ao crime organizado”, o que soa como música aos ouvidos da população, estarrecida e amedrontada com a violência. Resta saber se a guerra contra a corrupção será tão musical para senadores e deputados, que terão de votar as medidas do ministro Sérgio Moro.

Estrategicamente, Moro detalhou seu pacote primeiro para governadores e falou várias vezes nos “anseios da sociedade”. Tanto um empurrão de governadores quanto a pressão popular costumam ser tiro e queda para a aprovação de projetos no Congresso.

O pacote de Moro contém medidas que podem até não agradar aos eleitos, mas certamente agradam aos eleitores. Exemplo: a ratificação da prisão de condenados em segunda instância, em sintonia com o entendimento do Supremo. O pacote prevê até um desestímulo a recursos, inclusive ao próprio STF, ao formalizar que a presunção de inocência não é suficiente para evitar, ou suspender, a prisão nesse caso.

Também pode assustar os congressistas, mas recebe aplausos da sociedade, o endurecimento das regras: o confisco de bens que ultrapassem valores obtidos com rendimentos comprovadamente lícitos; regime fechado desde o início da pena por corrupção e peculato; presídio de segurança máxima para condenados por organização criminosa que forem pegos com armas.

Nos casos de prisão em segunda instância, mais rigor no confisco de bens e obstáculos para regime aberto e semiaberto para corrupto, assim como a criminalização do caixa 2, haverá resistências no Congresso, mas a pressão virá de fora para dentro, da opinião pública para os plenários. A previsão é de uma divisão entre novos e antigos parlamentares, muitos de barbas de molho e já refratários desde as frustradas 10 Medidas Contra a Corrupção.

Mais complicado, exigindo um sério debate com especialistas, é a tentativa de redução ou até mesmo isenção de pena para policial que cometer assassinato. Militares, policiais e a família Bolsonaro são entusiastas dessa medida, mas não se pode dizer o mesmo de entidades de direitos humanos. Preventivamente, Moro avisa que “não existe licença para matar”, mas é justamente isso que essas entidades acusam.

Na economia, outra área vital para o governo Bolsonaro – e para o País – houve dois movimentos para esquentar os debates sobre a reformada Previdência. Um foi a publicação da minuta que prevê idade igual para homens e mulheres – 65 anos – e 40 anos de contribuição para a aposentadoria integral.

O outro movimento foi o compromisso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, com a agenda do governo, particularmente na questão da Previdência. Para Maia, a aprovação da reforma é fundamental até como “indicador de que há condições para aprovar outras medidas para o desenvolvimento do País”. Alcolumbre defendeu os “ajustes prementes e necessários” e avisou que “não há como evitar a avaliação de reformas sensíveis e a primeira delas é a reforma da Previdência”.

Uma segunda-feira, portanto, muito produtiva, com o governo saindo do papel, as propostas se materializando, o Congresso se posicionando e a sociedade tendo, enfim, dados concretos para debater. Pena que, internado, Bolsonaro não tenha podido participar e comemorar diretamente. Ele voltou para o semi-intensivo e não vai mais ter alta nesta quarta, 6. Não é bom para ele nem para o governo nessa hora vital.


Reforma da Previdência: proposta prevê idade mínima de 60 anos para professor

Texto, que ainda precisa ser avaliado por Bolsonaro, relaciona regime dos militares dos estados ao das Forças Armadas

BRASÍLIA - Com direito a regime especial, os professores seguirão com regras diferenciadas para aposentadoria, de acordo com minuta de reforma da Previdência elaborada pela equipe econômica que circulou nesta segunda-feira, mas que ainda não teve o aval do presidente Jair Bolsonaro.

Enquanto a idade mínima dos demais trabalhadores atingirá 65 anos, essa categoria poderá se aposentar aos 60 anos de idade desde que comprove o exercício da função. Atualmente, as normas são distintas entre esses profissionais: quem é da rede privada segue as regras do INSS e quem trabalha na rede pública, as normas de aposentadoria do regime público. A ideia é que ao fim da transição todos tenham o mesmo tratamento.

Na rede privada, os professores não precisam atingir idade mínima para se aposentar, mas eles têm que contribuir por 25 anos (mulher) e 30 anos (homem). No entanto, se eles pedirem o benefício muito cedo, sofrem um desconto no valor da aposentadoria por causa do chamado fator previdenciário. Já os professores da rede pública podem receber o benefício integral ao completar a fórmula 81/91 (somando idade e tempo de contribuição). Quem entrou depois de 2004 precisa completar idade mínima de 50 anos (mulher) e 55 anos (homem).

Pela minuta da reforma, a partir de 2020 - será acrescentado um ponto a cada ano até atingir 100 pontos para todos os professores (homens e mulheres). No caso dos demais trabalhadores, é preciso atingir 105 pontos.

O texto formulado pela equipe econômica relaciona as aposentadorias de militares dos estados às das Forças Armadas. Eles passarão a ter um sistema próprio de aposentadoria.

A minuta estabelece ainda que, com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento de aposentadorias e pensões de seus servidores, os estados também deverão constituir fundos previdenciários de natureza privada, com recursos de contribuições, bens, direitos e ativos que serão administrados por uma entidade gestora.

Caso haja rombo nas contas, os estados deverão elaborar planos para zerar o déficit e aportarão nesses fundos outras receitas futuras, incluindo dinheiro decorrente da securitização de dívida ativa.