previdência

Míriam Leitão: A reforma em terreno minado

Aprovar a reforma é fortalecer a espinha dorsal da economia, mas o projeto tramitará em terreno político minado pelos erros iniciais do governo

Três ministros do governo são do DEM, mas o DEM não se sente governo. Os dois presidentes do Congresso são desse mesmo partido e vão crescer na articulação política, principalmente o experiente Rodrigo Maia, até porque não existe espaço vazio em política. O ministro Onyx Lorenzoni tem dificuldades de diálogo com Maia, mas é o articulador civil que sobrou no Palácio. Gustavo Bebianno tinha mais canais com o confuso PSL. Esse é o quadro que analistas do próprio governo desenham como parte da complicação de tramitação da reforma da Previdência.

Esse é um governo que já foi atingido por denúncias de irregularidades. Mesmo assim ele quer parecer diferente de todas as outras administrações na relação com o Congresso. O problema é não saber diferenciar, com precisão, o que são os recursos políticos usados numa articulação no Congresso e quais são os mal feitos que deve rejeitar. Um exemplo dado por um político foi o seguinte: o presidente Jair Bolsonaro escolheu Luiz Mandetta para ser ministro da Saúde. Se ele, antes de convidar formalmente, tivesse ligado para o presidente do DEM, ACM Neto, e avisado, conseguiria fazê-lo sentir-se parte da decisão. Mas Bolsonaro acha que isso é a velha articulação com os partidos que ele condena.

É natural que deputados e senadores defendam os interesses de sua base, como uma obra, um projeto, explicou um parlamentar. O errado seria haver corrupção na obra, ou ela não ser necessária. O presidente tem que saber quais os pleitos pode atender para costurar a sua base de apoio e que outros trazem os vícios do passado do qual prometeu se dissociar. A bem da verdade, os fatos recentes mostram que ele nunca se distanciou de fato da velha política.

A reforma da previdência é agora criticada por servidores que a consideram dura demais com eles e querem entrar na Justiça contra as alíquotas. Por outro lado, tem sido criticada por ter sido fraca com algumas categorias ou por ter inflado os cálculos do ganho. Os servidores começaram a dizer que a alíquota é de 22%. Essa é a taxa bruta para quem se aposenta com mais do que R$ 39 mil hoje. A efetiva é menor. E esse valor de aposentadoria é alto demais para o Brasil ou qualquer país do mundo.

Daqui em diante o projeto ficará prisioneiro de dois tipos de críticas opostas. Alguns dirão que ele é duro demais. Outros, que ele é insuficiente e favorece alguns grupos. O adiamento do projeto dos militares será usado como pretexto para quem quer fazer corpo mole como forma de pressionar o governo na área política. Há também dúvidas jurídicas sobre o caminho escolhido de desconstitucionalizar futuras mudanças nos parâmetros da Previdência.

A reforma é, como escrevi aqui, o mais amplo projeto já apresentado ao país. Todos os presidentes tentam reformar a previdência desde o Plano Real. A diferença é que alguns quando estão na oposição são contra a reforma com argumentos demagógicos ou corporativistas. Foi o que aconteceu com Lula. Foi o que aconteceu com Bolsonaro. “Eu errei”, admitiu o presidente ao entregar seu projeto e apelar ao patriotismo dos parlamentares. Errou muitas vezes, quando deputado do baixo clero. Nunca demonstrou ter capacidade de ver o interesse do país num projeto de outro grupo político. Sempre agarrou-se a pautas menores, de interesse das categorias que defendia. Seu chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi outro adversário da última reforma.

Com todos esses passivos, o governo tentará fazer andar seu bom projeto de reforma, necessário ao país e fundamental para que outros passos sejam dados no caminho da retomada do crescimento. Por erros do governo Dilma, a dívida pública retomou o crescimento e entrou em rota perigosa. O rombo estrutural da previdência alimenta o temor de que a dívida não será paga pelo Tesouro em algum momento. E são os títulos públicos que sustentam as aplicações financeiras de pessoas, fundos e empresas do Brasil. Fazer a reforma é reforçar a espinha dorsal da economia.

No minado terreno político brasileiro, num governo precocemente envelhecido, essa importante reforma tramitará nos próximos meses. A economia depende de que Bolsonsaro, o improvável reformador da previdência, tenha sucesso em sua missão.


Luiz Carlos Azedo: Eu ganho, tu perdes

“Os mais pobres, principalmente idosos e deficientes, perderão mais; os trabalhadores do setor privado em geral. Entretanto, os privilégios serão reduzidos no setor público”

Com a Nova Previdência, a perda das gerações futuras será geral. A proposta apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro é ampla e dura. Isso significa que a reforma é um erro? Não, Sem ela, o país entrará novamente em colapso e, aí sim, haverá inexoravelmente a perda de direitos adquiridos dos aposentados e pensionistas. Como não mexe no passado nem no presente, tem chances de ser aprovada. Quem pagará a conta dos privilégios e do rombo fiscal são as gerações futuras. Os privilégios, historicamente, aqui no Brasil, fazem parte dos “direitos adquiridos”. Mas essa é a última oportunidade de uma reforma da previdência que não mexa nesses direitos. Se não for feita agora, a solução será à grega ou à lusitana.

Estamos transferindo essa conta aos nossos filhos e netos. Todo mundo perderá igual? Não, perderão mais os trabalhadores do setor privado, que estão sujeitos ao regime geral; porém, a reforma reduz bastante os privilégios dos servidores públicos da União, estados e municípios. Militares manterão a aposentadoria pelo último salário e os inativos, os aumentos da ativa, mas também perderão: terão que servir por mais tempo e as pensionistas passarão a pagar contribuição, da qual eram isentas. Professores vão se aposentar com 60 anos. Policiais civis, federais e agentes penitenciários terão idade mínima de 55 anos, com tempo de contribuição de 30 e 25 anos. Anistiados da ditadura militar terão que pagar a Previdência, além de terem suas pensões revistas.

O servidor que ingressou no serviço público antes de 2013 e não fez opção pela aposentadoria complementar paga 11% sobre o salário. Com a reforma, as alíquotas serão diferentes para cada faixa de remuneração, como o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Além da alíquotas progressivas, a reforma permite à União, aos Estados e aos municípios criarem contribuições extraordinárias para enfrentarem o rombo nas contas estaduais e municipais.

A contribuição ordinária passará a ser de 14%, mas será qualificada de acordo com a faixa de salários. Será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo; para a faixa de um salário mínimo a R$ 2 mil, em cinco pontos percentuais (9%); de R$ 2 mil a R$ 3 mil, dois pontos percentuais (12%); de R$ 3 mil a R$ 5.839,45, não haverá redução. Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será aumentada em 0,5 ponto percentual (14,5%); de R$ 10 mil até R$ 20 mil, em 2,5 pontos percentuais (16,5%); de R$ 20 mil a R$ 39 mil, 5 pontos percentuais (19%). Acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de 8 pontos percentuais ( 22%).

Quem ganha mais continuará ganhando: os servidores públicos; já no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do setor privado, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição; com a incidência progressiva, variarão de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. O teto continuará muito abaixo da aposentadoria média dos servidores. A reforma busca reduzir essas desigualdades, mas elas sobreviverão. A prioridade do governo não é nivelar por baixo, é garantir uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos e de R$ 173,5 bilhões, em dez anos.

Mais pobres

Entretanto, os mais pobres, principalmente idosos e deficientes, perderão mais. A pessoa, ao chegar aos 65 anos, poderia receber o benefício de um salário mínimo. Agora, esse valor será atingido só com 70 anos. Para compensar, haverá um auxílio de R$ 400. Com o fim do abono para quem ganha dois salários mínimos, ao adotar essa medida, o governo economizará R$ 41,4 bilhões em quatro anos. No caso do RGPS, isso compensará a mudança de alíquotas, que reduzirá a arrecadação em R$ 10,3 bilhões nos próximos quatro anos e em R$ 27,6 bilhões, em dez anos.

Tudo isso, porém, pode ser mitigado pelo Congresso. Os trabalhadores do setor privado, com sindicatos falidos e desemprego em massa, têm muito pouco poder de pressão contra a reforma, porque perderam a capacidade de mobilização. Já o lobby das corporações, principalmente das carreiras de Estado, policiais federais, policiais militares, auditores fiscais, promotores e magistrados, e, em especial, os militares das Forças Armadas, têm enorme poder de barganha. É aí que a reforma enfrentará mais dificuldades e pode sofrer reveses, mas isso, aparentemente, está “precificado” pelo mercado: nesse caso, o resultado será mais um ciclo de crescimento com aumento de desigualdades.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-eu-ganho-tu-perdes/


José Luis Oreiro: Só a retomada salva o país

Retomada do desenvolvimento exige que o país reinicie processo de "catching-up" industrial e tecnológico

A sociedade brasileira passa por uma profunda crise econômica, política e social desde 2013. As manifestações de 2013 foram o evento catalizador de um processo de crescente descrédito na classe política e, posteriormente, de outras instituições da República.

A insatisfação de parte expressiva da população com a performance dos políticos, em particular, e do Estado, em geral, foi incrementada pelos efeitos deletérios da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 - que foi detonada por um colapso do investimento do setor privado, que se contraiu por três trimestres consecutivos, a taxa de 10% por trimestre. Isso resultou de um processo de "profit squeeze", ou seja, queda das margens de lucro e da taxa de retorno sobre o capital próprio das empresas não financeiras, a qual se tornou na mais duradoura e profunda crise econômica do Brasil nos últimos 30 anos. No auge da crise, mais de 14 milhões de brasileiros estavam desempregados e o PIB apresentou retração superior a 8% em termos reais, com destruição de riqueza de R$ 600 bilhões.

A recessão acelerou o desequilíbrio fiscal da União e dos entes subnacionais, muitos dos quais passaram a enfrentar dificuldades crescentes para manter o pagamento dos servidores em dia. A deterioração crescente do resultado primário da União a partir de 2014 gerou um crescimento acelerado da dívida pública como proporção do PIB, colocando o endividamento da União em trajetória claramente insustentável. A perda de espaço fiscal decorrente desses desdobramentos impediu a realização de uma política fiscal anticíclica justamente no momento em que a mesma era mais necessária. Pelo contrário, a política fiscal executada em 2015 foi francamente contracionista, amplificando assim os efeitos da recessão iniciada em 2014.

Outro fator que amplificou os efeitos recessivos do colapso do investimento privado foi a elevação da taxa básica de juros promovida pelo Banco Central em 2015, na tentativa de debelar os efeitos de segunda ordem que o aumento das tarifas dos públicas e dos combustíveis poderiam ter sobre a dinâmica da taxa de inflação.

O desemprego crescente aguçou a percepção de que a crise brasileira era o resultado da corrupção generalizada dentro do Estado, tal como estava sendo revelado ao público pela Lava-Jato. Essa percepção acabou por gerar um sentimento difuso de "ódio" à classe política, principalmente aos políticos diretamente ligados ao PT.

O imenso apoio popular ao impeachment da presidente Dilma Rousseff foi a demonstração clara de que, na cabeça do cidadão mediano, a crise era resultado direto da corrupção dirigida e organizada pelo PT e seus aliados. Nesse contexto, uma ampla parcela da população acreditava que o afastamento do PT do poder, pelo impeachment, cujas bases jurídicas eram duvidosas, seria uma condição necessária, quando não suficiente, para o fim da corrupção e para a retomada do crescimento econômico.

Os primeiros meses do governo Michel Temer pareciam apontar para uma retomada robusta do crescimento no início de 2017, ainda que poucas pessoas acreditassem na vontade do governo de combater a corrupção.

O governo Temer apresentou à sociedade brasileira uma narrativa essencialmente ortodoxa das causas da crise de 2014 a 2016. O problema fundamental era o desequilíbrio fiscal estrutural, resultado do "contrato social" estabelecido pela Constituição de 1988. Segundo economistas ligados ao governo, a Constituição havia produzido um conjunto de benefícios sociais para os mais pobres e de privilégios para os funcionários públicos que impunham um ritmo para o crescimento dos gastos públicos (entre 5 a 6% ao ano em termos reais) que era muito superior à capacidade de crescimento da economia.

Durante um certo período foi possível acomodar esse aumento dos gastos com o aumento da carga tributária. Contudo, a partir de 2011, a receita passou a crescer mais ou menos em linha com o PIB de tal forma que a deterioração do resultado primário da União tornou-se inevitável. Essa deterioração teria sido "mascarada" pelas "pedaladas fiscais" e outros artifícios de "contabilidade criativa"; mas, a partir de 2014, ficou impossível encobrir a verdade nua e crua de que o governo não era mais capaz de gerar superávits primários e que, portanto, a dívida pública entraria em trajetória explosiva. O desequilíbrio fiscal crescente acabou por gerar perda de confiança dos empresários no governo, o que se refletiu em elevação do prêmio de risco país, desvalorização da taxa de câmbio, queda dos preços das ações e elevação dos juros futuros. Esse quadro levou a uma queda dos gastos de investimento e de consumo, fazendo com que o país entrasse na pior recessão dos últimos 30 anos.

Face a essa narrativa, a solução para a crise era muito clara: o governo precisava fazer um ajuste fiscal estrutural, cujo foco deveria ser a redução do ritmo de crescimento das despesas. Para tanto, foi desenhada uma estratégia em duas etapas. Na primeira, o governo enviou para o Congresso uma PEC criando um teto de gastos para o governo federal. Esse teto não seria a solução do problema fiscal, mas apenas uma espécie de mecanismo que explicitaria o conflito distributivo existente dentro do orçamento. A ideia era congelar os gastos primários da União em termos reais por dez anos, ao final dos quais poderia ser modificado o indexador dos gastos públicos, que havia sido definido como a variação do IPCA no período inicial de vigência do teto.

O problema é que todos os itens das despesas obrigatórias (aposentadorias, pensões, salários do funcionalismo público, gastos com saúde e educação) apresentaram nos últimos 20 anos uma taxa de crescimento muito acima da variação do IPCA. Dessa forma, se nada fosse feito para reduzir o ritmo de crescimento desses gastos, o cumprimento da regra do teto obrigaria a administração federal a reduzir progressivamente os gastos discricionários, que incluem gastos com o investimento em infraestrutura, com o reaparelhamento das Forças Armadas e com a manutenção de instalações do governo federal.

Como é impossível manter o funcionamento da máquina pública federal sem a realização de um valor mínimo de gastos discricionários, segue-se que a ameaça de "shutdown" obrigaria o Congresso a realizar aquilo que foi denominado de "a mãe de todas as reformas", a reforma da Previdência. Uma vez aprovada uma "boa" reforma, o desequilíbrio fiscal estrutural seria eliminado, e o teto dos gastos poderia, eventualmente, ser abolido. Nessas condições, o Brasil poderia retomar o crescimento em bases sustentáveis, pois se produziria uma "contração fiscal expansionista", ou seja, o ajuste das contas públicas levaria automaticamente a um aumento do investimento e do consumo do setor privado.

A PEC do teto dos gastos foi aprovada no final de 2016 e tudo apontava para a aprovação de uma reforma da Previdência em 2017. As condições financeiras da economia brasileira (risco país, taxa de câmbio, juros futuros e índice Bovespa) apresentavam nítidos sinais de melhora no primeiro trimestre de 2017. A melhoria das condições financeiras ocorrida a partir do segundo semestre de 2016 permitiu ao BC iniciar um processo "lento, gradual e seguro" de redução da taxa de juros, o qual deveria, em algum momento, estimular o crescimento.

Mas no meio do caminho havia uma pedra, e essa pedra foi o escândalo da gravação das conversas, por assim dizer, pouco republicanas, entre o presidente da República e Joesley Batista, da JBS. A divulgação desses áudios produziu uma crise política de proporções gigantescas, obrigando o presidente a gastar todo o seu capital político e otras cositas más na tentativa de angariar apoio político para o seu governo e impedir um novo processo de impeachment. No fim do ano de 2017 já estava claro que a reforma da Previdência não teria condições políticas de ser aprovada durante o governo Temer.

Surpreendentemente os mercados financeiros não desabaram com o adiamento da reforma da Previdência. Índices de condições financeiras continuaram relativamente bem-comportados ao longo do segundo semestre de 2017 e no primeiro trimestre de 2018. Apesar disso, o crescimento foi decepcionante em 2017. O PIB apresentou expansão de 1,1% em termos reais, após dois anos de queda acentuada. No fim de 2017, a economia ainda se encontrava 6% abaixo do nível observado em 2013. E o pior, o desemprego superava 13 milhões de pessoas. A produção industrial encontrava-se ao nível de 2004, recuo de mais de 10 anos.

O ano de 2018 se inicia com grandes expectativas de aceleração do crescimento. O ministro da Fazenda esperava um crescimento entre 2,5% a 3%. Se essas expectativas se confirmassem, a taxa de desemprego poderia fechar o ano em torno de 10% da força de trabalho, gerando um saldo de 2 a 3 milhões de novos empregos. Nesse cenário róseo, o candidato à Presidência da República que encarnasse a continuidade da política econômica do governo Temer seria praticamente imbatível nas eleições de outubro.

Mas o otimismo de Henrique Meirelles mostrou-se sem fundamento. No primeiro semestre de 2018 a atividade mostrava sinais de recuperação muito lenta, embora a grande recessão tivesse oficialmente terminado no fim de 2016. A implantação do teto dos gastos pode ter até ancorado as expectativas dos agentes do mercado financeiro, contribuindo assim para a relativa estabilidade dos índices de condições financeiras; contudo, o seu cumprimento estava impondo redução sem precedentes, nos últimos 15 anos, dos gastos com investimento público.

A contração do investimento público - justamente o componente da despesa primária que possui o maior efeito multiplicador - atuou como mecanismo de desestímulo à demanda agregada, numa economia que estava operando com nível absurdamente elevado, para seus padrões históricos, de ociosidade da capacidade produtiva. A greve dos caminhoneiros, a crise econômica na Turquia e Argentina e a indefinição do quadro eleitoral contribuíram para aumentar a incerteza reinante entre agentes econômicos, que se expressou numa deterioração significativa do índice de condições financeiras ao longo do segundo semestre de 2018. Como resultado desses desdobramentos, o ritmo de recuperação da atividade econômica desacelerou e a economia deve ter fechado o ano passado com um crescimento em torno de 1%.

O quadro econômico desolador combinado com a constatação de que a corrupção na máquina pública não estava restrita ao PT levou uma ampla parcela da população a acreditar que os problemas só seriam resolvidos por um outsider da política tradicional. A maioria dos eleitores identificou em Jair Bolsonaro a pessoa que encarnava o anti-establishment.

Mas será que o governo Bolsonaro poderá atender ao desejo de mudança, ou melhor, será que o novo governo poderá recolocar o Brasil na trajetória de desenvolvimento?

Bolsonaro, influenciado pelo czar da economia, Paulo Guedes, parece acreditar que a reforma da Previdência, combinada com um programa ambicioso de privatizações, irá fazer o país sair daquilo que o próprio Guedes chamou de "armadilha de baixo crescimento". Não é a primeira vez que se propõe uma ampla agenda de privatizações como solução para os problemas nacionais. Essa agenda foi extensamente adotada nos governos Collor e FHC.

A taxa média de crescimento no período 1990-2002 foi inferior a 2,5%, mesmo se expurgarmos os dois primeiros anos do governo Collor, quando a economia entrou em recessão devido ao "confisco das poupanças". Também não é a primeira vez que se diz que um ajuste fiscal é fundamental para a retomada do desenvolvimento. Ajustes fiscais foram feitos em 1994-1995; 1999-2000, 2003-2004, 2011, 2015, 2016-2018. Nesses casos, apenas um deles, o período 2003-2004, foi seguido por um período de aceleração significativa e razoavelmente duradoura do crescimento. Nesse caso, a contração fiscal se mostrou expansionista devido ao espetacular aumento das exportações de manufaturados ocorrida no período 2002-2004, decorrente da enorme desvalorização da taxa de câmbio ocorrida em 2002. Em todos os demais casos, ou não houve aceleração do crescimento, ou a aceleração foi pequena e curta ou ocorreu queda do nível de atividade econômica. Em suma, o ajuste fiscal pode ser necessário para evitar um desastre, mas não é nem de perto condição suficiente para a retomada do crescimento.

Esta requer o atendimento de duas condições. No curto prazo é necessária expansão da demanda agregada para que se possa eliminar a ociosidade na capacidade produtiva e para dar emprego digno a mais de 12 milhões de brasileiros. Essa expansão da demanda agregada não poderá vir do investimento, devido à enorme ociosidade da capacidade produtiva e nem do consumo das famílias, devido ao nível elevado de desemprego. O desequilíbrio fiscal também impede uma expansão significativa do investimento público.

A expansão da demanda agregada só pode advir de um forte crescimento das exportações, principalmente das exportações de produtos manufaturados, o que requer taxa real de câmbio estável e competitiva. No médio e longo prazos, contudo, o crescimento só será sustentável se for acompanhado por aumento da produtividade. Ao contrário do que pregam economistas liberais que acham que a produtividade é uma característica embutida nos trabalhadores por intermédio da educação, a boa teoria econômica e a experiência internacional mostram que a produtividade é uma variável cujo comportamento é regido por uma série de fatores, sendo a educação apenas um entre vários.

A produtividade é afetada pela quantidade e a diversificação do conhecimento técnico e científico que está embutido nas pessoas (capital humano), nas máquinas e equipamentos (capital físico), na capacidade das pessoas em se conectarem e assim trocar informações (capital social). Dessa forma, aquilo que uma economia produz e exporta revela a sofisticação ou complexidade das suas capacitações produtivas. A estrutura produtiva importa para o crescimento econômico.

Tendo em vista esse entendimento sobre as causas da produtividade, a retomada do desenvolvimento exige que o Brasil reinicie o processo de "catching-up" industrial e tecnológico interrompido na década de 1980. Um elemento essencial dessa retomada será a reindustrialização, ou seja, o crescimento da participação do valor adicionado da indústria no PIB e do emprego industrial no emprego total. Esse processo irá demandar uma mudança no regime macroeconômico, de forma a manter a taxa de câmbio em níveis competitivos internacionalmente, a exemplo do que foi adotado, de forma bem-sucedida, nos países do Leste Asiático; como também a adoção de uma política industrial que permita aumentar a complexidade tecnológica da pauta de exportações do Brasil. A exemplo do que é feito nos Estados Unidos, Japão, China, e países da Europa Ocidental, o desenvolvimento de um complexo industrial militar no Brasil, puxado por gastos necessários para o reaparelhamento das Forças Armadas, atualmente em grau acentuado de sucateamento, pode ser um dos eixos dessa política.

Se o governo Bolsonaro não trilhar esse caminho e insistir apenas na agenda privatização-reforma da Previdência, então a economia continuará trilhando trajetória de baixo crescimento, provavelmente em torno de 2% ao ano. Esse ritmo será insuficiente para gerar empregos na quantidade suficiente para absorver a enorme massa de desempregados, bem como os brasileiros que ingressam todos os anos no mercado de trabalho. A força de trabalho cresce atualmente 1% ao ano, o que significa que, para manter a taxa de desemprego estável ao longo do tempo, é necessário criar, pelo menos, 1 milhão de postos de trabalho por ano. Considerando crescimento da produtividade de 1% ao ano (o que destrói postos de trabalho na velocidade de 1 milhão de empregos por ano) no cenário no qual não ocorre a mudança estrutural descrita, uma taxa de crescimento de 2% ao ano irá criar postos de trabalho apenas na magnitude necessária para manter o desemprego indefinidamente acima de 10 % da força de trabalho.

Dada a pequena duração do seguro-desemprego e a baixa densidade da rede de proteção social, é pouco provável que a permanência da taxa de desemprego em patamares tão elevados por um período tão longo de tempo seja social e politicamente sustentável. Nesse cenário a desordem social poderá aumentar rapidamente. Além disso, o crescimento econômico anêmico irá agudizar a crise fiscal dos Estados, podendo, inclusive, fortalecer movimentos separatistas no Sul, haja vista que, para parte significativa da população desses Estados, a sua crise fiscal resulta do fato de que (sic) "o Sul tem que sustentar os vagabundos do Nordeste com o Bolsa Família".

O exemplo recente da tentativa de secessão na Catalunha - resultado dos efeitos da crise econômica de 2008-2012 - mostra que o risco de movimento separatista no Brasil não pode ser subestimado. Daqui se segue, portanto, que ou o governo Bolsonaro coloca o Brasil na rota do desenvolvimento econômico - o que implica em mudança estrutural e catching-up com respeito aos países ricos - ou o clima de insatisfação social reinante culmine numa crescente desordem, podendo levar, no limite, à guerra civil.

*José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq.


Bernardo Mello Franco: Para votar reforma, centrão pede cota de até R$ 10 milhões por deputado

Depois da eleição, o ministro Paulo Guedes disse que bastaria dar uma “prensa” no Congresso para aprovar a reforma da Previdência. Se alguém no governo ainda acreditava nisso, ontem foi o dia de cair na real.

O projeto entregue por Jair Bolsonaro foi recebido com frieza. Parlamentares da bancada governista deixaram claro que vão aproveitar o momento para forçar um acerto de contas com o Planalto.

Nas palavras de um senador tucano, o presidente pensou que conseguiria tratar o Congresso como um quartel. Agora será pressionado a dividir poder, fazer concessões e reabrir o balcão de negócios.

As primeiras conversas já tratam da distribuição de cargos. As queixas nesse campo se multiplicam desde a montagem do governo, quando Bolsonaro entregou três ministérios ao DEM e esnobou siglas maiores. Nos últimos dias, aumentou a cobrança pela partilha no segundo e no terceiro escalão.

Os deputados não devem se contentar com nomeações. Para apoiar a reforma, a bancada ruralista exigirá a manutenção de subsídios que Guedes pretende extinguir. Já os partidos do centrão querem que o governo crie uma espécie de cota de gasto extra por parlamentar.

As tratativas já incluem cifras. Segundo o presidente de um partido médio, a ideia é que cada deputado novato tenha direito a indicar R$ 7,5 milhões em obras e repasses federais. Para os reeleitos, a cota seria de R$ 10 milhões. Apesar do discurso oficial contra o “toma lá, dá cá”, a Casa Civil tem indicado disposição de negociar.

O Orçamento aprovado no ano passado já reservou R$ 15 milhões a cada parlamentar em emendas individuais. No entanto, os recém-eleitos teriam que esperar até 2020 para começar a destinar verbas.

Enquanto as negociações não avançam, o fogo amigo deve se intensificar. Ao apresentar uma proposta de reforma que só atinge os servidores civis, o governo abriu um flanco a mais para as críticas.

“Sem uma reforma que alcance também os militares, o texto apresentado não deveria sequer tramitar”, disparou ontem o senador Ciro Nogueira. Ele é presidente do PP, o maior partido do centrão.


Ribamar Oliveira: Servidores precisarão pagar e trabalhar mais

STF terá que definir alíquota máxima da Previdência

As grandes novidades da proposta de reforma enviada ontem ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro são as alíquotas progressivas de contribuição para a Previdência Social e a permissão para que a União, os Estados e municípios instituam contribuições extraordinárias para equacionar os déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores.

Hoje, a alíquota do servidor que ingressou no serviço público antes de 2013 e não fez opção pela aposentadoria complementar é de 11% sobre o salário. Com a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada pelo governo Bolsonaro, haverá alíquotas diferentes para cada faixa de remuneração, da mesma forma que existe atualmente para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF).

Para o servidor, a contribuição previdenciária ordinária será de 14%, e não mais 11%. A alíquota de 14% será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo. Ou seja, a alíquota será de 7,5% (14% menos 6,5 pontos percentuais). Para a faixa da remuneração acima de um salário mínimo até R$ 2 mil, a alíquota será reduzida em cinco pontos percentuais (ou seja, será de 9%). Para a faixa da renda acima de R$ 2 mil até R$ 3 mil, a redução será de dois pontos percentuais (12%). Acima de R$ 3 mil até R$ 5.839,45, não haverá redução. Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será acrescida de 0,5 ponto percentual (14,5%).

Acima de R$ 10 mil até R$ 20 mil, o acréscimo será de 2,5 pontos percentuais (16,5%). Na faixa de renda acima de R$ 20 mil até R$ 39 mil, o acréscimo será de cinco pontos percentuais (19%). Para a faixa da renda acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de oito pontos percentuais. Ou seja, a alíquota incidente sobre essa última faixa de renda será de 22% (14% mais oito pontos percentuais). As alíquotas efetivas da contribuição previdenciária, obtidas comparando-se o valor pago com a remuneração total, vão variar desde 7,5% até mais de 16,79%.

No caso do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição. Com a incidência progressiva, as alíquotas irão variar de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. A alíquota efetiva de contribuição ao RGPS vai variar de 7,5% a 11,68%. "Quem ganha mais contribuirá com mais", enfatizou o secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.

O governo espera uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos com a mudança das alíquotas do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) da União e de R$ 173,5 bilhões em dez anos. No caso do RGPS, a mudança de alíquotas reduzirá a arrecadação em R$ 10,3 bilhões nos próximos quatro anos e em R$ 27,6 bilhões em dez anos.

A progressividade é uma questão é controversa. O Supremo Tribunal Federal (STF) cristalizou entendimento contrário ao estabelecimento de alíquotas progressivas para as contribuições previdenciárias de servidores públicos, com o argumento principal de que a medida exige autorização expressa no texto constitucional. A proposta da reforma da Previdência do governo Bolsonaro pretende justamente mudar a Constituição para permitir a progressividade.

Existe outra discussão no Judiciário, ainda inconclusa, em torno da alíquota previdenciária máxima que pode ser cobrada dos servidores. Alguns tribunais têm chamado de abusiva, considerando até mesmo confisco, alíquota em torno de 20%. O argumento é que, além da contribuição previdenciária, os servidores também pagam imposto sobre a renda e os tributos sobre o consumo.

O Supremo ainda não decidiu qual é o limite para a alíquota previdenciária não ser considerada confisco. O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, admitiu ontem que essa questão dependerá de pronunciamento do STF.

A definição do limite para a contribuição previdenciária do servidor é uma questão central, pois, além da "alíquota ordinária", a PEC permite que a União, os Estados e os municípios cobrem alíquotas extraordinárias para o equacionamento dos déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores. A PEC não estabelece limite para a alíquota extraordinária. Em tese, a soma das duas (ordinária e extraordinária) poderá superar 20%. O déficit atuarial dos servidores da União ultrapassa R$ 1,2 trilhão, e o dos Estados, R$ 2,4 trilhões.

Se a PEC for aprovada, os servidores também terão que trabalhar mais. Quem ingressou no serviço público antes de 2003, por exemplo, embora mantenha o privilégio da aposentadoria igual à remuneração que recebe na ativa (integralidade), terá que trabalhar até 65 anos, se homens, e 62 anos, no caso das mulheres. Não há regra de transição para este caso. Atualmente, a idade mínima é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.

Os maiores afetados pela PEC, no entanto, serão os servidores que ingressaram no serviço público depois de 2003 e antes de 2013 e que não optaram pelo fundo de aposentadoria complementar. A regra de transição a que eles serão submetidos exigirá mais tempo de trabalho para ter acesso à aposentadoria e um tempo de serviço público de 20 anos. Para eles, a PEC reduz o valor do benefício, pois o cálculo passa a considerar todas as contribuições realizadas durante o período de atividade. Hoje, o cálculo considera 80% das maiores contribuições.

Para aprovar a sua proposta de reforma da Previdência, o governo Bolsonaro terá, portanto, que enfrentar as grandes corporações de servidores. Foi esse embate que inviabilizou a reforma do ex-presidente Michel Temer, além, é claro, da denúncia contra ele apresentada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

Para os trabalhadores da iniciativa privada, a proposta de Bolsonaro só é mais dura do que a de Michel Temer no prazo de transição. Bolsonaro estabeleceu prazo de 12 anos. Temer propôs 20 anos. A atual equipe econômica desistiu de desvincular os benefícios assistenciais (BPC) do salário mínimo, da mesma forma que fez a equipe de Temer. Na verdade, colocou uma "isca" para elevar de 65 a 70 anos a idade mínima para a requerer aposentadoria pelo BPC e ter direito a um salário mínimo: concede R$ 400 para quem está com 60 anos e tem renda familiar abaixo de 1/4 do salário mínimo.


Bruno Boghossian: Pagamento a idosos pobres pode contaminar proposta de Bolsonaro

Apesar de rigor com ricos e servidores, governo corre o risco de repetir erro de Temer

Michel Temer ainda não era um presidente moribundo quando apresentou sua reforma da Previdência, no fim de 2016. Encenando um clássico do teatro político, o Planalto incluiu algumas malvadezas no texto, só para ter o que ceder na hora de negociar com o Congresso. O governo apanhou por quatro meses, até que decidiu recuar. Já era tarde.

As propostas de Temer que endureciam a concessão de benefícios a idosos pobres e dificultavam a aposentadoria de trabalhadores rurais contaminaram o projeto. Embora o presidente tenha aceitado flexibilizar o texto, a primeira impressão ficou. Poucos deputados toparam mudar de lado para apoiar o presidente.

Jair Bolsonaro corre o risco de repetir erros do passado. Incluída na nova reforma, a ideia de pagar menos de meio salário mínimo a idosos miseráveis antes que eles completem 70 anos é o suficiente para carimbar o projeto como uma crueldade com famílias de baixa renda.

Ainda que a proposta atual introduza normas austeras para os mais ricos e para funcionários públicos, os pontos que afetam agricultores e pessoas que não têm como se sustentar podem interditar o caminho.

A ameaça política da reforma da Previdência envolve um elemento trivial: o voto. Deputados e senadores retornarão a seus estados no fim de semana e precisarão dar explicações a suas bases. Muitos serão massacrados por eleitores mais pobres, furiosos com o endurecimento de aposentadorias e benefícios sociais.

A pressão será mais intensa no Norte e no Nordeste, que têm 216 das 513 cadeiras da Câmara. Não é preciso ter diploma de Chicago para calcular o peso desses votos nos 308 necessários para aprovar a reforma.

Bolsonaro adotou uma estratégia conhecida. Ofereceu um pacote sabidamente rigoroso para medir a resistência dos parlamentares e, depois, fazer concessões para agradá-los. O governo, no entanto, pode ter escolhido mal os pedaços de gordura que serão cortados. Parte dos políticos ficará encurralada antes que esse processo chegue ao fim.


O Globo: Entenda, ponto a ponto, as mudanças da reforma da Previdência

Proposta de Bolsonaro prevê idade mínima, altera regras para professores e policiais e cria regimes de transição

Por Geralda Doca, Daiane Costa e Stephanie Tondo, de O Globo

RIO - O texto da reforma da Previdência foi enviado ao Congresso nesta quarta-feira pelo governo federal. Veja quais são as propostas de novas regras para se aposentar.

» IDADE MÍNIMA
Como é hoje: Não existe idade mínima de aposentadoria no setor privado (INSS). No serviço público, ela é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.
Como fica: Trabalhadores do INSS e do serviço público terão idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).

 

» TRANSIÇÃO
» No INSS: A partir da aprovação da reforma, a idade mínima será de 56 anos (mulheres) e 61 anos (homens) para quem se aposenta por tempo de contribuição. Esse tempo é de 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). A idade mínima vai subir seis meses por ano até atingir 62/65 anos. No caso de quem se aposenta por idade (hoje de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres), a idade da mulher subirá seis meses por ano até alcançar 62 anos.

» No serviço público: As idades de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) também subirão gradativamente até atingir 62/65 anos.

 

» COMO FUNCIONARÁ A REFORMA PARA QUEM ESTÁ NO MERCADO
No INSS, serão oferecidos quatro critérios para pedir aposentadoria. As pessoas poderão escolher o que for mais vantajoso:

» Aposentadoria por idade: será exigido pelo menos 20 anos de contribuição para essa modalidade de aposentadoria. E, ainda, idade mínima de 62 anos para as mulheres. Mas a regra de transição prevê uma “escadinha” para chegar até esses limites. A idade mínima para as mulheres sobe 6 meses a cada ano, até chegar 62 anos em 2023. E o tempo mínimo de contribuição aumenta em seis meses a cada ano, até chegar aos 20 anos de contribuição (para homens e mulheres) em 2029.

» Somatório de pontos: quem optar por este modelo terá de somar sua idade e tempo de contribuição para saber sua pontuação atual. E precisará ter contribuído por pelo menos 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Em 2019, poderá se aposentar quem tiver 86 pontos no caso de mulheres e 96 pontos, para os homens. Essa tabela 86/96 sobe um ponto a cada ano. Em 2020, será exigido 87 pontos das mulheres e 97 pontos do homem. Em 2021, 88/98. E assim progressivamente, até chegar a 105 pontos para os homens e cem pontos para as mulheres. O trabalhador só poderá se aposentar quando a sua pontuação encaixar na tabela de mínimo exigido na reforma naquele ano

» Por tempo de contribuição: Quem optar por esse modelo terá de cumprir a idade mínima para se aposentar seguindo uma tabela da transição. E precisará ter contribuído para o INSS por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Essa transição para as novas idades mínimas vai durar 12 anos para as mulheres e oito anos para os homens. Ou seja, em 2027, valerá para todos os homens a idade mínima de 65 anos. E, em 2031, valerá para todas as mulheres a idade mínima de 62 anos. A reforma prevê que a idade mínima começará aos 61 anos para os homens e 56 anos para as mulheres, em 2019. E sobe seis meses por ano, até atingir os 62 anos para a mulher e 65 anos para o homem.

» Pedágio: quem está perto de se aposentar, faltando dois anos pelas regras atuais, terá uma opção a mais na regra de transição - pedir a aposentadoria por tempo de contribuição. Mas terá de "pagar um pedágio" de 50%. Funciona assim: se pelas regras atuais faltar um ano para o trabalhador se aposentar, ele terá de trabalhar um ano e meio (ou seja, 1 ano + 50% do "pedágio"). Se faltarem dois anos, terá de ficar no mercado por mais três anos.

» No serviço público: será oferecida uma única regra. A idade de aposentadoria atual de 55 anos (mulher) e 60 anos (homem) subirá para 56/61 anos em 2019 e assim progressivamente até atingir 57/62 anos em 2022 . Também será preciso obedecer o sistema de pontos, que começa com 86/96 pontos até alcançar 100/105 pontos.

 

» ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO
» Como é hoje: As alíquotas do INSS variam de 8% a 11% no INSS. Para o servidor, quem ingressou até 2013 e nao aderiu ao fundo complementar (Funpresp) recolhem 11% sobre o vencimento. Já quem ingressou depois de 2013 ou aderiu ao novo fundo recolhe também 11%, mas pelo teto do INSS.
» Como fica: As alíquotas serão de 7,5% a 14% para o INSS e de até 22% no caso dos servidores. E passarão a ser progressivas, variando por faixa de renda, como já é feito no IR. Assim, na prática, as alíquotas efetivas serão mais baixas.

 

» REGRA DE CÁLCULO
» Como é hoje: O valor do benefício é calculado com base em 80% dos maiores salários de contribuição.
» Como fica: O valor do benefício será calculado com base na média dos salários de contribuição. Com 20 anos de contribuição, a pessoa tem direito a 60% do valor do benefício. Quem ficar mais tempo na ativa ganhará um acréscimo de 2% até o limite de 100%. Para receber integral será preciso contribuir por 40 anos.

 

» SERVIDORES PÚBLICOS
Que ingressaram até 2003
» Como é hoje: têm direito à paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) e integralidade (último salário da carreira).
» Como fica: para ter direito à paridade e integralidade será preciso atingir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher), a partir da aprovação da reforma.
Aposentadoria do servidor público: saiba como são as regras atuais

 

» APOSENTADORIAS ESPECIAIS
» Policiais federais e civis
Como é hoje: Podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homens) e 25 anos de contribuição (mulheres) e com tempo na atividade policial de 20 anos (homens) e 15 anos (mulheres). Não há idade mínima de aposentadoria.
Como fica: Precisam atingir idade mínima de aposentadoria de 55 anos (homens e mulheres). O tempo mínimo de contribuição será mantido em 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres). O tempo de exercício na função subirá um ano a cada dois anos até atingir 25 anos (homem) 20 anos (mulher).

» Agentes penitenciários
Como é hoje: Não há idade mínima de aposentadoria e as pessoas podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homens) e 25 anos (mulheres) e tempo efetivo na função de 20 anos (homem) e 15 anos (mulheres).
Como fica: são enquadrados nas mesmas regras dos policiais federais e civis.

» Trabalhadores rurais
Como é hoje: Podem se aposentar aos 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens). Eles não são obrigados a contribuir para a Previdência, mas precisam comprovar pelo menos 15 anos de atividade no campo.
Como fica: A idade mínima de aposentadoria sobe para 60 anos (homens e mulheres). O tempo mínimo de contribuição também será elevado para 20 anos e eles serão obrigados a dar alguma contribuição para o sistema, podendo optar em recolher 1,7% sobre a comercialização da produção ou pagar um valor fixo de R$ 600 por ano por núcleo familiar.

» Professores (ensino infantil, médio e fundamental)
Como é hoje:
Rede privada (INSS) - Podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos de contribuição (mulher), sem exigência de idade mínima.
Rede pública - Podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos de contribuição (mulher). Há idade mínima de aposentadoria de 50 anos (mulher) e 55 anos (homem).
Como fica: Nos dois casos, a idade mínima será de 60 anos e 30 anos de contribuição (homens e mulheres). Será preciso comprovar exercício na função.

» Policiais militares e bombeiros
Como é hoje: As regras variam de acordo com as legislações estaduais. Não há idade mínima de aposentadoria.
Como fica: Serão igualados aos militares das Forças Armadas. Deverão permanecer sem idade mínima, mas as regras previdenciárias vão mudar: o tempo na ativa será de 35 anos, com possibilidade de cobrança da contribuição previdenciária para policiais inativos (reserva/reforma) e de pensionistas e alunos em escola de formação (academia).

» Políticos
Como é hoje: Podem se aposentar aos 60 anos (homens e mulheres), com 35 anos de contribuição, e incorporar no benefício uma parcela do salário no Legislativo.
Como fica: A idade subirá para 65 anos para os homens e 62 para mulheres. Quem atingir essa idade e não tiver ainda 35 anos de contribuição tem de pagar 30% de pedágio sobre o tempo de contribuição faltante. Os novos ocupantes de cargos eletivos serão enquadrados nas mesmas regras do INSS.

» APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
Como é hoje: Se aposenta com o valor integral do benefício a que tem direito
Como fica: O valor do benefício vai variar de acordo com a origem do problema que levou ao afastamento irreversível do mercado de trabalho. Se for acidente de trabalho, doenças profissionais ou doenças do trabalho continua recebendo o valor integral a que tem direito. Nos demais casos, só receberá 60% do valor a que tem direito e, quem tem mais de 20 anos de contribuição recebe 2% mais por ano que exceda essas duas décadas. Essa regra não vale para quem tem direito a apenas um salário mínimo. Nesse caso, não será feito nenhum desconto.

 

» BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS
Pago a idosos e deficientes da baixa renda que não contribuíram para regime

Como é hoje: O auxílio, no valor de um salário mínimo, é concedido aos 65 anos para homens e mulheres cuja renda mensal de cada integrande da família não ultrapasse 1/4 do salário mínimo. Deficientes recebem um salário mínimo com qualquer idade, desde que também comprovem essa situação de miserabilidade.
Como fica:
» Deficientes: renda mensal de um salário mínimo, sem limite de idade.
» Idosos (em condições de miserabilidade): Será possível antecipar os benefício assistencial no valor de R$ 400 aos 60 anos de idade e a partir dos 70 anos, o valor sobe para um salário mínimo.
Condição de miserabilidade: além da renda mensal per capita da família ser inferior a 1/4 do salário mínimo, o patrimônio familiar não pode ultrapassar o valor de R$ 98 mil.

 

PENSÕES
Como é hoje: O valor da pensão é integral.
Como fica: O valor da pensão cairá para 60%, mais 10% por dependente (incluindo a viúva ou o viúvo). Quando os beneficiários perderem a condição de dependentes, as quotas são extintas. Quem já recebe a pensão não será atingido.

 

ACÚMULO DE BENEFÍCIOS
Como é hoje: É possível acumular aposentadoria e pensão.
Como fica: O segurado ficará com o benefício de maior valor, mais uma parcela do de menor valor, obedecendo uma escadinha: 80% se o valor for igual a um salário mínimo; 60% do valor que exceder o mínimo, até o limite de dois; 40% do valor que exceder a dois mínimos e 20% do valor acima de três salários mínimos até quatro salários mínimos. Acima disso, não recebe nenhuma porcentagem. Algumas carreiras como médicos e professores, quem têm acumulações previstas em lei, não serão atingidos. No entanto, a acumulação de cada benefício adicional será limitada a dois salários mínimos.


Luiz Carlos Azedo: Previdência é divisor de águas

“O porta-voz Rêgo Barros deixou no ar a possibilidade de os militares integrarem o texto, ao dizer que “todos” serão incluídos nas propostas. O eixo da mudança é a idade mínima de aposentadoria”

A proposta de reforma previdenciária de Jair Bolsonaro, que está sendo chamada de Nova Previdência para se diferenciar da apresentada por seu antecessor, Michel Temer, será anunciada hoje em um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, explicando as principais mudanças. O Palácio do Planalto apostará todas as fichas numa boa comunicação das mudanças, por meio de uma campanha institucional, que será lançada para criar um ambiente favorável à aprovação da reforma na opinião pública.

Bolsonaro levará o projeto em mãos ao Congresso. A Nova Previdência é encarada como uma espécie de divisor de águas pelo governo e o mercado, que apostam na sua aprovação para enfrentar a crise fiscal e retomar o crescimento econômico. Na Câmara, porém, o ambiente é o de sempre: às vésperas de grandes votações de interesse do governo, a própria base governista se encarrega de criar instabilidade para barganhar a liberação de verbas e ocupação de cargos. O sinal de que o governo terá de negociar bastante foi a derrota imposta ontem ao Palácio do Planalto na Casa, que suspendeu os efeitos do decreto assinado pelo presidente em exercício Hamilton Mourão, que permitia a servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas classificarem documentos como secreto ou ultrassecreto.

Assinado em janeiro, o decreto alterava as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI), que possibilita a qualquer pessoa física ou jurídica ter acesso às informações públicas. A classificação dos documentos secretos e ultrassecretos é prerrogativa do presidente e do vice-presidente da República, dos ministros de Estado e de autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e de chefes de missões diplomáticas no exterior. O decreto derrubado ampliava isso, sendo muito criticado porque aumentava o sigilo sobre os atos governamentais.

Recado
O recado ao governo foi dado na aprovação da urgência em plenário: foram 366 votos a favor, 57 contrários e três abstenções. Depois, o decreto foi suspenso por votação simbólica de lideranças. O porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, minimizou o resultado: “O governo não considera de forma alguma como derrota o fato de o Congresso pedir análise mais aprofundada no que toca à Lei de Acesso à Informação”, afirmou. Por trás da votação, o litígio com os partidos da base, que estão sub-representados na Esplanada dos Ministérios.

O vice-presidente Hamilton Mourão, em entrevista pela manhã, havia revelado a contabilidade do Palácio do Planalto em relação à Previdência: o governo conta com 250 votos e precisará “garimpar” de 60 a 70 votos para aprovar a Nova Previdência na Câmara. Por se tratar de uma emenda à Constituição, o projeto precisará ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial e ser aprovado no plenário em dois turnos, por 308 votos, no mínimo, em cada turno. A Câmara tem 513 deputados. Depois, seguirá para o Senado, onde necessitará dos votos de 49 dos 81 senadores, também em duas votações.

O projeto a ser entregue em mãos pelo presidente Jair Bolsonaro ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem 80 mudanças no regime de Previdência. O porta-voz Rêgo Barros deixou no ar a possibilidade de os militares integrarem o texto, ao dizer que “todos” serão incluídos nas propostas. O eixo da mudança é a idade mínima de aposentadoria para homens (65 anos) e mulheres (62 anos), ao fim de um período de transição de 12 anos.

Caixa dois
Ontem, os ministros Sérgio Moro (Justiça) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) entregaram o pacote de projetos anticrime do governo ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ): projeto de lei contra a corrupção e o crime organizado e mudanças nos códigos de Processo Penal e Eleitoral. O fatiamento teve como objetivo facilitar a tramitação das propostas no Congresso, onde a resistência maior deve ser em relação aos crimes de colarinho branco e à criminalização do caixa dois eleitoral. No total, propõe a alteração de 14 leis.

Suíte
O ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno vazou para a revista Veja os áudios de diálogos com o presidente Jair Bolsonaro, que resumem a crise de governo que o levou à demissão. As gravações sinalizam uma ruptura de relações muito mais profunda do que a versão oficial e criaram constrangimentos para o governo, que tenta virar a página. O vazamento facilitou a vida da oposição no Senado, que convidou o ex-ministro para dar esclarecimentos à Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor por 6 a 5.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-previdencia-e-divisor-de-aguas/

 

 


O Globo: Pensionistas de militares ganham até R$ 58 mil por mês

Acúmulo de benefícios custa R$ 5 milhões mensais; gastos com pensões de filhas casadas impactam em mais de R$ 200 milhões aos cofres públicos

Por André de Souza, de O Globo

BRASÍLIA — Em meio ao debate sobre a reforma da Previdência, as pensionistas de militares não têm muito do que reclamar. Há na Aeronáutica e no Exército pelo menos 281 mulheres acumulando duas pensões. Elas custam aos cofres públicos mais de R$ 5 milhões por mês, recebendo, em média, quase R$ 19 mil mensais cada uma. Na Marinha, elas são 345, mas não há informações sobre valores. São, em geral, viúvas que, por serem filhas de militares, tiveram direito a duas pensões: dos maridos e dos pais. Na ponta de cima da tabela está uma pensionista da Aeronáutica que recebe todo mês mais de R$ 58 mil.

Além dos pagamentos em dobro para uma mesma pensionista, há um outro aspecto do benefício que fará com que ele continue pesando nas contas públicas por décadas. Até o fim de 2000, qualquer filha de militar falecido tinha direito à pensão, independentemente da idade. Houve então uma mudança na lei, extinguindo o benefício. Quem já recebia, contudo, continuou recebendo. E uma brecha permitiu que novos benefícios fossem autorizados.

Hoje são cerca de 110 mil filhas pensionistas nas três forças. Dados parciais obtidos pelo GLOBO referentes a 37,8 mil mulheres mostram que pouco menos de 23 mil, ou três de cada cinco, conseguiram o benefício após a mudança na lei.

Limite desde 2000
Isso ocorre porque o direito à pensão é definido pela data de entrada do militar em uma das três Forças, e não pela data da morte dele. Desde o fim de 2000, a pensão é garantida apenas a filhos ou enteados de até 21 anos, ou 24 se forem estudantes universitários. Mas, no caso de militares que ingressaram no Exército, Marinha ou Aeronáutica até aquele ano, suas filhas ainda poderão ter o benefício, ainda que os pais venham a morrer só daqui a 50 anos. Para isso, é preciso apenas que o militar pague uma contribuição adicional de 1,5%.

Os dados são da folha de julho de 2018, podendo variar mês a mês, e foram obtidos pelo GLOBO em setembro e outubro após um ano e oito meses solicitando-os por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Eles foram repassados somente depois que a Controladoria-Geral da União (CGU) aceitou um recurso e mandou as três forças levantarem as informações pedidas. A Marinha, cujo prazo para responder terminou em outubro, não cumpriu a decisão.

No caso das mulheres que recebem mais de uma pensão, são 221 na Aeronáutica e 61 no Exército. Os maiores valores são pagos a uma pensionista nascida em 1935. Em 1993, ela obteve da Aeronáutica o direito a uma pensão de R$ 27.254,45. Em 2016, conseguiu outra de R$ 30.999,62, fazendo com que seus vencimentos superem os R$ 58 mil. No Exército, a campeã de rendimentos nasceu em março de 1935, recebendo mais de R$ 52 mil por mês.

A concessão da pensão a filhas de militares passou por várias fases. Uma lei de 1960 permitia o benefício "aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino". Em outras palavras, podia até mesmo ser casada. Em 1991, a lei foi modificada e passou a permitir apenas filhas solteiras. Mas em 1993 o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou essa alteração inconstitucional e as casadas voltaram a ter o benefício. Em 28 de dezembro de 2000, a lei foi mudada novamente extinguindo o benefício daquele ponto em diante.

O GLOBO também solicitou, via Lei de Acesso, informações sobre os benefícios pagos às filhas casadas. Os dados mostram claramente que a extinção da pensão em 2000 não impediu que ela continuasse sendo concedida. No Exército, são 31.630 filhas casadas que recebem ao todo quase R$ 200 milhões por mês. Delas, 18.182 tiveram a pensão concedida após lei que a extinguiu, recebendo mensalmente mais de R$ 108 milhões. Na Aeronáutica são 6.162, uma despesa de cerca de R$ 35 milhões por mês. Delas, 4.724 obtiveram o benefício após a alteração na legislação no fim de 2000, recebendo no total mais de R$ 26 milhões por mês.

O GLOBO excluiu dos cálculos pensionistas que tinham até 24 anos em julho de 2018, uma vez que, mesmo pela nova lei, elas continuam tendo direito à pensão caso sejam universitárias. A maior parte nasceu nos anos 40, 50 e 60, mas a variação de idade é grande, havendo até mesmo algumas centenárias e outras bem mais jovens. À medida que o tempo passar e elas morrerem, o total gasto com as pensões de filhas de militares vai diminuir, mas num ritmo mais lento do que o esperado justamente em razão de novos benefícios que ainda poderão ser concedidos.

Em maio do ano passado, o GLOBO mostrou que, segundo o próprio Exército, os gastos da força com o pagamento de pensões de filhas de militares, que hoje ultrapassam os R$ 5 bilhões por ano (incluindo tanto as solteiras como as casadas), ainda serão elevados em 2060. A partir de dados fornecidos pelo Exército, foi possível estimar que a despesa daqui a 41 anos ainda estará próxima a R$ 4 bilhões.

O economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado, sugere como medidas para minimizar o déficit das pensões um aumento das alíquotas dos militares de 1,5% para 6%, e a criação de uma contribuição para as próprias pensionistas. Elas passariam a ter um desconto dos benefícios, no valor de 11%. Nas estimativas do economista, isso poderia gerar uma receita de cerca de R$ 2 bilhões.

— No serviço público, pensionista contribui. Pensionista de militar não. Essa é uma alternativa para essas pensões — afirmou Pedro Nery, acrescentando: — Em que pese a defasagem salarial da carreira militar, os benefícios são maiores mesmo do que a média do serviço público. Muitos países diferenciam a carreira, mas se aposentar cedo com integralidade e deixar pensão vitalícia pra filha não é comum.

Em maio do ano passado, o Exército informou ter gasto R$ 407,1 milhões na folha de abril de 2018 com essas pensões, o que representa um gasto anual de mais de R$ 5 bilhões. Todas as receitas previdenciárias das três forças ao longo de 2018 — e destinadas ao pagamento desse e outros benefícios — ficaram bem abaixo disso: R$ 2,36 bilhões.

Se incluídos todos os gastos previdenciários, como aposentadorias, de Exército, Marinha e Aeronáutica, a despesa total foi de R$ 46,21 bilhões em 2018. Como a receita foi bem menor, o déficit chegou a R$ 43,85 bilhões. Em 2017, o déficit, embora grande, foi consideravelmente menor: R$ 38,85 bilhões. Proporcionalmente, é um rombo maior do que entre os servidores civis federais e muito acima do que o registrado entre os trabalhadores atendidos pelo INSS.

Por meio da assessoria de imprensa, a Marinha afirmou que o órgão se encontra em fase de transição, que as filhas casadas que ganham pensão têm direito adquirido e que, por questões judiciais, podem acessar o benefício. A Aeronáutica, por meio da assessoria de imprensa, se recusou a comentar o assunto. O Exército não retornou o pedido da reportagem.


Valor: 'Com regra atual, nem em dez anos Estados vão ajustar as contas', diz economista

"Agora pelo menos nos Estados percebe-se que o problema independe de partidos, é sistêmico. Dar alívio a Estados em troca da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é grande"

Por Marta Watanabe, do Valor Econômico

SÃO PAULO - Desde que foi secretária da Fazenda de Goiás em 2015 e 2016, Ana Carla Abrão participa intensamente do debate sobre as contas públicas e agora propõe uma "reforma de RH do Estado", que inclui mudanças estruturais nas carreiras dos servidores públicos e um plano de ajuste para os governos estaduais. Elaborada em conjunto com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com o jurista Carlos Ari Sundfeld, a proposta se concentra em mudanças na legislação infraconstitucional.

Pela proposta, os Estados devem reconhecer o tamanho da despesa de pessoal, seja como resultado de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), seja pela harmonização de interpretações da lei pelos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). Com isso, todos os Estados, diz a sócia da Oliver Wyman, ficarão acima do teto de gastos de pessoal, de 60% da receita corrente líquida no consolidado dos poderes.

O prazo para reenquadramento dos Estados, segundo a ex-diretora do Itaú, será ampliado de dois quadrimestres para dez anos. A contrapartida dos governadores será replicar em seus Estados mudanças que inicialmente seriam feitas na legislação federal, com regulamentação de avaliação de desempenho relativo dos servidores, fim das promoções e progressões automáticas e reestruturação de carreiras. As alterações precisam passar pelas Assembleias Legislativas. O ajuste seria gradual e monitorado pelo Tesouro Nacional no decorrer dos dez anos e pode, num cenário otimista, resultar em redução nominal de 30% da folha ao fim de quatro anos.

Ex-economista chefe da Tendências Consultoria, Ana Carla avalia que atualmente há um grupo de Estados que claramente caminham no sentido de mudanças estruturais para reequilíbrio fiscal. Seria o que ela chama de coalizão, formada pelos governadores João Doria (PSDB), de São Paulo, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Helder Barbalho (MDB), do Pará. Renan Filho (MDB), de Alagoas, destaca ela, se aproxima desse grupo em temas como a reforma previdenciária. Antes, diz Ana Carla, entre os governadores do mandato anterior, o ajuste era bandeira de vozes isoladas, como Paulo Hartung (sem partido/ES) e Renan Filho. O agravamento da crise, afirma ela, tornou o problema dos Estados mais claro. Ana Carla diz que não é possível esperar que todos abracem todas as agendas, mas à medida que a coalizão se amplia, avalia, há pautas básicas "passíveis de serem adotadas Brasil afora".

Apesar do quadro mais propício entre os governadores, Ana Carla teme que a reforma previdenciária vire moeda de troca por pacote de apoio aos Estados. O governo federal, diz ela, tem sido firme no sentido de que a reforma previdenciária é importante e prioritária. "O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional", diz. "Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. Não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos." A reforma tributária, defende, precisa ser aprovada por si só porque é imprescindível para que o país tenha alguma chance de crescer.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no escritório da Oliver Wyman:

Valor: Como é a proposta para ajuste dos Estados elaborada com o economista Arminio Fraga e o jurista Carlos Ari Sundfeld?
Ana Carla Abrão: A ideia é uma reforma de base, uma reforma de RH [recursos humanos] dos Estado para alterar a legislação infraconstitucional, deixando a discussão de estabilidade para depois. Mexer na estabilidade exige mudança na Constituição Federal e não há espaço para discutir isso agora, já que a prioridade é a emenda da reforma previdenciária. Nossa proposta está dividida em duas etapas: uma que trata do governo federal e do serviço público federal e uma que trata de Estados e municípios. Na esfera federal propomos três pontos. O primeiro é regulamentar critérios de avaliação de desempenho. Vamos regulamentar e estabelecer que é obrigatória a avaliação de desempenho de forma periódica num nível relativo de todo o servidor público do país. Nas avaliações de hoje, todo mundo ganha nota dez ou mil. E sabemos que os serviços públicos não são nem nota dez nem nota mil. O bom servidor público, que trabalha duro, está recebendo a mesma nota muitas vezes de outro que não é tão comprometido. O segundo ponto é acabar com promoções e progressões automáticas, que têm duas implicações nefastas. A primeira é que as pessoas não precisam se esforçar para ganhar mais ou ocupar cargos mais altos. Segundo, há impacto fiscal relevante. Porque mesmo se não der aumentos salariais a folha crescerá de forma vegetativa.

Valor: E isso afeta a capacidade de gestão da folha?
Ana Carla: Sim, tira a possibilidade de gestão do administrador público. As promoções e progressões continuarão porque fazem parte do desenvolvimento profissional, mas precisam ser vinculadas ao mérito. O terceiro ponto é resgatar a capacidade de planejamento da força de trabalho no setor público. Hoje na máquina pública se abrem concursos e não há mobilidade entre as carreiras. Então existem órgãos em que sobra gente e outros em que falta, o que gera mais concursos. O processo não tem fim. As empresas do mundo estão discutindo como lidarão com a disrupção tecnológica e o avanço da digitalização. Precisamos preparar o setor público para isso, atrair pessoas com perfil diferente, com capacidade de mobilidade dentro da máquina.

Valor: E Estados e municípios?
Ana Carla: É o outro pilar da proposta. Não é possível aceitarmos serviços públicos tão ruins num país onde mais da metade da população depende de educação e saúde pública e gratuita. Isso reforça a desigualdade social e precisa ser revertido. Os Estados e municípios são os provedores da maior parte desses serviços e é onde temos também o maior problema fiscal. Estamos alocando mal os recursos, e hoje o servidor público responsável por prover os serviços está desmotivado porque não recebe salários em razão da situação de colapso fiscal. A proposta original é rever a LRF e atualizar os conceitos de despesa de pessoal. Sabemos que nenhum Estado cumpre a LRF. Propomos rever o conceito de despesa de pessoal, reconhecer as despesas. A consequência disso é que 100% dos Estados estarão desenquadrados. A LRF estabelece dois quadrimestres de prazo para reenquadramento.

Valor: Mas o prazo não é viável.
Ana Carla: É absolutamente impossível. Não é razoável achar que os Estados vão baixar 15 ou 20 pontos de comprometimento da receita nesse prazo. Então criaríamos uma disposição transitória para, especificamente para neste momento, dar dez anos de prazo para o reenquadramento. Com os instrumentos atuais, é impossível enquadrar mesmo em dez anos. O enquadramento se dará com os Estados aderindo aos dispositivos que propusemos para o governo federal, com avaliação de desempenho relativa, proibição de promoções e progressões automáticas e revisão de planos de cargos e salários. A redução da despesa será feita de forma linear. Ao final, vão ter alguns ganhando mais, outros menos, mas teremos um contingente mais racional de servidores. Será possível dar condições de trabalho a eles e recuperar a capacidade de investimento. Com base em análise de planos de carreiras e de legislações de cargos e salários em entes federados e levando em conta uma situação otimista, a mudança pode trazer redução nominal de 30% da folha salarial ao fim de um período de quatro anos. Estudei leis de carreiras do país todo e esse modelo é muito replicável. Mesmo de forma gradual, faremos redução nominal da folha, algo impensável no modelo atual, mesmo com congelamento de salários. O congelamento não pode ser medida descartada. Nos regimes de recuperação fiscal é algo necessário, mas ele não funciona no longo prazo. Por isso é preciso revisão de cargos, salários, de leis, de processos internos de promoção, para que os reajustes sejam racionais, sustentáveis e criteriosos.

Valor: Mas a mudança nos Estados precisa ser antecedida por uma alteração da LRF?
Ana Carla: A alteração é para fazer os Estados reconhecerem a despesa de pessoal. Muitos dizem que essa discussão da LRF pode flexibilizar ainda mais as condições aos Estados. Um caminho alternativo é esse movimento dos TCEs, motivado pelo Tesouro Nacional, de criar padronização sobre as despesas de pessoal. Isso pode ter o mesmo impacto da revisão da LRF.

Valor: Mas esse movimento dos TCEs não é tão uniforme, certo?
Ana Carla: Eu sou otimista no sentido de finalmente haver autocrítica e pelo menos os absurdos desaparecerem, como retirar do cálculo da despesa de pessoal o Imposto de Renda sobre folha, os pensionistas e até aposentados. E a discussão da LRF ficaria para um momento mais oportuno. No momento em que se coloca IR, aposentados e pensionistas na conta, ninguém vai ficar com 75% porque criou-se o subterfúgio de dar auxílios sob forma de aumento e isso não estaria capturado, mas pelo menos se corrigiria na direção correta. Os Estados não podem fugir das discussões das leis locais de carreira porque os instrumentos de correção só existem com a mudanças nessas regras. É uma briga que está nas mãos dos governadores nas suas Assembleias Legislativas. Não depende da União ou do STF. O que o governo federal precisa fazer é a coordenação técnica. Não podemos deixar os Estados soltos. Quando o assunto chegar na Assembleia de cada Estado, se não houver uma onda acontecendo junto, com outros governadores indo na mesma direção, a briga fica muito mais difícil e a chance de fracasso é muito maior.

Valor: E os novos governadores estão propensos a essas mudanças?
Ana Carla: Há um grupo muito propenso, o da coalizão dos novos governadores, que são Eduardo Leite, Caiado, Zema, Doria e Barbalho. Eles se uniram numa coalizão para defender pautas de responsabilidade fiscal porque querem ter capacidade de governar. Nos Estados como Rio Grande do Sul, Minas e Goiás temos governadores assumindo esses mandatos pela primeira vez, com quatro anos pela frente e em condições de total ingovernabilidade. São forças políticas dependendo de pautas positivas para entregar um Estado com avanços daqui a quatro anos. Quando olhamos para trás, tínhamos poucos governadores nesse caminho em todo o mandato, como Renan Filho e Hartung. Agora há uma coalizão mais representativa, com maior poder de multiplicação. No mandato anterior eram vozes isoladas.

Valor: A aproximação do governador Renan Filho a essa coalizão, ao menos em algumas agendas, é importante politicamente?
Ana Carla: Sem dúvida. Renan Filho é governador reeleito e hoje mostra os resultados de uma gestão anterior responsável. À medida que a coalizão integra representantes de diversas regiões, pelo menos há pautas básicas passíveis de serem adotadas Brasil afora. Não podemos ser ingênuos de imaginar que o Brasil é um só. Não podemos ir a um extremo de todos abraçarem a mesma agenda nem cada um para si ou cada bloco defendendo a sua pauta. Senão chega no Congresso, onde as reformas têm que acontecer, e não saímos do lugar porque não há a necessária maioria ou representatividade. A vinda de Renan Filho ajuda a criar uma agenda básica comum. Ao longo dos últimos quatro anos, vimos uma divisão territorial do Brasil em que pautas importantes não sensibilizavam o Nordeste ou vice-versa. Há o bloco dos Estados exportadores querendo repasses da Lei Kandir, o do Nordeste, que depende muito do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o do Centro-Oeste, que defende os incentivos fiscais. E há São Paulo tratado como se estivesse contra o Brasil inteiro. A divisão sempre existirá, mas precisamos chegar a um consenso. Reforma da Previdência, necessidade de racionalizar serviços públicos, reforma tributária, por exemplo.

Valor: Então os Estados estão tentando se reorganizar entre si?
Ana Carla: Sim. Depois desse ciclo em que os governadores que saíram pegaram uma situação difícil e deixaram para o sucessor uma pior ainda, o entendimento dos problemas está mais claro. E começa a perder a característica partidária. O problema é que, com tanta polarização anterior, as agendas viraram vermelhas ou azuis. Agora pelo menos no nível dos Estados percebe-se que, independentemente de partidos, temos um problema sistêmico. Não adianta ficar culpando governador do partido contrário ao meu.

Valor: A sra. acha que Estados que baterem à porta do governo federal em busca de recursos sem buscar ajuste não terão sucesso, então?
Ana Carla: Eu tenho um temor. Temos a pauta que é a mais importante para o Brasil hoje, que é a reforma da Previdência. O medo que tenho é entrar num processo de toma-lá-dá-cá. Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio de que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. E não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos. Usar a Previdência como moeda de troca mostraria que os governadores não entenderam que a reforma é um imperativo não só para a sobrevivência dos Estado, mas também para que o país tenha alguma chance de voltar a crescer.

Valor: E o governo federal tem força para impedir o uso dessa brecha?
Ana Carla: O governo federal tem dado declarações muito firmes nessa direção, de que a reforma da Previdência é importante para todos, é prioritária e urgente. O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional.

Valor: Mas esse jogo não depende da postura do governo?
Ana Carla: Sim, e a postura do governo tem sido muito firme. O que Mansueto [Almeida, secretário do Tesouro Nacional], que é o porta-voz do governo federal para a agenda dos Estados, fala é que não há recursos e que o problema dos Estados é de despesa de pessoal e Previdência. A primeira declaração que vi diferente dessa foi do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse estar negociando pacote de apoio aos Estados em troca da aprovação da reforma da Previdência. Quando ele fala do governo federal e da gestão da Câmara, o discurso dele é de muita responsabilidade. Para mim, soou estranho abrir espaço para que essa negociação exista. Não se trata de deixar Estados soltos, mas misturar essa duas agendas e dar alívio aos Estados em troca da aprovação da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é muito grande.

Valor: Qual sua perspectiva para a economia e como isso pode afetar os Estados?
Ana Carla: Vejo de forma binária, que felizmente está pendendo mais de um lado do que para outro. O Brasil tem hoje dois caminhos. Um deles é aprovar uma reforma da Previdência decente e isso por si só é muito importante, mas tem, além disso, um impacto de segunda ordem que é abrir espaço na agenda para reformas microeconômicas, estruturantes, que vão dar ganhos de produtividade para a economia brasileira. Nesse conjunto, eu coloco a reforma do Estado. Falar em produtividade sem falar no setor público não é falar em produtividade. Se trilharmos esse caminho, juntamente com privatização e concessões, com ganhos de investimentos em infraestrutura, o Brasil tem pela frente uma perspectiva positiva, de crescimento. Não estou falando de o Brasil crescer, 5%, 7%, 10%, mas sim de retomada de crescimento com uma possibilidade de surpreender positivamente. Isso seria muito favorável para os Estados. Não tira a agenda de reformas estruturais dos Estados da pauta, mas não podemos menosprezar o impacto positivo de ter investimentos, economia crescendo, de sair pelo menos três palmos da linha d'água, já que estamos submersos. Se não tivermos reforma da Previdência, será um desastre. O Brasil terá um agravamento adicional de uma situação que já é muito grave e os Estados serão a bomba da vez. Será uma situação de colapso generalizado e entramos num processo que não quero viver. Mas estou otimista porque o primeiro caminho se mostra mais provável.


Vinicius Torres Freire: Previdência mais dura e ainda vaga

Faltam definições cruciais para a vida das pessoas e para as contas públicas

Jair Bolsonaro definiu as idades mínimas de aposentadoria do projeto que vai enviar ao Congresso. E daí? Sabe-se ainda pouco.

Houve comoção entre o povos dos mercados. O pessoal ficou satisfeito de ver que o presidente não surtou na Previdência e que seu governo não criou mais um episódio BBB, com outro ministro no paredão ou vexames assim.

No mais, contar que a idade mínima de aposentadoria será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, depois de 12 anos de transição, diz pouco sobre o impacto humano e fiscal da reforma.

Tudo bem. No entanto, como há algum tempo para o governo calibrar a reforma, convém atentar para o que importa. Ou seja, o que afeta a vida cotidiana e para bodes, jabutis e rinocerontes que podem prejudicar a reforma em termos de economia e viabilidade política.

A transição será de até 12 anos. Mas em que ponto começa a transição? Isto é, depois da reforma, qual será a idade mínima provisória, implícita ou explícita?

Em outros projetos reformistas, seria de 55 anos para homens e de 53 para mulheres. O pessoal de Bolsonaro, porém, pensa em algo perto de 60 anos para homens e 56 para mulheres.

Deve haver outros arranjos para quem está perto de se aposentar, a fim de que se evite mudança abrupta.

Vai haver um pedágio, anos extras de trabalho, de 30% a 50% sobre o tempo que faltaria para a aposentadoria.

Para a transição em geral, deve continuar a exigência de pontos mínimos, similar à regra do sistema atual: soma de idade com tempo de contribuição. Além do mais, pode haver um desconto no valor das aposentadorias se a pontuação for baixa, tal como o fator previdenciário.

Além das regras de acesso (idade etc.), o que mais pesa na vida das pessoas e nas contas do governo? O valor dos benefícios, normas para pensões e as regras de acesso a benefícios assistenciais.

As pensões serão reduzidas pela metade, com 10% extras para cada dependente, como se pretendia?

Todos os benefícios ainda terão o valor de um salário mínimo? Benefícios assistenciais cairão abaixo do mínimo? O salário mínimo continuará a ter reajustes além da inflação? Em suma, vão desvincular os benefícios do valor do mínimo?

Vão mudar as regras de acesso à aposentadoria rural (na prática, um benefício assistencial) e ao BPC (para idosos e deficientes muito pobres)? O Congresso resiste a mudanças na Previdência rural.

O grosso da economia da reforma previdenciária vem desses benefícios discutidos até aqui.

Quase todo o mundo vai se sentir injustiçado pela reforma, com ou sem razão, embora as pesquisas indiquem que caiu a resistência à mexida na Previdência (pelo menos enquanto o povo não conhece os detalhes da coisa).

Se o governo forçar a barra, criando uma transição muito abrupta para aposentadorias, pensões ou benefícios para muito pobres, pode ter chiadeira além da conta entre o povo e, pois, no Congresso.

Caso não apare os privilégios dos regimes de aposentadorias de funcionários públicos, a reação será ainda mais azeda.

Enfim, de mais importante: quase nada se fala de preservar a arrecadação da Previdência, ameaçada por mudanças no mundo do trabalho.

Lembre-se que a reforma de Michel Temer levou um talho de mais de 20% no Congresso (em termos de redução de despesa do governo). A de Bolsonaro também será lipoaspirada.

Mas não adianta o governo exagerar na dose, causar tumulto e, assim, reações ainda mais defensivas no Congresso.


Bruno Boghossian: Resistência de Bolsonaro à reforma da Previdência pode contaminar Congresso

Ressalvas do presidente até a última hora mostram que negociação política será custosa

Jair Bolsonaro se comportou como um líder hesitante até definir sua proposta de reforma da Previdência. Na véspera de bater o martelo, admitiu com certo pesar que “nem gostaria” de fazer a mudança. “Mas sou obrigado a fazê-la. Do contrário, o país quebrará”, completou.

A resistência demonstrada pelo presidente em relação a um ajuste rigoroso deve ter reflexos no Congresso. Durante a elaboração do texto, o próprio Bolsonaro expôs publicamente sua relutância em relação a diversos pontos da reforma. A atitude pode contaminar a visão dos parlamentares sobre o tema.

Um dia antes de definir a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, o presidente disse numa entrevista que esses números poderiam ficar em 62 e 57. Ao expor a hipótese, Bolsonaro deu guarida a deputados e senadores que gostariam de pleitear a redução.

Nas discussões sobre a reforma, Bolsonaro se esforçava para demonstrar sensibilidade social. Afirmou que o ajuste não pode “matar idosos” e usou dados distorcidos de expectativa de vida para justificar uma idade de aposentadoria menor. Agora, esses argumentos serão aproveitados com gosto pela oposição.

Com três décadas de vida no Congresso, o presidente foi o primeiro teste de articulação política da reforma. A equipe econômica conquistou uma vitória ao fechar um acordo em torno do texto, mas o debate também revelou os custos da negociação. Se o próprio presidente fazia ressalvas até a última hora, não se deve esperar caminho livre nem entre os aliados mais fiéis do governo.

Quando estava prestes a escorregar do precipício, Gustavo Bebianno se agarrou ao presidente. Nas últimas 24 horas, o ministro atacou Carlos Bolsonaro (a quem chamou indiretamente de moleque) e transferiu as suspeitas sobre o laranjal do PSL para outros dirigentes do partido. Em algum momento, Jair precisará exercer autoridade e decidir se algum deles será atirado do penhasco.