pressão
Eliane Cantanhêde: ‘Engodo liberal’
Persio Arida alertou que o liberalismo de Bolsonaro era uma farsa e Guedes não mandaria nada
Não foi por falta de aviso. Desde a campanha eleitoral, em 2018, as vozes mais brilhantes da economia, com grandes serviços prestados ao Brasil, já alertavam para o autoengano do mercado com o liberalismo improvisado do corporativista Jair Bolsonaro, que usou o “Chicago Boy” Paulo Guedes para “enganar um bobo, na casca do ovo”.
Foi assim que Bolsonaro venceu e, presidente, joga pela janela a “nova política”, a Lava Jato, Sérgio Moro, as reformas, as privatizações e as regras de mercado. Só falta jogar o próprio Guedes e... a democracia. Quanto ao ministro, é considerado questão de tempo. Quanto à democracia, é melhor prevenir agora do que (tentar) remediar depois.
Persio Arida, um dos pais do Plano Real e assessor da campanha do tucano Geraldo Alckmin, não grita, não é histriônico, nem sequer é político, mas alertou o tempo todo para exatamente tudo o que está acontecendo agora. Banqueiros, empresários, economistas e metidos a entendidos, não venham dizer que não sabiam e estão perplexos. O passado condena. O passado de Bolsonaro já dava todas as pistas do que viria por aí.
Em entrevista inesquecível à repórter Renata Agostini, no Estadão, Arida disse que o capitão Bolsonaro era um “engodo liberal”, como o coronel Hugo Chávez na Venezuela, e alertou para a esquizofrenia da campanha bolsonarista: um candidato estatizante e corporativista escudando-se num “Posto Ipiranga” privatizante e reformista. Sua aposta: o “mitômano” Guedes não ia mandar nada. Afinal, “quem tem a caneta manda”.
Foi um momento “Mãe Dinah” de Persio Arida? Não, ele apenas disse o óbvio, mas o capital e grandes parcelas da população estavam cegos pelo ódio ao PT e foram facilmente manipulados por uma profecia autorrealizável: só Bolsonaro venceria o ex-presidente Lula ou o candidato dele. As pesquisas diziam o contrário, mas as redes sociais tanto martelaram isso que virou verdade. A facada fez o resto e veio “o mito”.
Cadê o R$ 1 trilhão de Guedes com a venda de estatais? Bolsonaro é contra privatizações e o gato comeu. Cadê a promessa de Guedes de zerar o déficit público em um ano? Bolsonaro nunca quis cortar nada e, quanto mais 2022 se aproxima, menos ele quer. A reforma administrativa? Bolsonaro trancou na gaveta, em favor do corporativismo e do populismo. E a tributária? Ele não entendeu nada, mas não gostou. Dá muito trabalho. E não rende voto...
Teimoso, obtuso, o capital segue com Bolsonaro contra tudo e contra o bom senso, mas seus argumentos, ou melhor, pretextos, vão lhes escorrendo pelos dedos. Quando já não sobrava quase nada a dizer, muitos ainda tentavam manter a pose: “Ah! Deixa o Bolsonaro para lá, o importante é deixar o Guedes trabalhar”. Ainda tentam?
Gurus e “gabinete do ódio” estão tendo um trabalhão para providenciar algum discurso para o capital e as tropas bolsonaristas da internet, depois de Bolsonaro entrar de sola na Petrobrás e rasgar o que restava dos seus compromissos de campanha. Desta vez, a um altíssimo custo: a mais simbólica companhia brasileira derreteu R$ 100 bilhões até esta segunda-feira, 22.
A bomba na Petrobrás enterra o “engodo liberal”, humilha o “mitômano” Guedes, chacoalha o cinismo do mercado, deixa o Banco do Brasil e as estatais de barbas de molho e obriga os bolsonaristas renitentes a dar um salto mortal: de endeusadores da Lava Jato, viraram algozes de Sérgio Moro; de adeptos de Guedes, terão de virar inimigos do liberalismo. O bolsonarismo segue os passos do petismo.
Como efeito colateral, Bolsonaro vai cooptando um general atrás do outro e, assim, embaçando a visão estratégica das Forças Armadas. Aliás, outro alerta certeiro de Persio Arida parece cada vez mais atual: “Bolsonaro é um risco à democracia”, já dizia em 2018.
Alon Feuerwerker: Cabo de guerra
O mercado reagiu como esperado, e como previsto, ao anúncio da troca no comando da Petrobras. A queda nas ações da companhia estendeu-se a outras estatais e impactou o desempenho do mercado de capitais.
Um temor do mercado é quanto as pressões do governo para a suavização dos reajustes dos preços dos combustíveis vão refletir nos resultados da empresa, e portanto também nos dividendos distribuídos aos acionistas. Outra dúvida é sobre a continuidade dos planos de desinvestimento, especialmente das refinarias.
Aparentemente, ao precisar decidir entre um cabo de guerra com o mercado e o risco de uma greve de caminhoneiros em plena pandemia, o presidente da República preferiu a primeira alternativa. Agora que conseguiu estabilizar a relação com o Congresso, especialmente com a Câmara, Jair Bolsonaro parece querer fugir do risco da queda abrupta de apoio social.
Recorde-se, por exemplo, o mergulho de popularidade de Dilma Rousseff causado pelas manifestações de junho de 2013, e que foram apenas isso, manifestações. Qual seria o efeito, para o apoio ao presidente na população, de um colapso do abastecimento em plena pandemia e com a economia projetando recuo neste primeiro trimestre?
Ontem, a pesquisa CNT/MDA mostra ótimo+bom presidencial algo estável na ordem de grandeza de um terço do eleitorado (leia). Sem base orgânica de apoio no Legislativo, Jair Bolsonaro certamente não deseja sofrer uma corrosão de popularidade como a de Dilma na largada do segundo mandato. Seria a senha para uma crise política grave.
Michel Temer também viu o apoio popular mergulhar num certo momento, mas ao contrário de Dilma e de Bolsonaro mantinha base congressual sólida . Sem isso, um presidente impopular ou vira pato manco, como dizem os norte-americanos, ou cai.
Mas não convém tampouco apostar numa radicalização sem limites. Mais provável é o novo presidente da Petrobras procurar um caminho de conciliação, intermediário, entre os objetivos dos acionistas minoritários e os do majoritário. Resta acompanhar como será essa operação.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação