Presidente

Bernardo Mello Franco: Os sinais trocados do presidente eleito

Nas primeiras entrevistas após a vitória, Bolsonaro prometeu moderação e respeito à democracia. Ao mesmo tempo, reforçou ameaças à oposição e à imprensa

Jair Bolsonaro deu sinais trocados no primeiro dia como presidente eleito. Em entrevistas a quatro emissoras de TV, ele repetiu promessas de moderação e respeito às leis e à democracia. Ao mesmo tempo, renovou ameaças a opositores e a jornais que o criticarem no exercício do poder.

No Jornal Nacional, o capitão se disse “totalmente favorável à liberdade de imprensa”. Pouco depois, ameaçou usar verbas públicas para punir veículos. A intenção é sufocar financeiramente quem publicar reportagens que o desagradem.

Ele fez ataques à “Folha de S.Paulo”, que revelou a existência de uma funcionária fantasma em seu gabinete. Não explicou, porém, por que demitiu a assessora. Ela foi flagrada vendendo açaí em Angra dos Reis durante o horário de expediente.

Na Band, Bolsonaro disse que não fará nada para “esmagar a oposição”. Na mesma entrevista, esmagou a história ao dizer que o regime militar não foi uma ditadura. Ele também tentou relativizar a censura a jornais e revistas. Disse que a prática foi pontual, embora a presença de censores nas redações tenha sido permanente a partir de 1968.

O presidente eleito afirmou no JN que tratará a Constituição como “nossa Bíblia aqui na terra”. Em seguida, reforçou ameaças a adversários políticos. Questionado sobre a promessa de expurgar “marginais vermelhos”, deixou claro que se dirigia à futura oposição. “Logicamente estava me referindo à cúpula do PT e à cúpula do PSOL”, sentenciou.

Bolsonaro se disse vítima de fake news, mas voltou a espalhar notícias falsas que usou na campanha. Ele acusou o candidato derrotado Fernando Haddad de ter produzido um “kit gay” que atentaria contra “a inocência das crianças”. O site Fato ou Fake esclareceu que o material era dirigido a educadores, não a alunos, e nem chegou a ser distribuído.

O ministro Carlos Horbach, do TSE, proibiu o PSL de explorar a história no horário eleitoral. Ele afirmou que a propaganda do presidente eleito “gerava desinformação”, com “prejuízo ao debate público”.


Carlos Pereira: A democracia brasileira corre riscos com Bolsonaro?

O Brasil tem sido capaz de eleger governos de forma livre, competitiva e sem fraudes. Partidos perdem eleições e se alternam no poder. As eleições ocorrem com alto grau de incerteza sobre quem será o vencedor. Perdedores se subordinam ao resultado final, e o jogo se repete de forma estável.

As democracias eleitorais possuem salvaguardas institucionais robustas capazes de proteger direitos individuais dos cidadãos? Seriam aptas a restringir potenciais comportamentos oportunistas de governantes que, uma vez eleitos, subvertam as regras do jogo e coloquem em risco a própria democracia?

Não tem sido incomum presidentes fazerem uso exagerado de poderes unilaterais. Usam mecanismos plebiscitários para subverter regras constitucionais e se perpetuar no poder. Exemplos recentes como os de Turquia, Polônia, Filipinas, Hungria, Venezuela, Peru, El Salvador têm levado estudiosos a identificar uma onda de recessão da democracia.

Alguns alertam que, nos dias atuais, democracias não morreriam via golpes, mas via deterioração gradativa das instituições. O novo mecanismo de quebra seria lento, através da eleição de políticos que distorcem de forma insidiosa o sistema representativo.

A eleição de um candidato “pré-moderno”, como Jair Bolsonaro, à Presidência tem gerado preocupações. Afinal de contas, não são poucas as declarações do novo presidente que revelam pouco apreço aos valores democráticos, exaltação a torturadores, apologia do uso de armas e contestações de direitos das minorias.

Tais preocupações fazem sentido? A democracia brasileira está consolidada e imune a comportamentos que a coloquem em risco? Para responder a essas perguntas, impõe-se não apenas saber se seus jogadores se comprometem com princípios democráticos, mas identificar se, de fato, existe uma crença dominante em favor da democracia e antídotos institucionais contra comportamentos iliberais.

O Brasil vem passando por transformações estruturais notáveis a partir da Constituição de 1988. O presidencialismo e o sistema eleitoral proporcional com lista aberta para o Legislativo foi preservado. Diante dos potenciais riscos de governabilidade, o constituinte delegou um conjunto de poderes constitucionais e orçamentários para que o chefe do Executivo tivesse condições de governar em ambiente multipartidário através de coalizões pós-eleitorais.

Ao antecipar que um presidente muito poderoso dificilmente seria controlado de forma efetiva pelo Legislativo, o constituinte também delegou uma série de poderes a instituições “externas” à política capazes de fiscalizar o chefe do Executivo. Um arcabouço vigoroso e multifacetado de instituições de freios e contrapesos foi criado e/ou fortalecido ao longo desses 30 anos. Tem-se um Judiciário e um Ministério Público independentes e profissionalizados. Tribunais de Contas ativos. Polícia Federal atuante contra a corrupção. Imprensa livre. Em outras palavras, a combinação de cachorro grande com coleira forte gera equilíbrio.

Embora o ativismo das instituições de controle não venha se dando de maneira linear, seus múltiplos pontos de veto têm servido como escudo protetor contra os comportamentos desviantes. Não muito tempo atrás, a grande maioria dos brasileiros acreditava que as elites políticas, burocráticas e empresariais sempre encontrariam maneiras de escapar de seus malfeitos. Entretanto, desde o julgamento do mensalão, vimos instituições de controle saírem do controle dos políticos.

Nada disso é excluir que um presidente eleito possa ter intenções iliberais — a questão é que, no Brasil de hoje, querer isso não é sinônimo de poder fazer isso. Presumir que a eleição de candidatos conservadores e/ou pouco comprometidos com os valores democráticos traz riscos à democracia é o mesmo que ignorar os constrangimentos gerados por uma crença democrática dominante na sociedade e as restrições que as instituições de controle exercem no comportamento dos próprios atores políticos. No mínimo, é não perceber que o Brasil não é mais o mesmo.


Luiz Carlos Azedo: Depois da ressaca

“Enquanto não forem divulgados a nova equipe econômica e os planos do governo, haverá inquietação no mercado. Há duas incógnitas: o corte de gastos e a reforma da Previdência”

“Presidente Jair Bolsonaro. Desejo-lhe sucesso. Nosso país merece o melhor. Escrevo essa mensagem, hoje, de coração leve, com sinceridade, para que ela estimule o melhor de todos nós. Boa sorte!”, disparou no Twitter o candidato do PT, Fernando Haddad, ontem, reconhecendo a vitória do adversário e cumprimentando o novo presidente eleito, o que não havia feito no domingo. Também pelo Twitter, lacônico, respondeu Bolsonaro: “Senhor Fernando Haddad, obrigado pelas palavras! Realmente o Brasil merece o melhor”. Que ninguém espere uma dança de acasalamento, mas é um bom começo para o país voltar à calma depois da ressaca eleitoral.

Ressaca mesmo, porque o dólar voltou a subir ontem. A moeda havia caído abaixo de R$ 3,60, mas encerrou o dia em alta de 1,51%, vendida a R$ 3,7068. O dólar turismo encerrou a R$ 3,86, sem a cobrança de IOF. Analistas de mercado fazem duas leituras: uma minimiza o fato, atribuindo a queda aos investidores que aproveitaram os preços atrativos para irem às compras; outros, veem na alta do dólar um sinal de que os investidores não estão com confiança nos rumos da economia, porque Bolsonaro emite sinais contraditórios sobre o poder de decisão de Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, sobre a política econômica.

Apelidado de Posto Ipiranga pelo próprio presidente eleito, Guedes é um economista da escola de Chicago, com propostas ultraliberais. Acontece que o homem forte na equipe de transição é o deputado Onyx Lorenzoni, uma espécie de “tertius”, em razão dos choques que estariam ocorrendo entre o grupo de militares liderado pelo general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa, e a equipe de economistas de Guedes.

Enquanto não forem divulgados a nova equipe econômica e os planos do governo, haverá inquietação no mercado. Há duas incógnitas em relação à política econômica: o corte de gastos e a reforma da Previdência. Bolsonaro falou em reduzir para 10 os ministérios, fundindo ou extinguindo os existentes, mas já desistiu de acabar com os ministérios de Meio Ambiente, que seria anexado à Agricultura, e da Indústria e Comércio, que seria absorvido pela Fazenda. Recuou no decorrer do segundo turno, em razão de compromissos assumidos com o agronegócio e a indústria. O lobby desses setores é poderoso, são aliados de primeira hora do presidente eleito.

Previdência
Futuro ministro da Casa Civil, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) anunciou o desejo de que a reforma da Previdência seja feita de uma única vez, para durar 30 anos. Descartou o projeto apresentado pelo presidente Michel Temer, na forma de emenda à Constituição, que está à espera de votação na Câmara dos Deputados desde a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro. A legislação impede mudanças na Constituição durante a vigência da intervenção. No caso do Rio, a medida tem previsão de durar até 31 de dezembro deste ano.

Ex-líder do DEM, Lorenzoni tem muita cancha na Câmara, mas pode ser que esteja desperdiçando uma grande oportunidade ao não votar a reforma ainda este ano, aproveitando a capacidade de negociação do governo Temer no Congresso e a expectativa de poder de Bolsonaro. Argumenta: “aquilo que foi proposto pelo atual governo era apenas um remendo com o objetivo de fazer um ajuste curto de caixa e não duraria cinco anos”.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-depois-da-ressaca/


El País: Porte de arma, Previdência, mentira: as declarações de Bolsonaro analisadas

Presidente eleito deu bateria de cinco entrevistas às TVs nesta segunda e defendeu aprofundar reforma trabalhista

Por Flávia Marreiro e Érica Saboya, do El País

ultradireitista Jair Bolsonaro concedeu nesta segunda-feira suas primeiras entrevistas como presidente eleito na qual mesclou a tentativa de suavizar sua retórica virulenta contra opositores à reafirmação de ameaças e a defesa de projetos radicais na área de segurança que devem enfrentar resistência na cúpula do Judiciário. As cinco principais TVs do país encadearam uma sequência de aparições do capitão reformado no Exército, algumas ao vivo e outras gravadas, nas quais ele afirmou que pretende negociar a aprovação da reforma da Previdência ainda neste ano. Bolsonaro anunciou que cogita convidar o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, para uma vaga do Supremo Tribunal Federal ou para o Ministério da Justiça. No Jornal Nacional, da TV Globo, o principal noticiário televisivo do país, fez também novos ataques à imprensa e ao jornal Folha de S. Paulo, a quem ele voltou a ameaçar com o corte de verba de publicidade federal.

Leia as principais declarações das entrevistas contextualizadas e analisadas.

Reforma da Previdência

"Semana que vem estaremos em Brasília e buscaremos junto ao atual Governo aprovar alguma coisa do que está em andamento lá [no Congresso], como a reforma da Previdência, se não num todo, em parte do que está sendo proposto, porque evitaria problemas para o futuro governo que, no caso, seria eu. Vamos buscar maneiras de evitar novas ditas pautas bombas, porque temos um déficit monstruoso e não podemos aumentar esse déficit para o ano que vem sob o risco de um Brasil entrar em colapso”

"Todo mundo tem que entender que a melhor reforma não é a minha, não é a sua, é aquela que passa no Parlamento. Se quiser impor os 65 anos, a chance de derrota é muito grande. Se nós dermos um ano agora, o ano que vem dermos mais um ano, vamos para 62. Afinal de contas, a proposta de 65 não é para agora”

O contexto e as implicações: 

A promessa de tentar aprovar a reforma da Previdência ainda em 2018 deve ser bem recebida por investidores e a maior parte dos economistas, que defendem que a mudança é urgente para retirar as contas públicas de uma rota insustentável. O presidente Michel Temer se disse disposto a tentar aprovar a reforma neste ano, mas há, em primeiro lugar, a dificuldade de mobilizar o Congresso na reta final para passar um tema extremamente impopular. Bolsonaro e seus auxiliares criticam o projeto de Temer, que já tramita na Câmara, e emitem declarações contraditórias sobre o assunto. O presidente eleito fala em uma reforma gradual, no qual a idade mínima para homens comece subindo para 61 anos, e não para 65 anos como propõe o atual governo, o que melhoraria as chances de aprovação, mas podem desagradar as expectativas do mercado. Além disso, enquanto o presidente eleito fala em aprovar "parte" da reforma, Onyx Lorenzoni, seu futuro ministro-chefe da Casa Civil, disse nesta segunda-feira que quer que se discuta o tema "uma única vez". Outro obstáculo e que um dos principais rombos do sistema é a aposentadoria de militares, e a expectativa é que o futuro Governo não altere isso.

Sérgio Moro no Ministério da Justiça ou Supremo

"Pretendo, sim, (convidar Sérgio Moro) não só para o Supremo, mas quem sabe até para o Ministério da Justiça. Pretendo conversar com ele, saber se há interesse dele nesse sentido também. Se houver interesse, com toda certeza será uma pessoa de extrema importância para um Governo como o nosso.

O contexto e as implicações:

O juiz federal Sérgio Moro, do Paraná, se notabilizou pela Operação Lava Jato e, especialmente, por ter condenado por corrupção ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que culminaria na prisão do petista e no impedimento de que ele concorresse à Presidência da República. Não há vagas no Supremo Tribunal Federal no momento, de modo que, se nada mudar, o mais provável é que o convite seja feito para a Justiça, uma pasta estratégica que tem o comando da Polícia Federal. De acordo com as pesquisas, Moro não está no auge de sua popularidade nem é livre de críticas por tomar atitudes lidas como motivadas politicamente, como divulgar trechos da delação premiada do petista Antonio Palocci antes do primeiro turno. De todo modo, se o juiz aceitar, Bolsonaro agradaria a base antipetista ferrenha que idolatra o juiz.

Porte de armas e 'licença para matar'

“A orientação nossa é que a 'efetiva necessidade' (exigida no Estatuto do Desarmamento para compra de arma de fogo) está comprovada pelo estado de violência em que a gente vive no Brasil. Nós estamos em guerra. Nós queremos mexer na lei e também diminuir de 25 para 21 anos de idade (a idade mínima para o porte de armas). E mais ainda: dar o porte definitivo para o cidadão."

"O porte tem que ser flexibilizado também. ‘Por que um caminhoneiro não pode ter porte de arma de fogo?’ Um caminhoneiro dorme no posto de gasolina e quando acorda não mais nenhum step. Então, você casar isso com o excludente de ilicitude, que eu digo que é em defesa da vida própria e de terceiros, do patrimônio próprio e de terceiros. Pode ter certeza que a bandidagem vai diminuir. Porque um caminhoneiro armado, ao reagir a alguém que estiver furtando ou roubando o seu step, ele vai dar o exemplo para a bandidagem. Seguinte: atirou, o elemento está abatido, em legítima defesa. Ele vai responder, mas não tem punição. Isso vai diminuir a violência no Brasil com toda certeza”

"Temos que abandonar o politicamente correto de achar que com todo mundo desarmado o Brasil vai ser melhor. Não vai ser melhor [...] A arma de fogo, mais do que garantir a vida de uma pessoa, garante a liberdade de um povo”

O contexto e as implicações:

Derrubar o Estatuto do Desarmamento é uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro e há vários projetos tramitando na Câmara a respeito, que poderiam ser colocados em votação ainda neste ano. O presidente eleito quer liberar o porte, a posse e reduzir a idade mínima necessária para comprar uma arma, ou seja, fazer uma guinada radical na atual política. Especialistas criticam a possibilidade porque dizem que ela vai aumentar a violência e o número de homicídios, que já é recorde. Num reflexo da perspectiva de liberação, as ações da fabricante de armas Forjas Taurus têm subido.

O segundo ponto mencionado é transformar em automático o chamado "excludente de ilicitude", que é prerrogativa que todos têm, inclusive policiais, evocar legítima defesa quando cometem um homicídio. Bolsonaro não detalha, mas quer a isenção de punição seja ampla e para todos, espécie de "licença para matar", não apenas em defesa da própria vida ou de terceiros, mas em nome da defesa do patrimônio. A proposta, uma das mais radicais do presidente eleito, tem de passar no Congresso, mas  deve ter resistência importante no Supremo Tribunal Federal. "Isso seria claramente declarado inconstitucional", afirma Oscar Vilhena, da FGV. Para analistas, a simples defesa de Bolsonaro da medida pode impactar nas Polícias Militares, já que funcionaria como um endosso dos homicídios cometidos pelos policiais. A taxa de violência policial no Brasil já é uma das mais altas do mundo e há baixíssimo índice de investigação dos homicídios cometidos pelos agentes. Para especialistas, a regra pode escalar o número de mortes violentas no país. A ex-senadora e candidata derrotada à Presidência, Marina Silva (REDE), criticou.

Marina Silva

@MarinaSilva

A entrevista do é preocupante sob muitos aspectos, mas nenhum é tão preocupante quanto a sua ideia fixa em querer induzir a sociedade a acreditar que poderá resolver o grave problema da violência fazendo justiça com as próprias mãos

Minorias e mentira sobre o 'kit gay'

“Eu queria saber, que me definissem, o que é minoria. Quais os direitos de tais minorias? Nós somos todos, não tem diferença minha para você [...] Somos todos iguais, como está no próprio artigo quinto na Constituição. Agora, não podemos pegar certas minorias e achar que têm superpoderes, diferentes dos demais. Se conseguirmos igualdade para todo mundo, todos se sentirão satisfeitos”

“Ganhei o rótulo por muito tempo de homofóbico. Na verdade, eu fui contra um kit, feito pelo então ministro da Educação, (Fernando) Haddad, em 2009 para 2010, que chegaria nas escolas um conjunto de livros, cartazes e filmes onde passariam crianças se acariciando e meninos se beijando. Não poderia concordar com isso. E a forma como eu ataquei essa questão é que foi um tanto quanto agressiva. Tivemos, em parte, sucesso porque no ano seguinte, a própria presidente Dilma Rousseff resolveu recolher esse material, mas o rótulo ficou. Isso aconteceu em razão no Nono Seminário LGBT Infantil na Comissão de Direitos Humanos na Câmara.

O contexto e as implicações:

Bolsonaro rejeita o conceito de minorias, mas nega ser depreciativo em relação a esses seguimentos da sociedade, como negros, índios, mulheres e homossexuais. Ele tem amplo histórico de declarações racistas, homofóbicas e misóginas e seu apoiadores mais radicalizados tem evocado o presidente eleito para hostilizar e, em alguns casos atacar diretamente, esse público. Durante a campanha, também houve episódios em que ele voltou a estigmatizar esses setores. Numa transmissão ao vivo via Facebook, em 12 de outubro, ele atacou a ex-ministra das Mulheres do Governo Dilma, Eleonora Menicucci. No ar na rede, Bolsonaro leu trechos de uma entrevista onde Menicucci falava que é bissexual e lembrou que ela, durante a ditadura, ficou presa com a ex-presidenta Dilma Rousseff. "Como uma mulher dessas pode representar todas as mulheres do Brasil?" Tem sido uma estratégia comum do presidente eleito dar declarações de tons diferentes a diferentes audiências.

Durante a entrevista, na TV Globo, Bolsonaro voltou a mentir sobre o chamado "kit gay", termo pejorativo para um material antihomofobia que, à diferença do que ele afirma, não foi criado pelo petista Fernando Haddad. O presidente eleito voltou dizer que aconteceu na Câmara um seminário dedicado ao "LGBT Infantil". O evento, na verdade, debateria a sexualidade na infância. A repulsa a respeito de dois temas foi amplamente explorado por Bolsonaro na campanha.

Ataque a 'Folha de S.Paulo'

"Sou totalmente favorável à liberdade de imprensa. Temos a questão da propaganda oficial do governo que é uma outra coisa. (...) O jornal Folha de S.Paulo fez uma matéria, no dia 10 de janeiro, e a rotulou (Walderice Santos da Conceição) de forma injusta como (funcionária) fantasma. Só que nesse dia, 10 de janeiro, ela estava de férias. Então, ações como essa, como parte de uma imprensa que, mesmo se mostrando a injustiça que cometeu com uma senhora, ao não voltar atrás, obviamente que não posso considerar essa imprensa digna. Não quero que ela acabe. Mas no que depender de mim, na propagando oficial do governo, a imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal [...] Por si só esse jornal se acabou, não tem prestígio mais nenhum. Quase todas as fake news que se voltaram contra mim partiram da Folha de S. Paulo."

O contexto e as implicações:

Na TV Globo, Bolsonaro foi questionado sobre a ameaça que fez à Folha de S. Paulo via Twitter na semana anterior, prometendo cortar a publicidade federal se fosse eleito. O jornal, o maior do país, publicou reportagem afirmando que Walderice Santos da Conceição, lotada em seu gabinete na  Câmara, na verdade prestava serviços particulares para ele no litoral do Rio. A Folha também publicou reportagem sobre a existência de um esquema ilegal bancado por empresas para dispara mensagens em massa via WhatsApp para favorecer Bolsonaro - o caso está sob investigação.

Os ataques ao jornal são a faceta mais visível da estratégia que emula a usada por Donald Trump contra a imprensa tradicional. Todo conteúdo incômodo é classificado como fake newsAs ameaças provocaram reações de associações de jornalistas e das empresas jornalísticas. Jornalistas da Folha que fizeram reportagens críticas contra Bolsonaro e o WhatsApp do próprio jornal foram alvo de ataques virtuais coordenados. "O problema é o estímulo à intimidação, a ações coletivas para expor os profissionais e até suas famílias. Isso tudo não é condizente com a liberdade de expressão e com a liberdade de imprensa”, declarou, na semana passada, Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI).


Ascânio Seleme: O brasileiro pode contar com a imprensa

Cada movimento do novo presidente será divulgado, analisado e criticado pelos veículos brasileiros

Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente pela vontade da maioria da população brasileira e ganhou o direito de exercer o mandato que lhe foi conferido, sem qualquer questionamento político ou legal. A partir de agora deve ser chamado de presidente eleito, e do dia 1º de janeiro até o fim do seu mandato será o presidente do Brasil. Desde já, todos os seus passos e suas decisões deverão ser acompanhados, debatidos e virados do avesso pelos mesmos cidadãos que o elegeram e pelos que votaram em seu adversário. Para isso, os brasileiros podem contar coma imprensa de seu país. Bolso na rose rá vigiado e fiscalizado.

Esse é o papel dos jornalistas e do jornalismo. Desde a redemocratização, coma eleição de Tancredo/ Sarney, todos os presidentes do Brasil foram objeto de fiscalização permanente da imprensa. Nenhum deles, nem mesmo o primeiro eleito pelo voto direto, foi poupado pelo olhar crítico e independente dos jornalistas. Dois presidentes brasileiros foram afastados de suas funções pelo Congresso Nacional. Ambos foram objeto do escrutínio sem trégua da imprensa. Não será diferente com Bolsonaro. Cada movimento seu será divulgado, analisado e criticado pelos veículos brasileiros.

O Brasil assiste ao início da jornada de poder do presidente eleito coma incerteza que ele mesmo criou durante a campanha e até antes, ao longo dos seus múltiplos mandatos de deputado federal. Uma pesquisa do Datafolha, divulgada no sábado, mostra que a agenda dos brasileiros nem sempre se assemelha à de Bolsonaro. Se apoiam o combate mais rigoroso ao crime, querem (55%) que a venda de armas seja proibida. Por outro lado, afirmam (74%) que a homossexualidade deve ser aceita por todos e defendem (59%) salários iguais para homens e mulheres nas mesmas funções.

Mais do que isso, o brasileiro preza a sua democracia. Para 69%, é a melhor forma de governo. Apenas 13% disseram ao Datafolha, no dia 5 de outubro, que ditadura é melhor. Como o presidente eleito já disse que apoia a ditadura, é importante saber que os brasileiros, inclusive a maioria dos que votaram nele, pensam de maneira distinta. E quem afinal manda no país são os seus cidadãos. Ao lado dos cidadãos é que estará a imprensa.

Esse alinhamento natural não significa que jornalistas serão oposição ao presidente eleito. Claro que não. Este não é o papel da imprensa, quem faz oposição são partidos políticos. E oposição não faltará a Bolsonaro, embora esteja claro que ele vai conseguir fazer uma maioria parlamentar para governar. O papel da imprensa é informar. Quem cria os fatos que serão divulgados e criticados são os mandatários políticos. Esses merecem respeito, mas com eles não pode haver alinhamento.


O Globo: Com 98% das urnas apuradas, Bolsonaro está eleito presidente do Brasil

Candidato do PSL aparece com 55,34% dos votos válidos, contra 44,66% de Haddad

RIO — Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República na noite deste domingo, derrotando no segundo turno o candidato do PT Fernando Haddad. A vitória foi confirmada às 19h18 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro tem 55,34% dos votos válidos, contra 44,66% para Haddad.

A pesquisa de boca de urna divulgada pelo Ibope na tarde deste domingo apontava Bolsonaro com 56% dos votos válidos, contra 44% para Haddad.

Os levantamentos de intenções de voto divulgados por Ibope e Datafolha no sábado apontavam uma vitória do candidato do PSL contra seu adversário do PT. O Datafolha apontou Bolsonaro com 55% dos votos válidos, contra 45% para Haddad. Já o Ibope mostrou Bolsonaro com 56%, enquanto Haddad apareceu com 44%.

No primeiro turno, Bolsonaro totalizou 49,2 milhões de votos, ou 46,03% dos votos válidos. Haddad avançou ao segundo turno com 29,28% dos votos válidos, com cerca de 31,3 milhões de votos.

Bolsonaro venceu em 631 dos 645 municípios paulistas . No estado, obteve pouco mais de 15 milhões de votos (68,01% dos válidos), mais que o dobro dos 7 milhões de Fernando Haddad (31,99%). O capitão da reserva saiu vitorioso inclusive na cidade de São Paulo — governada por Haddad entre 2013 e 2016. Lá, teve o apoio de 60,38% dos eleitores.

No Rio, o candidato do PSL obteve uma expressiva vitória. Integrante da bancada fluminense na Câmara dos Deputados, Bolsonaro tem 67,88% dos votos válidos, contra 32,12% de Fernando Haddad (PT). No Rio, já foram apurados 98,16% dos votos. No estado, o candidato do PSL obteve uma vantagem de quase 3 milhões de votos.

O discurso da vitória
Em uma live no Facebook, logo após a declaração oficial da vitória, Bolsonaro disse que governará o país seguindo "os ensinamentos de Deus ao lado da Constituição brasileira" . O parlamentar ressaltou que tem condições de governabilidade e que honrará compromissos assumidos durante a campanha com bancadas políticas e eleitores.

— O que eu mais quero é, seguindo os ensinamentos de Deus, ao lado da Constituição brasileira, inspirando em grandes líderes mundiais e com boa assessoria técnica, isenta de indicações políticas de praxe, começar a fazer um governo a partir do ano que vem que possa colocar o Brasil no lugar de destaque. Temos tudo para sermos uma grande nação. Temos condições de governabilidade com parlamentares. Todos os compromissos assumidos serão cumpridos com as mais variadas bancadas e o povo em cada local do Brasil.

Jair Bolsonaro iniciou sua carreira política em 1988, quando se elegeu vereador pelo Rio de Janeiro. Em 1990, Bolsonaro foi eleito deputado federal pela primeira vez. Atualmente, o capitão da reserva está em seu sétimo mandato consecutivo na Câmara dos Deputados.

Bolsonaro, de 63 anos, nasceu em Glicério, no interior de São Paulo. O novo presidente do Brasil serviu ao Exército entre 1977 e 1988, e chegou à patente de capitão. Três filhos de Bolsonaro também ocupam cargos políticos: Flávio, senador eleitor pelo Rio; Eduardo, deputado federal reeleito por São Paulo; e Carlos, vereador na capital fluminense.

Apoiadores de Bolsonaro fizeram festa ao longo do dia na frente da sua residência, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Eleitores do candidato do PSL chegaram a fazer desafios de pagar 17 flexões, em referência ao número do partido. Alguns deles organizaram um churrasco na frente do condomínio de Bolsonaro.

Após sofrer um atentado a faca em Juiz de Fora (MG) durante um evento de campanha, no início de setembro, Bolsonaro teve de passar por cirurgia e colocou uma bolsa de colostomia. O presidenciável passou cerca de três semanas internado, a maior parte desse tempo no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Depois que recebeu alta hospitalar, Bolsonaro passou a maior parte do tempo em sua residência, na Barra da Tijuca, onde recebeu aliados para traçar os passos seguintes da campanha e manteve comunicação diária com eleitores através de publicações em redes sociais. Bolsonaro alegou motivos de saúde para não participar de debates com Fernando Haddad no segundo turno.


Portal PPS: Em lançamento de manifesto, lideranças afirmam que Brasil precisa se unir para evitar desastre político

No evento, Roberto Freire alertou que o País precisa superar o "nós contra eles"

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, advertiu os presentes ao lançamento do “Manifesto por um Polo Democrático e Reformista”, nesta terça-feira (05), para a preocupação de, ao reunir forças nessa iniciativa, não se criar inimigos também. “Temos que superar a ideia que, infelizmente, tomou conta do Brasil, do nós contra eles”, afirmou, ao discursar na solenidade, que ocorreu no Salão Verde da Câmara dos Deputados. “Estamos fazendo uma opção política, não criando inimigos”, insistiu.

Segundo o presidente do PPS, se vai haver apenas um candidato representando o espectro que se formou em torno das ideias do manifesto, “só o processo vai dizer; mas hoje demos o primeiro passo”. Freire sugeriu uma reunião com os partidos políticos para discutir com os candidatos, levando o manifesto. “Será passo a passo. Se não conseguirmos, algo de importante daqui sai: tem que ter pacto de não-agressão, tem que ter compromisso com princípios fundamentais da República, das instituições republicanas, da democracia, das liberdades, coisa que o bolsonarismo e o lulopetismo não têm”.

Cristovam alertou para risco dos brasileiros escolherem entre o desastre e a catástrofe
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) foi quem elaborou, junto com o secretário-geral do PSDB, deputado Marcos Pestana (MG), o texto do manifesto. Cristovam disse que o que trazia ele e aqueles que “não estão nos extremos populista e autoritário” a lançar o documento era a percepção do processo de desagregação do tecido social brasileiro. “Basta ver o incêndio de ônibus na semana seguinte a uma greve de caminhoneiros”. Além dessa desagregação, disse, há um vácuo político. “É um cenário terrível. Não seria assim se a sociedade brasileira pudesse ir às urnas com esperança, mas ela vai com raiva, que não é uma boa conselheira das urnas”, acrescentou. Para ele, o perigo é o brasileiro ter que escolher entre catástrofe e desastre.

“Por isso, estamos aqui, lançando esse apelo aos candidatos que têm compromisso social, espírito democrático e responsabilidade econômica; que não são autoritários, nem fecham os olhos à nossa população”, declarou Cristovam. A ideia, definiu, é sugerir aos candidatos com esse perfil que se unam, escolham entre eles um candidato para que o Brasil possa ter uma campanha com esperança. “A bola está com os candidatos, mas vamos querer estar junto deles para ver como fazem o gol, não para fazer pressão, mas para conversar, parlamentar”. O senador acrescentou que os presidentes de partidos e os parlamentares também são importantes no projeto. “Quem sabe esse manifesto tenha uma consequência, de unir os que não são extremos”.

O deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR) disse que a escolha de um candidato de vários partidos pode evitar o que ocorreu na eleição de 1989, quando foi eleito Fernando Collor de Mello. “A história quando se repete o faz como tragédia. Não podemos deixar que ela nos abata”. Ele informou que há alguns meses um grupo de parlamentares vem discutindo a criação do polo democrático.

Bueno se disse preocupado com a crise econômica, política e social que o país atravessa. “Temos que dar a resposta, encontrar um nome que possa reunir vários outros e seus respectivos partidos e então ver quem vamos apoiar com um programa consistente, a começar da liberdade e da democracia”.

A deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC), que também assinou o documento, disse que “o manifesto é uma contribuição inicial importante para deslanchar o debate em torno do que queremos para o nosso País”.

Veja abaixo a íntegra do manifesto.

“POR UM POLO DEMOCRÁTICO E REFORMISTA

O Brasil vivenciou recentemente uma das maiores crises de sua história com múltiplas faces que interagem e se retroalimentam. Instabilidade política aguda, recessão econômica profunda, estrangulamento fiscal, corrupção endêmica e institucionalizada, radicalização em um ambiente social marcado pela desesperança, a intolerância e o sectarismo, conflitos e desarmonia entre os poderes republicanos. Faltam pouco mais de quatro meses para as eleições presidenciais. É uma oportunidade rara e única de recolocar o país nos trilhos, desenhando uma trajetória de retomada dos valores fundamentais da ética, do trabalho, da seriedade, do espírito público e dos compromissos com a liberdade, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

A eleição de 2018 se apresenta talvez como a mais complexa e indecifrável de todo o período da redemocratização. Existem ameaças e oportunidades, interrogações e expectativas, perplexidades e exigências da realidade povoando o ambiente pré-eleitoral.

Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade. Para nos libertarmos dos fantasmas do passado, superarmos definitivamente a presente crise e descortinarmos novos horizontes é central a construção de um novo ambiente político que privilegie o diálogo, a serenidade, a experiência, a competência, o respeito à diversidade e o compromisso com o país.

É neste sentido que as lideranças políticas que assinam este manifesto conclamam todas as forças democráticas e reformistas a se unirem em torno de um projeto nacional, que a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento social e econômico, a partir dos avanços já alcançados nos últimos anos, e afaste um horizonte nebuloso de confrontação entre populismos radicais, autoritários e anacrônicos.

Esta iniciativa, e isso é vital para seu sucesso, deve agregar, de forma plural, liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, numa discussão franca e aberta, sobre os nossos atuais dilemas e os caminhos para a construção do futuro desejado para o Brasil.

Este projeto nacional, visando à construção da necessária e urgente unidade política nas eleições, não deve ser obra de uma dúzia de líderes políticos e intelectuais. Para pavimentar o caminho da unidade terá obrigatoriamente de ser obra coletiva, envolvendo partidos políticos, lideranças da sociedade civil e todos aqueles que pensam o Brasil fora do paradigma autoritário, populista e atrasado.

Os que assinam esse manifesto lançam, como contribuição inicial ao debate e ao esforço coletivo que poderá ser desencadeado, pontos essenciais que podem gerar consensos progressivos em torno da agenda nacional e dos avanços necessários, a partir de uma perspectiva democrática e reformista. Vão aí ideias iniciais para alimentar o debate:

1) A defesa intransigente da liberdade e da democracia como caminho para a construção do futuro do país, com o fortalecimento das instituições republicanas em sua harmonia e independência, dos direitos individuais e das minorias e da reforma profunda do sistema político com vistas a recuperar os laços perdidos com a sociedade brasileira, erguendo um sistema de representação efetivo submetido a controles sociais eficientes e com suas relações com a população presididas pela transparência e a participação.

2) A luta contra todas as formas de corrupção, seja no comportamento de servidores públicos, seja na definição de prioridades que não reflitam o interesse público.
Reafirmamos o compromisso inflexível com a ética e a honestidade. Tornar cada vez mais público e transparente o espaço público. E desencadear um processo profundo e irreversível de avanços institucionais na consolidação dos mecanismos de controle internos, externos e sociais.

3) Prioridade absoluta para a transformação inadiável de nosso sistema educacional como elemento central do desenvolvimento nacional na era do conhecimento e da inovação. Todos os esforços governamentais devem ser voltados e a mobilização da sociedade deve ser concentrada no desenvolvimento da educação na primeira infância e na qualificação do ensino fundamental. Esse é o principal desafio brasileiro. Não adianta universalizar sem qualidade. É preciso democratizar as oportunidades garantindo às crianças e aos jovens brasileiros o acesso ao conhecimento e aos valores necessários para enfrentarem as demandas da vida contemporânea, preparando-os para a cidadania e para uma inserção inclusiva no mundo da produção. Devem merecer atenção especial ainda o combate à evasão escolar no ensino médio, o fortalecimento do ensino técnico e a inserção das Universidades no esforço de desenvolvimento nacional. Se é verdade que saúde e segurança defendem a vida, só a educação de qualidade pode transformar a vida, combinada com estratégias inteligentes, criativas e eficazes de desenvolvimento científico e tecnológico. Sem isso o Brasil perderá mais uma vez o “bonde da História”.

4) A busca incansável do equilíbrio fiscal, sem o que não se sustentarão os atuais baixos patamares de inflação e da taxa de juros e não serão recuperadas a qualidade e a efetividade das políticas públicas essenciais. Isto passa inevitavelmente pela Reforma do Estado, com a diminuição do tamanho da máquina estatal, com ganhos de eficiência e produtividade, fechando as portas para o clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção. Este esforço deve ser presidido por um grave sentimento de priorização na alocação dos escassos recursos públicos privilegiando os setores essenciais da educação, saúde, segurança pública, moradia, saneamento, inovação científica e tecnológica e combate às desigualdades regionais e pessoais de renda. O Estado deve cuidar dos trilhos, liberando as energias da sociedade, da iniciativa privada, dos indivíduos empreendedores, que devem assumir o comando da locomotiva. O Estado deve ser menos fazedor e mais indutor, regulador, coordenador, catalizador das energias da sociedade. O estímulo aos empreendedores da indústria, do agronegócio e do setor serviços deve se dar dentro de novo marco, onde a intervenção estatal deva ser seletiva e muito bem calibrada, e sempre calcada em diretrizes universais, longe da concessão de benesses aos “amigos do Rei”.

5) A reconstrução de nossa Federação, com uma radical descentralização, fortalecendo o poder local e regional num país de dimensões continentais. A clara definição dos papéis a serem desempenhados por cada uma das três esferas de poder é urgente. Assim como a correta e equilibrada distribuição das receitas oriundas dos impostos pagos pela população.

6) A mudança estrutural de nosso sistema tributário tornando-o mais simples, justo, desburocratizado e eficiente. Não é possível mais conviver com um sistema tributário irracional, regressivo e inibidor do crescimento econômico. O ajuste fiscal não pode se dar com o aumento da já alta carga tributária. A reforma tributária deve ser elemento central na agenda do aumento da competividade e da produtividade nacional.

7) Reformar nosso sistema previdenciário injusto e insustentável. Precisamos de um sistema único que elimine privilégios e assegure o equilíbrio atuarial, sob pena de colocarmos em risco o pagamento de aposentadorias e pensões no curto prazo e impedir o necessário equilíbrio das contas públicas.

8) Incentivo radical à promoção da ciência e tecnologia, fazendo o Brasil caminhar para ser um país líder nessas áreas, utilizando-se o potencial das universidades e centros de pesquisas públicos e privados.

9) O combate a todas as formas de autoritarismo e populismo. A demagogia e atitudes hostis à vida democrática devem definitivamente ser afastadas do cenário nacional. À direita, se esboça o surgimento de um inédito movimento com claras inspirações antirrepublicanas e antidemocráticas. À esquerda, uma visão anacrônica alimenta utopias regressivas de um socialismo autoritário e antidemocrático e de um Estado intervencionista e onipresente. A união das forças do polo democrático e reformista é essencial para que o futuro do país não seja espelhado em experiências desastrosas como a vivenciada pelo povo venezuelano ou projetos que pareciam já arquivados de inspiração protofacista.

10) A defesa de um alinhamento internacional que resgate, como vem sendo feito recentemente, as melhores tradições do Itamaraty, com uma política externa que privilegie os verdadeiros interesses nacionais, e não ultrapassadas e equivocadas identidades ideológicas. As ações multilaterais e bilaterais têm que ser dosadas com o necessário pragmatismo e com vistas a resultados concretos para o desenvolvimento nacional, mas tendo como pano de fundo o inarredável compromisso com a democracia, aqui e lá fora. É inadiável e inevitável a abertura externa de nossa economia.

11) Uma postura firme no setor de segurança pública baseada no princípio de tolerância zero com o crime organizado. Ações de inteligência, prevenção, repressão, mobilização social e integração no âmbito do recém-criado Sistema Único de Segurança Pública, devem devolver a paz às cidades e ao campo e garantir a cada cidadão os seus direitos fundamentais de ampla convivência na sociedade.

12) Aprofundar o esforço de qualificação do Sistema Único de Saúde, assegurando os direitos constitucionais de cidadania ao acesso a uma saúde de qualidade, avançando na reestruturação do padrão de financiamento, aprimorando o pacto federativo setorial, definindo claramente a carteira de serviços e o padrão de integralidade a serem ofertados à população, o uso intensivo de ferramentas tecnológicas na gestão e regulação do sistema, o aumento da resolutividade da atenção primária e a reestruturação do mercado de trabalho no setor.

13) Adotar soluções criativas e eficazes na moradia e no saneamento, aprendendo com a experiência acumulada pelo “Minha Casa, minha vida” e democratizando o acesso da população à agua tratada, à coleta de esgoto e lixo e ao tratamento dos resíduos. Os índices de exclusão social no saneamento básico no Brasil são inaceitáveis em pleno Século XXI.

14) Empreender esforços para a concretização de uma profunda reforma política que aproxime a representação política das bases da sociedade, aumentando a participação e os controles sociais, barateando seu funcionamento e coibindo a influência do poder econômico, aumentando a transparência e aprimorando o ambiente para uma governabilidade centrada em um programa de governo e não na velha e esgotada fórmula de convivência baseada nas trocas de cargos e verbas por votos, muitas vezes com feições nada republicanas.

15) Defesa de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, com o estímulo à produção de biocombustíveis e fontes renováveis de energia, paralelo à necessária exploração de nossa vocação petrolífera. Modernização da atividade de licenciamento ambiental, por um lado, assegurando rigor na defesa do meio ambiente, por outro, desburocratizando e dando maior celeridade às licenças. Defesa de nossos diversos ecossistemas combinando um bom regramento na sua conservação com as atividades
produtivas que garantem a criação de emprego e renda. Empreender um enorme esforço na educação ambiental e investir em tecnologias que possibilitem a despoluição de nossos cursos d’água, do ar que respiramos e da terra onde vivemos e produzimos nossa existência.

16) O fortalecimento da administração pública, com a modernização de suas estruturas e processos, com base nos princípios da profissionalização, da eficiência, da transparência e da meritocracia. A gestão por resultados deve ser permanentemente perseguida e a qualidade no gasto público, verdadeira obsessão.

17) Por último, o objetivo central que deve mover-nos no novo ciclo que se iniciará a partir das eleições, para o qual convergem todas as diretrizes anteriores: o combate sem tréguas à miséria, à pobreza e às desigualdades sociais e regionais, graças à elevação da produtividade e à melhoria da distribuição de renda, além da garantia de acesso aos bens e serviços essenciais a todos que necessitam. Consciência de que tanto o aumento da produtividade como a distribuição de renda decorrem diretamente da universalização da educação de qualidade, assegurando a marcha para que, um dia, os filhos dos mais pobres tenham acesso à escola com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos brasileiros. As estratégias inclusivas devem sempre visar à emancipação do cidadão, a promoção de cidadania plena para todos e a mínima dependência do cidadão em relação à tutela estatal, embora programas de transferência de renda sejam fundamentais para o combate emergencial à miséria. Aprimorar programas de assistência social, dando-lhes caráter transformador. Um exemplo é o Bolsa Família, que deve ser mantido, recuperando seu caráter educacional de quando foi criado com o nome de Bolsa Escola, reunindo propósitos de transferência de renda e garantia de acesso de todos à educação de qualidade.

É com este espírito, com o coração carregado de patriotismo, a noção clara da urgência e o sentimento que o Brasil é muito maior que a presente crise, que os signatários deste manifesto têm a ousadia de propor a união política de todos os segmentos democráticos e reformistas. Se tivermos êxito, estaremos dando uma inestimável contribuição para afastarmos do palco alternativas de poder que prenunciam um horizonte sombrio, e reafirmarmos nosso compromisso com a liberdade, a justiça e um Brasil melhor.

CRISTOVAM BUARQUE
Senador da República (PPS-DF)

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Presidente da República (1995/2002)

ROBERTO FREIRE
Presidente nacional do PPS

MARCUS PESTANA
Deputado Federal (PSDB-MG)

ALOYSIO NUNES FERREIRA
Ministro das Relações Exteriores (PSDB-MG)

RUBENS BUENO
Deputado Federal (PPS-PR)

MENDONÇA FILHO (DEM-PE)
Ministro da Educação (2016/2017) e Deputado Federal (DEM-PE)

HERACLITO FORTES
Deputado Federal (DEM-PI)

BENITO GAMA
Deputado Federal (PTB-BA)

LUIZ ERNECK VIANNA
Cientista Político

JOSÉ CARLOS ALELUIA
Deputado Federal (DEM-BA)

RAUL JUNGMANN
Ministro da Segurança Pública

DANILO FORTES
Deputado Federal (PSDB-CE)

CARMEN ZANOTTO
Deputada Federal (PPS-SC)

YEDA CRUSIUS
Deputada Federal (PSDB-RS)

SÉRGIO FAUSTO
Cientista Político

MARCO AURÉLIO NOGUEIRA
Cientista Político

ROGÉRIO MARINHO
Deputado Federal (PSDB-RN)

BOLÍVAR LAMOUNIER
Sociólogo e Cientista Político

ROGÉRIO ROSSO
Deputado Federal (PSD-DF)

CELSO LAFER
Jurista e Ministro das Relações Exteriores (2001/2002)

EVANDRO GUSSI
Deputado Federal (PV-SP)

ALBERTO GOLDMAN
Ex-governador de São Paulo

SÉRGIO BESSERMAN
Economista

MARCOS MONTES
Deputado Federal (PSD-MG)

MARCELO MADUREIRA
Engenheiro e Humorista

DARCÍSIO PERONDI
Deputado Federal (MDB-RS)

LUIS SÉRGIO HENRIQUES
Tradutor e Ensaísta

EDUARDO SCIARRA
Deputado Federal (PSD-PR)

ALBERTO AGGIO
Historiador

RUBEM BARBOZA
Cientista Político

VILMAR ROCHA
Deputado Federal (PSD-GO)”


Conheça a seleção de presidenciáveis de 2018 no #ProgramaDiferente

Faltam exatamente sete meses para a seleção brasileira de presidenciáveis entrar em campo para disputar o jogo decisivo de 7 de outubro. Em ano de Copa do Mundo, num país que idolatra o futebol e onde as metáforas da bola servem para tratar de qualquer assunto, nada como antecipar o esquema tático dos onze craques convocados por seus respectivos partidos para as eleições de 2018. Detalhe: o técnico é você, eleitor!

Escalamos uma espécie de "seleção do povo", com os 11 titulares mais lembrados nas sondagens pré-eleitorais, aqueles que já estão no aquecimento e vão sair agora do vestiário para o reconhecimento do campo. Não significa que todos terão condição de jogo, até porque já vemos jogador renomado buscando vaga no tapetão, novato de salto alto, veterano com pouco fôlego para enfrentar o adversário e perna-de-pau sem coragem de encarar a torcida.

O esquema é o tradicional 4-3-3 dos anos 80, até com ponta-direita e ponta-esquerda, apesar de estarmos muito longe do "futebol-arte" da seleção canarinho. O que se busca hoje é o feijão com arroz, o "futebol de resultados" onde 1x0 é tão festejado como uma goleada. Na analogia entre o futebol e as eleições, esperamos que o resultado que teremos para os mandatários a partir de 2019 não seja tão frustrante quando o 7x1 da Alemanha na última Copa.

Essa é uma brincadeira que fazemos, obviamente, para tratar de um assunto sério e essencial para a normalidade democrática, cívica e institucional do Brasil com leveza, ironia e bom humor. No link sobre o nome dos candidatos relacionados abaixo, o #ProgramaDiferente traz um discurso ou entrevista recente que mostra a essência do pensamento de cada um.

Vamos à escalação (e clique sobre o link para ver os vídeos):

1. Lula - Como Pelé nos velhos tempos, o craque petista também joga no gol nos momentos de necessidade. Vive da nostalgia do tetra (duas eleições dele e duas de Dilma), mas a única chance que tem para seguir como número 1 é mesmo sendo escalado no sacrifício para defender na mão grande o seu time do implacável ataque inimigo. O último resultado foi um 5x0 no campo do STJ. A esperança que resta para não ser cortado antes da final é uma virada de mesa no STF, como nunca antes neste país...

2. João Amoêdo - Na lateral direita, com habilidade para atuar também como líbero, está a aposta do Partido Novo. Fez sólida carreira no exterior, até voltar ao Brasil para ajudar a lançar um time sem tradição mas recheado de patrocinadores e gestores profissionais.

3. Temer - Na zaga situacionista, com fama de xerifão, joga o capitão do time, apelidado "Presidente". Queimado com a torcida, a dúvida é se pendura as chuteiras antes da final, como palpitam alguns analistas, ou se estica a carreira para prestigiar os cartolas do seu time, que tanto se empenharam para mantê-lo como titular.

4. Meirelles - Completando a dupla de zaga do governo, um verdadeiro beque-de-fazenda. Atua com desprendimento nos dois lados da área, segurando o ímpeto da equipe, mas tem dificuldade de subir para disputar bolas alçadas contra atacantes mais encorpados.

6. Manuela - Na lateral esquerda, com disposição para marcar de perto os adversários que se deslocam pela direita, ganhou a posição essa ex-juvenil acostumada a cruzar a bola na área para o atacante petista cabecear para o gol.

5. Ciro Gomes - É o típico cabeça de área, pronto para dar cobertura aos laterais, armar o meio-de-campo e sair jogando com a bola dominada sempre que houver um rebote (principalmente uma bola espalmada de Lula). Chuta forte com as duas pernas, mas é ruim de pontaria. Famoso pela passagem por vários clubes diferentes na carreira e pelos gols contra que já lhe custaram um campeonato onde despontava como favorito.

8. Álvaro Dias - Veterano meia-direita e ídolo no sul do país. No selecionado nacional sempre atuou como armador do time, mas agora prefere se arriscar mais como ponta-de-lança. Acredita que PODE dar certo, apesar das dificuldades e da descrença da mídia especializada.

10. Marina - Dona de um toque refinado, dá sustentabilidade e equilíbrio à equipe. Alguns críticos reclamam que falta mais ousadia e presença no ataque, mas os companheiros elogiam o ritmo cadenciado e a experiência de uma carreira com reconhecimento internacional. É a esperança de bola na REDE.

7. Bolsonaro - Joga avançado pela extrema direita, desafiando qualquer esquema tático. Aparece frequentemente impedido, tem dificuldade no domínio da bola e fragilidade em recompor o sistema defensivo. Adorado pela torcida pelo jeitão irresponsável, espontâneo e inconsequente. Geralmente se envolve em confusões.

9. Alckmin - Como centroavante, com o desfalque dos antigos titulares de estilo mais trombador, aparece o discreto "Xuxu" paulista. Administra bem a bola, dá segurança no meio-de-campo e atua como pivô para quem chega em bloco, por trás, pelo chamado "centro democrático". Aposta no "fair play" e na regularidade para conquistar a preferência da torcida.

11. Boulos - Pela extrema esquerda estreia o atacante de movimentação bastante ofensiva, acostumado a invadir a área adversária e ocupar os espaços vazios na defesa oposta. Dono de um estilo rebelde e desafiador, geralmente contesta a autoridade da comissão técnica e da arbitragem, além de ter relação conturbada com a imprensa não setorista e com a PM nos estádios.


O custo da sobrevida de Temer: apagão fiscal em hospitais e perdão de dívidas a grupos de pressão

Com cirurgias suspensas e bolsistas ameaçados, ajuste fiscal prejudica população para salvação do presidente. Se Dilma e o PT quebraram a economia, Temer atrasa a recuperação

Como custo de sobrevivência do presidente Michel Temer (PMDB), o ajuste fiscal virou promessa distante e os serviços federais sucumbem às barganhas do governo para manter o apoio do Congresso a um presidente acusado de corrupção passiva, investigado por obstrução de Justiça e participação em organização criminosa. A blindagem na Câmara dos Deputados na semana passada adiou o início de uma ação penal contra Temer, mas a sobrevida do presidente custou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares antecipadas e mais de R$ 10 bilhões em dívidas refinanciadas em condições generosas para produtores rurais. A salvação estourou uma rebelião na base aliada. PP, PR, PSD e outros partidos do "centrão" cobram ministérios, cargos e verbas para apoiar Temer contra novas denúncias e votações na Câmara dos Deputados.

Em cada fatia cedida do orçamento para grandes doadores de campanha, como os ruralistas, e para interesses paroquiais de parlamentares, Temer destruiu o ajuste fiscal da equipe econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como mostrou reportagem do EL PAÍS. Essa sobrevida veio com um custo direto, com barganhas no orçamento, e também indireto, com a rodagem de juros da dívida pública em patamar mais alto do que seria esperado em condições normais de governabilidade. Por isso, embora a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT tenham quebrado a economia do país e levado as contas públicas a essa situação de descalabro, Temer também não ajuda. O presidente atrasa a recuperação, porque sua permanência no poder custa fatia relevante do orçamento público – até agora, mais de R$ 14 bilhões – e dificulta a queda de juros, essencial para a retomada da atividade econômica.

Para compensar esse “custo Temer”, o presidente tenta manter as expectativas positivas do mercado em seu governo. Tão logo foi salvo de uma ação penal pela Câmara ele renovou promessas de aprovação de uma reforma da Previdência.

Mas a boa vontade do mercado deve ser testada na semana que vem, quando o governo federal deve anunciar uma ampliação da meta fiscal deste ano, de déficit primário de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões. O acréscimo de R$ 20 bilhões à meta será necessário para evitar problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU), que já alertou para o risco de descumprimento. O governo superestimou a previsão de arrecadação e não deve se beneficiar de concessões que ofereceriam receitas extraordinárias. Também deve ser anunciada a revisão da meta fiscal de 2018 para o mesmo patamar. A cifra significa a manutenção do rombo fiscal de 2016, que bateu R$ 159 bilhões e representou 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Se a meta fosse contabilizada em resultado nominal -descontando a inflação-, o desempenho seria pior ainda: 8,9% do PIB. Apenas para efeito de comparação, países da União Europeia ficam sujeitos a sanções se o déficit nominal fica maior a 3% do PIB.

Com um custo tão alto de sobrevivência, o governo Temer já discutiu até subir impostos. Os presidentes da Câmara e do Senado reagiram e avisaram que não aprovariam elevações de tributos. Isso tirou fôlego da discussão e Temer passou a dizer que essa hipótese, mesmo estudada, estava descartada.

Para cumprir a meta fiscal deste ano, o governo contingenciou mais de R$ 42 bilhões neste ano em despesas e impôs um apagão fiscal em várias repartições federais. Isso fez com que cirurgias fossem suspensas em hospitais federais e bolsas de pesquisa ficassem ameaçadas, além de atrasar ou encerrar outros serviços.

“A população fica no pior dos mundos, porque o governo faz concessões orçamentárias para se manter politicamente, sem benefício nenhum para as pessoas. Do ponto de vista fiscal, R$ 10 bilhões [de dívidas rurais] é uma perda tremenda. Não à toa o governo discutiu aumento de imposto de renda uma semana depois de dar perdão de dívida do setor rural”, afirma o economista Hélio Tollini, ex-secretário de Orçamento Federal no governo Fernando Henrique Cardoso e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.

No Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o apagão fiscal é uma realidade que mata e adoece. Como só foram liberadas 70% das verbas de custeio e 40% das despesas previstas com investimentos, desde 31 de março o hospital não agenda cirurgias eletivas – só atende urgências. Pela falta de orçamento, ficou especialmente prejudicado o serviço de Hemodinâmica do complexo hospitalar, que chegou a atender 25 pacientes por dia e hoje só ajuda cerca de quatro pessoas por semana.

Também a pesquisa universitária está ameaçada. O CNPq só possui verbas para pagar 104 mil bolsas de pesquisa até setembro. Para o resto do ano, não há mais dinheiro em caixa. E esse número de bolsas é inferior às 138 mil bolsas financiadas pelo órgão no país no ano passado. Mas o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, nega que tenham sido cortadas bolsas ou que tenham sido vetados novos pedido de financiamento. “Pode cortar o salário do presidente do CNPq, mas não vamos cortar bolsas”, afirmou ao EL PAÍS.

O CNPq precisa de R$ 500 milhões para encerrar 2017 sem deixar de pagar nenhum bolsista. Borges fez uma reunião com o ministro de Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), para pedir que a equipe econômica libere essa verba. “Kassab falou que vai fazer uma reunião com a área econômica para colocar esse cenário e se diz confiante de que vai convencê-los de que esse valor deve ser liberado, mesmo que seja mês a mês. Não temos plano B, mas estou confiante de que vamos conseguir”, afirmou o presidente do órgão.

Nas últimas semanas, enquanto antecipava mais de R$ 4 bilhões no empenho de emendas parlamentares e cedia a outros grupos de pressão para barrar a denúncia na Câmara dos Deputados, Temer colheu derrotas no Congresso. O governo foi avisado de que não seria aprovado o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), uma espécie de novo Refis lançado pela Medida Provisória nº 783, sem que a medida ofereça um ajuste maior a devedores do Fisco. Com essa medida, o governo esperava arrecadar R$ 13,3 bilhões só neste ano com o refinanciamento de dívidas, mas as condições mais generosas exigidas por deputados impedem qualquer resultado perto disso. Também houve derrota do governo com o fim do prazo para votação da MP 774 de reoneração da folha de pagamento, com que o governo federal esperava retomar a cobrança de encargos previdenciários para arrecadar cerca de R$ 4,8 bilhões neste ano. Esses fracassos deixaram um buraco na meta fiscal.

Enquanto cede a barganhas e coleciona derrotas para recuperar receitas, o governo ainda espera aprovar a reforma da Previdência, algo considerado improvável por analistas. Isso porque os parlamentares estão mais preocupados em votar uma reforma política, para garantir condições mais favoráveis para reeleição em 2018. E, na véspera da campanha de 2018, parece pouco provável alcançar os votos necessários para passar medidas impopulares que prejudicam aposentadorias. No melhor cenário, especialistas cogitam que seja aprovada a elevação da idade mínima para aposentadorias. Parte do mercado financeiro só mantém a confiança no governo Temer pela esperança de que seja aprovada uma reforma da Previdência. “Fico até impressionado de ninguém da equipe econômica ter pulado fora ainda”, afirma Tollini.

O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, monitora diariamente as despesas do governo federal e não tem dúvida. Para ele, não há nenhuma prioridade de Temer em alcançar bons resultados fiscais. “A prioridade de Temer é a salvação da própria pele. Isso torna a situação muito volátil”, afirma. “Nesse momento de fragilidade política, se avolumam pressões orçamentárias ao presidente e ele acaba cedendo a várias delas”, acrescenta. O custo da sobrevivência de Temer, como se percebe, já passou dos R$ 14 bilhões.

Por Daniel Haidar, do El País