Presidência

Folha de S. Paulo: A um ano da campanha na TV, incerteza inédita ronda ciclo eleitoral

A um ano do início da campanha à Presidência no rádio e na TV, que começa em 26 de agosto de 2018, o cenário eleitoral está indefinido, sem clareza de quem serão os candidatos das principais forças.

Por Thais Bilenky, Folha de S. Paulo

O enfraquecimento da polarização entre PT e PSDB, com ambos os partidos desgastados com a Operação Lava Jato, produz uma proliferação de nomes que poderão disputar o Planalto.

Torna a situação mais complexa a impopularidade do presidente Michel Temer (PMDB), o que inibe uma candidatura óbvia como representante da continuidade, rompendo com a lógica observada desde 1994.

Entre os tucanos, o senador Aécio Neves (MG), ao apoiar o impeachment de Dilma Rousseff (PT), seria o herdeiro natural da recuperação econômica que se esperava com a posse de Temer.

Atingido pela Lava Jato, abriu espaço para o governador paulista, Geraldo Alckmin, pleitear a candidatura.

O desgaste da classe política tradicional, contudo, vem servindo de palanque para o prefeito paulistano, João Doria, apresentar-se como representante do "novo".

A disputa velada entre o governador e o prefeito reorganiza forças dentro do PSDB e mesmo fora, com sondagens do Democratas e do PMDB a Doria.

Um líder tucano admite que a polarização entre PSDB e PT se esgarçou, pelo menos no retrato instantâneo. Pode vir a se reorganizar em eventual segundo turno, ele afirma, mas talvez não dite a campanha desde o primeiro.

Da parte do PT, a incógnita quanto à viabilidade jurídica da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em primeira instância na Lava Jato, deixa a centro-esquerda em compasso de espera.

Enquanto o ex-presidente faz sua caravana pelo Nordeste, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ocupa o posto de plano B. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) já disse que não disputaria com Lula e flerta com a eventualidade de formar chapa com Haddad.

Sem clareza de quem será e o que defenderá o candidato do PSDB, o governo dá sinais de que pode lançar nome próprio como o ministro Henrique Meirelles (Fazenda).

A conjunção desses fatores leva analistas a apostarem que, se a eleição chegar ao segundo turno, terá candidatos com votação baixa.

SARNEYZAÇÃO
Os principais ganhadores do cenário de indefinição são os 'outsiders', os candidatos que correm por fora dos partidos mais tradicionais, afirmou Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

"Ainda que enfrentem condições difíceis por conta das regras de tempo de TV e eventualmente de doação de recursos públicos, a barreira para o segundo turno deve diminuir, viabilizando nomes como Jair Bolsonaro (PSC) e Marina Silva (Rede Sustentabilidade)", disse o analista.

Para Cortez, o quadro atual se assemelha ao de 1989, com fragmentação de candidaturas e sem perspectiva entre o eleitorado de continuidade do governo, o que ele define como sarneyzação.

Na perspectiva histórica, "as eleições presidenciais têm se comportado quase como plebiscitos do governo em questão. Se bem avaliado, tende a gerar continuidade. Sem isso, todas as candidaturas vão ter de trabalhar a persuasão eleitoral", disse.

Em comparação, em agosto de 2013, salvo por Marina, que ainda não definira que sairia como vice de Eduardo Campos pelo PSB, o quadro era relativamente previsível, com Aécio disputando pelo PSDB e Dilma pelo PT.

Mais uma vez, Marina não deixa claro se e como entrará na disputa. Sem estrutura partidária robusta e em meio à indefinição de Lula, ela se restringe a gestos: reuniu-se com artistas no Rio, em julho, uma vez na casa da empresária Paula Lavigne e outra na do ator Marcos Palmeira.

No campo da extrema direita, Bolsonaro viaja o país há mais de um ano para falar de seu projeto nacional. Pretende deixar o PSC e se filiar ao PEN para viabilizar a candidatura. O seu adversário imediato é Doria, com quem pode vir a disputar a parcela mais centrista de seu potencial eleitorado.


O custo da sobrevida de Temer: apagão fiscal em hospitais e perdão de dívidas a grupos de pressão

Com cirurgias suspensas e bolsistas ameaçados, ajuste fiscal prejudica população para salvação do presidente. Se Dilma e o PT quebraram a economia, Temer atrasa a recuperação

Como custo de sobrevivência do presidente Michel Temer (PMDB), o ajuste fiscal virou promessa distante e os serviços federais sucumbem às barganhas do governo para manter o apoio do Congresso a um presidente acusado de corrupção passiva, investigado por obstrução de Justiça e participação em organização criminosa. A blindagem na Câmara dos Deputados na semana passada adiou o início de uma ação penal contra Temer, mas a sobrevida do presidente custou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares antecipadas e mais de R$ 10 bilhões em dívidas refinanciadas em condições generosas para produtores rurais. A salvação estourou uma rebelião na base aliada. PP, PR, PSD e outros partidos do "centrão" cobram ministérios, cargos e verbas para apoiar Temer contra novas denúncias e votações na Câmara dos Deputados.

Em cada fatia cedida do orçamento para grandes doadores de campanha, como os ruralistas, e para interesses paroquiais de parlamentares, Temer destruiu o ajuste fiscal da equipe econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como mostrou reportagem do EL PAÍS. Essa sobrevida veio com um custo direto, com barganhas no orçamento, e também indireto, com a rodagem de juros da dívida pública em patamar mais alto do que seria esperado em condições normais de governabilidade. Por isso, embora a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT tenham quebrado a economia do país e levado as contas públicas a essa situação de descalabro, Temer também não ajuda. O presidente atrasa a recuperação, porque sua permanência no poder custa fatia relevante do orçamento público – até agora, mais de R$ 14 bilhões – e dificulta a queda de juros, essencial para a retomada da atividade econômica.

Para compensar esse “custo Temer”, o presidente tenta manter as expectativas positivas do mercado em seu governo. Tão logo foi salvo de uma ação penal pela Câmara ele renovou promessas de aprovação de uma reforma da Previdência.

Mas a boa vontade do mercado deve ser testada na semana que vem, quando o governo federal deve anunciar uma ampliação da meta fiscal deste ano, de déficit primário de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões. O acréscimo de R$ 20 bilhões à meta será necessário para evitar problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU), que já alertou para o risco de descumprimento. O governo superestimou a previsão de arrecadação e não deve se beneficiar de concessões que ofereceriam receitas extraordinárias. Também deve ser anunciada a revisão da meta fiscal de 2018 para o mesmo patamar. A cifra significa a manutenção do rombo fiscal de 2016, que bateu R$ 159 bilhões e representou 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Se a meta fosse contabilizada em resultado nominal -descontando a inflação-, o desempenho seria pior ainda: 8,9% do PIB. Apenas para efeito de comparação, países da União Europeia ficam sujeitos a sanções se o déficit nominal fica maior a 3% do PIB.

Com um custo tão alto de sobrevivência, o governo Temer já discutiu até subir impostos. Os presidentes da Câmara e do Senado reagiram e avisaram que não aprovariam elevações de tributos. Isso tirou fôlego da discussão e Temer passou a dizer que essa hipótese, mesmo estudada, estava descartada.

Para cumprir a meta fiscal deste ano, o governo contingenciou mais de R$ 42 bilhões neste ano em despesas e impôs um apagão fiscal em várias repartições federais. Isso fez com que cirurgias fossem suspensas em hospitais federais e bolsas de pesquisa ficassem ameaçadas, além de atrasar ou encerrar outros serviços.

“A população fica no pior dos mundos, porque o governo faz concessões orçamentárias para se manter politicamente, sem benefício nenhum para as pessoas. Do ponto de vista fiscal, R$ 10 bilhões [de dívidas rurais] é uma perda tremenda. Não à toa o governo discutiu aumento de imposto de renda uma semana depois de dar perdão de dívida do setor rural”, afirma o economista Hélio Tollini, ex-secretário de Orçamento Federal no governo Fernando Henrique Cardoso e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.

No Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o apagão fiscal é uma realidade que mata e adoece. Como só foram liberadas 70% das verbas de custeio e 40% das despesas previstas com investimentos, desde 31 de março o hospital não agenda cirurgias eletivas – só atende urgências. Pela falta de orçamento, ficou especialmente prejudicado o serviço de Hemodinâmica do complexo hospitalar, que chegou a atender 25 pacientes por dia e hoje só ajuda cerca de quatro pessoas por semana.

Também a pesquisa universitária está ameaçada. O CNPq só possui verbas para pagar 104 mil bolsas de pesquisa até setembro. Para o resto do ano, não há mais dinheiro em caixa. E esse número de bolsas é inferior às 138 mil bolsas financiadas pelo órgão no país no ano passado. Mas o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, nega que tenham sido cortadas bolsas ou que tenham sido vetados novos pedido de financiamento. “Pode cortar o salário do presidente do CNPq, mas não vamos cortar bolsas”, afirmou ao EL PAÍS.

O CNPq precisa de R$ 500 milhões para encerrar 2017 sem deixar de pagar nenhum bolsista. Borges fez uma reunião com o ministro de Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), para pedir que a equipe econômica libere essa verba. “Kassab falou que vai fazer uma reunião com a área econômica para colocar esse cenário e se diz confiante de que vai convencê-los de que esse valor deve ser liberado, mesmo que seja mês a mês. Não temos plano B, mas estou confiante de que vamos conseguir”, afirmou o presidente do órgão.

Nas últimas semanas, enquanto antecipava mais de R$ 4 bilhões no empenho de emendas parlamentares e cedia a outros grupos de pressão para barrar a denúncia na Câmara dos Deputados, Temer colheu derrotas no Congresso. O governo foi avisado de que não seria aprovado o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), uma espécie de novo Refis lançado pela Medida Provisória nº 783, sem que a medida ofereça um ajuste maior a devedores do Fisco. Com essa medida, o governo esperava arrecadar R$ 13,3 bilhões só neste ano com o refinanciamento de dívidas, mas as condições mais generosas exigidas por deputados impedem qualquer resultado perto disso. Também houve derrota do governo com o fim do prazo para votação da MP 774 de reoneração da folha de pagamento, com que o governo federal esperava retomar a cobrança de encargos previdenciários para arrecadar cerca de R$ 4,8 bilhões neste ano. Esses fracassos deixaram um buraco na meta fiscal.

Enquanto cede a barganhas e coleciona derrotas para recuperar receitas, o governo ainda espera aprovar a reforma da Previdência, algo considerado improvável por analistas. Isso porque os parlamentares estão mais preocupados em votar uma reforma política, para garantir condições mais favoráveis para reeleição em 2018. E, na véspera da campanha de 2018, parece pouco provável alcançar os votos necessários para passar medidas impopulares que prejudicam aposentadorias. No melhor cenário, especialistas cogitam que seja aprovada a elevação da idade mínima para aposentadorias. Parte do mercado financeiro só mantém a confiança no governo Temer pela esperança de que seja aprovada uma reforma da Previdência. “Fico até impressionado de ninguém da equipe econômica ter pulado fora ainda”, afirma Tollini.

O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, monitora diariamente as despesas do governo federal e não tem dúvida. Para ele, não há nenhuma prioridade de Temer em alcançar bons resultados fiscais. “A prioridade de Temer é a salvação da própria pele. Isso torna a situação muito volátil”, afirma. “Nesse momento de fragilidade política, se avolumam pressões orçamentárias ao presidente e ele acaba cedendo a várias delas”, acrescenta. O custo da sobrevivência de Temer, como se percebe, já passou dos R$ 14 bilhões.

Por Daniel Haidar, do El País


Fernando Henrique Cardoso: Convicção e esperança

 

É hora de sonhar com 2018, deixar de lado o desânimo e preparar o futuro

Escrevo antes de saber o resultado da votação pela Câmara da autorização para o STF poder julgar a denúncia oferecida pelo procurador-geral contra o presidente da República. É pouco provável que a autorização seja concedida. Houve precipitação da Procuradoria, que fez a denúncia sem apurações mais consistentes. Entretanto, para o que desejo dizer, pouco importa a votação: a denúncia em si mesma e a fragmentação dos partidos no encaminhamento da matéria já indicam um clima de quase anomia, no qual algumas instituições do Estado e os partidos políticos se perderam.

Esta não é uma crise só brasileira. Em outros países onde prevalecem sistemas democrático-representativos também se observa a descrença nas instituições, por seu comportamento errático, sobretudo no caso dos partidos. Mesmo nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França – países centrais na elaboração de ideologias democráticas e na formação das instituições políticas correspondentes – se nota certa falta de prestígio de ambas. Não falta quem contraste as deficiências dos regimes democráticos com as supostas vantagens dos regimes autoritários e mesmo ditatoriais.

O contraste é falacioso, sobram exemplos de ineficiência nos regimes autoritários, sem falar na perda da liberdade, individual e pública, cujo valor não pode ser medido em termos de eficiência dos governos. Nem faltam casos para mostrar o quanto podem levar ao desastre os regimes que de autoritários passam a ditatoriais, como na Turquia atual ou, mais impressionantemente ainda, na Venezuela, onde acontece um verdadeiro horror perante os céus. Nela, a inexistência das garantias democráticas se soma ao descalabro econômico-financeiro.

Não é, contudo, o caso do Brasil. Houve, é certo, a perda de controle das finanças públicas pelo governo anterior. Mas nunca se chegou a ameaçar diretamente a democracia. Aqui o que houve foi a generalização e a sacralização da corrupção, com as ineficiências decorrentes, aprofundando a perda de confiança popular no governo e na vida política. Nesse sentido, estamos imersos num mar de pequenos e grandes problemas e tão atarantados com eles que somos incapazes de vislumbrar horizonte melhor. É isso o que mais me preocupa, a despeito da gravidade tanto dos casos de corrupção quanto dos desmandos que vêm ocorrendo.

Falta alguém dizer como De Gaulle disse quando viu o desastre da Quarta República francesa e a derrocada das guerras coloniais: que era preciso manter uma “certa ideia da França” e mudar o rumo das coisas. Aqui e agora, guardadas as proporções, é preciso que alguém – ou algum movimento – encarne uma certa ideia de Brasil e mude o rumo das coisas. Precisamos sentir dentro de cada um de nós a responsabilidade pelo destino nacional. Somos 210 milhões de pessoas, já fizemos muito como país, temos recursos, há que voltar a acreditar no nosso futuro.

Diante do desmazelo dos partidos, da descrença e dos fatos negativos (não só a corrupção, mas o desemprego, as desigualdades e a falta de crença no rumo) é preciso responder com convicções, direção segura e reconstrução dos caminhos para o futuro. Isso não significa desconhecer que existam conflitos, incluídos os de classe, nem propor que política se faça só com “os bons”. Significa que chegou a hora de buscar os mínimos denominadores comuns que nos permitam ultrapassar o impasse de mal-estar e pessimismo.

Infelizmente, os partidos, sozinhos, não darão respostas a essa busca. O quadro desastroso – quase 30 partidos atuando no Congresso, separados não por crenças, mas por interesses grupais que se chocam na divisão do bolo orçamentário e no butim do Estado – isola as pessoas e os líderes, enclausurando-os em partidos que se opõem uns aos outros sem que se veja com clareza o porquê.

Penso que o polo progressista, radicalmente democrático, popular e íntegro precisa se “fulanizar” numa candidatura que em 2018 encarne a esperança. As dicotomias em curso já não preenchem as aspirações das pessoas: elas não querem o autoritarismo estatista nem o fundamentalismo de mercado. Desejam um governo que faça a máquina burocrática funcionar, com políticas públicas que atendam às demandas das pessoas. Um governo que seja inclusivo, quer dizer, que mantenha e expanda as políticas redutoras da pobreza e da desigualdade (educação pública de maior qualidade, impostos menos regressivos, etc.); que seja fiscalmente responsável, atento às finanças públicas, e ao mesmo tempo entenda que precisamos de maior produtividade e mais investimento público e privado, pois sem crescimento da economia não haverá recuperação das finanças públicas e do bem-estar do povo.

Um governo que, sobretudo, diga em alto e bom som que decência não significa elitismo, mas condição para a aceitação dos líderes pelos que hão de sustentá-los. Brizola, referindo-se a Lula, disse que ele era a “UDN de macacão”, lembrando a pregação ética dos fundadores do PT. Infelizmente, Lula despiu o macacão e se deixou engolfar pelo que havia de mais tradicional em nossa política: o clientelismo e o corporativismo, tendo a corrupção como cimento. Não é desse tipo de liderança que precisamos para construir um grande País.

Ainda que venham a ocorrer novos episódios que ponham em causa o atual governo, e melhor seria que não houvesse, de pouco adianta substituir quem manda hoje por alguém eleito indiretamente: ao líder faltaria o sopro de legitimidade dado pelo voto popular, necessário para enfrentar os desafios contemporâneos. É tarde para chorar por impeachments perdidos ou por substituições que nada mudam. É hora de sonhar com 2018 e deixar de lado o desânimo. Preparemos o futuro juntando pessoas, lideranças e movimentos políticos num congraçamento cívico que balance a modorra dos partidos e devolva convicção e esperança à política.

 

*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi Presidente da República.

 

 


O Globo: Os ineditismos do presidente Temer

Além de primeiro presidente em exercício denunciado por corrupção, Temer se notabiliza por se cercar de pessoas com problemas na Justiça e Ministério Público

O advogado do presidente Michel Temer, Antônio Cláudio Mariz, protocolou ontem a defesa que fará do cliente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Avança o relógio da tramitação do pedido da Procuradoria-Geral da República para processar Temer no Supremo Tribunal Federal, assunto a ser votado na CCJ, prevê-se, na penúltima semana do mês. Não importa o resultado, a decisão final será do plenário da Casa.

Enquanto isso, o presidente Michel Temer acumula ineditismos. Além de ostentar o posto de primeiro presidente da República em exercício a ser denunciado por corrupção, Temer tem, e teve, ao redor auxiliares e aliados com diversos tipos de problemas com a Justiça e o Ministério Público. Numa dimensão nunca vista pelo menos em passado recente.

O mais novo caso é do ex-ministro Geddel Vieira, preso na segunda-feira, sob a acusação de tentar obstruir o trabalho da Justiça nas investigações sobre tramas de Eduardo Cunha, já trancafiado, Lúcio Funaro, idem, e Fábio Cleto. Em questão, falcatruas com dinheiro do fundo de investimento do FGTS, o FI-FGTS, na Caixa Econômica, com a cobrança de propinas a empresários.

A Caixa, cedida pelo PT, depois da aproximação com o PMDB, para ser feudo deste partido, abrigou o próprio Geddel Vireira como um dos vicepresidentes. No governo Dilma Rousseff, Cunha, um dos chefes da legenda, nomeou Fábio Cleto como dono da chave de cofres do FI-FGTS, e lá instalou um guichê de recolhimento de propinas, confiadas ao doleiro Funaro. Geddel foi ministro da Secretaria de Governo de Temer com este prontuário.

Outro do círculo próximo a Temer fora de circulação é o ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves preso sob a acusação de desvio de verbas na construção da Arena das Dunas, Natal, no Rio Grande do Norte, estado do político.

Dois assessores muito próximos ao presidente, com gabinetes no Planalto, também não escapam desta marca. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e Moreira Franco, ministro que ocupa a secretaria que foi de Geddel. Padilha e Moreira são investigados pela Lava-Jato.

A lista é extensa. Outro dos ex-assessores, preso e solto há pouco, é o deputado suplente pelo PMDB do Paraná Rodrigo Rocha Loures, o qual, na gravação feita por Joesley Batista, Temer indicou para o empresário resolver com ele “tudo”.

Batista gravou uma conversa posterior com Loures sobre o pagamento de uma propina com muitos zeros, para o político ajudar a resolver problemas do grupo JBS no Cade. Para Joesley e o diretor da empresa Ricardo Saud, o destinatário do dinheiro seria Temer.

Falcatruas não são uma exclusividade do PMDB. O mesmo se vê no PT e na cúpula do PSDB. O problema para Temer é que o político da vez a ser julgado no Legislativo é ele. Com assessores com este perfil, o trabalho do advogado Antônio Carlos Mariz fica mais pesado.

Editorial do O Globo

Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/os-ineditismos-do-presidente-temer-21558157

 


Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso

As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.

Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.

A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.

Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.

A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.

Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).

Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.

Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.

Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.

É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.

Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.

Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.

Coloca-se a questão agônica do que fazer.

Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.

Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.

Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?

É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.

Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.

Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.

Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.

O imbróglio é grande.

Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.

Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.

Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.

Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.

Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.

Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.

Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?

Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.

Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil (1995-2002) pelo PSDB.

Foto: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896003-apelo-ao-bom-senso.shtml

 


Roberto Fendt: A Venezuela e a ‘Tríplice Aliança’

Quando o assunto da presidência rotativa do Mercosul parecia já fora de pauta e com solução encaminhada, em entrevista nesta semana o presidente Rafael Correa, do Equador, saiu-se com esta: “Você pode gostar ou não do governo da Venezuela, mas a presidência rotativa cabe à Venezuela, se é por ordem alfabética”, afirmou. E completou: “É preciso cumprir as regras do jogo”. Sem a virulência do chanceler venezuelano, as palavras de Correa indiretamente endossam a posição do chanceler venezuelano. Segundo o chanceler, Argentina, Brasil e Paraguai formaram uma “tríplice aliança” com o objetivo de “tomar de assalto” a presidência do Mercosul. Essa suposta entidade sinistra teria por objetivo “reeditar uma espécie de Operação Condor contra a Venezuela, hostilizando e criminalizando seu modelo de desenvolvimento e democracia”. Curiosa retórica.

Na Venezuela de hoje não sobrevivem nem o desenvolvimento nem a democracia. O país terminou 2015 com uma queda do PIB de 10%, com inflação de 275%, reservas internacionais em queda e com escassez generalizada de alimentos e outros bens de consumo. Estimativas otimistas projetam uma queda adicional do PIB de 8% e inflação de 720% em 2016. É desnecessário elaborar sobre os ataques às liberdades individuais dos venezuelanos, tal a extensão desses atentados e seu amplo conhecimento em todo o continente. Não pairam dúvidas entre as pessoas de boa-fé de que o presidente Nicolás Maduro não tem condições para assegurar a governança do Mercosul.

Há várias razões para essa conclusão. Do ponto de vista estritamente institucional, é promissor que Brasil, Argentina e Paraguai façam prevalecer o bom senso sobre o alfabeto na questão da presidência rotativa do Mercosul. De fato, como afirmou Correa, é preciso cumprir as regras do jogo. Cabe perguntar que regras são essas. A mais básica delas é a de que a governança do bloco comercial cabe rotativamente a seus membros plenos – os países signatários que compatibilizaram dentro dos prazos acordados nos protocolos de adesão a sua legislação comercial ao ordenamento comum. A Venezuela teve quatro anos para fazê-lo e o prazo vence no ano em curso.

Em momento algum demonstrou interesse em levar adiante esse projeto. Nada indica que poderá fazê-lo nos próximos quatro meses. A rigor, questiona-se se a Venezuela deveria ou não fazer parte do bloco comercial porque sua entrada foi efetuada contra a oposição do Paraguai, país fundador do Mercosul. Sua adesão como Estado-parte resultou de uma manobra espúria, obtida com a suspensão do Paraguai em 2012, país que se opunha a seu ingresso.

As desavenças, é claro, não estão restritas a uma questão alfabética de a quem cabe a presidência semestral rotativa do Mercosul. Trata-se de questões muito mais relevantes que abrangem desde o tamanho do Estado nas economias à escolha do regime comercial e a inserção no mundo globalizado, com todas as suas consequências para o desenvolvimento econômico. Nos últimos 15 anos a opção foi em favor de um Mercosul bolivariano, introspectivo, protecionista e com o protagonismo da política em detrimento dos aspectos de integração econômica.

Está agora começando a questionar- se esse modelo, saudoso que é dos tempos áureos da substituição de importações da década de 1950. Os governos do Brasil, Argentina e Paraguai enviaram, com a rejeição da presidência pro tempore venezuelana do Mercosul, uma clara mensagem de que o vento está começando a soprar em outra direção, a da inserção competitiva dos países do Mercosul na economia global.

Para que esses três países formem uma “tríplice aliança”, será necessário que a sustentem no tripé rejeição da autarquia econômica, do protecionismo como instrumento de desenvolvimento e integração competitiva na economia mundial. Quando isso conseguirmos, teremos feito, juntos, uma tríplice aliança do bem, para proveito dos cidadãos de nossos países. (O Estado de S. Paulo – 14/08/2016)


Fonte: pps.org.br


Roberto Freire diz que o Brasil acerta ao não aceitar a Venezuela na presidência do Mercosul

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), considerou acertada a decisão do Brasil de não reconhecer a Venezuela como presidente do Mercosul. “A Venezuela ainda não cumpriu os compromissos que assumiu quando foi admitida no bloco, há quatro anos, e, portanto, não está integrada a ele”, argumentou Freire.

“Se não formalizou sua integração, como presidir o bloco?”, questionou Freire. O deputado, que é membro do Parlasul, o parlamento do Mercosul, disse que o comando do bloco deve ser passado à Argentina, sucessora do Uruguai – que deixou a presidência -, dentro do rodízio por ordem alfabética.

Roberto Freire classificou de “menosprezo” pelas regras do Mercosul o fato de a Venezuela até hoje não ter se adequado aos requisitos para se tornar país-membro do bloco. “Não é uma questão formal, mas substantiva, que se não cumprida faz com que o país não seja parte do bloco”, salientou.

O presidente do PPS observou que não está sendo cobrada a cláusula democrática para que a Venezuela assuma o comando do Mercosul. “Não foram colocados os problemas de atentado aos direitos humanos, de manutenção de presos políticos, do regime que se revela uma ditadura, mas o cumprimento de requisitos obrigatórios para fazer parte do bloco”.

Carta

Em carta enviada aos chanceleres de Uruguai, Paraguai e Argentina, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, declarou que o Brasil contesta decisão da Venezuela de assumir a liderança do Mercosul, conforme anunciou, no fim de semana, o governo Nicolás Maduro. Serra afirmou ainda, no documento, que a decisão do Uruguai de deixar o comando do Mercosul gerou incertezas.

“O governo brasileiro entende que se encontra vaga a Presidência Pro Tempore do Mercosul, uma vez que não houve decisão consensual a respeito de seu exercício no período semestral subsequente”, diz Serra. O ministro afirma também, no documento, que o país não cumpriu “disposições essenciais” à sua adesão ao bloco econômico. Paraguai e Argentina anunciaram que desconheciam a Venezuela como presidente do Mercosul.


Fonte: pps.org.br