Presidência
Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, centrão tenta voltar ao comando da Câmara seis anos após vitória de Cunha
Líder do bloco é o favorito para vencer, nesta segunda, disputa marcada por promessas de emendas e cargos
Danielle Brant , Julia Chaib , Gustavo Uribe e Ranier Bragon, Folha de S. Paulo
As eleições desta segunda (1º) no Congresso podem levar de volta ao comando da Câmara dos Deputados o grupo de siglas conhecido como centrão, montado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) em 2014 e, atualmente, responsável pela base de sustentação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Apoiado pelo presidente da República, Arthur Lira (PP-AL) é o favorito na disputa e tem hoje o papel de líder inconteste do centrão, posto que foi de Cunha —presidente da Câmara de fevereiro de 2015 a maio de 2016, quando foi afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal e acabou, depois, sendo cassado e preso em decorrência da Operação Lava Jato.
Seu principal concorrente é Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara e hoje um dos principais adversários de Bolsonaro.
No Senado, o favoritismo é de Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), que não integra o centrão, mas teve a candidatura costurada pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e também tem a simpatia e o apoio de Bolsonaro e do centrão. Ele tem como principal rival a emedebista Simone Tebet (MS).
O flerte entre o centrão e o governo virou relacionamento sério no ano passado, no início da pandemia, quando Bolsonaro precisou negociar cargos com partidos como PP, PL e Republicanos para barrar a possibilidade de um impeachment.
Independentemente do resultado, a aliança Bolsonaro-centrão já enterrou de vez o discurso do presidente da República, explorado à exaustão durante a campanha eleitoral, de que não se renderia ao que chamava de a velha política do “toma lá, dá cá”.
"Qualquer presidente que, porventura, distribua ministério, estatais, ou diretorias de banco para apoio dentro do Parlamento está infringindo o artigo 85, inciso II da Constituição”, disse Bolsonaro, por exemplo, no dia 27 de outubro de 2018, um dia antes do segundo turno das eleições.
O trecho citado pelo então candidato define como crime de responsabilidade atos do presidente da República que atentem contra a o livre exercício do Poder Legislativo.
“Se eu, por exemplo, apresento o ministério para um partido com objetivo de comprar voto, qualquer um pode então me questionar que estou interferindo no exercício do Poder Legislativo", disse à época.
Também em 2018, o hoje ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, chegou a cantarolar “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão” em um encontro do PSL.Agora, tudo isso mudou. Para atender o centrão, o governo faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e chegou a cogitar até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do enxugamento da máquina pública.
Uma das danças das cadeiras que estão praticamente sacramentada é a saída de Onyx Lorenzoni do Ministério da Cidadania e a ida para a Secretaria-Geral, hoje ocupada pelo interino Pedro Marques de Souza.
O governo acertou que a Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, ficará com um nome indicado pelo Republicanos. São cotados os deputados João Roma (BA) e Márcio Marinho (BA), ambos do partido.
"Se tiver um clima no Parlamento, pelo o que tudo indica as duas pessoas que nós temos simpatia devem se eleger, não vamos ter mais uma pauta travada, a gente pode levar muita coisa avante, quem sabe até ressurgir os ministérios, esses ministérios", declarou Bolsonaro na última sexta-feira (29). No sábado (30), ele recuou.
A expectativa do centrão é que, até o final do ano, o presidente entregue ao bloco partidário cargos de destaque no primeiro e segundo escalões, o que enfrenta forte oposição tanto do núcleo militar como do ideológico do Palácio do Planalto. Os dois grupos prometem resistir à ofensiva das siglas.
Apesar da resistência, integrantes do centrão vislumbram a possibilidade de ficarem com o comando do Ministério da Saúde e ainda torcem pela recriação de pelo menos duas pastas: Trabalho e Cidades.
O governo também tem prometido emendas para parlamentares que apoiarem seus candidatos na disputa de segunda-feira. Segundo as informações do governo, já foram cadastrados os pedidos de cerca de 600 municípios, que registraram demandas que giram em torno de R$ 650 milhões.
Essa verba, que sai do cofre do governo e vai para as prefeituras, leva o carimbo dos parlamentares, que usam a notícia parta se cacifar eleitoralmente em seus redutos. São pedidos relativos ao Ministério do Desenvolvimento Regional, ao Ministério do Turismo e ao Ministério da Agricultura.
Para o centrão, além dos cargos no Executivo, é importante deter comando na Mesa diretora da Câmara, que é formada pela presidência, duas vices e quatro secretarias.
Pelo acordo firmado no bloco de Lira, o PL deverá disputar a primeira vice-presidência, com o deputado federal Marcelo Ramos (AM). As demais candidaturas seriam distribuídas entre Republicanos, PSD e PROS.
O PSL, que de última hora trocou de lado na disputa legislativa e vinha negociando a primeira-vice-presidência, deve ficar com um posto menor. Isso se não houver uma reviravolta que coloque o partido novamente no bloco de Baleia Rossi. A expectativa, inclusive, é que haja uma guerra de listas nesta segunda entre os grupos do PSL que apoiam Lira e Baleia.
Bolsonaro tem dito ainda que acredita que, com Lira, a chamada pauta de costumes deve avançar na Câmara, otimismo que não é compartilhado por assessores presidenciais. No passado, Lira já disse que ela não é prioridade para o país e, em conversa reservada na semana passada, reafirmou a opinião.
Por causa disso, o líder do centrão não deve receber o voto, pelo menos no primeiro turno, de todos os deputados bolsonaristas. Alguns deles têm afirmado em caráter reservado que votarão em candidatos avulsos, como Fábio Ramalho (MDB-MG).
Nos encontros das últimas semanas, Lira tem afirmado ainda que não será submisso ao presidente e ressaltado que não é de seu perfil acatar ordens, apesar de ter observado que pretende evitar embates públicos, como os protagonizados por Maia e Bolsonaro.
A opinião de alguns aliados do deputado é que, caso eleito, a tendência é que haja uma relação harmônica no começo, mas que dificilmente ela se manterá estável a partir do segundo semestre.
Já a equipe econômica espera que antes de 2022, ano eleitoral, o Poder Legislativo aprove as reformas administrativa e tributária. A primeira, como tem salientado Lira, é a sua prioridade. A segunda, contudo, enfrenta dificuldades.
Para aliados de Lira, o ideal é que ela seja reiniciada, com a mudança do atual relator, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que apoia a candidatura de Baleia. E que novos mecanismos sejam discutidos, o que deve inviabilizar uma votação neste ano.
Integrantes de partidos de centro traçam prognóstico negativo com relação à pauta da Câmara. Líderes ouvidos pela Folha avaliam que não haverá clima para votar nenhuma matéria econômica de relevância. Assim, nem a tributária e nem a reforma administrativa devem ser aprovadas até o ano que vem.
Outro ponto de possível desgaste, na opinião de assessores do governo, é a relação entre Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Apesar de ambos terem afinado o discurso recentemente, Lira já defendeu mais de uma vez medidas que aumentam os gastos públicos.
Apesar da mácula no discurso, a opção de Bolsonaro de negociar com o centrão é pragmática. O bom relacionamento com os novos presidentes da Câmara e do Senado ajudaria a manter afastados o risco de abertura de um processo de impeachment —Maia deixa o cargo com cerca de 60 em análise, por exemplo.
Também reduz as chances de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar, por exemplo, a conduta do governo na pandemia de Covid-19.
Essa blindagem foi importante em governos anteriores, como no primeiro mandato do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje, o centrão ocupa a diretoria de importantes órgãos na máquina federal. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), tem como presidente e diretores indicados de partidos como PL, PP e Republicanos. A Funasa (Fundação Nacional da Saúde), por sua vez, é ocupada por um aliado do PSD. Há ainda indicados do centrão em secretárias estratégicas dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional, entre outros.
O papel da oposição na disputa também foi colocado em xeque, em especial após a decisão de partidos de esquerda de apoiar Pacheco no Senado. Ao tomar a decisão, o PT argumentou que a questão era circunstancial e afirmou que o candidato não estaria “comprometido com a necropolítica do atual governo”, nas palavras do senador Humberto Costa (PE).
Na Câmara, formalmente os partidos de oposição se alinharam a Baleia Rossi, mas alguns deputados, reservadamente, já confidenciaram a seus pares que votarão em Lira, mesmo sendo o candidato de Bolsonaro. A dissidência é grande em partidos como PSB, no qual parlamentares já declararam intenção em votar no líder do centrão.
A campanha do presidente do MDB, no entanto, ainda conta com a possibilidade de reverter algumas dessas baixas e levar a disputa para segundo turno. Se isso ocorrer, afirmam, o jogo muda.
A expectativa de aliados de Rossi é a de que haja muitas traições do grupo que apoia Lira. A diferença, dizem, é que o líder do PP não sabe quais são esses votos porque, diferentemente dos membros do bloco de Rossi, os parlamentares não se manifestam publicamente contra o candidato de Bolsonaro, por medo de retaliação.
COMO SERÁ A ELEIÇÃO NO CONGRESSO
CÂMARA
- Os blocos de apoio dos candidatos deverão ser formados até meio-dia de segunda (1°)
- 17h é o prazo máximo para registro das candidaturas dos deputados que querem disputar a eleição
- A sessão em que ocorrerá a eleição está prevista para começar às 19h. Cada candidato a presidente —são oito— terá dez
- minutos para discursar
- A votação ocorre em urna eletrônica. Serão 21 espalhadas pelos salões Verde e Nobre —historicamente, eram 14
- Por causa da pandemia, foram adotados cuidados. A votação ocorrerá em blocos de cinco deputados por urna. Cada um terá três minutos para votar
- Haverá higienização após cada votação
- Se nenhum nome obtiver pelo menos 257 votos, haverá segundo turno
Candidatos
- Arthur Lira (PP-AL)
- Baleia Rossi (MDB-SP)
- Alexandre Frota (PSDB-SP)
- André Janones (Avante-MG)
- Fábio Ramalho (MDB-MG)
- Luiza Erundina (PSOL-SP)
- Marcel V. Hattem (Novo-RS)
- General Peternelli (PSL-SP)
SENADO
- Não há prazo para formação de blocos.
- Às 14h, começa a chamada sessão preparatória (em que ocorre eleição). O presidente do Senado então pergunta se há novas candidaturas, além das cinco já protocoladas
- Candidatos terão dez minutos para discursar, antes da votação
- Serão quatro urnas: duas no plenário e duas fora, para senadores considerados de grupo de risco. A votação será em cédulas de papel
- Será eleito o candidato que tiver 41 votos. A expectativa é que a sessão termine às 17h
Candidatos
- Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
- Simone Tebet (MDB-MS)
- Jorge Kajuru (Cidadania-GO)
- Lasier Martins (Podemos-RS)
- Major Olimpio (PSL-SP)
Cristovam Buarque: Unidade e Transição
Para eleger um presidente que nos conduza ao futuro é preciso primeiro impedir um presidente que só vê o passado
Na véspera de iniciar nosso terceiro centenário, precisamos mais que nunca de um presidente capaz de inspirar coesão no presente e rumo para o futuro. Estamos divididos em grupos que não se reconhecem como partes de um mesmo povo, seja pela desigualdade na renda ou pelo sectarismo nas ideias. Estamos ficando para trás na história, sem sintonia com o mundo, por falta de base científica e tecnológica, de capacidade de produzir e poupar, falta de infraestrutura econômica, de solidariedade social e nacional, sobretudo de educação de qualidade para todos. Mas, apesar destes desafios para o terceiro milênio, nossa tarefa imediata é impedir a continuação do atual quadro de divisão sectária, negação da realidade, incompetência gerencial e falta de visão de futuro.
Em 1985, consciente da responsabilidade de impedir a continuação do regime militar, os democratas se uniram, desde os mais progressistas aos mais conservadores, com exceção do PT, que preferiu não votar em Tancredo Neves. A união permitiu cinco anos de democracia, com sucessivas eleições para escolher rumos conforme a proposta de cada candidato. Por nossos erros, nossas divisões, por prioridades e comportamentos equivocados, deixamos que forças autoritárias e retrógradas voltassem ao poder com o voto dos eleitores. Corremos o risco desta interrupção de nossa marcha ao futuro continuar, reeleita pelo eleitor.
Para eleger um presidente que nos conduza ao futuro é preciso primeiro impedir um presidente que só vê o passado e destrói o presente construído nos últimos 35 anos de democracia. Nossa tarefa imediata é impedir a continuação do retrocesso. Elegermos um presidente que permita retomar o debate democrático com bom senso, respeito à verdade e ao contraditório, e então ganharmos impulso para os anos adiante.
Entre 1985 e 1919 fomos capazes de construir uma democracia sob Constituição duradoura; estamos no mais longo período de estabilidade monetária, com uma única moeda; implantamos programas de solidariedade com transferência de renda para os pobres; colocamos quase todas nossas crianças em escolas; mais que dobramos o número de estudantes universitários; conseguimos presença internacional respeitada; demos substanciais avanços nos direitos humanos; mas estamos ameaçados de perder tudo isto.
Temos a obrigação de voltarmos a nos unir em 2022, para elegermos um presidente comprometido em recuperar as conquistas dos últimos 35 anos. Para enfrentar o presidente atual, precisamos apresentar um candidato único, desde o primeiro turno, com baixa rejeição entre os eleitores. Os atuais candidatos precisam deixar seus projetos, metas e interesses nacionais e pessoais para a eleição seguinte; se unirem agora em torno àquele que assuma o compromisso de manter os acertos da democracia e que tenha as melhores condições para atrair os eleitores, graças à menor rejeição ao seu nome, e assuma o compromisso de apenas um mandato. Os demais candidatos adiam suas disputas para 2026 ou assumem o risco de verem 2022 repetir 2018. Os candidatos naturais em 1985, grandes líderes, entenderam o que a história precisava e adiaram suas candidaturas para 1989, dentro do marco democrático. Fizeram unidade e garantiram transição.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Mariliz Pereira Jorge: CPI do leite condensado
Fica difícil quando a oposição cria uma cortina de fumaça e perde o foco
"Vai pra puta que pariu, porra (...). É pra encher o rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado". Essa foi a reação do presidente da República ao se referir às cobranças sobre os gastos do seu governo, num evento, nesta quarta-feira (27).
Questionamos como um sujeito tosco feito Bolsonaro foi eleito, mas a oposição é muito fraquinha, precisa comer feijão para enfrentar essa besta. Certamente tem valores mais nobres do que o presidente, mas isso até a ema que fugiu da cloroquina nos arredores do Planalto tem. Então não chega a ser uma qualidade.
Diante de uma reportagem sobre a conta de R$ 1,8 bilhão da administração Bolsonaro, é constrangedor ver parlamentares alimentarem a desinformação de que se trata apenas do consumo da Presidência, quando o rancho serve para abastecer todos os órgãos ligados ao governo federal, o que inclui ministérios, instituições de ensino, de saúde, as Forças Armadas.
As despesas devem ser fiscalizadas, ainda mais quando mostram aumento de 20% num ano de pandemia. A população tem o direito de saber por que paga por vinho, goma de mascar, pizza e sorvete. Importante também é investigar o suposto superfaturamento de alguns itens do "carrinho" e seus fornecedores.
Motivos para emparedar o governo Bolsonaro não faltam, mas alguns deputados preferem brincar de "CPI do leite condensado", que pode até render punições se houve irregularidades nas compras. Mas quem acredita que vai derrubar um governo?
Difícil quando a própria oposição cria uma cortina de fumaça e perde o foco. Há provas de crimes de responsabilidade, da negligência na crise de oxigênio em Manaus, do desdém na gestão da pandemia, da incompetência na negociação das vacinas. A Constituição também prevê impeachment por indignidade e por quebra de decoro, mas essas linhas Jair já cruzou há muito tempo e ninguém fez nada.
Bruno Boghossian: Centrão deve ganhar mais que Bolsonaro nas eleições do Congresso
Se aliados vencerem, presidente terá mais conforto, mas ficará nas mãos desses partidos
O governo tem boas chances de eleger seus candidatos ao comando do Congresso daqui a quatro dias. Se o cenário se confirmar, Jair Bolsonaro terá aliados nesses postos num momento de queda de popularidade, pedidos de impeachment e previsões negativas na economia. Será uma vitória e tanto, mas haverá outros grandes ganhadores.
Ainda que o acordo favoreça o governo, o centrão está mais bem posicionado do que Bolsonaro para extrair dividendos dessa parceria. Enxovalhados no início do mandato, os partidos conseguiram fazer com que o presidente precisasse deles para sobreviver –e ainda entraram no jogo com as ações do Planalto em baixa.
Bolsonaro terá conforto se Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) vencerem na Câmara e no Senado, mas continuará sendo um presidente minoritário no Congresso. Quando houver interesses comuns, todos caminharão juntos. Quando houver divergência, o centrão continuará apitando, e a tropa de choque governista não poderá impedi-lo.
Instalar aliados naquelas cadeiras não é tudo. Em 2019, o Planalto cantou vitória com a eleição de Davi Alcolumbre (DEM) no Senado, sob a bênção do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O ministro perdeu o posto no ano seguinte, e o governo ganhou pouco com a parceria, mas Alcolumbre aproveitou para conseguir verbas para seu grupo político.
Se estivesse surfando em altos índices de popularidade agora, o presidente poderia ter lançado bolsonaristas valentões e fiéis para o comando do Congresso. Cambaleante, porém, ele precisou terceirizar essa empreitada e passou a falar em público o idioma oficial do fisiologismo.
Nessa aliança, os partidos recebem emendas e cargos sem fazer grandes concessões ao governo. Parte da agenda conservadora deve andar, mas os parlamentares já concordam com alguns desses itens. Bolsonaro também terá proteção contra o impeachment e outras inconveniências, mas ficará nas mãos do centrão. Como diz o ditado: “Crie corvos e eles te arrancarão os olhos”.
Eliane Cantanhêde: Maricas, covardes, picaretas
Bolsonaro faz escola e até desembargador e enfermeira aderem ao baile funk na pandemia
O presidente Jair Bolsonaro cai nas pesquisas pelo negacionismo diante da pandemia e do desdém pelas vacinas. A Procuradoria-Geral da República pede e o Supremo autoriza a investigação do general da ativa Eduardo Pazuello pela falta de oxigênio e as mortes em Manaus. O deputado Rodrigo Maia aproveita sua última semana na presidência da Câmara para dizer que não há dúvida de que Pazuello cometeu crime e defender a criação da CPI da Saúde.
Falta, porém, responsabilizar autoridades e cidadãos que negam a pandemia, fazem campanha contra o isolamento social e a própria vacina, que são as únicas armas para salvar vidas, conter o vírus, aliviar a pressão sobre o sistema de saúde e, assim, normalizar a economia e o próprio País. Eles também têm culpa.
São magistrados, parlamentares, empresários e irresponsáveis em geral, até da área de saúde, movidos pelo negacionismo, a ideologia irracional, a falta de respeito e empatia com os quase 220 mil brasileiros mortos. Esse mau exemplo, que começa com o presidente da República e decanta pelos seguidores da sua seita, induz jovens, idosos, homens e mulheres a relaxar os cuidados na pior hora. Tome baile funk nas periferias! E barzinho cheio dos bairros chiques!
Ao assumir ontem a presidência do Tribunal de Justiça (TJ) de Mato Grosso do Sul, o desembargador Carlos Eduardo Contar pediu “o fim da esquizofrenia e palhaçada midiática fúnebre” e propôs que “desprezemos o irresponsável, o covarde e picareta da ocasião que afirma “fiquem em casa’”. Para Bolsonaro, o cidadão que se cuida e cuida do outro na pandemia é “maricas”. Para Contar, é “irresponsável, covarde e picareta”.
O desembargador não pronunciou uma palavra sobre os escândalos do Judiciário, onde pululam “penduricalhos”, enquanto milhões de brasileiros estão sem emprego, renda, até comida. Reportagem de Patrik Camporez, do Estadão, informa que ali do lado, em Mato Grosso, os 29 magistrados do TJ receberam, em média, R$ 262,8 mil em dezembro. Contar preferiu reclamar das “restrições orçamentárias” e o “exaurimento da capacidade humana” da corporação.
Pôs-se a criticar aqueles que creem na ciência, nas entidades de saúde, nas recomendações médicas como “rebanho indo para o matadouro”. E a atacar “a histeria coletiva, a mentira global, a exploração política, o louvor ao morticínio, a inadmissível violação dos direitos e garantias individuais, o combate leviano e indiscriminado a medicamentos”. A pandemia é uma “mentira global”?! Quem ele está papagaiando?
Isso lembra a comemoração de parlamentares bolsonaristas quando o governador do Amazonas, Wilson Lima, cedeu à pressão e recuou do lockdown. Mas, depois, não escreveram uma só linha sobre o resultado macabro: falta de UTI e oxigênio, pacientes morrendo asfixiados e transportados para outros estados às pressas. Nem o sistema funerário resistiu ao caos, que está sendo exportado para o Pará e Rondônia.Se o isolamento social tivesse sido levado a sério pelo presidente e todos os governadores, o Brasil não precisaria ter afundado tão dramaticamente em mortes e contaminações. E a dúvida, agora, é quanto às vacinas. A quantidade, a logística, a seriedade e o exemplo de cima – particularmente de Bolsonaro –, vão definir a luz no fim do túnel.
Por isso, dói na alma a enfermeira Nathanna Ceschim, do Espírito Santo, divulgar vídeos sem máscara no hospital e desdenhando: “Não acredito na vacina (...). Tomei foi água”. E por que tomou? Para se cuidar, preservar seus pacientes, pais, avós e amigos e em respeito aos colegas do Brasil inteiro que se arriscam para salvar vidas? Não. “A intenção era só viajar...” Com presidente, desembargador, parlamentares e gente assim, é difícil ser otimista.
Ricardo Noblat: O plano de Bolsonaro para chegar politicamente vivo em 2022
Evitar o impeachment é a prioridade número 1
Mesmo quando meia dúzia de pesquisas de opinião, aplicadas por institutos diferentes, coincidem em apontar na mesma semana determinado resultado, o entendimento dos especialistas no assunto aconselha esperar as próximas para conferir se isso indica uma tendência ou o registro apenas de um soluço.
Os institutos Paraná, Ipesp, IDEIA, Datafolha e Atlas atestaram nos últimos cinco dias a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A reprovação a ele saltou de 32% para 40%, segundo o Datafolha. Mas só futuras pesquisas, respeitando o mesmo intervalo de tempo, confirmarão se Bolsonaro está ladeira abaixo.
Nem por isso o governo pode esperar para ver o que acontece. Bolsonaro não teve um plano para combater a pandemia da Covid-19. Ou melhor: seu plano era deixar que o vírus contaminasse mais de 70% dos brasileiros para que a partir daí a pandemia começasse a ceder. Resultado até agora: quase 220 mil mortos.
Mas plano para manter-se no poder e – quem sabe? – reeleger-se daqui a um ano, ele tem, e começa a ser executado. Primeiro ponto do plano: emplacar nomes de sua inteira confiança nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Os nomes: Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O mais importante dos dois é Lira. Cabe ao presidente da Câmara aceitar a abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. Há 56 pedidos na Câmara. Se eleito, Lira não aceitará nenhum. A não ser que Bolsonaro se enfraqueça ao ponto de tornar impossível a tarefa de sustentá-lo.
O segundo ponto do plano de Bolsonaro para continuar vivo: uma reforma ministerial de grande ou de médio porte. Servirá para que ele amplie sua base de apoio no Congresso mediante a entrega de mais cargos do governo a deputados e senadores, além de livrar-se de companhias consideradas hoje incômodas.
Uma das companhias: o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, despachado para Manaus no fim da última semana sem bilhete de volta. Augusto Aras, Procurador-Geral da República, obteve junto ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar se Pazuello falhou na crise de Manaus.
Com isso, Aras ajuda a desimpedir o caminho para que Bolsonaro agradeça ao general pelos inestimáveis serviços prestados ao país e o devolva à caserna. Aras deixou Bolsonaro de fora do inquérito, é claro. Uma vez que deve a nomeação a ele e que sonha com uma vaga no Supremo… Sabe como são essas coisas.
O terceiro ponto do plano de Bolsonaro: aprovar no Congresso a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se com esse ou outro nome, em nova versão, não importa. O novo/velho imposto sobre todas as transações financeiras abarrotaria de grana os cofres públicos.
Bolsonaro resistiu a comprar a ideia, mas o ministro Paulo Guedes, da Economia, o convenceu. O governo precisa de dinheiro para fazer face ao fim do pagamento do auxílio emergencial. Entre os brasileiros com renda de até dois salários mínimos mensais, a reprovação ao governo passou de 26% para 41%. Alerta vermelho!
Míriam Leitão: O projeto que foi sem nunca ter sido
O presidente Bolsonaro apoiou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado e esse foi o detonador da saída de Wilson Ferreira da Eletrobras. Pacheco é velho adversário do processo pelo qual o governo venderia o controle da estatal de energia. Numa de suas entrevistas, ele avisou que a aprovação do projeto de lei que permitirá a privatização não é prioridade. Ferreira fez os cálculos e concluiu que, se não vender este ano, não venderá em ano eleitoral e resolveu sair. É isso que se conta nos bastidores da empresa.
Oficialmente, Wilson Ferreira falou de forma mais vaga. Citou “candidatos” à presidência do Congresso. Pacheco já fez parte de frentes antiprivatização do setor elétrico.
O anúncio da renúncia de Wilson Ferreira foi visto como algo maior no mercado. “É o fim do projeto liberal”, me disse ontem cedo um economista de banco. Isso se refletiu em Nova York. A ADR da Eletrobras, que já havia caído 5% na sexta-feira, abriu em queda de 5%, aprofundou para 10% e terminou o dia com desvalorização de quase 12%.
É um espanto que ainda se acredite que Bolsonaro seguirá algum projeto liberal. Neste espaço escrevi sobre meu ceticismo antes de o governo tomar posse. Um intervencionista não privatiza. E pode ser ainda pior, no caso da Eletrobras. Na companhia se acredita que o sucessor será escolhido entre executivos que estão lá e que são de carreira, ou entre os selecionados por um head hunter que será contratado pelo conselho de administração. O problema é que o cargo pode ser colocado no balcão, onde Bolsonaro tem posto muitas mercadorias. Para evitar, por exemplo, que surja algo como o impeachment do qual se fala no país.
O projeto da Eletrobras vem do governo Temer. A empresa estava em situação dramática. Na conversa com investidores e jornalistas, Ferreira contou que entrou na companhia em julho de 2016, no início do governo Michel Temer, e o quadro era assustador: o nível de alavancagem da Eletrobras era de quase nove vezes a sua geração anual de caixa. Um patamar altíssimo e que só não levou a empresa ao colapso porque ela era controlada pela União. Depois de cinco anos de reestruturação, o endividamento caiu para 2,5 vezes e a Eletrobras terminou 2019 com um lucro de quase R$ 11 bilhões, o segundo maior de sua história. Ele admitiu que não acredita mais que a empresa seja vendida no governo Bolsonaro.
O projeto arquitetado no governo Temer era de transformar a companhia numa corporação, como as grandes empresas elétricas. A EDP, Energia de Portugal, era estatal, foi sendo vendida aos poucos e agora o governo tem apenas uma golden share. A Enel, que é dona da Eletropaulo, tem 23% na mão do governo italiano, mas o resto está em mercado. A Engie, dona de Jirau, tem ações dos governos francês e belga.
A ideia era fazer uma chamada de capital, o governo não acompanharia, e sua participação cairia de 63% para 49%. Ele perderia o controle, mas continuaria sendo o maior acionista. O caminho da preparação foi longo. Primeiro foi preciso no governo Temer vender sete distribuidoras estaduais que haviam sido federalizadas. Foi preciso preparar um projeto de lei, e depois refazê-lo no governo Bolsonaro, com alguns aperfeiçoamentos. A Eletrobras pagaria R$ 15 bilhões pela outorga ao governo, depositaria R$ 3,5 bi num fundo para revitalizar o São Francisco e ainda faria depósitos na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para atenuar os reajustes da tarifa de energia.
A mudança feita pelo governo Dilma no setor elétrico provocou um aumento grande no preço da energia. Para se ter ideia, de 2013 a 2019, o IPCA subiu 37%, o preço da energia foi de 111%, três vezes mais.
Depois, eventualmente, se o governo quisesse vender mais ações poderia inclusive ganhar com a valorização da empresa. Mas o fato é que nada andou. No Congresso, o projeto de lei não teve nem relator. Por outro lado, no governo todo dia Bolsonaro dá mais um sinal de populismo econômico. Ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil porque ele queria fechar agências, na quinta-feira reduziu a tarifa de importação de pneus a pedido dos caminhoneiros, os preços do óleo diesel e do GLP acumulam defasagem.
Enfim, o projeto liberal no governo Bolsonaro é como a viúva Porcina. Foi, sem nunca ter sido. Mas isso estava na cara. Acreditou quem quis.
Carlos Andreazza: Plano nacional pró-pandemia
Governo trabalha para que a peste permaneça
O fenômeno reacionário que Bolsonaro encarna precisa de imprevisibilidade para prosperar. Nada melhor do que uma pandemia artificialmente prolongada. O governo trabalha para que a peste permaneça. Isto é verificável.
Por exemplo: o caso do consórcio Covax, de abril de 2020. O Brasil tinha a opção de adquirir doses para cobrir até 50% de sua gente. Optaria, contudo, pela cota mínima — 10% de alcance. A justificativa foi que montara estratégia dedicada a acordos bilaterais, com os quais teria melhores condições para preço e transferência de tecnologia. Ok.
O mundo real, entretanto, impôs-se. E chegamos a 2021 com apenas uma parceria bilateral firmada — para a vacina de Oxford. Só em 22 de janeiro as primeiras duas milhões de doses decorrentes desse contrato pousaram no país. Volume modesto fabricado na Índia, pelo qual se pagou duas vezes mais que membros da União Europeia pelo mesmo imunizante. Um acordo bilateral que — até aqui — custou caro e entregou pouco. E que não pôde ainda honrar a parte do pacto relativa à transferência de tecnologia; impossibilidade prática derivada da inexistência de insumos para o trabalho da Fiocruz.
Estamos no fim da fila de vacinação por ação deliberada do governo; por gestão do presidente. Não temos vacinas a contento hoje, nem sequer contratos que projetem no futuro a cobertura vacinal da população, porque Bolsonaro não quis.
Pazuello, cavalo do presidente, não camufla a instrumentalização da incompetência. “Em janeiro, começo de fevereiro, vai ser uma avalanche de laboratórios apresentando propostas”, declarou no último dia 21. Que tal? Este é o cultor do atraso cujo ministério receitou cloroquina até para bebês. Aquele que, já sabedor da escassez de oxigênio em Manaus, visitou a cidade apregoando feitiçaria a título de tratamento preventivo. Um militar, general da ativa, que preferiu propagandear uma modalidade de prevenção que garantiria a propagação da peste. Este é o cultor do atraso que insiste na mentira mercadológica de que o Brasil será assediado por ofertas de vacinas; algo que não ocorreu nem sequer aos EUA.
O governo opera para que o país não apenas não tenha carga de vacinas suficiente para imunizar os brasileiros, como só tenha sua cota de mixaria o mais tarde possível. A sustentação do estado de calamidade informal — a preservação da pandemia como solo competitivo — forja dificuldades que atraem as respostas populistas. A ver o auxílio emergencial. Deixou-se que acabasse, mesmo com o vírus recrudescente e o acirramento da miséria. Sob pressão que ele próprio induz, Bolsonaro fará a derrama de dinheiros, sem planejamento, sem revisão de benefícios ineficazes, sem o mais mínimo estudo para flexibilizar o teto de gastos. Em vez de um debate para reformá-lo à luz da realidade, o improviso voluntarioso que o aterrará.
O improviso voluntarioso — semeador de demoras e gerador de urgências e oportunidades — com vista a 2022. A propósito, o caso da importação da vacina de Oxford desde a Índia merece reconstituição. Em novembro de 2020, em reunião com o chanceler indiano, Ernesto Araújo, mesmo tendo o combate à doença na agenda, e ciente de que falava com um país grande produtor de imunizantes, não tocou no assunto. Preferiu criticar o governador de São Paulo, por considerar eleitoreira a atividade daquele sem cujo empenho ainda não haveria brasileiro vacinado.
Em 13 de janeiro último, porém, o governo anunciou o envio de um avião à Índia para buscar as doses. A meta era fazer Bolsonaro vacinar antes de João Doria. Não daria certo. (Como certo não dará um programa de imunização que dependa de só dois fabricantes; tudo o que ora temos: AstraZeneca/Fiocruz e Sinovac/Butantan, incapazes de oferecer o que se demanda.) Armou-se um avião publicitário pronto a decolar para recolher um imunizante indisponível. O Brasil passaria vergonha ministrada pela Índia, então com outras prioridades. (No mundo real, antes viriam as necessidades do vizinho Butão.) E diga-se que fora o próprio governo a divulgar a fantasia de que teríamos a primazia. As doses só chegaram quase dez dias depois.
O episódio com a Pfizer não deixa dúvida sobre a existência de um plano nacional de sustentação da pandemia. Data de setembro de 2020, a carta do CEO do laboratório a Bolsonaro. A missiva, nunca respondida, pedia ao presidente que fechasse logo um acordo com a farmacêutica, conforme já haviam feito EUA, União Europeia, Reino Unido, Canadá e Japão. A demanda seria grande — e poderíamos ficar para trás. Ficamos. Escolha do Brasil. O governo criou empecilhos e tentou desacreditar a vacina. E todas as suas manifestações posteriores sobre por que assim procedera, inclusive em nota oficial, configuram provas em que se confessa um crime.
Bolsonaro não é somente um mentiroso; o maior influenciador antivacinação do mundo. É o líder de um governo que optou por não enfrentar o coronavírus. É o responsável — agente direto — pelo atraso do Brasil em vacinar a população; e nisto vai colecionando delitos. Crimes comuns; não somente os de responsabilidade. Bolsonaro tem lugar no Código Penal. Ocorre que, de novo, o mundo real se impõe — e nem sempre para prejudicá-lo. Afinal, tem também Augusto Aras e — cada vez mais forte para presidir a Câmara — Arthur Lira.
Será difícil, sobretudo para os pobres.
Merval Pereira: Punição simbólica
Para que o impeachment de um presidente ganhe condições políticas para ser desencadeado, é preciso o povo nas ruas, como vários de nossos líderes têm apontado. Mas, se esta é uma condição necessária, não é suficiente por si só. No seu hoje já clássico estudo "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", a professora Kathryn Hochstetler, hoje na London School of Economics (LSE) , aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.
Com a adesão do Centrão a seu governo, o presidente Bolsonaro está se blindando contra um eventual pedido de impeachment, e por isso também se empenha para ter na presidência da Câmara e do Senado políticos ligados a essa base parlamentar. Políticos de oposição que apoiam os candidatos do Palácio do Planalto, principalmente na Câmara, que é quem dá inicio ao processo, estão ajudando Bolsonaro nesse intuito.
Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostra que o índice de aprovação das iniciativas do governo no Congresso tem ficado em 72,5%, abaixo dos outros presidentes recentes nesse período de mandato, só superior ao índice da ex-presidente Dilma Rousseff, que era de 58,2% perto de seu impeachment.
Essa adesão basicamente reflete a presença do Centrão, mas também um tipo de chantagem política. O Centrão sempre cobra mais. Agora mesmo pode fazer os presidentes da Câmara e do Senado, e vai controlar o processo legislativo. Esse controle vai exigir do governo uma negociação muito mais aprofundada.
Seus líderes já estão querendo tirar os militares do Palácio do Planalto, nomear o Chefe do Gabinete Civil, hoje ocupado pelo General Braga Neto, o ministro responsável pela Secretaria de Governo, General Luis Eduardo Ramos, desmembrar o ministério da Economia para fazer outros, e cada vez mais, Bolsonaro vai ficar nas mãos deles. Quando o debate sobre impeachment aumenta, aumenta também a necessidade de apoio do Centrão e do futuro presidente da Câmara.
Bolsonaro está entrando numa fase muito perigosa, porque, caindo a popularidade dele como está caindo, e ficando refém do Centrão, vai entregar todos os anéis até não conseguir mais. Se a economia, como tudo indica, for perdida novamente, a crise social vai se agravar. Não é à toa que os dois candidatos do governo, na Câmara e no Senado, estão defendendo a volta do auxílio emergencial.
É esse auxílio que fez a popularidade de Bolsonaro, e pode vir a servir novamente. Corremos o risco de uma crise social grande, o governo rompendo o teto de gastos, sem compromisso com o equilíbrio fiscal, para manter a popularidade. A sorte dele é que não há possibilidade de fazer grandes manifestações populares nas ruas, por causa da pandemia de Covid-19. Não há aglomerações populares, como um jogo de futebol, onde os torcedores xingavam Dilma - ele que tem mania de aparecer nos campos de futebol. Não há carnaval, momento em que as pessoas extravasam suas emoções - e certamente Bolsonaro seria o “grande homenageado”, porque a crise da vacina é brutal.
Ele está caminhando para um 2021 muito difícil, e se a coisa se normalizar, em 2022, durante a campanha, corre o risco de ser impedido. Kathryn Hochstetler mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. "De modo geral, os presidentes cujos partidos tinham minoria no Congresso apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem”.
Os protestos de rua “são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente". A professora Kathryn Hochstetler diz que a os protestos de rua em larga escala, "clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles". Os protestos têm também a capacidade de "transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido".
Há, no entanto, uma nova visão do impeachment, que está em curso nos Estados Unidos, e já foi usado aqui contra o ex-presidente Michel Temer: uma punição simbólica, para impor desgaste político e limites aos acusados. Nenhum presidente sai fortalecido de um processo de impeachment.
Adriana Fernandes: Guedes aposta em vitória de Lira para reapresentar proposta de nova CPMF
À frente nas intenções de voto para a sucessão na Câmara, deputado do PP já disse que colocaria tema em discussão, diferentemente do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia; novo imposto compensaria redução de encargos sobre salários
BRASÍLIA - A proximidade das eleições para o comando da Câmara e do Senado, marcadas para 1.º de fevereiro, recolocou de novo a proposta de criação de um tributo sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF, na agenda da equipe econômica. Desta vez, com uma alíquota mais baixa.
A expectativa é grande porque o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) – que até agora aparece à frente das intenções de voto, segundo placar do Estadão –, já se manifestou no ano passado favorável ao tributo, com a condicionante de que fosse aprovado com uma alíquota menor.
Nos últimos dois anos, a proposta já entrou e saiu diversas vezes da agenda do governo, mas a avaliação da equipe econômica é que o cenário do mercado de trabalho pós-pandemia vai abrir o caminho para que ela ganhe força. Isso porque a promessa é que o novo tributo, que seria cobrado de todas as transações, poderá compensar uma redução nos encargos cobrados das empresas sobre os salários dos funcionários. Na teoria, a redução estimularia a abertura de mais vagas de trabalho, com custo menor.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu sinais, nas últimas duas semanas, que pode voltar com a proposta após as eleições do Congresso.
Como mostrou reportagem do Estadão na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou para caciques do Congresso que aceitaria uma alíquota de 0,10% para o novo tributo. Esse porcentual seria cobrado tanto no débito como no crédito, na retirada e no depósito de recursos, ou seja, nas duas pontas.
Quando o apoio dos líderes dos partidos ao novo tributo tinha sido costurado para o anúncio em reunião no Palácio da Alvorada, o presidente, Jair Bolsonaro, chamou os seus líderes na Câmara, Senado e Congresso e abortou a medida. Com uma alíquota de 0,10%, a arrecadação prevista é de R$ 60 bilhões.
Um integrante da equipe econômica, que falou na condição de anonimato, disse que Guedes é persistente e que não desistiu da ideia porque considera a desoneração essencial para avançar com a agenda de aumento em massa do emprego. O foco será mostrar que não se trata de aumento da carga, porque os impostos sobre os salários seriam desonerados. Na visão do governo, uma medida compensaria a outra. Ou, como já disse Guedes, se colocaria um “imposto feio” (a nova CPMF) no lugar de um “horroroso” (a cobrança sobre os salários).
Num cenário de vitória de Arthur Lira, acredita-se que o apoio do presidente será conquistado, já que ele já tinha sinalizado essa possibilidade com alíquota de 0,10%.
O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sempre se colocou contra a volta da CPMF e chegou a afirmar que, enquanto comandasse a Casa, o novo tributo não seria discutido entre os deputados. Esse foi um dos motivos da desavença entre Guedes e Maia que acabou atravancando a tramitação da proposta de reforma tributária – paralisada no ano passado.
Oposição
Ao Estadão, o principal concorrente de Lira na sucessão de Maia, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), disse que a CPMF é um imposto muito ruim. “Não tem espaço para aumento da carga tributária. A nossa reforma tributária, que é a PEC 45, com ajustes da PEC 110 e o projeto do governo, vai ajudar a geração de empregos e a retomada da economia”, disse Baleia. “Não vejo a CPMF tendo algum impacto positivo na economia, senão aumentar a carga tributária. Não é bom.”
Baleia Rossi lembrou que o Brasil está vivendo um processo de desindustrialização da economia, evidenciado pela saída da Ford do País. “A reforma tributária em discussão na Câmara tem condições de reverter esse processo”, disse Baleia, que é o autor da PEC 45.
A reforma tributária em tramitação na Câmara (PEC 45) substitui cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A alíquota estimada para não alterar a arrecadação é de 20% a 25%. A receita seria compartilhada entre União, Estados e municípios.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Reação de quem não quer abrir mão de privilégios é obstáculo à reforma tributária, diz economista
- Promessas de Guedes não se concretizarão, dizem analistas, e papel do Estado é alvo de discussão
- Governo prevê nova versão da Carteira Verde Amarela para combater desemprego no pós-covid
- Especialistas apontam quais serão os desafios da economia para 2021
- Reforma em impostos deve ampliar transação tributária
O Estado de S. Paulo: Lira 'ganha' 41 votos no placar do Estadão e lidera corrida pela presidência da Câmara
Deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, soma 186 votos declarados na enquete feita com os 513 parlamentares; principal concorrente, Baleia Rossi (MDB-SP) tem 114
Adriana Ferraz, O Estado de S.Paulo
Três dias após a publicação do placar do Estadão sobre a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) passou de 145 para 186 votos declarados na enquete. Candidato defendido pelo governo Jair Bolsonaro, o parlamentar "ganhou" 41 apoios públicos desde sexta-feira, 15, em função de uma mobilização da coordenação da campanha para transformar a opção "não respondeu" em voto no líder do Centrão e evitar casos de infidelidade partidária.
LEIA TAMBÉM
Veja o placar da eleição para presidente da Câmara dos Deputados
Para se eleger presidente da Casa são necessários 257 votos em primeiro ou segundo turnos, quantia ainda distante tanto de Lira como de seu principal oponente, Baleia Rossi (MDB-SP), escolhido pelo atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para fazer frente aos interesses do Palácio do Planalto na pauta legislativa. O emedebista iniciou o placar com 107 votos declarados e tem agora 114.
Integrantes do bloco formal de apoio a Lira, os deputados do PL, Republicanos e do próprio PP foram os que mais procuraram a reportagem para assinalar voto no parlamentar alagoano. Até mesmo aliados que já tinham se manifestado no levantamento fizeram questão de reafirmar sua posição na disputa. Foi o caso, por exemplo, do deputado Júnior Mano (PL-CE): "Meu voto já consta como do Artur Lira no placar do Estadão. Mas tô passando pra reforçar o voto em AL."
Além de reforçar o voto por meio de declarações à reportagem ou mesmo postagens nas redes sociais, houve parlamentares que também fizeram questão de publicar foto ao lado do candidato para provar a aproximação e apoio, como Cezinha da Madureira (PSD-SP) e Abílio Santana (PL-BA).
No sábado, 16, o candidato do Progressistas disse ao Estadão que estava "focado” em ouvir todos os parlamentares até a data da disputa. “Continuarei trabalhando, ouvindo meus colegas e minhas colegas. O placar que importa é o do dia da eleição." Baleia também fez questão de mostrar que nada está decidido. "Vamos construir maioria, deputado por deputado, deputada por deputada", afirmou. A cerca de 15 dias da eleição, ambos têm a estratégia de buscar votos no “varejo”.
Levando-se em conta a somatória dos votos por partido, Baleia teria assegurados os votos necessários para vencer a eleição, já que seu bloco formal reúne 275 votos, mas, numa eleição secreta, como será a da Mesa Diretora da Câmara, o risco de infidelidade partidária aumenta diante de interesses mais locais que partidários. Na lista atual de 186 votos públicos, Lira conta com apoios de parlamenatares do DEM, PSDB, Cidadania e PSL, todos do grupo de Baleia.
Apesar de a adesão do partido não garantir necessariamente todos os votos da sigla, há um esforço de ambas as candidaturas para atrair as únicas duas legendas que ainda não se posicionaram na disputa: PTB e Podemos. Juntas, elas somam 21 votos. Nesta segunda, 18, é esperada uma definição de como e quando se dará a eleição. A expectativa é que pleito seja marcado oficialmente para o dia 2 de fevereiro, mas há dúvidas sobre a forma, se remota ou presencial.
A campanha de Lira questiona a tentativa já declarada de Maia de propor uma eleição híbrida, ou seja, com a possibilidade de voto presencial e também a distância, preferencialmente para deputados idosos e considerados grupo de risco para a covid-19.
No total, a eleição para a presidência da Câmara reúne oito candidaturas. Também disputam votos os deputados Fábio Ramalho (MDB-MG), Alexandre Frota (PSDB-SP), Capitão Augusto (PL-SP), Luiza Erundina (PSOL-SP), André Janones (Avante-MG) e Marcel Van Hattem (Novo-RS).
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Veja o placar da eleição para presidente da Câmara dos Deputados
- Na eleição na Câmara, Lira e Baleia buscam apoios no ‘varejo’
Denise Rothenburg: Pandemia e toma-lá-dá-cá, os desafios de Arthur Lira
A campanha do deputado Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara começa a enfrentar problemas. Na seara do toma-lá-dá-cá, cresce a revolta do baixo clero. Na ideológica, entrou a pandemia. No quesito “o que Maria leva”, deputados começam a reclamar de um dos coordenadores da campanha, Domingos Neto (PSD-CE), ex-relator-geral do Orçamento.
Um grupo esperava receber emendas extras, mas acredita que o relator-geral foi na linha do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Para o Ceará, algo em torno de R$ 400 milhões, sendo R$ 157 milhões para a cidade administrada pela mãe do deputado.
E, nesse momento de necessidades vitais para a área de saúde, não há muito o que fazer para atender aos deputados insatisfeitos, no quesito restos a pagar. Para completar, os tropeços mais recentes do presidente Jair Bolsonaro na condução da pandemia não ajudam Arthur Lira.
Nas últimas reuniões, como a que houve com a bancada paulista, o governador João Dória (PSDB), por exemplo, aproveitou para dizer que a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) à Presidência da Câmara é um seguro contra o negacionismo, que toma conta do governo e de seus aliados.
Aliás, vale lembrar, os aliados de Bolsonaro chegaram ao disparate de gravar um vídeo defendendo o tratamento precoce e tirando máscaras, nesse momento em que os pacientes lotam os hospitais, ao ponto de o país viver a tragédia da falta de oxigênio em Manaus.
Maia, o traído
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, nunca imaginou que fosse viver uma situação dessas. Depois de brigar por Elmar Nascimento (DEM-BA) para presidir a Comissão Mista de Orçamento (CMO), Maia vê Elmar se tornar um líder da campanha pró-Arthur Lira dentro do Democratas. O baiano não se conforma por não ter sido escolhido candidato do bloco “Câmara Independente”.
Compadres rompidos I
Arthur Lira tem ainda o apoio de Alexandre Baldy (PP-GO), compadre de Rodrigo Maia. Lira só não utiliza o avião da família de Baldy na campanha, porque a aeronave está em manutenção.
Compadres rompidos II
Baldy apoiou Maia nas três eleições, mas não apoia Baleia Rossi, porque o MDB é adversário do PP em Goiás. Baldy não tinha como deixar de apoiar o próprio partido nacionalmente. Maia não está, sequer, falando com o amigo Baldy, padrinho de Felipe, filho caçula do presidente da Câmara.
Curtidas
Sem vida fácil/ Se o governo passou esses dois anos meio cabreiro por causa de Rodrigo Maia, é porque ainda não conhece a fundo o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Aliás, ali, no Senado, quem vencer não será um passeio para o presidente Jair Bolsonaro. Simone Tebet (MDB-MS) é conhecida por uma postura independente.
Vem por aí/ Deputados com experiência e partidários do diálogo político vão montar o bloco do velho clero. É que a turma mais nova, em especial nos partidos mais ligados ao governo, tem se mostrado muito radical e avessa às conversas e às reuniões políticas. Até fazem, desde que o interlocutor concorde com eles. Em política, quem não sabe ceder em algum ponto, perde.
Frota na lida/ Em pleno almoço da bancada federal paulista com João Doria e o candidato a presidente da Câmara pelo bloco “Câmara Independente”, Baleia Rossi, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) foi de mesa em mesa, anunciando aos desavisados que será candidato ao comando da Casa e pedindo votos.
Que sirva de alerta/ No fim do ano passado, a população de Manaus foi às ruas contra as medidas de distanciamento social. O governo atendeu. Agora, o povo voltou, clamando por oxigênio. Por mais que muitos estejam cansados das regras de distanciamento social, do #fiqueemcasa, do #usemascara, o momento não é de fingir que a pandemia acabou. Mesmo quem já teve a doença, deve se cuidar, uma vez que há casos de reinfecção.