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Uso de dados pode fazer diferença no mandato, diz Sergio Denicoli

Cientista de dados ministra palestra no segundo e último dia do curso online "Vencemos a Eleição! E agora?"

Comunicação FAP

Autor do livro TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias e pós-doutor em comunicação pela Universidade do Minho e pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Sergio Denicoli diz que o uso de dados pode fazer diferença em um mandato de gestor municipal. Ele, que também é colunista do Estadão e CEO da AP Exata, ministra palestra, no dia 12 de dezembro, no curso online e gratuito “Vencemos a Eleição! E Agora”, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e pelo Cidadania. As inscrições estão abertas no site da entidade.

Denicoli é um dos palestrantes do segundo dia do curso, que será destinado a prefeitos e vices eleitos, além de suas equipes. O primeiro dia será para vereadores e seus assessores. Nos dois dias do curso, o presidente do Cidadania 23, Comte Bittencourt, e o diretor-geral da FAP, Marcelo Aguiar, participarão da abertura das aulas, que serão realizadas das 18h30 às 21h30.

Em sua palestra, o cientista de dados destaca mudanças nas redes, o que é uma campanha e o que é uma gestão, um mandato. “Saímos de uma fase em que todo mundo estava em grupo de Facebook para microbolhas. Então, hoje o que é feito offline tem um peso muito grande, muito maior do que tinha nos últimos anos. Há um equilíbrio entre o online e o offline e é importante saber como podemos fazer para que algo que seja feito offline também reflita no online”, ressalta.

Na avaliação do cientista de dados, é quase surreal perceber que o poder público no Brasil ainda se prende a práticas analógicas, enquanto grande parte do mundo avança com inteligência artificial e demais tecnologias de ponta. Isso, segundo ele, ficou patente na última Futurecom, um dos maiores eventos de tecnologia do País, realizado recentemente em São Paulo.

O especialista diz ser “chocante” perceber que ainda se debate internet nas escolas. “Se na educação o quadro é tão precário, nas demais áreas o mundo da inovação digital é quase sempre redondamente ignorado, definindo uma gestão pública que poderia fazer muito, mas faz pouco”, analisa.

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Enquanto isso, segundo o especialista, políticos colocam holofotes sobre inutilidades retóricas, como a regulamentação do uso de emojis em comunicação oficial, ou a criação do “Dia do Orgulho Heterossexual”. “Temas que servem para alimentar polarizações e gerar cortes para as redes sociais, sem priorizar o que realmente é preciso, para que estejamos preparados para um futuro onde a IA e o uso de dados se tornam cada vez mais fatores preponderantes para o desenvolvimento”, escreveu ele, na coluna Conectado, do Estadão.

Como participar

Para participar das aulas, os eleitos precisam, obrigatoriamente, realizar a inscrição por meio de um formulário online, disponível no topo do site da Fundação Astrojildo Pereira. As pessoas interessadas precisam apenas preencher os dados solicitados.

As aulas serão realizadas por meio da plataforma Zoom. Para terem acesso à sala virtual, os inscritos receberão o link no e-mail ou no número de whatsapp informado no ato da inscrição.

O Curso

Com o nome “Vencemos a eleição! E agora?”, o curso foi organizado, estrategicamente, com foco nos trabalhos específicos do Legislativo e do Executivo. No dia 10 de dezembro, haverá aulas para vereadores eleitos e seus assessores. 

O conteúdo do curso será oferecido com base nos temas mais importantes para os municípios, como orçamento, processos e projetos legislativos, gestão pública, comunicação, estruturação de equipes, entre outros.


Roberto Romano: Federação, municípios, morticínio. Tragédia nacional

Temos um povo dizimado pelo poder, que age como conquistador em terra arrasada

Jair Bolsonaro ataca Estados e municípios como inimigos a serem destruídos. Para ele, não existem cidadãos merecedores de respeito nas unidades federativas. Em vez de lutar contra a pandemia, o presidente gera batalhas contra as bases administrativas e políticas do País. Surgem os frutos assustadores: mais de 350 mil brasileiros entregues à tortura da morte sem ar, o que revolta quem sente misericórdia ou segue a ética e a moral.

O ignaro governante reitera – em cena macabra – uma guerra antiga das culturas políticas humanas. Trata-se do choque entre poderes centrais e municípios. Estes últimos eram desconhecidos na Grécia e na Roma primitiva. Ali existiam soberanas cidades-Estado. Na Itália as urbes eram livres para organizar suas práticas internas. Vencidas por Roma e ela ligadas em federação (foedus) dela recebiam em especial a justiça. O prefectus, agente romano, resolvia os casos urgentes, mas o júri reunia habitantes locais, cujas instituições eram mantidas.

Os elos entre municípios e Roma se retraíam e se estendiam conforme as vicissitudes políticas, econômicas, sociais. Ora o poder se concentrava, ora se espraiava pelas bases federadas. Os municípios conservavam independência na sua organização, a assembleia do povo elegia os dirigentes. “Os magistrados municipais têm sobre os cidadãos o imperium. Todos obedecem à lei votada pelo povo e se inclinam diante dos administradores nas taxas ou nos trabalhos públicos. Em casos extremos o município cede aos poderes centrais e a lei de Roma toma a dianteira” (Mommsen). “Em casos extremos”, sublinhemos.

Após a chamada “guerra social”, quando as cidades italianas exigiram tratamento similar ao concedido a Roma, os municípios se generalizaram. Cito novamente o grande historiador Mommsen: “O município, constituído no interior do Estado e a ele se subordinando, é uma das mais notáveis manifestações políticas e das mais fecundas da era comandada por Sylla. As reformas constitucionais de Sylla definem um Estado cuja base é múltipla, a das comunas locais”. Dentre os municípios do Estado romano temos Olissipo, Lisboa. Aquelas unidades começaram a ruir por causa dos abusos das autoridades locais, abusos agravados pelo aumento sem freios do fisco em vantagem do poder central.

Os esqueletos municipais serviram às cidades europeias na resistência ao moderno absolutismo, cuja tarefa era unificar os Estados monárquicos. Nos século 16 e 17 tudo fizeram as Cortes para arrancar finanças e poderes dos municípios. Hobbes pensa as urbes como ameaça ao poder absoluto e vê como doença “a desmesurada grandeza de uma cidade, quando ela é apta a fornecer para além de seu próprio domínio os números e o pagamento de um grande exército” (Leviatã). A história da centralização estatal passa pela beligerância entre a Corte e os municípios. Tocqueville (O Antigo Regime e a Revolução) revela as táticas do rei: ele arranca das cidades as suas prerrogativas, como a de eleger os próprios magistrados, para revendê-las com lucro aos mesmos municípios. O prefeito assim escolhido, acrescenta Tocqueville, tem poder menor do que o fiscal do Reino. Daí ser possível aquilatar o grau de corrupção do Antigo Regime. Nele tudo se vende, tudo se compra. O Antigo Regime é um imenso Centrão.

Não citei Lisboa por acaso. Quando surge o Brasil os reis europeus – incluído o português – controlam os países, os municípios perdem força. Em nossa terra os municípios existem, mas não há foedus com a Corte, apenas subordinação. Líderes locais são desprovidos de real autonomia, como seus colegas da Europa absolutista. Tal realidade vigora no Império e na República. Maria Sylvia Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) analisa o controle e o parasitismo do poder central em relação às cidades. Impostos são retirados dos cofres municipais e para eles quase nunca retornam. Tal regime faz dos poderes subordinados fontes de recursos para o Executivo do País, sem retorno em obras públicas dignas do nome.

Com documentos a autora mostra aí a fonte brasileira da indistinção entre público e privado, o compadrio político e outras mazelas. Para obter verbas surgem as oligarquias regionais. No Congresso elas vendem apoio ao presidente/monarca. Tal é a gênese do perene Centrão.

As ditaduras do século 20 reforçam o Executivo nacional. Temos uma enganosa Federação a jungir Estados e municípios. Se na Presidência há uma pessoa despótica e desprovida de saberes – jurídicos, políticos, científicos, históricos –, o combate pátrio vira carnificina. Temos um povo dizimado pela virulência do poder, que age, em relação aos municípios, como conquistador em terra arrasada. Os mortos, hoje aos milhares, são enterrados sem justiça.

Se a Federação brasileira não deixar de ser apenas farsa, seguiremos sob o guante de dirigentes que violam os direitos de Estados e municípios, espaço onde vivemos ou morremos. Quem não respeita tal fato da vida pública não merece governar.

*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros estados da Razão’ (Perspectiva)


Elio Gaspari: Vinte e quatro governadores numa impertinência

Governadores que entregaram carta a Biden praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil.

Os 24 governadores que entregaram ao embaixador americano Todd Chapman uma carta ao presidente Joe Biden oferecendo o “desenvolvimento de parcerias e de estratégias de financiamento” para a proteção do meio ambiente praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil. (Os governadores de Santa Catarina, Rondônia e Roraima não assinaram a carta.)

Foi uma iniciativa imprópria, porque não compete a governadores propor “estratégias” a governos estrangeiros. Na carta, os doutores falam em nome dos “governos subnacionais brasileiros”. Ganha um fim de semana num garimpo ilegal, quem souber o que é isso.

É incompetente, porque uma colaboração internacional para defender o meio ambiente (leia-se proteger a Amazônia dos agrotrogloditas aninhados no bolsonarismo) não precisa ser buscada na Casa Branca. Até o ano passado, ela era ocupada por um tatarana. Existem organizações credenciadas para negociar essas “parcerias”.

À incompetência e à impertinência junta-se um fator de inutilidade historicamente documentada. Os Estados Unidos, como qualquer outra nação, tem interesses. Os amigos são asteriscos. Governadores “amigos” acabam virando massa de manobra.

Em 1961, o presidente John Kennedy lançou um programa chamado Aliança para o Progresso. Tratava-se de barrar a influência do comunismo cubano promovendo reformas sociais na América Latina. Coisa fina, mobilizando quadros da elite que trabalhara nas transformações dos Estados Unidos durante os mandatos de Franklin Roosevelt e na Europa do pós-guerra. Nesse grupo, estava o professor americano Lincoln Gordon, com seu currículo de Harvard e Oxford, mais a experiência adquirida durante o Plano Marshall .

Kennedy nomeou Gordon para a embaixada no Brasil, e ele fez parcerias com governadores amigos, como Carlos Lacerda, no Rio, Ney Braga, no Paraná, e Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. O que havia sido uma ideia de reformas sociais para o continente transformou-se aos poucos num instrumento de interferência política. Em menos de um ano, Gordon estava no Salão Oval da Casa Branca, discutindo também a possibilidade de um golpe militar no Brasil. Trabalhava-se com os “bons governadores” e estimulavam-se projetos que impedissem avanços de candidatos de esquerda.

No final de 1962, Gordon percebeu que a essência reformista da Aliança para o Progresso tinha morrido. Sua embaixada, e ele, estavam noutra.

Em 1964, deposto João Goulart, os governadores Ney Braga, Carlos Lacerda e Aluízio Alves tornaram-se joias da coroa da Aliança para o Progresso e da nova ordem. Quatro anos depois, Lacerda e Aluízio Alves foram banidos da política pela ditadura.

Em 1971, o diretor do programa de segurança pública da USAID, filha da Aliança para o Progresso, foi perguntado por um senador que pretendia denunciar a ação dos torturadores brasileiros:

— Uma dura declaração de nosso governo ou de sua embaixada talvez os inibisse? (...) O senhor não concorda ?

— Eu não acredito, senador, e estou habilitado a responder assim.

(O doutor disse aos senadores que não sabia o que era a Operação Bandeirantes. Era a mãe do DOI.)

A essa altura, Gordon estava desencantado com os rumos do regime brasileiro, e a embaixada em Brasília informava que seria inútil aconselhar os empresários americanos a se afastarem da caixinha de colaborações para as agências de repressão política.

Vila Kennedy, um sonho americano

No mesmo depoimento aos senadores americanos, o burocrata da USAID disse que à noite se sentiria “mais seguro no Rio” do que em Washington. Em 1971, a capital americana estava mal das pernas, e o Rio tinha o Esquadrão da Morte. Passou o tempo e deu no que deu.

Um dos projetos mais vistosos da Aliança para o Progresso foi a construção da Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. O projeto fazia a alegria do andar de cima. Havia uma favela no Morro do Pasmado, entre Botafogo e Copacabana. Tratava-se de tirar os moradores dos barracos, levando-os para um subúrbio da cidade. Construíram-se casas populares, instalou-se uma pequena réplica da estátua da Liberdade numa pracinha. A USAID botou US$ 25 milhões em dinheiro de hoje.

Passou o tempo, e no entorno da Vila surgiram mais de dez comunidades e as narcomilícias. Em 2018, a demofobia entrou na região com a cloroquina da ocasião: a intervenção do Exército, com a utilização de 1.400 soldados. Militares distribuíram flores no Dia da Mulher, e a Vila Kennedy deveria ter sido a vitrine das operações militares. Virou resort do Comando Vermelho, e dois anos depois drogas eram vendidas no pedaço em regime de drive-thru.

Madame Natasha

Madame Natasha faz qualquer coisa pelo meio ambiente, mas não participa de queimadas do idioma. Na quinta-feira, não houve reunião de cúpula de chefes de Estado. Houve, quando muito, um vídeo muito chato.

Desde sempre, as reuniões de cúpula reúnem governantes que às vezes discursam, mas sempre conversam reservadamente. Essa é a parte útil dos encontros. Na cúpula de Biden, houve só a parte inútil.

No mesmo dia, houve muito mais interesse e emoção com a plenária virtual do Supremo Tribunal Federal confirmando a suspeição do então juiz Sergio Moro.

Rascunho perdido

No rascunho que Ricardo Salles preparou para o discurso de Bolsonaro de quinta-feira, alguns países europeus seriam atacados

Os parágrafos foram para o arquivo.

A Europa livrou-se de uma boa.

Receio real

Jair Bolsonaro e seu pelotão palaciano estão convencidos de que há uma articulação para tirá-lo da cadeira.

Quando esse temor entra no palácio, o governo deixa de ter projeto.

Só isso explica que Bolsonaro tenha sido capaz de dizer que “o Brasil está na vanguarda dos esforços de parar o aquecimento global”.

Salles na mira

O ministro Ricardo Salles haverá de se dar conta de que a mais letal das encrencas em que se meteu foi a da joelhada que deu na Polícia Federal, com a demissão do delegado Alexandre Saraiva.

Para a corporação, Salles solidarizou-se com delinquentes. Nenhuma polícia do mundo deixa isso barato.

Braga Netto em 22

O general da reserva Walter Braga Netto, ministro da Defesa, defendeu o governo dizendo que “é preciso respeitar” o “projeto escolhido pela maioria dos brasileiros” para dirigir o país.

Fica combinado que ele continuará na mesma posição em novembro 2022 quando terminar a contagem dos votos da eleição presidencial.

Isolamento no ócio

Nos próximos quatro domingos, o signatário cumprirá um programa de isolamento com ócio.


Ricardo Noblat: O paradoxo Bolsonaro – entre a pandemia e a CPI da Covid

O presidente colhe o que plantou

Quatro ministros da Saúde depois e com a estagnação do ritmo de vacinas aplicadas porque não as comprou a tempo, o máximo que fez até aqui o governo Bolsonaro contra a pandemia da Covid foi montar um comitê especial para cuidar do assunto formado por representantes dos três poderes da República e sob o comando de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado.

Nos últimos 30 dias, o comitê instalado com toda pompa reuniu-se duas vezes e só produziu abobrinhas. Bolsonaro faz questão de manter-se diante dele. Não quer ouvir falar de máscara, lavar as mãos com álcool gel, e respeitar medidas de isolamento. Atrapalharia suas pregações diárias e passeios semanais, todos na direção contrária do que aconselha o comitê.

Prefere continuar insistindo com o uso da cloroquina e de outras drogas sem eficácia para combater o vírus – o tal do tratamento precoce que ele agora não chama pelo nome para não ter seus vídeos suspensos nas redes sociais. Ultimamente, deu para acenar com a intervenção do Exército contra qualquer tentativa de lockdown nacional ou de saques ao comércio.

De fato, o espantoso é que até agora, dado ao crescente número de desempregados e de pessoas que retornaram à condição de miseráveis, não se tenha notícia de atentados à ordem pública. Ao que tudo indica, Bolsonaro torce para que isso aconteça com a esperança de angariar novos poderes a pretexto de restabelecer o império da ordem e da lei. É o seu sonho.

Na outra ponta das preocupações do presidente está a CPI da Covid no Senado que será instalada na próxima terça-feira. Dos 11 membros da CPI, 6 são independentes e de oposição ao governo, e 5 mais ou menos governistas, a depender do andar da carruagem. Na verdade, a um ano das eleições gerais de 2022, ninguém ali está disposto a se imolar para salvar o mandato de Bolsonaro.

Cuide-se, Bolsonaro, portanto – e é o que ele passou a fazer mobilizando todos os recursos ao seu alcance. Deu ordem ao general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, para que montasse uma força tarefa, composta por representantes de todos os ministérios, encarregada de coletar documentos e informações que possam ser usadas a favor do governo na CPI.

Estão sendo mapeados os funcionários e ex-funcionários do governo que poderão ser convocados a depor. E a eles será oferecido treinamento sobre como comportar-se e o que dizer em depoimentos e acareações. Dos ex-funcionários, o que inspira maior cuidados à força tarefa é o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, desempregado e um pote de mágoas.

Uma marca indelével do governo Bolsonaro é a de estar sempre correndo atrás do prejuízo semeado por ele mesmo. Dito de outra maneira e bem ao gosto dos nordestinos: o presidente está como um vira-lata sem dono e perdido em meio à festa do santo padroeiro de uma cidade, a pular assustado daqui para acolá a cada vez que uma bomba estoura perto dele.


Piauí: Os números chocantes da desigualdade vacinal

Imunização brasileira é lenta e discriminatória. País é o 73º em proporção de vacinados. E regiões pobres, com menos idosos, ficam no fim da fila. Em SP, distritos mais protegidos são 8 vezes mais ricos que os com menos doses aplicadas

 

Por Antonio S. Piltcher, Amanda Gorziza e Renata Buono, na Piauí

A vacinação contra a Covid-19 no Brasil caminha a passos lentos. Em relação à proporção da população vacinada, o país está na 73ª posição do ranking mundial. Alguns locais do Brasil são mais impactados pela falta de vacinas e pela distribuição desigual do imunizante. Na cidade de São Paulo, os distritos mais vacinados têm renda média oito vezes maior e vacinam quatro vezes mais que os distritos menos vacinados. Na cidade do Rio, um morador do Baixo Leblon tem três vezes mais chance de ter recebido a primeira dose da vacina contra Covid que um morador do Vidigal. Municípios com maior proporção de população indígena estão com taxas de vacinação maiores. Na Paraíba, uma cidade de maioria indígena aplicou quinze vezes mais doses que o município vizinho. Para realizar as comparações, foram utilizados os microdados do Open Data SUS, que permitem mapear a imunização dentro dos municípios, pois incluem os primeiros cinco dígitos do CEP de cada pessoa vacinada. Assim, foi possível estimar a proporção de habitantes imunizados em cada bairro. Os números foram compilados pelo Pindograma, site de jornalismo de dados.

O Mato Grosso do Sul é o estado que mais aplicou doses de vacina contra a Covid-19 proporcionalmente à sua população – 18 doses a cada 100 habitantes até 9 de abril. O ideal é que se tenham 200 doses a cada 100 indivíduos, já que são necessárias duas aplicações para a completa imunização. Por outro lado, o Mato Grosso, estado vizinho, aplicou metade das doses – apenas 9 a cada 100 pessoas. Ambos têm proporções semelhantes de idosos em sua população: MS com 13% e MT com 12%.

No Rio Grande do Sul, 14% da população recebeu a primeira dose da vacina contra Covid-19, enquanto o Acre vacinou apenas 8% de seus habitantes até o dia 9 de abril. No entanto, a proporção de gaúchos idosos é de 19%, enquanto a de acrianos é de 8%, ou seja, a população do Acre é majoritariamente jovem. O PIB per capita dos estados também difere: R$ 15 mil no Acre e R$ 37 mil no Rio Grande do Sul.

Dois municípios com porte parecido, Santos e Carapicuíba, no estado de São Paulo, têm níveis distintos de vacinação contra a Covid-19. Em Santos, 13% dos 433 mil habitantes já tomaram a primeira dose da vacina. Já em Carapicuíba, na região metropolitana, apenas 3% dos 403 mil habitantes foram vacinados. Os PIBs per capita dos municípios são bastante desiguais: aproximadamente R$ 52 mil em Santos e R$ 14,4 mil em Carapicuíba.

Na cidade de São Paulo, a vacinação dos distritos mais ricos e mais pobres difere significativamente. Nos cinco locais mais vacinados até 25 de março – Pinheiros, Jardim Paulista, Alto de Pinheiros, Campo Belo e Vila Mariana –, a primeira dose foi aplicada em 17% da população, e a renda média é de R$ 9.230. Já nos cinco menos vacinados – Anhanguera, Parelheiros, Jardim Ângela, Perus e Cidade Tiradentes –, apenas 4% dos habitantes foram vacinados, e a renda média de R$ 1.167.

Até 25 de março, Marcação, na Paraíba, administrou 73 doses de vacina contra Covid-19 a cada 100 habitantes. A vizinha Cuité de Mamanguape distribuiu apenas 5 doses a cada 100 habitantes. Ambas as cidades têm PIB per capita baixo, R$ 10 mil em Cuité de Mamanguape e R$ 9 mil em Marcação, que tem população majoritariamente indígena, o que não é o caso de Cuité.

Na região do Parque Bom Jesus, na periferia de Goiânia, 2% dos moradores foram vacinados até 25 de março. Nessa região, 70% das pessoas se autodeclaram negras. Já no Setor Marista, no centro da cidade, onde menos de 20% da população é preta e parda, foram vacinados 13% dos habitantes com a primeira dose até a mesma data.

A desigualdade na vacinação também está presente dentro da favela. Na cidade do Rio de Janeiro, no CEP 22452, que cobre metade da favela do Vidigal, apenas 4% dos moradores foram vacinados com a primeira dose. A renda média dos habitantes do Vidigal é de R$ 1.789. Já no Baixo Leblon, 13% da população recebeu a primeira dose, e 4%, a segunda dose. A renda média dos moradores do bairro Leblon é de R$ 11.311.

Nota metodológica:  As comparações do Open Data SUS limitam-se a dados de ao menos duas semanas antes da data de publicação do =igualdades e não comparam UFs distintas, pois há atraso na importação das informações das secretarias estaduais de Saúde para a plataforma federal, o que gera distorções para datas mais recentes.

 

Fonte: Dados do Open Data Sus, IBGE, Bacen e Secretarias Estaduais de Saúde via coronavirusbra1/Giscard, compilados pelo Pindograma

 


Luiz Carlos Azedo: Cenário ruim para 2022

Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, como o desemprego

Com a leitura do requerimento da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), consolidou-se uma das principais linhas de força da disputa eleitoral de 2022, a crise sanitária. Mesmo que a pandemia venha a ser controlada, suas consequências políticas se farão sentir durante a campanha eleitoral, devido ao agravamento do desemprego, que não se resolverá facilmente, e o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado pela oposição, não somente pelo número muito alto de mortes. Os dois problemas ainda se somarão à disputa em torno da Operação Lava-Jato, mesmo que seus processos sejam concluídos ou arquivados, e à defesa da democracia, uma pauta que Bolsonaro reiteradamente põe na ordem do dia ao atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), além de os partidos de oposição e a imprensa.

Não foi à toa que Bolsonaro tentou melar a CPI e orientou seus aliados a ampliarem o escopo das investigações, para chegar a governadores e prefeitos, o que somente é possível, constitucionalmente, seguindo o dinheiro destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo governo federal. Pacheco, cumprindo determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, apensou o requerimento da CPI apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para investigar a responsabilidade de estados e municípios em más condutas no enfrentamento da pandemia, ao pedido original do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), unificando as duas CPIs requeridas.

Segundo Pacheco, “estão excluídos do âmbito de investigação das comissões parlamentares de inquérito do Poder Legislativo federal as competências legislativas e administrativas asseguradas aos demais entes federados”. A guerra de narrativas entre Bolsonaro e a oposição marcará o funcionamento da comissão, mas são os fatos que determinarão o rumo das investigações.

No dia em que CPI passou a existir de fato, o Brasil registrou 3.808 óbitos por covid em 24 horas e mais 82.186 novos casos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 358.425, e o total de casos aumentou para 13.599.994. Na segunda-feira, foram registrados 1.480 óbitos e 35.785 novos casos. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu, ontem, que o Brasil tem 1,5 milhão da segunda dose de vacina em atraso. Ou seja, o cobertor está curto: muitas pessoas não estão recebendo o reforço adequado porque o fluxo de produção de vacinas, principalmente na Fiocruz, não acompanhou a escala da imunização pela primeira dose e houve uma opção de reduzir os estoques de segunda dose para aumentar o número de vacinados parcialmente.

Inflação

Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, que registra uma de suas maiores taxas de desemprego da história, em torno de 14,5% neste ano, ultrapassando a de países como Colômbia, Peru e Sérvia, e caminha na contramão da taxa média global, cuja estimativa é de recuo para 8,7% este ano, ante 9,3% em 2020. Uma das consequências do desemprego é a fome, que atinge seis de cada 10 domicílios brasileiros; no Nordeste, são sete em cada 10 domicílios, segundo pesquisa das universidades federais de Brasília e Minas Gerais, e a Universidade de Berlim.

Ciente do problema, Bolsonaro tenta culpar governadores e prefeitos. A falta de comida na mesa é leve em 32% das casas, moderada em 13% e grave em 15% (nada pra comer). Além disso, a qualidade da alimentação piorou: queda superior a 40% no consumo de carnes e frutas e de 37% no consumo de verduras e legumes. A pesquisa mostra, ainda, que, em 63% dos domicílios, o auxílio emergencial ser- viu para comprar cesta básica. É um cenário perigoso, porque o auxílio emergencial e o Bolsa Família estão sendo insuficientes para resolver o problema alimentar das famílias de baixa renda por causa da inflação dos alimentos. Nos dois primeiros anos do atual governo, o custo da cesta básica subiu 32%.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cenario-ruim-para-2022/

Juan Arias: Os três gols seguidos em Bolsonaro podem prever sua derrota final

Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado

Os que convivem com o presidente Jair Bolsonaro afirmam que nunca o viram tão irritado como nestes dias. Talvez porque tenha sofrido três gols seguidos que podem prever sua derrota definitiva.

Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado que fez com o que o Brasil seja visto hoje no exterior como o maior perigo sanitário do mundo.

O capitão viu de repente seu governo vazado três vezes. Primeiro quando o Exército fez com que ele soubesse com a renúncia dos três chefes das Forças Armadas que não está disposto a entrar em política e deu a entender que não é “seu Exército” como ele cacareja a cada dia.

O Supremo que ele achava ter dominado marcou dois gols seguidos em Bolsonaro. Primeiro derrubando por 9 votos contra 2 sua pretensão de que as Igrejas se mantivessem abertas ao culto apesar do agravamento da pandemia. Os magistrados se mantiveram firmes em que são os governadores e prefeitos que, segundo a gravidade do momento, poderão ou não impedir o culto presencial nos templos.

O outro gol do Supremo foi marcado pelo juiz Barroso obrigando o Senado a dar sinal verde à abertura de uma CPI para analisar as responsabilidades do Presidente e de seu Governo na gestão da pandemia que levou o país à catástrofe que está sofrendo com o horror de que em muitas cidades os mortos já superam os nascimentos. No Senado já existiam os votos suficientes para dar andamento à CPI, mas o presidente da Casa se fazia de desentendido e continuava sem abrir a comissão de inquérito sobre os possíveis crimes de Bolsonaro que zomba do que ele chamou de uma simples “gripezinha”. Enfurecido, o Presidente ameaçou o Supremo e o Senado em usar a “bomba atômica” contra eles. Ameaça que deixa a descoberto sua fragilidade e o poder que achava ter sobre as instituições.

Essas três derrotas às que é preciso somar o fato de ter sido obrigado a demitir seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, considerado o coração ideológico do Governo, seguidor fiel de Donald Trump e que estava fazendo com que o Brasil brigasse com meio mundo, indicam que as placas tectônicas de seu poder estão se movimentando e podem causar um terremoto político.

É importante que o amante das ditaduras comece a ver seu poder se quebrar porque com seus desmandos e ataques contínuos à democracia está fazendo com que o Brasil perca as esperanças. E já sabemos o que costuma acontecer quando um povo perde as esperanças nos que o governam.

De fato, com Bolsonaro o Brasil do futuro ficou muito para trás, o do Deus é brasileiro, o do milagre econômico, o país desejado pelos europeus que queriam vir trabalhar aqui, o Brasil respeitado em todos os foros internacionais, o de sua invejada diplomacia exterior. Tudo isso parece de repente ter se desfeito como uma bolha de sabão dando lugar a um pessimismo nacional.

Hoje predominam as fake news que envenenam a sociedade e a desorientam levada pelo ódio em vez da convivência pacífica. Onde se esconderam envergonhadas a esperança e a alegria de viver? Hoje até a música popular se tornou mais violenta.

De tanto falar de armas, de militares, de golpes de Estado, de genocídios e de sentirem-se abandonados em meio à matança da pandemia os brasileiros se veem a cada dia mais abandonados à sua sorte.

Enquanto os mortos se amontoam e já faltam cemitérios, soam macabras as zombarias, as ironias e até as imitações grosseiras de alguém que morre asfixiado por falta de oxigênio por parte de quem detém o poder da nação e deveria mostrar solidariedade e compaixão com tanta dor.

Dá a sensação de uma grande confusão que desorienta as pessoas que já não sabem em quem confiar com as instituições do Estado também até ontem desorientadas e incapazes de se unir contra o perigo comum de quem só pensa em conseguir o poder absoluto para impor um sombrio golpe ditatorial.

É surpreendente ver, por exemplo, os grandes empresários aplaudindo o candidato a ditador que arrastou o país a uma das maiores crises econômicas da história com milhões que ou passam fome, ou estão sem trabalho e que quase não conseguem viver com dignidade com o que ganham.

Estão cegas essas elites financeiras que não veem as lágrimas de milhões de brasileiros que levantam todas as manhãs sem saber se poderão dar de comer aos seus filhos? Esses empresários que manejam as finanças do país não veem que o Brasil está desmoronando e que a cada dia se sente mais inseguro sem saber que futuro seus filhos esperam?

Essas elites da política e do dinheiro não veem que o Brasil amanhece a cada manhã com os grandes veículos de comunicação mundiais anunciando a queda e desmoralização de um país que deveria e poderia ser o coração do continente?

Não, o Brasil não precisa para ser governado e para recuperar sua esperança hoje quebrada de mais messias e redentores, e sim de estadistas capazes de organizar o país em relação à sua dignidade, sem saqueá-lo vergonhosamente para que eles e suas famílias enriqueçam condenando um país rico material e espiritualmente à pobreza e ao desalento.

A única esperança é que a sociedade procure sua unidade e o antídoto para se defender contra os vírus políticos mais mortais do que os da pandemia porque envenenam não só o presente, e sim também o futuro da nação.

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A palavra de ordem dos brasileiros hoje deveria ser a da resistência aos que se divertem e lucram saqueando não só seus recursos, como suas liberdades até de expressão e, principalmente, a esperança de sair do pesadelo que os aflige mais unidos e com orgulho do que realmente representa este país no mundo.

O que espera, por exemplo, o Congresso para dar seguimento aos aproximadamente cem pedidos de impeachment contra o Presidente por parte da sociedade? O Congresso não é a voz e a expressão dos anseios da sociedade?

É desmoralizador ver essa voz da sociedade sufocada pelos interesses puramente pessoais dos que a governam. O que podem pensar os milhões sem casa e morando em pardieiros como animais vendo um senador jovem, filho do Presidente, investigado por corrupção, comprar uma mansão de seis milhões no coração aristocrático de Brasília?

Quando o poder que deveria pensar em como melhorar a vida das pessoas aparece preocupado somente em acumular privilégios e benefícios, a democracia se quebra envergonhada e humilhada.

O Brasil sofreu como tragédia os 21 anos de ditadura militar e agora parece viver como farsa a democracia. Só que às vezes a farsa dos aprendizes a ditadores pode ser mais grave do que a realidade.

O Brasil precisa com urgência de verdadeiros líderes capazes de devolver a esperança perdida a 220 milhões de pessoas submersas hoje no medo e na desilusão. A história é sempre mãe da sabedoria. O que o Brasil vive hoje pode lembrar quando há mais de 2.000 anos Cícero, senador romano, jurista, político e escritor enfrentou o conspirador Catilina que pretendia tomar o poder absoluto, com suas famosas palavras que atravessaram os séculos: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo tua loucura zombará de nós? A que extremo chegou tua audácia desenfreada? Não percebeu que seus planos foram descobertos?”. O conspirador Catilina acabou fugindo de Roma com suas hostes fanáticas e derrotado.

Sim, o Brasil precisa de um novo Cícero capaz de repetir ao conspirador que só sonha em conquistar o poder absoluto zombando da Constituição e da democracia: até quando continuará abusando de nossa paciência?

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro reclama de gravação de conversa por Kajuru e cobra autorização judicial

Segundo o presidente, seria necessária autorização judicial para a gravação do diálogo ter sido feita pelo parlamentar, o que não é verdade

Emilly Behnke, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro reclamou nesta segunda-feira, 12, da divulgação de um telefonema seu com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO). Segundo o presidente, seria necessária autorização judicial para a gravação do diálogo ter sido feita pelo parlamentar, o que não é verdade, uma vez que não há proibição na lei nos casos em que a divulgação é feita por um dos participantes. A conversa entre os dois tratou sobre a instalação da CPI da Covid no Senado, que preocupa Bolsonaro. 

“Eu fui gravado em uma conversa telefônica, está certo? A que ponto chegamos no Brasil? Gravado”, comentou para apoiadores na saída do Palácio da Alvorada nesta manhã. "A gravação é só com autorização judicial. Agora, gravar o presidente e divulgar... E outra, só para controle, falei mais coisas naquela conversa lá. Pode divulgar tudo da minha parte, tá?”, disse Bolsonaro. A divulgação da conversa foi feita ontem, mas, segundo Kajuru, o telefonema ocorreu no sábado, 9.

O chefe do Executivo demonstrou irritação com a revelação da conversa. A Coluna do Estadão mostrou, no entanto, que Bolsonaro foi avisado por Kajuru com vinte minutos de antecedência que o áudio seria publicado nas redes sociais. Segundo o senador, Bolsonaro não tentou impedir a divulgação. 

No telefonema, Bolsonaro pressionou Kajuru a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal. O presidente dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, podem ocorrer mudanças nos rumos sobre a instalação da comissão. A decisão pela criação da CPI, que tem o apoio de mais de um terço do Senado, foi do ministro Luís Roberto Barroso. 

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro ao senador. “Sabe o que eu acho que vai acontecer, eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.” 

Pouco antes de falar com apoiadores no Alvorada, o presidente também foi às redes sociais pedir "união e apoio" ao seu governo. Na postagem, sem citar em nenhum momento o enfrentamento da pandemia que já matou mais de 350 mil pessoas no País, o presidente elege o "comunismo" como inimigo a ser combatido, numa crítica velada a prefeitos e governadores que adotaram medidas restritivas para conter a proliferação da doença.

"Hoje você está tendo uma amostra do que é o comunismo e quem são os protótipos de ditadores, aqueles que decretam proibição de cultos, toque de recolher, expropriação de imóveis, restrições a deslocamentos, etc", afirma o presidente. Apesar de Bolsonaro incluir a expropriação de imóveis na lista, numa tentativa de alarmar a população, nenhum governador ou prefeito adotou a medida entre as estratégias para conter o vírus. Informações nesse sentido envolvendo o governador de Sergipe, Belivaldo Chagas (PSD), já foram desmentidas pelo Estadão Verifica.

Na gravação com Kajuru, além de tratar do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro insistiu que a CPI da Covid amplie a investigação para incluir governadores e prefeitos, não apenas o governo federal. O presidente atribuiu ainda o número de mortes da covid-19 à suposta omissão de prefeitos e governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. “A questão do vírus... Não vai deixar de morrer gente, infelizmente, no Brasil. Poderia morrer menos gente se os governadores e prefeitos que pegassem recursos e aplicassem realmente em postos de saúde, hospital", disse Bolsonaro a Kajuru. 

A publicação de hoje nas mídias sociais do presidente é acompanhada de vídeo com trechos de entrevistas de Bolsonaro antes, durante e depois de sua campanha eleitoral, inclusive com imagens do episódio da facada e de manifestações pró-governo. Ao cobrar apoio e o respeito à Constituição, ele afirmou que não se deve "ofender exatamente aquele que pode ser decisivo" em momentos difíceis. 

"Se a facada tivesse sido fatal, hoje você teria como presidente (Fernando) Haddad (PT) ou Ciro (Gomes, PDT). Sua liberdade, certamente, não mais existiria", diz Bolsonaro, numa referência a seus adversários na campanha de 2018.

O chefe do Executivo voltou a defender a "liberdade" ao criticar adoção de "lockdown" por governadores e prefeitos. As restrições, que vão de toque de recolher ao fechamento do comércio, foram decretados após o sistema de saúde de muitas cidades entrarem em colapso, com UTIs lotadas e pessoas morrendo na fila à espera de um leito.

"Cada vez mais a população está ficando sem emprego, renda e meios de sobrevivência... O caos bate na porta dos brasileiros. Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e... prepare-se", escreveu, conclamando seus seguidores.


El País: Descontrole da pandemia no Brasil deixa reformas econômicas em segundo plano

Enquanto outros Governos começam a pensar na vida depois da crise, o país se encontra suspenso num estado de choque por causa do caos provocado pela covid-19

Isabella Cota e Carla Jiménez, El País

No meio do caos que fez do Brasil o país com mais mortes e contágios diários pelo coronavírus, perdeu-se o espaço para a discussão das reformas econômicas das quais o país necessita. E não é por falta de vontade. O Governo do presidente Jair Bolsonaro pretendia discutir com legisladores em março uma reforma do código tributário e a privatização de algumas empresas estatais. Mas, com média de quase 4.000 mortes por dia e o colapso do sistema de saúde, é impossível pensar no que vem depois. O Congresso se concentrou em votar medidas que facilitem a compra de vacinas e de suprimentos básicos para o sistema de saúde. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, rendeu-se aos fatos. “A vacinação maciça é a melhor política fiscal, a mais barata e de maior impacto”, disse em um evento virtual com empresários no fim de março. A inoculação será o que vai dar início à recuperação da economia, cujo PIB caiu 4,1% em 2020.

O que à primeira vista parece sensato ―cuidar antes da pandemia e depois acomodar as reformas― é na verdade um efeito colateral da errática gestão da crise sanitária no Governo Bolsonaro. Sem planos para vacinação maciça, o mandatário insiste em contrariar as medidas de distanciamento social para o controle da pandemia. “Não temos resposta adequada para lutar com os efeitos da difícil pandemia neste momento”, diz a economista Monica de Bolle. “Estava anunciado, previsto, mas nada se fez”, acrescenta. Na última semana, dois ministros pediram demissão, e o presidente substituiu seis.

Outra amostra da desorganização em que se encontra o Brasil está no fato de que o orçamento para este ano só foi aprovado na Câmara em 25 de março e ainda está pendente de passar no Senado. A proposta oferece verbas adicionais e discricionárias aos parlamentares a um ano das eleições. Isto foi possível apesar do teto fiscal, explica Samar Maziad, analista de risco de crédito soberano do Brasil na agência qualificadora Moody’s. Esse limite autoimposto nos gastos públicos oferece a investidores e analistas uma garantia da solvência fiscal da maior economia da América Latina.

Para não ultrapassar esse teto, os legisladores subestimaram os custeios obrigatórios, como seguro-desemprego e a previdência. As supostas reduções de gasto somam 25 bilhões de reais. O próprio Paulo Guedes aconselhou Bolsonaro a não aprovar esse orçamento, que foi qualificado por economistas e especialistas como uma “peça de ficção”. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também alertou para a falta de solidez do orçamento em entrevistas concedidas na semana passada: “Qualquer incerteza sobre o orçamento agrava a incerteza fiscal”.

No plano econômico e financeiro, o Governo marcou tentos ao conseguir aprovar em fevereiro a independência do Banco Central, assim como uma emenda constitucional para assegurar o pagamento de novas ajudas emergenciais às populações mais vulneráveis à pandemia a partir deste mês. A primeira rodada de estímulo econômico, com ajudas de 600 reais, foi concedida entre abril e dezembro de 2020 e teve um impacto tangível na economia, reduzindo inclusive o nível de pobreza, mas ultrapassou o teto de gastos. Para este ano, o Governo conseguiu aprovar uma segunda onda de estímulos econômicos ―43,8 bilhões de reais para 45,6 milhões de brasileiros― que será paga por quatro meses e em valor inferior, praticamente metade do que foi no ano passado.

“Este é um estímulo muito mais limitado”, observa Maziad. “A pergunta agora é: com esta piora da pandemia e a lenta vacinação, haverá necessidade ou pressão para aprovar ainda mais estímulos econômicos?”, prossegue ela. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o Governo do Brasil arrecada 33% do PIB em impostos, muito acima da média latino-americana, que é de 23%. Diferentemente de seus pares na região, como a Colômbia e o México, onde atualmente se discute a necessidade de aprovar uma reforma fiscal para aumentar a arrecadação, o problema do Brasil não é esse. É mais uma questão de como simplificar as regras tributárias, diz Maziad, algo que o Governo de Bolsonaro procurava fazer antes que a pandemia se descontrolasse.PUBLICIDADE

“A preocupação é que o aumento do gasto visto no ano passado não se reverta, e como o Governo poderá continuar cumprindo o teto de gasto”, opina Maziad por telefone de Nova York. Por sua parte, De Bolle afirma que esta segunda rodada de apoio econômico não terá o mesmo impacto em 2021. “Teremos um ano difícil na economia, não podemos esperar recuperação porque nossa situação fiscal vai piorar”, antevê.

Em entrevista à agência Reuters, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), aliado de Bolsonaro, disse que o presidente provavelmente tentará aumentar o gasto público para sustentar sua popularidade, agora que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está de volta à arena política. Imediatamente depois de o STF anular os julgamentos que o condenaram, Lula atacou Bolsonaro por administrar mal a pandemia e a economia. Ramos afirmou que o Congresso não permitirá nenhuma “aventura fiscal” no período anterior às eleições do ano que vem. “A Câmara esteve muito consciente do problema fiscal do Brasil e tem controles e contrapesos que são efetivos” para conter uma onda de gastos do governo, disse Ramos à Reuters.

Enquanto outros países começam a pensar na vida depois da pandemia, diz Maziad, o Brasil está obrigado a permanecer em um estado de crise, sem avançar suficientemente rápido na vacinação ou na contenção dos contágios. “Em outros lugares já há espaço para pensar em outras coisas ou para olhar além da pandemia, mas no Brasil, nas últimas semanas, basicamente eles centraram a atenção no que está acontecendo com a pandemia e como isso afeta todo o resto. Isto é um obstáculo grande para o crescimento”, aponta a analista.

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Folha de S. Paulo: Bolsonaro tenta derrubar CPI da Covid ao cobrar apuração de prefeitos e governadores

Planalto avalia que ameaça a gestores locais pode reduzir apoio no Senado; governo tenta retirar assinaturas de requerimento

Ricardo Della Coletta, Folha de S. Paulo

O governo Jair Bolsonaro passou a defender abertamente a ampliação da CPI da Covid. Com a medida, a comissão no Senado poderia investigar também a ação de governadores e prefeitos na pandemia.

A estratégia, segundo senadores e auxiliares de Bolsonaro, é jogar mais pressão sobre congressistas para que eles retirem assinaturas do pedido de criação da comissão. Isso precisa ser feito nas próximas horas.

O Palácio do Planalto avalia que a perspectiva de uma CPI que, além do governo federal, mire prefeitos e governadores pode ser suficiente para reduzir os apoios à instalação da CPI no Senado, uma vez que senadores são ligados politicamente às administrações nos estados.

No sábado (10), Bolsonaro defendeu a extensão do escopo do colegiado.

"A CPI [é] para apurar omissões do presidente Jair Bolsonaro, isso que está na ementa. Toda CPI tem de ter um objeto definido. Não pode, por exemplo, por essa CPI que está lá, você investigar prefeitos e governadores, onde alguns desviaram recursos. Eu mandei recursos para lá, e eu sou responsável?", disse.

"Conversei com alguns [senadores] e a ideia é investigar todo mundo, sem problema nenhum", afirmou Bolsonaro que, na manhã do sábado, realizou um passeio de moto pela periferia de Brasília.​

Depois, em áudio divulgado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) neste domingo (11), Bolsonaro voltou a apelar para a ampliação da CPI.

"Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana", disse Bolsonaro, em gravação reproduzida nas redes sociais do senador.

O discurso foi endossado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD), em uma sequência de mensagens publicadas no Twitter sábado (10) e domingo (11).

"Uma CPI exclusivamente para apurar o governo federal eu sou totalmente contra. Se tiver CPI, que se apure todos os entes da Federação, inclua estados e municípios e os impactos da liberação da eleição de 2020 para o surgimento da nova cepa (P.1)", escreveu.

Um primeiro passo para a instalação da CPI para investigar as ações e omissões do governo federal no combate ao coronavírus deve ocorrer nesta terça-feira (13), com a leitura do requerimento da comissão pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Mesmo com as assinaturas necessárias, Pacheco vinha bloqueando a criação do colegiado. Segundo ele, o momento não é adequado para investigação parlamentar com potencial de trazer forte instabilidade na política nacional.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), no entanto, determinou que a CPI fosse instalada. A decisão liminar (provisória) é de quinta-feira (8).

Inicialmente, a ordem do ministro seria analisada no plenário virtual da corte, no qual são depositados os votos, sem debates. No sábado, Luiz Fux, presidente do STF, após consulta aos ministros, antecipou o julgamento para esta quarta (14), que será no plenário físico da Corte.

Na manhã desta segunda (12), Bolsonaro escreveu em suas redes sociais que "nos momentos difíceis deve-se unir forças, nunca ofender exatamente aquele que pode ser decisivo nesse salvamento".

"Convença aqueles que estão ao seu lado a defender a Constituição, em especial seu art. 5°, a nossa bandeira verde e amarela", disse. "Cada vez mais a população está ficando sem emprego, renda e meios de sobrevivência, o caos bate na porta dos brasileiros. Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e prepare-se", afirmou.

Agora, a principal frente de ação do Palácio do Planalto é tentar conseguir que assinaturas sejam retiradas por senadores até esta terça-feira. Dos 81 senadores, 32 assinaram o pedido de CPI —são necessários 27.

A ameaça de uma CPI com potencial de criar problemas para governadores é considerado um argumento importante para o Planalto, que mira principalmente congressistas ligados a governos estaduais.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pediu que as apurações envolvam também os gestores locais.

"Dessa forma, não cabe, a nosso ver, instituir uma comissão parlamentar de inquérito para proceder à investigação da atuação dos órgãos estatais diante da pandemia do Covid-19 e limitar o seu escopo exclusivamente aos agentes públicos federais. Trata-se de um sistema nacional e assim deve ser avaliado", escreveu Vieira.

O requerimento dele foi apresentado à Secretaria-Geral da Casa no sábado. Após a instalação da CPI, basta a maioria simples para a aprovação desse pedido de ampliação do escopo da comissão.

Essa possível ampliação do escopo da investigação interessa ao Planalto mesmo se a estratégia de tentar a retirada das assinaturas não surtir efeito.

Se a CPI sair do papel, o Planalto considera que pode equilibrar o desgaste da investigação contra os atos de Bolsonaro com o discurso adotado há meses pelo presidente: o de que estados e municípios receberam vultuosos recursos da União para combater o vírus, mas não só falharam em conter a doença como muitos teriam praticado desvios e ilícitos.

Congressistas que apoiam a CPI, no entanto, dizem que as declarações de Bolsonaro não devem ser suficientes para reverter assinaturas e que o presidente está, novamente, tentando mobilizar sua base.

De acordo com eles, o pedido original da CPI já era amplo o bastante para apurar o uso de dinheiro federal no combate à pandemia, o que obviamente abarcaria administrações locais que tivessem usado esses recursos.

Mesmo com a formalização da CPI, senadores estão céticos quanto à possibilidade de a comissão efetivamente funcionar. Congressistas dizem que o colegiado não tem condições de trabalhar sem as mínimas garantias sanitárias, uma vez que as reuniões de CPI ocorrem em salas fechadas e com reduzida circulação de ar.

De acordo com senadores, é inviável colher depoimentos de forma remota. Mesmo se houver sessões presenciais, eles afirmam que qualquer testemunha poderia alegar motivos médicos para não comparecer. Além do mais, parlamentares dizem que uma CPI que funcione remotamente impossibilita a análise de documentos sigilosos.

A percepção de que a CPI não tem no momento condições de funcionar é partilhada tanto por apoiadores de Bolsonaro quanto por alguns parlamentares da oposição. Três senadores morreram de Covid: Arolde de Oliveira (PSD-RJ), José Maranhão (MDB-PB) e Major Olímpio (PSL-SP).


SENADORES QUE ASSINARAM PEDIDO DE CRIAÇÃO DA CPI DA COVID

  1. Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
  2. Jean Paul Prates (PT-RN)
  3. Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
  4. Jorge Kajuru (Cidadania-GO)
  5. Fabiano Contarato (Rede-ES)
  6. Alvaro Dias (PODE-PR)
  7. Mara Gabrilli (PSDB-SP)
  8. Plínio Valério (PSDB-AM)
  9. Reguffe (PODE-DF)
  10. Leila Barros (PSB-DF)
  11. Humberto Costa (PT-PE)
  12. Cid Gomes (PDT-CE)
  13. Eliziane Gama (Cidadania-MA)
  14. Omar Aziz (PSD-AM)
  15. Paulo Paim (PT-RS)
  16. Rose de Freitas (MDB-RS)
  17. José Serra (PSDB-SP)
  18. Weverton (PDT-MA)
  19. Simone Tebet (MDB-MS)
  20. Tasso Jereissati (PSDB-CE)
  21. Oriovisto Guimarães (PODE-PR)
  22. Jarbas Vasconcelos (MDB-PE)
  23. Rogério Carvalho (PT-SE)
  24. Otto Alencar (PSD-BA)
  25. Renan Calheiros (MDB-AL)
  26. Eduardo Braga (MDB-AM)
  27. Rodrigo Cunha (PSDB-AL)
  28. Lasier Martins (PODE-RS)
  29. Zenaide Maia (PROS-RN)
  30. Paulo Rocha (PT-PA)
  31. Styvenson Valentim (PODE-RN)
  32. Acir Gurgacz (PDT-RO)

Folha de S. Paulo: Oposição vê clima para CPI da Covid na Câmara após ordem do STF ao Senado

Já Arthur Lira, presidente da Casa e aliado de Bolsonaro, diz não ser esse o momento para se apontar o dedo para ninguém

Danielle Brant, Folha de S. Paulo

A ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), para que o Senado instale a CPI da Covid deu novo fôlego à oposição na Câmara, que vê ambiente favorável para pressionar deputados a recolher assinaturas para abrir uma comissão parlamentar de inquérito na Casa.

A articulação foi retomada após Barroso mandar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criar o colegiado. A decisão liminar (provisória) do ministro será analisada pelo plenário do STF na quarta-feira (14).

Na decisão, Barroso afirmou que já estavam presentes requisitos necessários para abertura de comissão, como assinatura favorável de mais de um terço dos senadores, e argumentou que o chefe do Senado não poderia se omitir em relação ao tema.

Não é a primeira vez que o STF determina a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos, em 2007, a do Apagão Aéreo, e, em 2014, a da Petrobras.

Assim como Pacheco, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já se manifestou contra a abertura da CPI. Em março, ele afirmou que o Congresso não deveria parar para investigar a gestão do governo na pandemia ou procurar culpados por erros.

Na sexta-feira (9), em evento na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), em Arapiraca (AL), Lira voltou a rechaçar a abertura de uma CPI pela Câmara.

Segundo ele, não é o momento para "se apontar o dedo para ninguém". "Daqui a dois, três meses, esses culpados vão estar morando em outro lugar, vão estar apagadas as provas, vão estar escondidas as evidências? Não."

"Então, você [vai] mobilizar 20, 30 senadores numa sala fechada quando o Congresso está funcionando virtualmente e ter de trabalhar presencialmente para fazer política? Porque o que nós não precisamos neste momento é politizar mais um tema."

Lira disse que "quem errou vai pagar" e que o "preço de 330 mil vidas é muito alto para qualquer sociedade, mas não nesse momento e não dessa maneira". O Brasil já soma mais de 350 mil mortos pela Covid-19.

Acho que a CPI [do Senado] cria um clima, um novo ambiente, especialmente se, de fato, for instalada rapidamente, de a Câmara também cumprir seu papel de fiscalizar essas questões da CovidAlex Manente (SP)

líder do Cidadania na Câmara

Deputados da oposição e de partidos de centro, no entanto, veem oportunidade para pressionar colegas e, assim, conseguir o mínimo de 171 assinaturas necessárias para a criação da CPI. A Câmara tem 513 parlamentares.

Segundo a deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), cerca de 90 deputados já haviam apoiado a criação da comissão até a última sexta-feira.

Para ela, a CPI no Senado "está assustando as hostes do governo". "Estavam preocupados de não criar CPI e agora vão ficar preocupados porque a CPI vai acontecer no Senado, onde há um grupo mais amplo que quer esclarecer esse processo", disse.

A deputada afirmou que a instalação da comissão no Senado favorece a abertura de um processo semelhante na Câmara. De acordo com ela, a medida seria barrada por Lira.

"Acho que ele separa as coisas. Para colocar uma CPI sem ser uma pressão muito grande, sozinho, ele não coloca. Ele coloca mais na frente, se sentir que os interesses do centrão estão sendo ameaçados."

Vice-líder da minoria na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) lembrou que CPI é direito constitucional e não depende do desejo político de quem comanda a Casa.

"A demora de instalar acabou gerando essa incidência do Supremo Tribunal Federal sobre o Senado. Seria desnecessária essa incidência se houvesse a instalação pelo próprio presidente do Senado", disse.

Em sua decisão, Barroso afirmou que não cabe ao presidente do Senado fazer uma análise de conveniência em relação à abertura da CPI e que ele é obrigado a fazê-la quando estão cumpridas as exigências da Constituição sobre o tema.

Na Câmara, para conseguir as assinaturas exigidas, a oposição, que tem 125 deputados, precisaria do respaldo de deputados de centro. Feghali disse acreditar que isso é possível, incluindo o apoio de deputados de centro-direita.

"Tenho certeza de que assinarão esses pedidos de CPI, porque as denúncias são muitas, o número de mortes cresceu assustadoramente, e vários parlamentares têm interesse de investigar os crimes que se repetem do governo federal", disse.

O líder do Cidadania na Câmara, Alex Manente (SP), segue a mesma linha de Feghali. "Acho que a CPI [do Senado] cria um clima, um novo ambiente, especialmente se, de fato, for instalada rapidamente, de a Câmara também cumprir seu papel de fiscalizar essas questões da Covid."

Outros deputados veem na CPI uma forma de encontrar os responsáveis pelos erros no enfrentamento à pandemia no país e investigar a conduta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

"Não podemos continuar enterrando pessoas que poderiam estar vivas se não tivéssemos um presidente tão irresponsável. A postura do governo brasileiro diante da crise é criminosa", afirmou a líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ).

"A oposição está mobilizada para conseguir assinaturas para uma CPI. Mais que isso, já chegou a hora de um pedido de impeachment que unifique todos setores que defendem a vida."

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) também defende a instalação de uma comissão pela Câmara.

"A CPI da Covid pode ajudar no combate à tragédia da pandemia no Brasil, ajudar a acelerar a produção de vacinas no país e aperfeiçoar o SUS", disse. "Pode igualmente apontar os crimes praticados pelo presidente da República."

Mesmo deputados do centrão reconhecem que haveria espaço para criação da CPI. "Se o Bolsonaro não mudar o discurso e a estratégia no dia dia, será inevitável", afirmou Fausto Pinato (PP-SP).

Na avaliação de deputados próximos a Lira, principal líder do bloco do centrão, apesar de o presidente da Câmara ser contrário à instalação de uma CPI, a resistência poderia ser menor se a ideia fosse criar uma comissão mista de deputados e senadores, a exemplo da que já existe para apurar fake news.

Enquanto isso, o governo pressiona para que senadores retirem a assinatura do requerimento de criação da comissão parlamentar de inquérito. Assim, o requerimento passaria a ter menos de 27 apoiadores —o mínimo exigido para abrir uma CPI.

O documento hoje tem 32 nomes, entre oposicionistas e alguns que se declaram independentes ao governo. Integrantes do MDB, maior bancada do Senado, defendem a investigação.

A tentativa, porém, deve ser frustrada, porque há a avaliação de que a retirada de assinaturas agora passaria uma mensagem negativa, considerando que o requerimento foi protocolado há mais de dois meses.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que assinou o requerimento, critica a tentativa do governo. "É uma demonstração de medo da apuração e chama a atenção, porque, como bem diz o presidente da República, quem não deve não teme", afirmou.

O congressista protocolou neste sábado (10) um pedido de aditamento da CPI da Covid para ampliar o escopo, com a intenção de incluir nas investigações atos praticados por agentes políticos e administrativos de estados e municípios na gestão de recursos federais.

"Para não deixar margem de dúvida, já está apresentado, foi protocolado, e a gente vira esta página e o governo vai ter de inventar outra desculpa [para não apoiar a CPI]", disse. Após a instalação da CPI, o pedido precisa ser aprovado por maioria simples.

Reportagem da Folha neste sábado mostrou que a decisão do STF aumentou o poder de fogo do Senado sobre Bolsonaro.

Para reagir à CPI do Senado, o governo vinha tentado convencer senadores pelo medo, alegando a possibilidade de ampliação do escopo da CPI para atingir prefeitos e governadores, o que comprometeria aliados importantes de congressistas, inclusive da oposição, pouco mais de um ano antes das eleições.

Neste sábado, o próprio Bolsonaro manifestou apoio à ampliação do escopo da comissão.

"A CPI [é] para apurar omissões do presidente Jair Bolsonaro, isso que está na ementa. Toda CPI tem de ter um objeto definido. Não pode, por exemplo, por essa CPI que está lá, você investigar prefeitos e governadores, onde alguns desviaram recursos. Eu mandei recursos para lá, e eu sou responsável?", disse.

"Conversei com alguns [senadores] e a ideia é investigar todo mundo, sem problema nenhum", afirmou. Para o presidente, a CPI foi feita pela "esquerda para perseguir e tumultuar".


Eliane Cantanhêde: Sorte e juízo!

Prefeitos assumem com pandemia, pobreza, discurso de ódio e Bolsonaro na praia

Os prefeitos que assumiram no primeiro dia do ano precisam de liderança, força política, experiência, capacidade administrativa e bom senso, além da indispensável ética com a coisa pública. O foco estará em todos e cada um, principalmente em Eduardo Paes (DEM), que reencontra a Cidade Maravilhosa com o amor próprio ferido, arrasada administrativa e financeiramente. Ele não assumiu uma prefeitura, entrou numa guerra.

São tempos difíceis e desafiadores para Paes, os reeleitos Bruno Covas (PSDB) e Alexandre Kalil (PSD), em São Paulo e Belo Horizonte, e para todos os demais: Bolsonaro na praia, vírus a mil, idas e vindas das vacinas, lojas fechando, empresas quebrando, desemprego grassando. E a ajuda emergencial acabou junto com 2020.

O equilíbrio é complicado: responsabilidade com as contas públicas, mas como não gastar com leitos, remédios, profissionais extras, pessoas e famílias? Sem esquecer que estamos em janeiro, é época de chuvas, temporais, desabamentos. O que dá um frio na barriga. Onde há planejamento e diligência, tudo bem. E onde não há?

Além das duríssimas questões administrativas, que incluem educação, a volta às aulas, transportes e saneamento, os prefeitos, novos ou reeleitos, têm a obrigação de quebrar o discurso de ódio, negacionismo, polarização. Girar o leme para o futuro: inclusão, generosidade, combate sério ao vírus, civilidade com os opositores.

Nas posses, aqui e acolá, os prefeitos registraram também preocupação com desigualdade, racismo, homofobia e feminicídio, patologias incompatíveis com um País multirracial, plural e tão acolhedor, mas que estão na moda, em alta. Com estímulos indiretos e até diretos que vêm de “cima”. Não exatamente dos céus.

Tudo isso, aliás, foi firmado nos votos de 2020, que jogaram fora os devaneios da “nova política” e optaram pelo conhecido, testado. Paes, no Rio, é reconhecido pela capacidade de trabalho e de gestão, essenciais para a reconstrução de uma cidade tão atacada, num Estado em que quase todos os ex-governadores passaram pela prisão, o atual foi afastado sem volta, o ex-prefeito está imobilizado com tornozeleira.

Em São Paulo, onde o tucano Bruno Covas travou o bom combate com Guilherme Boulos (PSOL), nova cara da esquerda, as forças políticas se movem com responsabilidade num ambiente de pandemia e de incerteza econômica, que exige mais racionalidade, menos disputa ideológica. E as contas ajudam, depois da renegociação de dívidas camarada feita da capital com o governo Dilma Rousseff. Faz toda a diferença.

Em BH, Kalil não foi apenas reeleito, mas vice-campeão de votos do primeiro turno, só atrás de Bruno Reis (DEM), de Salvador. Sem tititi, sem fazer questão de ser simpático e engraçadinho, Kalil surpreendeu por fazer a coisa certa, não se submeter ao Palácio da Liberdade nem ao Planalto e tratar a pandemia como ela é: perigosa, que adoece, mata, deixa sequelas inclusive na economia.

Esse flash do “Triângulo das Bermudas” projeta o cenário político. PSDB mantém estado e capital em São Paulo. DEM tem Paes no Rio, ACM Neto se desvencilhando da Prefeitura de Salvador e Rodrigo Maia, da presidência da Câmara, ambos livres para articulações nacionais. PSD, que ora vai para um lado, ora para o outro, ganha novo status para 2022, ao herdar uma Minas Gerais órfã do PSDB e do PT.

Dos prefeitos, esperam-se competência, bons resultados e capacidade política para vencer arroubos autoritários, priorizando a responsabilidade com o País, a visão de conjunto e o respeito aos adversários, pondo os interesses das cidades, dos Estados, do País e, sobretudo, dos cidadãos, acima das próprias conveniências. Juízo e boa sorte a todos! O sucesso de vocês será de todos nós.