posse prefeitos

Míriam Leitão: Acertos iniciais dos prefeitos

Nas três maiores cidades do país, os prefeitos assumiram com discursos claros em defesa da diversidade, da democracia, e da saúde. Em São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas e Alexandre Kalil já estavam no cargo, por isso a atenção ficou mais concentrada no Rio. Eduardo Paes quis marcar a mudança radical de estilo de gestão com sua chuva de decretos e medidas emergenciais. Das três cidades, a situação do Rio é a mais dramática em todos os sentidos, do colapso fiscal ao descalabro administrativo.

Nem todas as cidades estão em situação de penúria fiscal porque as transferências diretas do governo federal, para compensar a queda de arrecadação e a suspensão temporária do pagamento da dívida com o Tesouro permitiram a várias capitais chegar ao fim do ano passado com dinheiro em caixa e capacidade de investir. Não é o caso do Rio. As capitais em geral são menos endividadas do que os estados, e a cidade de São Paulo foi a mais beneficiada pela renegociação de dívida feita no governo Dilma, que permitiu a troca de indexador, inclusive com efeito retroativo. Isso reduziu fortemente a dívida da capital paulista. Foi possível trocar o IGP-M mais 6% por IPCA mais 4%, ou por Selic, o que fosse menor. Imagina se não tivesse havido essa troca? O IGP-M em 2020 deu 23%. As dívidas estão sendo corrigidas pela Selic de 2%.

O Rio tem anomalias de toda ordem. Uma delas foi a transição feita entre uma equipe acéfala que estava saindo e a que estava chegando. No dia em que o ex-prefeito Marcelo Crivella foi preso, muitas reuniões da transição foram canceladas. Os dados passados aos novos secretários estão incompletos e muitas equipes começaram a saber ontem que tudo é muito pior do que imaginavam. A saúde e a educação estão em situação dramática. O aumento de leitos para pacientes de coronavírus e a criação do Centro de Operações de Emergência, anunciados ontem, foram medidas extremamente necessárias. O Rio passa a ter agora um gestor que tem noção da emergência sanitária que a cidade vive.

Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil disse que a capital mineira é “uma cidade de todos, de LGBTs, cristãos, evangélicos, negros”. E agradeceu a oposição pela pluralidade. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas começou citando a vice-presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, para falar da fragilidade da democracia. Atacou o negacionismo, “os intolerantes e os lacradores”. No Rio, Eduardo Paes disse que fará um governo antirracista, e prometeu combater “essa chaga brasileira”.

Um prefeito do Rio tem que, antes de tudo, entender isso, e tomara que Paes vá além das palavras. Aqui as marcas da exclusão são muitos visíveis. Milhares de africanos escravizados desembarcaram no Rio para viver longo martírio e, ao mesmo tempo, construir o país. Que faça sim uma administração antirracista, porque é a única que honra o Brasil e a sua identidade plural.

Tudo o que disseram os novos prefeitos afasta as administrações locais da intolerância ao diferente e à diversidade de opinião que é a marca do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. E houve na festa democrática de ontem simbologias importantes. Em São Paulo, a posse foi presidida por Eduardo Suplicy, do PT. Na cidade, a bancada da esquerda, somando-se PT e PSOL, cresceu bastante. No Rio, a posse dos vereadores foi comandada por Tarcísio Mota, do PSOL, o vereador mais votado, amigo de Marielle Franco. A viúva da vereadora assassinada, Monica Benício, também tomou posse.

Revigorados pelo voto, os prefeitos das capitais e principais cidades brasileiras estão mostrando que tomarão as decisões que o governo federal ignora no combate à pandemia. Foram posses cuidadosas, com pouco ou nenhum convidado, presencial com máscara, como no Rio, ou remota, como em Belo Horizonte. O cenário de precaução se repetiu nas outras capitais.

Bolsonaro, com sua atitude irresponsável de negar a doença, a ciência, espalhar mentiras sobre a vacina, promover aglomerações e atrasar decisões inadiáveis, chega ao meio de mandato com uma posse de prefeitos que dá mais um sinal do seu isolamento político. O que os eleitores disseram é que querem administradores que os protejam da pandemia. Por isso a pressão por um programa de imunização vai crescer nos próximos dias.


Merval Pereira: Despertar para a realidade

O ano que começou será conhecido como o do réveillon que não aconteceu com festas oficiais nem multidões nas ruas, especialmente no Rio de Janeiro, que já se tornou o ponto turístico internacional desse tipo de acontecimento. Mas o senso de urgência no combate à COVID-19 que marcou a posse dos prefeitos não evitou que festas clandestinas e demonstrações explícitas de irresponsabilidade acontecessem.

No Rio e no litoral paulista, praias lotadas e bares repletos evidenciaram que muita gente ainda não despertou para a gravidade da situação em que nos encontramos, especialmente diante da perspectiva sombria de não sabermos quando teremos vacinação. Mais uma vez o próprio presidente Bolsonaro estimulou comportamentos contrários às normas de segurança sanitária.

Em férias na Praia Grande, litoral paulista, mais uma vez provocou uma aglomeração de entusiastas que, ao gritos de “mito”, cercaram-no quando se aproximou da praia nadando, vindo de um barco em que passeava.

Os prefeitos das principais cidades do país e, mesmo aqueles, como Eduardo Paes, do Rio, que não estão em oposição ao governo federal por absoluta impossibilidade financeira, marcaram posição oposta à do presidente Jair Bolsonaro no tratamento da pandemia.

Ao contrário do governo federal, que nunca colocou o combate à pandemia entre suas prioridades, os novos prefeitos, e outros, reeleitos, como o de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que tomou posse virtualmente, colocaram suas cidades em alerta contra o novo coronavírus.

O prefeito reeleito no primeiro turno com mais de 60% dos votos ganhou dimensão nacional ao ser citado pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, como um nome a ser discutido para candidato à presidência da República no ano que vem. O mais provável, porém, é que Kalil venha a disputar o governo do seu estado, já que está em franca oposição ao governador do Novo Eduardo Zema, aliado a Bolsonaro na maneira de enfrentar a pandemia.

No primeiro minuto do primeiro dia do ano e de mandato, o novo governo do Rio anunciou, através de seu secretário da Fazenda, deputado Pedro Paulo, uma série de medidas administrativas para cortar custos e investigar ações do governo anterior de Marcelo Crivella. Sabendo que, além de medidas concretas, é preciso também “deixar de lado o baixo astral”, como citou no discurso de posse na letra do samba “Conselho”, de Adilson Bispo e Zé Roberto, o prefeito Eduardo Paes também divulgou um vídeo logo pela manhã no alto do Cristo Redentor, juntando símbolos do Rio como sinal de um novo tempo que se prenuncia, apesar da “herança perversa”, como se referiu aos restos a pagar e às dívidas que recebeu de Crivella.

A abertura de 343 novos leitos para pacientes do coronavírus, e a criação de um Centro de Operações de Emergências, com um comitê independente de especialistas que assessorará a Prefeitura são algumas das medidas já anunciadas. O combate à COVID-19 foi também destaque na posse do prefeito de São Paulo Bruno Covas, que anunciou que a cidade “está pronta para vacinar em massa”, numa referência à vacina do Instituto Butantan, com base na tecnologia chinesa da Sinovac, que tem sido motivo de disputa entre o presidente Bolsonaro e o governador paulista João Doria, de quem é aliado.

Covas atacou o negacionismo de Bolsonaro, sem cita-lo, afirmando que é uma atitude que está "com os dias contados". Se referindo à necessidade de banir o "vírus do ódio", Covas advertiu que a atividade política "não é para intolerantes nem lacradores", em mais uma referência indireta a Bolsonaro e seus seguidores nas redes sociais. "As urnas deram o recado de moderação muito claro", alertou.

Bolsonaro tem tido renovadas demonstrações de que seu jeito leviano de levar a presidência tem seus apoiadores, e não são apenas os radicais da extrema-direita. Caberá à oposição, que é a maioria, a tarefa de encontrar candidatos que possam levar a eleição presidencial ao segundo turno com chance de vencer.