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Pedro Fernando Nery: Salário dos militares do governo pode chegar a R$ 80 mil com teto duplex
Militares não se aposentam. Foi assim que sempre argumentaram as Forças Armadas para se livrar da equiparação das regras previdenciárias com civis.
Militares se aposentam: e os ministros militares do governo são aposentados. É o que buscou a Defesa para se livrar do limite remuneratório (conhecido como teto). Argumenta-se que esses generais devem poder receber acima do limite/teto acumulando “aposentadoria” e o salário de ministro.
Estariam, assim, incluídos nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) que permitem – excepcionalmente nesses casos – que o teto remuneratório seja dobrado, aplicado separadamente a cada um dos pagamentos, e não à soma deles (aposentadoria+salário).
Deixa de valer, assim, o limite de R$ 39,2 mil, o salário de ministros do Supremo que é a remuneração máxima no serviço público. Com a dobra do limite feita, o chamado “teto duplex” iria para quase R$ 80 mil. É 70 vezes o soldo dos recrutas. A mudança decorre de uma portaria do Ministério da Economia (que, aliás, não diz como vai pagar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal).
Militares da reserva com cargos no governo serão beneficiados, porque até então o acúmulo de salário e aposentadoria esbarrava no teto. Agora, o limite será o teto dobrado. Haverá aumentos para o presidente, mas principalmente para os generais. Segundo jornais, o vice Mourão receberia mais de R$ 63 mil mensais a partir de agora, os ministros Braga Netto, da Defesa, R$ 62 mil; Heleno, da Segurança Institucional, R$ 63 mil; e Ramos, da Casa Civil, R$ 66 mil.
A alegação para a portaria seria o cumprimento de uma decisão do STF, que permitiu que o limite remuneratório de R$ 39,2 mil seja observado separadamente para aposentadoria e para salário. Seria, assim, um limite para cada vínculo. Mas militar na reserva perde o vínculo?
A Constituição prevê que a aposentadoria afasta o vínculo com o empregador, seja na iniciativa privada ou no governo. Só que militares sempre justificaram que não se aposentam, que há apenas uma “transferência para a reserva remunerada”, que seguem à disposição do Estado e que podem ser convocados.
O TCU também havia decidido em anos recentes que, “na hipótese de acumulação de aposentadoria com a remuneração decorrente de cargo em comissão, considera-se, para fins de incidência do teto constitucional, cada rendimento isoladamente”. A expressão usada é aposentadoria, o que não se aplicaria aos generais.
Mesmo no STF, a discussão no julgamento da questão não parece ter levado em conta os militares. Por exemplo, o ministro Lewandowski, para quem o teto de R$ 39,2 mil sobre aposentadoria+salário violaria a dignidade da pessoa humana, observou que a aposentadoria é contraprestação por décadas de contribuição.
Mas militares não contribuem para a transferência para a reserva (ou “aposentadoria”), porque esta não seria um benefício (já que ainda estão à disposição etc.). Não é exagero do colunista: nenhum dos generais na reserva contribuiu sequer com um centavo em qualquer mês da carreira militar para o que agora querem considerar uma aposentadoria.
O argumento de que militar não se aposenta foi usado historicamente para evitar a imposição de idades mínimas para aposentadoria (90% sai da ativa com menos de 55 anos, 50% antes de 49), de contribuições de aposentados (como no serviço público civil) e de cálculo de aposentadoria com base na média salarial (como no INSS). Militares ainda têm a integralidade: vão para a reserva com 100% do maior salário. “Os militares nunca tiveram e não têm um regime previdenciário” escreveu Mourão em 2017 no texto “Por que os militares não devem estar na reforma da Previdência?”. O vice prometeu doar o dinheiro.
Agora, para pegar carona nas decisões do TCU e do STF autorizando o limite duplo para aposentados que recebem salário, o governo editou portaria estendendo o limite duplo para “militares na reserva”. As decisões não trataram desses casos, que exigiriam uma emenda à Constituição – já que é controverso o status dos militares da reserva. Qual o limite dos generais?
*Doutor em economia
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Arnaldo Jordy: O ministro surtou
Uma simples portaria do Ministério do Trabalho representou um retrocesso de décadas no combate ao trabalho escravo no Brasil, a ponto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão das Nações Unidas responsável pela normatização das atividades laborais no mundo todo, divulgar que o Brasil deixa de ser uma referência no combate a essa prática para a comunidade internacional.
De acordo com o Ministério Público do Trabalho, a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho contraria o Código Penal Brasileiro, duas convenções da OIT, decisões do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A mudança é tão drástica que os próprios fiscais estão decididos a ignorar a portaria e articulam uma greve em diversos estados, inclusive o Pará, sempre tido como um dos líderes em ocorrências de trabalho escravo. Entre 2003 e 2017, 43.428 pessoas foram resgatadas pela fiscalização em condições degradantes de trabalho, das quais, 9.835 no Pará, o Estado com o maior número de vítimas dessa triste estatística.
A ameaça já pairava sobre o trabalho dos fiscais desde que o orçamento do Ministério do Trabalho sofreu corte de 43% para este ano. A permissividade com a degradação do trabalho encontrou abrigo em alguns aspectos da reforma trabalhista, contra os quais me rebelei, como o dispositivo que acabava com a responsabilização solidária ou subsidiária da empresa contratada, nos casos em que em uma das subcontratadas fosse flagrada cometendo trabalho escravo. Felizmente, o relator acolheu minha sugestão e mudou esse aspecto do projeto, melhorando o texto. Nada contra a modernização das relações de trabalho em acordo com a tecnologia e a vida moderna, mas na Amazônia não podemos tornar ainda mais precárias as condições de trabalho que já são muitas vezes degradantes, sobretudo no campo.
Não tem cabimento em pleno século 21, um país que tem a nona economia do mundo, segundo o FMI, ainda tenha em tantas ocorrências desse crime vergonhoso. Hoje, o artigo 149 do Código Penal, alterado pela Lei 10.803/2003, já estabelece prisão de dois a oito anos e multa para quem reduzir alguém à condição análoga à de escravo. Foi um avanço que colocou o Brasil em consonância com as recomendações da OIT, mas, ao não distinguir claramente entre trabalho em condições análogas à de escravo e trabalho em condições degradantes, acabou por dificultar a aplicação da própria lei. São raríssimas no Brasil as condenações definitivas por esse crime, o que já foi percebido e denunciado pela própria OIT, para a qual, a impunidade ainda é um dos principais gargalos do enfrentamento do trabalho escravo no Brasil.
Por esse motivo, apresentei em 2012 o Projeto de Lei 4.017, para dar uma redação mais abrangente e adequada ao artigo 149, com foco nas formas urbanas de escravidão moderna, encontradas, por exemplo, em alguns setores da construção civil, de vestuário e de calçados, caracterizadas pelo constrangimento físico ou moral, condições de trabalho destituídas de dignidade e ausência de relação empregatícia. A lei propõe o agravamento das penas para tais delitos, fixando-as entre três e quinze anos de prisão, sinalizando que a salvaguarda jurídica da liberdade é mais relevante que a tutela jurídica do patrimônio, uma vez que as penas máximas cominadas para o roubo simples e para a extorsão simples são de dez anos.
O trabalho escravo urbano se apresenta em situações diferentes do trabalho escravo no ambiente rural, em que há restrição da liberdade de locomoção. Mesmo sem ficar preso no ambiente de trabalho, esse escravo urbano é submetido a condições degradantes e jornadas exaustivas. São justamente esses escravos urbanos que ficaram desprotegidos com a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, que, na prática, reduz o flagrante aos casos em que o trabalhador é impedido de ir e vir, o que é bem diferente do conceito de escravidão moderna nas grandes cidades, que atinge principalmente imigrantes pobres.
A portaria do Ministério do Trabalho significa retrocesso em um cenário que era de avanço desde 1995, quando o Brasil reconheceu oficialmente à OIT a existência de trabalho análogo à escravidão em seu território e, desde então, vinha avançando no combate à exploração de trabalhadores, esforço que foi reconhecido pela OIT, ao classificar o país como exemplo nesse propósito, que não pode ser jogado fora.
Por esse motivo, apresentei Projeto de Decreto Legislativo (PDC), com pedido urgência, para revogar a Portaria 1.129, que está na contramão de todas as recomendações internacionais sobre o assunto e abriu uma crise dentro do próprio Ministério do Trabalho, onde há recomendações internas para que a norma não seja cumprida.
Outra situação grave criada pela portaria é a concentração de poder na pessoa do ministro Ronaldo Nogueira para autorizar a divulgação da lista suja do trabalho escravo no Brasil, algo absolutamente inadmissível. Não se pode condenar um crime e poupar a figura do criminoso.
O presidente Michel Temer, já que não faz o que prometeu quando disse que demitiria os ministros denunciados por corrupção, e já são nove até agora, poderia pelo menos demitir os incompetentes, como Ronaldo Nogueira, que nesse caso, voltaria à Câmara, onde é deputado.
* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara