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RPD || Rodrigo Augusto Prando: A politização da vacina e o Bolsonarismo
Alheio às mais de 177 mil mortes por conta da pandemia e já em campo pela reeleição em 2022, Jair Bolsonaro politiza uma questão eminentemente de saúde pública em uma disputa com o Governador João Doria, seu concorrente direto
Provavelmente, o ano de 2020 seja palco não apenas de cenas dramáticas de uma pandemia que levou à enfermidade e à morte milhares de pessoas, mas, também, de uma das maiores evoluções no campo da ciência ao se permitir uma vacina em menos de um ano. Em 08/12/2020, na Inglaterra, foi iniciada a imunização de sua população. E nós, brasileiros, como estamos?
Em nosso país, houve uma conjugação de crises. Crise sanitária, advinda do coronavírus; crise econômica, consequência direta da pandemia; crise política e de liderança, cujo fulcro está nas ações e discursos de Jair Bolsonaro e dos bolsonaristas. Já sabíamos, desde os idos de 2018, que o então deputado Jair Bolsonaro trilhava o caminho sinuoso das redes sociais, especialmente, alicerçado sobre clima de ódio, medo e rejeição – todos característicos da eleição de 2018 – mas, ainda, seguia lépido e à vontade junto às fake news, negacionismos, pós-verdade e teorias da conspiração. Bolsonaro foi eleito, mas não governou nesta primeira metade do mandato.
Situação, provavelmente, inédita de um presidente que, por dois anos, confronta as instituições da democracia, os atores políticos e a própria sociedade e que, nos próximos dois anos, buscará sua reeleição. No bojo de seu presidencialismo de confrontação, Bolsonaro e os bolsonaristas foram, como todos nós, jogados numa situação pandêmica que suspendeu a normalidade de nossas vidas cotidianas. Estamos, todos (ou quase), em compasso de espera pela vacina capaz de nos imunizar, já que não há tratamento comprovadamente eficaz para os quadros mais graves da Covid-19. Desafortunadamente, a pandemia encontrou um presidente sem liderança, um governo que não governa e uma sociedade fraturada politicamente, quase em estado de anomia.
A ciência, os especialistas, os intelectuais públicos, os jornalistas e a Política foram, nestes tempos de bolsonarismo, atacados e, inicialmente, muitos atribuíam às declarações de Bolsonaro uma perspectiva anedótica, caótica. Em Os engenheiros do caos (2019), Giuliano Da Empoli, asseverou que: “No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo. Mal se está comentando um evento, e esse já é eclipsado por outro, numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática” (p.18). Segundo o autor, esse carnaval populista não é desprovido de método e tem, nos bastidores, os “engenheiros do caos”, cientistas especializados em Big Data, ideólogos e consultores políticos que sabem – e muito bem – o porquê de tensionar as regras da democracia e desacreditar a ciência e o jornalismo profissional.
O Brasil, com cerca de 177 mil mortos, como outros países, aguarda, em compasso de espera, uma vacina ou várias capazes de nos devolver à normalidade. O governo federal abençoa a parceria da Fiocruz com a Universidade de Oxford e o Laboratório AstraZeneca, mas ainda não estendeu apoio ao Estado de São Paulo, cujo Instituto Butantan vem desenvolvendo junto com laboratório chinês Sinovac a Coronavac. Uma questão eminentemente de saúde pública está sendo politizada no altar da disputa política que o Presidente Bolsonaro, já em campo pela reeleição em 2022, vem travando com o Governador João Doria, seu concorrente direto.
Doria acaba de desfechar golpe maquiavélico no Chefe de Estado. Anunciou que, a partir de 25 de janeiro próximo, São Paulo começará a vacinar profissionais da saúde, indígenas, quilombolas e todos aqueles, residentes ou não no Estado, demandaram as dezenas de postos de saúde especialmente montados para atender aos brasileiros. Quanto à autorização da Anvisa, o governador informa que, já este mês – dia 15, mencionou – passará à agência toda as informações e os protocolos necessários para assegurar que, no espaço de 40 dias, a autorização para a vacinação seja concedida, a não ser que haja obstrução política, vale dizer, do Planalto.
O cenário que se desenha é bem promissor para o Estado de São Paulo A vacina Fiocruz/Oxford apresentou problemas em seus testes, especificamente no que tange às doses aplicadas nos voluntários, e isto demandará mais estudos, atrasando a conclusão dos testes. Além disso, a produção desta vacina, segundo noticiado, dependerá da construção de uma fábrica, ou seja, de mais recursos financeiros do governo federal. Tal fato demonstra que os investimentos e a logística envolvidos não permitirão que vacinas estejam disponíveis em curto prazo, como a Coronavac em São Paulo. Governadores e prefeitos – há muito descrentes de qualquer liderança presidencial – já se articulam junto ao Butantan e ao Governo de São Paulo para garantir acesso à “vacina do Doria”.
Não se descartam atos extremados, como a judicialização do tema via Supremo Tribunal Federal, com vistas a forçar o governo federal, em última instância, Bolsonaro, a adotar a Coronavac para todo o país.
O cenário em tela será, por anos, capaz de gerar estudos de caso sobre a liderança (ou falta de) na condução do combate à pandemia, estudos que, banhados em ironia, se poderão enriquecer com a leitura de Maquiavel e suas reflexões em O Príncipe.
*Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.
Míriam Leitão: A politização da economia
Guedes tem politizado o seu ministério ao se lançar contra adversários do presidente. Deveria ser o ponto de equilíbrio
O pior que pode acontecer no meio de uma crise é a politização do Ministério da Economia. E é o que está acontecendo na gestão de Paulo Guedes. Quando o ministro dispara sua retórica cheia de ofensas aos supostos adversários do presidente, ele está sendo parte do problema e não da solução. A demora na sanção do projeto de socorro aos estados decorre do fato de que o programa passou a ser parte do arsenal na briga contra o isolamento social. Não faz sentido usar isso na queda de braço com os governadores.
As suas frases de imagens fortes e sempre com sujeito indeterminado são feitas sob medida para fortalecer o presidente Jair Bolsonaro na guerra perigosa que ele trava com os estados. “Vamos nos aproveitar de um momento de gravidade, uma crise na saúde, e vamos subir em cadáveres para fazer palanque? Vamos subir em cadáveres para arrancar recursos do governo? ”, disparou ele na sexta-feira, no balanço dos 500 dias de governo.
Ele ajudaria se dissesse de quem está falando. Quem está transformando tudo em palanque, desde o início? Se ele olhasse para o presidente Jair Bolsonaro, acertaria a resposta. O dinheiro não é do governo federal, é dos contribuintes. A dívida, se for contraída, será em nome dos brasileiros. Este é o momento em que necessariamente teria que haver uma solidariedade entre a União e os entes federados que estão na frente de combate contra a pandemia. O Ministério da Economia nestes momentos de crise precisa ser um ponto de equilíbrio comprometido principalmente com seus princípios e pontos inegociáveis.
Há bons quadros técnicos no Ministério que seguem fazendo seu trabalho, mas o ministro tem dado sempre um tom político e exaltado nas suas intervenções públicas, replicando o estilo do chefe. E vamos convir que ninguém precisa pôr mais lenha nesta fogueira que é acesa diariamente por Jair Bolsonaro.
Na questão do congelamento do salário do funcionalismo, ele atirou para todos os lados — Congresso, estados, servidores — e esqueceu, pelo visto, que o grande problema veio do próprio governo. Guedes não conseguiu convencer Bolsonaro de que deveria propor a redução salarial dos servidores federais. Também não conseguiu fazer um projeto próprio de congelamento. Por isso, negociou para que fosse incluída a proibição dos reajustes dentro do projeto do senador Davi Alcolumbre. Mas, para seu desgosto, o próprio líder do governo, falando em nome do presidente, votou a favor de livrar uma lista grande de categorias. Em vez de se voltar contra essa contradição interna do governo, ele ataca. “É inaceitável que tentem saquear o gigante caído, que usem a desculpa da saúde para saquear o Brasil.” Ora, se tivesse unificado a linguagem do governo ele poderia pôr sempre a culpa em terceiros.
Quando foi aprovado o projeto na Câmara, em abril, o presidente Bolsonaro atacou diretamente o deputado Rodrigo Maia. O ministro fez coro. Bolsonaro disse que Maia estava “conduzindo o Brasil para o caos” e que o deputado queria tirá-lo do governo. O ministro poderia ter sido água nessa fervura. Se tivesse negociado antes a proposta da Câmara poderia, quem sabe, evitar a conta em aberto que dizia ser a proposta de compensação das perdas do ICMS e ISS. Guedes preferiu dizer que o modelo era “irresponsável”, um “cheque em branco”, e uma “farra fiscal” e passou a trabalhar para ignorar o projeto no Senado. Rodrigo Maia havia sido o grande aliado para a aprovação da reforma da Previdência. Mas a briga agradava bastante Bolsonaro, que naquele momento disparava contra o presidente da Câmara, até com o velho método de ter sempre um adversário na algibeira.
Há muito o que o Ministério da Economia possa fazer para ajudar a apaziguar o país no meio desta crise, se ele entender que não pode ser parte da artilharia lançada contra os supostos adversários políticos. Ele, como presidente do Confaz, conselho que reúne os secretários de fazenda dos estados, poderia, por exemplo, ajudar nessa interlocução federativa.
Quando, na teleconferência com empresários, pede a eles que usem o fato de serem “financiadores de campanha”, para pressionar o Congresso a apoiar o governo, ou quando participa da caravana do lobby industrial sobre o STF, o ministro vira parte da confusão. O Ministério da Economia precisa ser técnico e saber exatamente quais são seus objetivos na economia.